quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Plano-sequência - Martha Medeiros


Uma das peculiaridades de Birdman, ganhador do Oscar, é ter sido filmado num plano-sequência, com apenas alguns poucos subterfúgios para cortar o filme sem dar esta impressão, então o que vemos é uma ação ininterrupta, tal qual a vida real, que não tem corte também, não existe, por exemplo, uma corrupção que começou de repente, em determinado dia, com a entrada de determinado partido no poder.
A corrupção tem estado em cena persistentemente desde que o Brasil foi descoberto, ainda que ela tenha encontrado terreno fértil nos últimos anos, e o mesmo acontece com a questão do aborto, discussão que se ampara em um sentimentalismo barato, mulher nenhuma levará uma gestação adiante se ela não quiser, nenhuma jamais levou, nossas avós abortavam, nossas bisavós abortavam, e a mulher de amanhã também abortará, sendo crime ou não.
Ou seja, criminalizar é apenas uma forma de punir essa mulher, obrigá-la a procedimentos clandestinos, uma hipocrisia a mais num país que se recusa a deixar a religião de lado para pensar de forma menos passional e mais sintonizada com seu tempo, mas não adianta, é assim desde sempre, ato contínuo, somos os campeões do prolongamento do nosso atraso, e outra prova disso é a questão de adoção de crianças por casais homoafetivos, a cena se estende, considera-se absurdo alguém ser criado com amor por dois homens ou duas mulheres.
Muito melhor o orfanato, a desatenção, a moral empoeirada, melhor salvar os bons costumes e deixar a criança se ferrar em seu abandono, e lá vamos nós dar continuidade a um jeito mascarado de existir, faz de conta que as instituições são mais importantes que as pessoas, faz de conta que a figura etérea de Deus é mais importante que a felicidade de cada um, faz de conta que existe eternidade e que isso aqui é só um aperitivo, um unhappy hour antes de irmos todos para um lugar melhor, mas que ninguém sabe onde é, como é.
E assim, cultivando crendices, superstições e ignorâncias seguimos perpetuando uma vida surreal, seguimos tapando os olhos para o evidente em detrimento do que se supõe, seguimos enaltecendo as ilusões em detrimento da realidade, a vida é simples, a vida não precisa de tantos mandamentos, não precisa de tanto além, de tanto mistério, de tanta mentira, de tanto apego ao sobrenatural a fim de não enfrentar o que é natural – o desejo –, mas não, o mundo está caindo de podre e a câmera segue filmando.

É um plano-sequência, todos cultivando problemas a fim de valorizar sua trajetória, todos, como os personagens de Birdman, desesperados diante da própria desimportância, recusando-se a entender que só serão livres quando desapegarem do ego, não querendo enxergar que o poder é uma ilusão patética, que dogmas não são boias salva-vidas, que o mundo pode ser mais leve e alegre do que é, e que somos todos iguais nesta caminhada rumo a um final em aberto.

Buzinaço - Hevécio Carlos

BUZINAÇO 

  Aos 45 anos de carreira, Stepan Nercessian encarna o Chacrinha no teatro. Em entrevista ao Estado de Minas, o artista põe a boca no trombone, critica apresentadores atuais, ironiza a TV Globo e dispara contra Lula


Helvécio Carlos
Estado de Minas: 25/02/2015



Cena de Chacrinha, o musical, que encerra temporada no próximo domingo no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro e segue em março para São Paulo

 (Fotos: Caio Galucci/Divulgação
)
Cena de Chacrinha, o musical, que encerra temporada no próximo domingo no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro e segue em março para São Paulo


A ideia de transformar Stepan Nercessian no Velho Guerreiro partiu de Fernanda Montenegro. “Nunca imaginei fazer o Chacrinha, mas a Fernanda tem uma visão que nós mesmos não temos de nós”, diz o ator, que encerra neste domingo a temporada de Chacrinha, o musical, no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro.

Chacrinha, o musical é dirigido por Andrucha Waddington, genro de Fernandona, com produção da Aventura Entretenimento. Quando a produção estava em busca do ator que interpretasse Abelardo Barbasa (1917-1988), a diva do teatro brasileiro atalhou o processo. “Vocês não têm que procurar. Quem tem que fazer é o Stepan!”

