quarta-feira, 6 de maio de 2015

Um novo olhar sobre as palavras - Martha Medeiros

ZERO HORA 06/05/2015

Isso é bom, isso é ruim, isso é certo, isso é errado, isso é assim e não assado. Costumamos catalogar e etiquetar tudo, inclusive palavras e expressões. No entanto, algumas foram condenadas a ter um sentido negativo quando poderiam ser avaliadas por outro prisma – caso de “válvula de escape”, por exemplo. Bastou dizer que fulano está recorrendo a uma válvula de escape para que pensemos que a criatura não é de confiança, que é alguém que não enfrenta a realidade. Puro pensamento condicionado. Ora, qual o problema de se ter uma válvula de escape?
Uma viagem solitária, um amor escondido, um vício secreto, um pseudônimo, manias ocultas: ninguém precisa ser tão corretinho e tão transparente o tempo todo. Dar uma fugida para um mundo particular, só seu, não consta da lista de pecados mortais – supondo que você ainda acredite em pecados.
Frivolidade. Outra palavra para a qual os narizes se torcem. A ordem é ser sério e profundo para garantir o respeito alheio. Concordo, mas sem fanatismo. Sou séria, profunda, respeitável e também leve, superficial, brincalhona, tudo isso atendendo pelo mesmo nome e sobrenome. Virar refém da aura de intelectual que minha profissão impõe? Nunca pensei. Escritores também têm o direito de ser divertir, assim como juízes e padres. Frívolo, mesmo, é aquele que engessa a própria vida.


Escândalo. Precisa mesmo ser uma palavra que apavore os cidadãos de bom comportamento? É razoável que não queiramos mais escândalos na política, mas um decote escandaloso, um beijo escandaloso, uma performance escandalosa podem provocar sorrisos, desejos, ideias e uma empolgação a que estamos cada vez menos acostumados. É importante sermos provocados. O escândalo nos salva da anestesia geral e da apatia que a constante repetição dos dias provoca.

OLHA O PASSARINHO

 Estado de Minas segue conta de escritores famosos no Twitter. Posts têm revelação sobre personagens de best-sellers, confissões sobre a ansiedade de ser pai, discussão com internautas e citações sem crédito


Bossuet Alvim
Estado de Minas: 06/05/2015




Em 140 caracteres, autores consagrados podem sintetizar suas obras ou compartilhar com admiradores o que há de peculiar, curioso
e bem-humorado por trás de um best-seller. Essa última opção contribui para o inesgotável estoque de piadas da internet. A primeira amplia as possibilidades de interpretação de um livro e revive, via timeline, a noção de história em aberto na produção literária. Em variações do que aplicam ao papel ou e-book, escritores podem usar o Twitter para divulgar discursos políticos da vida real que complementam ficções incabíveis ou para revelar o fim de personagens secundários. Afinal, o destino do cão de três cabeças que apareceu em poucas páginas não é relevante para a franquia Harry Potter, mas, quando revelado pela autora no Twitter, torna-se aperitivo de sabor inestimável para milhões de fãs da série. Criada em 2006 e transformada em ferramenta global pelos três anos seguintes, a rede de microblog funciona como exercício para os que mantêm o hábito de manusear palavras – e interesse do público – sob o desafio da restrição de espaço. Seguimos algumas contas de escritores que merecem seu follow, e o resultado está resumido ao lado.

Irvine Welsh (@IrvineWelsh)
 (Jeffrey Deannoy /Reuters)

Autor de Trainspotting (1993), que deu origem ao cultuado filme homônimo de Danny Boyle, o escocês comenta com leitores suas viagens e sua produção literária e também para teatro, cinema e TV. As referências ao livro de estreia do autor são tão recorrentes que a conta de Welsh na rede de microblog serve como compilação das inúmeras formas bem-humoradas com que ele tenta se livrar do título. “Jornalistas italianos: ‘Quando teremos Trainspotting 2’? Eu: ‘Não sei. Talvez em breve, talvez nunca’. Jornalistas italianos: ‘Então talvez em breve!’ Eu: ‘Aaaaagh!’”.

Joyce Carol Oates (@joycecaroloates)
 (Vincent Kessler/Reuters)

Aos 77 anos, Oates é usuária prolífica que parece encontrar tempo para escrever em qualquer plataforma. A marca de ao menos um tuíte diário é surpreendente para quem se encarrega de lançar no mínimo um livro por ano desde 1964. Mais de 60 romances publicados em meio século tornaram a norte-americana conhecida pela visão crítica com que destrincha o cotidiano de seu país. Na internet, não é diferente: os comentários mais recentes vão da análise sobre protestos antirracismo em Baltimore ao embate entre escritores de ficção e autores de biografias. Indicada ao Pulitzer por Blonde (2000), em torno de Marilyn Monroe, ela tuitou: “Escritores de ficção esperam que a ‘não-ficção’ seja apenas isso: não ficção! O coração murcha quando alguém lê uma versão obviamente ficcional de um fato”.

