quarta-feira, 27 de maio de 2015

Mexicanas - Martha Medeiros

Zero Hora 27/05/2015

“Ando tão mexicana...” Certa vez, coloquei essa queixa na boca de uma personagem de um livro para resumir como ela se sentia depois do fim de um amor. Ela chorava muito, tinha reações extremadas, dramatizava sua situação como se estivesse enfiada num vestido floreado e com uma flor vermelha no cabelo: uma mulher sofrendo sem nenhuma sobriedade.

O que eu sabia do México na época em que escrevi o livro? Que era um país colorido, apimentado e de emoções exuberantes – certamente eu estava induzida pela imagem que tinha de Frida Kahlo, cuja vida e obra se misturaram adquirindo uma potência que é hoje reconhecida por todos. O México me parecia um país cuja história e costumes estavam sempre escancarados, um país sem bastidores, apenas palco. Sofrer com sobriedade é para escandinavos, não para latinos.

Uma visão estereotipada, reconheço, mas depois de ter conhecido o México, de onde voltei recentemente, pude comprovar que eu não estava tão enganada. É um país que não engaveta seu passado e cujas cores berrantes nas fachadas, no artesanato e nos murais são um atestado de bravura e de orgulho. O México se expõe. Eu tinha razão ao adjetivar como mexicana uma mulher com suas feridas abertas.

Só não sabia que isso nada tinha a ver com vitimização.

Voltemos a Frida: teve poliomielite aos seis anos de idade. Aos 18, sofreu um acidente de ônibus que deixou sequelas graves – um pedaço de ferro entrou pelo seu quadril e saiu pela virilha. Passou por 35 cirurgias. Engravidou três vezes – e três vezes sofreu abortos espontâneos, não conseguindo realizar o desejo de ser mãe. Foi amada por seu marido Diego Rivera, mas teve que dividi-lo com várias outras mulheres, entre elas sua irmã mais próxima. Esse é apenas um resumo acanhado da biografia da pintora, sem entrar no mérito de sua arte e de seu engajamento político. Frida passou por dores torturantes, tanto físicas quanto emocionais, e em nenhum momento a gente tem dela a imagem de uma coitada. Por quê?

Porque, ainda que ela tenha revelado todo o seu drama nas telas que legou ao mundo, choramingar não era seu verbo. Viver, sim. Sofreu sem jamais perder o viço, o gosto e o entusiasmo pelos dias.

O sofrimento é um velho conhecido de todos nós, mas costumamos ter pudor com nossas lágrimas. A maioria das pessoas reparte sua infelicidade só com dois ou três amigos, às vezes com ninguém. Poucos sofrem com a vitalidade de Frida, que transformou sua dor em uma causa.

Quando minha personagem disse “ando tão mexicana”, ela não sabia o que falava e eu não sabia o que escrevia. Ambas reclamando de uma intensidade que só hoje reconheço como virtude. Agora sei que sentir-se mexicano é um elogio, não um estigma.