Redescoberta


Nercessian havia trabalhado com Waddington no longa Os penetras, que ele classifica como ponto inicial de sua “redescoberta”. O ator se desligou da Globo há quatro anos e falhou na tentativa de se reeleger para a Câmara dos Deputados no ano passado. “Tenho muitos convites de uma nova geração de cinema e televisão. Se continuar assim, até a TV Globo vai me descobrir”, ironiza.

Quando aceitou o papel de Chacrinha, o ator de 61 anos, que soma 45 de carreira, com dezenas de novelas e filmes no currículo, pôs fim a um jejum de 10 anos do palco. Foi no camarim do Teatro João Caetano que ele recebeu o Estado de Minas para uma entrevista. “Quando pedi minha demissão da TV Globo, me disseram que as portas sempre estariam abertas, mas, quando voltei, quem disse isso já não estava mais lá. Da próxima vez, vou pedir para me darem a cópia da chave”, brinca.

O êxito de Chacrinha, o musical no Rio de Janeiro, onde o espetáculo foi visto por aproximadamente 80 mil pessoas, motivou a produção a seguir para São Paulo, no mês que vem, com uma temporada de quatro meses já agendada. Ainda não está definido se haverá um calendário da peça em outras cidades do país.

“Chacrinha é um personagem riquíssimo, daqueles que qualquer artista procura”, diz o ator. Para Nercessian, “ninguém conseguiu copiar Chacrinha. Os programas podem ter elementos do Chacrinha, mas não têm a essência dele, que era formada pela verdade, pelos riscos enfrentados de frente com a direção da emissora, com o público, com a censura.” Descrevendo o Velho Guerreiro, seu intérprete no teatro diz: “Ele não se preservava, entregava-se. Ele era afetuoso. Toda aquela alegria era afeto. Chacrinha tinha uma irreverência tropicalista, que encantava as crianças com fantasias de índio, de noiva, de palhaço. Depois dele não aconteceu mais ninguém. Com todo o respeito a quem tem seus programas, se o Chacrinha nunca tivesse existido e estreasse hoje, seria um fenômeno de audiência. Absolutamente novo e genial”.

Para compor a personagem, Stepan recorreu especialmente ao texto de Pedro Bial e Rodrigo Nogueira, “compreendendo qual a história que a peça estava contando” e somente a poucos dias da estreia assistiu a alguns vídeos. “Aos poucos, vi onde faltava um gesto. Foi entrando naturalmente. Não fiz nada de fora para dentro.” O espetáculo tem dois atos. No primeiro, o ator Léo Bahia ( The book of mormon e Ópera do malandro) revive os tempos de Abelardo Barbosa em Surubim (Pernambuco), onde nasceu.

No segundo ato, o espetáculo se transforma em um verdadeiro Cassino do Chacrinha, com direito a chacretes, bacalhau jogado para a plateia e, com sorte, participações de famosos presentes no teatro.

Stepan fez duas participações como jurado no programa do Chacrinha, com quem tinha um contato profissional e de admiração. “Ele era carismático por essência. Parecia estar sendo transmitido ao vivo o tempo todo”, descreve. E foi, na opinião do ator, “um marco” na história da comunicação no Brasil. “Ele quebrou a formalidade de quem fazia TV e da própria televisão. Sem ele, ficaríamos anos naquele modelo americano, que também não muda e é aquela m...”.

Por isso, no que depender de Stepan Nercessian, Chacrinha, assim como diz a letra da canção de Gilberto Gil, continuará balançando a pança e comandando a massa.