Salman Rushdie (@salmanrushdie)
 (Jeffrey Deannoy /Reuters)

Sem temer a polêmica, o britânico de origem indiana usa o perfil para debater de política a literatura. Costuma replicar mensagens que julga relevantes e comenta aquelas das quais discorda. Recentemente, Rushdie apoiou a controversa indicação do jornal satírico Charlie Hebdo ao prêmio máximo da organização não governamental Poetas, Ensaístas e Novelistas (PEN International). Defende a publicação francesa, acusada de xenofobia e racismo, com a propriedade de quem foi condenado à morte pelo regime iraniano após a publicação de Os versos satânicos (1988).  “Você já leu um exemplar do Charlie Hebdo? Todas as religiões são satirizadas”, diz a um seguidor. Diante de um tuíte que mandava o escritor “se f…”, responde: “Obrigado, mande uma foto sua e nós veremos se podemos combinar”.

Daniel Galera (@ranchocarne)
 (GLYN KIRK /AFP)

De carreira literária nascida e criada na internet, o paulistano finalista do Prêmio Jabuti usa a ferramenta de microblog com a amplitude que cabe aos que acompanharam de perto o avanço das redes sociais. Games, música, cinema, política: o Twitter de Galera é espaço multimídia em que se propagam links para conteúdo recém-descoberto por ele, recomendações de obras conhecidas e outras nem tanto, além de comentários imediatos sobre o noticiário. Na timeline do autor de Mãos de cavalo cabem reflexões sobre atualidades (“Transplante de cabeça. Se não é 1º de abril atrasado, é a coisa mais demente e fascinante que ocorrerá em muito tempo”), divagações sobre a cena pop (“Também adorei o Boyhood do Linklater, mas abrir filme com música do Coldplay, plmdds, isso não se faz, bota aviso, meu amigo”) e acenos bem encaixados à produção cultural fora do mainstream (“Bom artista: Tristan Hone. Assisti ao vivo ontem e ainda estou me recuperando”).

Neil Gaiman (@neilhimself)
 (GLYN KIRK /AFP)

O inglês é tão intenso no Twitter quanto tem se mostrado nos últimos 30 anos como autor de HQs, romances ou roteiros para cinema e TV. Aos  2,22 milhões de seguidores do pai de Sandman, o Twitter revela  uma persona pública tão intrigante quanto sua própria obra. Sabe-se que o autor de Coisas frágeis está “não apenas excitado”, mas de fato “se contorcendo de ansiedade” pela estreia de uma série dramática da BBC; e que ele planeja uma pausa no Twitter após o nascimento de seu filho com a cantora nova-iorquina Amanda Palmer, previsto para setembro, uma chegada que o deixa “mais ou menos nervoso”. Admite que as principais razões para começar a escrever foram “fome e nenhuma outra habilidade rentável”, um ofício que ele diz obedecer “sem regras”. Até mesmo uma possível visita ao Brasil é cogitada, mas a viagem ainda “depende da agenda” de Amanda.

J.K. Rowling (jk_rowling)
 (Tim Mosenfelder/AFP)

Inaugurado em 2009, mais de 12 anos após a primeira edição de Harry Potter e a pedra filosofal, o perfil é o canal favorito de Rowling para contato com leitores. Ela revela ocasionalmente aos mais de 4 milhões de seguidores detalhes da trama que não chegaram aos sete livros da série. Em 140 caracteres, Rowling amarra pontas soltas na coleção que vendeu mais de 450 milhões de exemplares. No começo do ano,  contou que Fofo, cão gigantesco de três cabeças tratado como animal de estimação pelo zelador Rúbeo Hagrid no primeiro volume, conseguiu um final feliz. “Ele foi repatriado à Grécia. Dumbledore gostava de devolver as aquisições mais tolas de Hagrid ao lugar de onde vieram.”  O alvoroço mais recente, contudo,  veio da  resposta a uma fã que perguntou por que a autora havia dito que Alvo Dumbledore era gay e afirmou que “não conseguia ver dessa maneira” o diretor de Hogwarts. J.K. foi certeira: “Talvez porque pessoas que são gays parecem apenas... pessoas?”.

Paulo Coelho (@paulocoelho)
 (Agência O Globo/Divulgação)

Dez milhões de usuários acompanham as postagens do brasileiro que mais vendeu livros em todo o mundo. Paulo Coelho costuma recorrer à universalidade do inglês na rede social, talvez por respeito à marca global dos 150 milhões de exemplares publicados em cerca de 170 países. O idioma, contudo, não chega a ser barreira, já que boa parte das publicações são de imagens motivacionais, trechos do próprio autor ou pequenas frases inspiradoras. Já nos comentários, ele se dá ao luxo de ser direto: os mais recentes defendiam a cantora mexicana Anahi, vítima de comentários maldosos pelo casamento com o governador do estado de Chiapas. “Dá asco ver tanto ataque a Anahi e Velasco (inclusive de ‘fã’). Eles merecem felicidade”, protestou o escritor. A ex-integrante do grupo RBD é apenas uma entre várias estrelas na imensa lista de amigos célebres que aparecem em fotos ao lado de Coelho via Twitter. Entre as mais recentes pílulas de sabedoria que o criador de O alquimista oferece aos leitores, “a melhor forma de ser original é ser você mesmo” veio seguida de “Deus nos julgará não pelo que dissermos hoje, mas pelo que fizermos amanhã; não pelas promessas que fizermos, mas pelas que cumprirmos”. A última frase é versão alterada do trecho de um discurso proferido por Gerald R. Ford em 1975, em Helsinque, durante a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa. Curiosamente, a citação do presidente dos EUA é apresentada sem créditos aos seguidores de Paulo.