sábado, 7 de março de 2015

Palavras - Eduardo Almeida Reis

A falta de papel higiênico na Venezuela obrigou Nicolás Maduro a nomear presidente do Conselho Superior de Turismo o ciudadano Ricardo Cusanno. Com esse nome, dispensa o papel


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 07/03/2015




É tão grave o problema da água, que o pessoal resolveu chamar de crise hídrica. E o Jornal Nacional, edição de 31 de janeiro, informou que na Bacia do Paraíba do Sul a agricultura, via irrigação, consome 70% da água do estado do Rio. Fortalecendo a notícia, mostrou o tipo de irrigação em letras maiúsculas, negras, sobre fundo branco: ASPERÇÃO. Quinze minutos depois, Sandra Annemberg e Bonner corrigiram a tabuleta informando ao telespectador que a grafia é ASPERSÃO. Dia 2 de fevereiro, o provedor Terra informou que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, versão on-line, trazia cardaço, estrupo e menas. Alguns dias antes, o pessoal do Terra telefonou para o acadêmico Evanildo Bechara, da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL, que prometeu corrigir e pareceu surpreendido: “A equipe da Academia tirou as formas populares, mas, por um engano da revisão, ficou a palavra cardaço”, justificou o gramático. E acrescentou: “Na quarta edição e principalmente na quinta, tiramos essa visão linguística e adotamos uma visão de registro apenas da língua padrão (ou norma culta). Quando o indivíduo abre o VOLP, não é apenas para saber quais são as formas existentes na língua, mas quais formas pode usar na língua padrão”.

Acontece que cardaço, estrupo e menas continuavam firmes e fortes, confirmou o pessoal do provedor. Acreditei na informação do gramático sobre a revisão “principalmente na quinta” e fui conferir. Tenho “a quinta”, isto é, a 5ª edição do VOLP impressa em 2009: lá estão cardaço, estrupo e menas. Cardaço e estrupo são de lascar, mas menas tem explicação: o imbecilérrimo acordo ortográfico, que tirou o acento de “pára” do verbo parar, foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Orandum

Orandum est sit mens sana in corpore sano (Juvenal, Sátira X, 356: “Convém rezar para ter um espírito são num corpo são”), de que a patuleia só conhece mens sana in corpore sano. A falta de papel higiênico na Venezuela obrigou Nicolás Maduro a nomear presidente do Conselho Superior de Turismo daquela república bolivariana o ciudadano Ricardo Cusanno. Com esse nome, dispensa o papel.

Depois disso, o setor de turismo venezuelano passou a pedir aos turistas que viajem com os seus próprios produtos de higiene pessoal – sabonetes, desodorantes, xampus, pastas de dentes, talco, papel higiênico –, salvo se forem parentes do presidente do Conselho Superior de Turismo.

Num país vizinho da Venezuela, adiantado no vestibular bolivariano, estamos em vias de viajar rebocando tonéis cheios de água e geradores de eletricidade. Em 1970, morando numa roça em que não havia luz elétrica, pensei comprar um gerador. Óleo diesel era baratíssimo e o gerador dava para comprar, mas fazia barulho. Optei pela construção de pequena hidrelétrica, que funcionou perfeitamente durante quatro anos permitindo o luxo simultâneo de 10 lâmpadas incandescentes de 100 velas, mas a água do banho era aquecida na serpentina do fogão a lenha.

Agora, o ministério dilmático, mistura de Dilma com dilemático (dilema: necessidade de escolher entre duas saídas contraditórias e igualmente insatisfatórias), pede que os shoppings e as grandes lojas utilizem geradores nos horários de pico.

Por falar em horários, dia desses acordei antes das cinco da matina. Em vez de ficar na cama, resolvi conhecer o noticiário global Hora Um. Monalisa Perrone, apresentadora, faz jus ao nome: muito bonita. Chacinas a montões – e isso logo depois das cinco. Muitas repetições para “aqueles que acordaram mais tarde”, previsão do tempo, correspondente no Japão encerrando o dia em Tóquio. Fui ao banho e ao café, que ninguém é de ferro.

O mundo é uma bola

7 de março de 321: Constantino I, imperador romano, decreta o dies Solis (dia do Sol), domingo, como dia de descanso no Império. Mais recentemente, inventaram o sábado e devem atingir a perfeição do dia em que decretarem um dia da semana como dia de trabalhar, porque o pessoal gosta mesmo é de rede, cachaça e corrupção. Em 1553, Luís Vaz de Camões recebe carta de perdão. Estava preso após trocar espadadas com um certo Gonçalo Borges no dia 16 de junho de 1552. A Justiça lusa engaiolou um Camões e o espadachim Gonçalo Borges só conseguiu entrar para a história porque espadeirou com um gênio.

Em 1557, chega à Baía da Guanabara um grupo de huguenotes, ironicamente sob a liderança do católico Nicolas Durand de Villegagnon. Fui amigo de uma senhora huguenote, gente finíssima, ela e o seu marido. O casal não bebia, mas nos três dias que passei hospedado em sua fazenda nunca me faltou à mesa vinho excelentíssimo.

Em 1876, Alexander Graham Bell patenteia uma invenção que denomina telefone e o capadócio que assina esta coluna comprou um smartphone Samsung impossível de operar sem o adjutório dos netos. Esqueci-me de dizer que em 570 nasceu Childeberto II, rei merovíngio da Austrásia, que morreria, coitado, no ano de 595. Hoje é o Dia do Fuzileiro Naval.

Ruminanças

“(Vinho) O licor que Noé mostrara à gente” (Camões, 1524-1580).