segunda-feira, 9 de março de 2015

Reforma política contra o preconceito - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 09/03/2015


A sub-representação de mulheres, negros e gays mata mulheres, negros e gays. A reforma política pode mudar isso. Mudará?

A política democrática se dá na tensão entre a representação transparente das diferentes vontades do eleitorado - e a solidez de que o governo precisa para poder, literalmente, governar. Ou seja, entre a democracia ser democracia, e o governo governar. Se o Parlamento retratar bem a diversidade de vozes na sociedade, será difícil haver uma maioria firme para governar. Mas, se o governo tiver essa maioria sólida, correrá o risco de calar reivindicações e exigências de boa parte da população. Democracia versus governo, há que dosar.

Para nos orientarmos no debate da reforma política, podemos distinguir um projeto "de esquerda", que quer aumentar o teor democrático da representação, e um conservador, que pretende gerar maiorias políticas firmes e, assim, garantir solidez ao governo eleito. O assunto demandará algumas colunas. Começo pelo projeto "de esquerda".

O ponto de partida do projeto progressista é simples: os políticos nos representam mal. O que é a "pura, sacrosanta verità", como dizia uma canção italiana. Políticos têm ritual próprio de conduta. Vestem-se, falam diferente das pessoas comuns. Eles até se dizem "classe política", o que é absurdo, porque classe é um conceito econômico e social, que vale para burguesia, operariado, camponeses, pequena burguesia - mas não para os representantes políticos de um grupo ou outro. (Daí, o clamor pela limitação do número de mandatos parlamentares - ou melhor, pelo fim do político profissional).

Mas o mais visível é a baixa representação dos grupos historicamente discriminados - cuja voz, estas décadas, tem-se tornado o fenômeno mais importante, política e socialmente falando, no mundo. As mulheres são 51,3% das pessoas que vivem no país, mas no Congresso não passam de 10%. No censo de 2010, 14 milhões se declararam negros e 82 milhões, pardos. Os afrodescendentes superaram, somados, os 91 milhões de brancos. Formam 51% de nossa população (temos ainda 800 mil indígenas e 2 milhões de residentes de origem asiática). Mas, na Câmara, eles são apenas 46 dos 513 membros - ou seja, só 8,9% dos deputados federais.

Falei das duas maiorias discriminadas que há no país. Mulheres e afrodescendentes ultrapassam, cada contingente, os 51%. Mas nem elas nem eles atingem dez por cento na Câmara. A sub-representação dos homossexuais é ainda pior. O Relatório Kinsey, que na década de 1950 refutou as mentiras moralistas sobre a sexualidade, dizia que 10% da população seria homossexual. Isso varia tanto, conforme a sociedade, que tal proporção se viu contestada. Mas, em 2008, a pesquisa Mosaico Brasil indicou quase 20% de homossexuais masculinos no Rio de Janeiro e 10,2% de lésbicas em Manaus. Usemos a proporção Kinsey, só para dar uma ordem de grandeza. Teríamos 10% de homossexuais - mas apenas um deputado assumidamente gay, Jean Wyllys, do PSOL do Rio de Janeiro. Menos de 0,2% da Câmara. É ridículo.

A sub-representação significa: para cada cem mulheres que deveriam estar no Congresso, temos apenas 20. Para cada cem negros e pardos, só 16. Para cada 50 homossexuais, só um. Vejam como está errado o deputado Eduardo Cunha, que diz representar a maioria (e que acrescenta: ela é conservadora). A maioria é mulher, a maioria tem sangue negro, e essas duas maiorias no país são microminorias no Parlamento.

Claro que se pode dizer: ah mas sexo (ou gênero), cor e orientação sexual não são posições políticas. Eu vou melhorar este argumento, até mesmo embelezá-lo: você nasce com seu sexo, sua cor, seu desejo e não pode fazer muito para mudá-lo - mas a política é o reino da liberdade e por isso você pode e deve se emancipar de sua natureza, do modo como nasceu (a palavra "natureza" vem do verbo "nascer") e portanto seu sexo, cor ou desejo não deve ditar seu voto. Eu assinaria embaixo; aliás, a frase é minha... Mas não é toda a verdade. Uma das grandes novidades na política das últimas décadas, mundo afora, foi a percepção de que esses grupos que mencionei foram historicamente discriminados, a ponto de sistematicamente serem adotadas políticas que não só não os beneficiavam, mas lhes faziam mal.

O que mudaria, com uma representação mais fiel? Se tivéssemos 263 deputadas (frente a 250 homens) na Câmara, dificilmente os salários das mulheres seriam mais baixos do que os pagos aos varões. A violência contra as mulheres já teria sumido. Se fossem 261 os deputados de origem africana, perante 248 brancos, dificilmente a polícia mataria negros na periferia, dificilmente eles teriam pagamento menor no mercado, dificilmente seus índices sociais seriam tão inferiores aos dos brancos. Se os deputados homossexuais fossem 51, sua bancada já teria conseguido políticas de governo contra os crimes de ódio. A sub-representação de mulheres, negros e gays mata mulheres, negros e gays.

É claro que isso não é tudo. Trataremos, em outra coluna, da representação de ideias, projetos, ideais. E ninguém precisa ser de esquerda para apoiar o que descrevi - que constitui a mais elementar justiça, a mais elementar humanidade. E é claro que a representação não precisa se dar no porcentual exato de cada camada social. Mas citei os números para medir o abismo que há entre representados e representantes. Temos aqui um pequeno barril de pólvora: se os representantes não representarem a sociedade, ela acabará passando ao largo deles. Vai desistir deles, vai deslegitimá-los e aí, sabe-se lá o que pode acontecer. Infelizmente uma reforma inclusiva como esta, só a esquerda defende, embora seja um direito, um valor universal.



      

Guardaespaldas - Eduardo Almeida Reis

Não é justo que o morador econômico pague a mesma coisa que o gastador hídrico


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas : 09/03/2015




Persona que acompaña asiduamente a otra con la misión de protegerla, guardaespaldas é o nosso guarda-costas em espanhol ou segurança, como queiram. Fatos recentes demonstraram ao mundo que é um perigo dos mais perigosos brigar com os guarda-costas. Em 1964 emparelhei com o carro do presidente Castello Branco num engarrafamento de Copacabana. Dirigindo meu fusca, devo ter passado bons 20 minutos ao lado do Alfa Romeo presidencial conduzindo no banco traseiro o presidente e sua filha, no dianteiro o motorista e o ajudante de ordens. Não havia à frente ou atrás do Alfa um só carro com seguranças. Olhei bem e sei que o leitor vai acreditar em mim.

Roger Vadim – no livro Bardot, Deneuve, Fonda –, conta que numa tarde de domingo, pilotando sua Ferrari de volta a Paris, ultrapassou um grupo de carros que viajava por estrada secundária. Quando assustou, havia uma porção de guarda-costas apontando suas metralhadoras para ele. Era a comitiva do presidente De Gaulle e Vadim só não foi metralhado porque o chefe dos guarda-costas era seu vizinho no prédio parisiense e o reconheceu. De Gaulle presidiu a França entre 1959 e 1969, às voltas com a Guerra da Argélia (1954-1962).

Juan Reinaldo Sánchez, quando se desiludiu com os resultados do castrismo, era tenente-coronel e havia sido guardaespaldas do comandante Fidel durante 17 anos, muitos deles como o principal da equipe. Foi preso e cumpriu pena de dois anos. Depois, fugiu para os Estados Unidos e publicou um livro, A Vida Secreta de Fidel – as revelações de seu guarda-costas pessoal, em que conta tudo e mais alguma coisa.

Diversas fotos coloridas mostram Sánchez colado a Fidel em Cuba e no resto do planeta. Filhos, mulheres e namoradas, residências, irmãos, parentes, assessores, 200 mil cubanos enviados para guerrear em Angola comandados pelo general Ochoa. O resto só lendo o livro interessantíssimo para conhecer de perto o deus de tanta gente em Brasília e nas redações brasileiras.

Temos agora o depoimento de Leamsy Salazar, que foi o principal guardaespaldas de Hugo Chávez, contando que a coordenação do tráfico de cocaína da Venezuela para os EUA está a cargo de Hugo Rafael Chávez Colmenares, um dos filhos do finado líder bolivariano.

Notícias

Não há dia em que o noticiário da tevê não ensine mil maneiras de economizar água, seja pelo reúso do líquido, seja pela desumanidade de reduzir o esguicho do bebedor escolar a dois centímetros, obrigando os alunos a uma prova de sucção para beber três ou quatro dedais. Grande agência de publicidade promoveu concurso interno premiando com R$ 5 mil as ideias mais inteligentes. Um dos ganhadores sugeriu que os homens parem de fazer a barba, esquecido de que lavar o rosto barbado gasta muito mais água do que lavar o rosto glabro. Fazer a barba com água morna e sabonete gasta pouquíssima água, sem falar dos que usam barbeadores elétricos.

Um absurdo que precisa acabar em todos os edifícios é o hidrômetro único. Não é justo que o morador econômico pague a mesma coisa que o gastador hídrico. Fui inquilino de um apê em BH num prédio em que 15 mormons ocupavam apartamento igual ao meu. Muito educados nos elevadores, deviam tomar 15 banhos diários para sair pela cidade, engravatados, fazendo propaganda da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. A faxineira me contou que os rapazes dormiam em beliches e só comiam produtos industrializados.

Nas sugestões televisivas, 80% ensinam a aproveitar a água usada nas máquinas de lavar e há engenharias domésticas tão complicadas, tão cheias de bombas, canos e depósitos, que exigem Ph.D em Harvard ou no MIT. Mudando de um polo a outro, foi entrevistada no programa de Maria Beltrão uma cantora chamada Rosemary, loura, bonita, simpática, afinada, boa voz, com tudo em cima. Curioso, fui ao Google para aprender alguma coisa sobre a moça, que obviamente não conhecia.

Tomei um susto. Chama-se Rosemary Pereira Gonçalves e nasceu no Rio, de família com ascendência ibérica, no dia 7 de dezembro de 1947. Portanto, tem 67 aninhos e parece 30, no máximo 35. É um fenômeno da natureza. Um milhão de vezes melhor que a outra Rosemary, contumaz no avião do presidente do honoris causa, que deve continuar solta e anda sumida do noticiário.

O mundo é uma bola

9 de março de 1074: o papa Gregório VII excomunga todos os padres casados. Em 1500, a esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral zarpa de Lisboa rumo a Calecute, na Índia, aproveitando a viagem para descobrir um país grande e bobo, que já pertencia a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas desde 1494.

Em 1796, casamento de Napoleão Bonaparte com Josefina de Beauharnais, sua primeira mulher. Marie Josèphe Rose Tascher de la Pagerie, nascida na Martinica em 1763, Josefina era viúva, tinha dois filhos e 33 aninhos, idade em que a mulher começa a exceler. Napoleão, dizem alguns biógrafos, não gostava que ela se lavasse.

Ruminanças

“Uma mulher linda agrada à vista e uma mulher bondosa agrada ao coração. A primeira é uma joia, a outra é um tesouro”

(Napoleão Bonaparte, 1769-1821).