Stepan Nercessian caracterizado como Abelardo Barbosa, o Chacrinha
Stepan Nercessian caracterizado como Abelardo Barbosa, o Chacrinha


Ex-deputado e ator cita ‘extrema preocupação’ com o país
O papo fica sério quando Stepan Nercessian fala de política. “Vejo o que estamos passando com extrema preocupação”, afirma. “Não temos nada em torno de que estejamos todos unidos para valer, como foi na transição para a democracia, onde surgiram valores. Inclusive o próprio PT. Havia união das pessoas com o objetivo comum de salvar a nação. Isso tinha um peso, uma força muito grande. Hoje, não vejo nada parecido. O país está refém de algo perigosíssismo, que é a divisão social. Essa farsa do PT de dizer que, se o partido perdesse a eleição (presidencial de outubro passado), os pobres estariam derrotados, isso é uma grande mentira”, afirma.

O ator, que se elegeu duas vezes vereador no Rio de Janeiro, em 2004 e 2008, conquistou em 2010 um mandato de deputado federal pelo PPS. No ano passado, não conseguiu se reeleger. Recentemente, causou polêmica ao tuitar que a presidente Dilma Rousseff só tem uma saída: entregar o ex-presidente Lula.

“Do ponto de vista biográfico, do operário que chegou à Presidência da República, Lula é uma das coisas mais bonitas, mas é também o maior canalha deste país. Se existe uma quadrilha, Lula é o chefe. E os membros desse grupo estão com medo de entregar o chefe”, disparou. “Como ele tem parte com o diabo, nada acontece com ele. É capaz de conseguir voltar em 2018 como o salvador da pátria.”

Nercessian critica também o papel das redes sociais. “Elas se esgotam em si mesmas. É tendência dos ignorantes acreditar muito mais nas redes sociais”, detona. Ele aponta “uma confusão muito grande entre conhecimento e informação” nos dias atuais. “A juventude recorre ao Google, pega uma ideia e fala que aquilo é conhecimento. Não é. Conhecimento se adquire pelos caminhos tradicionais, na escola, no diálogo com o professor, por meio da leitura e do estudo”, afirma.

Conforto - Eduardo Almeida Reis

Pensei comprar um condicionador de ar, 10 prestações de R$ 200, mas acabei descobrindo um jeito de ter conforto térmico. Como? Janelas abertas


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas : 25/02/2015




No Rio, estudando e trabalhando engravatado, conheci o Dr. Rezende, médico mineiro que pesquisava na área de clima da Organização Mundial de Saúde (OMS) e me disse que os ternos claros diminuíam a sensação térmica dos engravatados em três graus e que os sujeitos de camisa esporte baixavam dois graus na sensação se tivessem as camisas para fora das calças. Deu para entender?

Com a onda de calor de janeiro, que assustou os habitantes deste país grande e bobo, muitas repartições cariocas autorizaram seus operosos funcionários a trabalharem de bermudas. A providência vai de encontro – isto é, se choca, contraria – àexperiência milenar dos cavalheiros e damas que residem nos desertos muito quentes durante os dias, muito frios durante as noites. Por isso, as pessoas usam aqueles camisolões brancos que as protegem do calor diurno mantendo seus corpos em temperaturas “normais”, de mesmo passo em que as protegem à noite do frio excessivo.

Devo ter escrito um monte de besteiras nas primeiras 159 palavras deste belo suelto, mas o fato é que sofri com o calor excessivo que se abateu sobre o meu tugúrio. A partir de duas horas da tarde pelo horário brasileiro de verão, 29 ou 30 graus no termômetro da sala. Detesto frio depois de morar quatro anos numa das fazendas mais frias do planeta, mas descobri que 29ºC estão acima de minha zona de conforto térmico.

Pensei comprar um condicionador de ar, 10 prestações de R$ 200, para funcionar 15 dias por ano, mas acabei descobrindo um jeito de ter conforto térmico 12 horas por dia, entre as 10h da noite e as 10h da manhã. Como? Janelas abertas. O sistema funcionou, apesar das advertências de um querido amigo, Ph.D em medicina, que me advertia pelo interurbano: “Cuidado com a chikungunya! Cuidado com o morcego hematófago!”. Em medicina, professores doutores podem ser assustadores.

Missão

Fenômeno raro na administração pública brasileira, a nova presidente da Copasa é bonita e alfabetizada. Os mineiros desejam que seja bem-sucedida na função que lhe foi confiada. Captação, tratamento e distribuição de água, coleta e tratamento de esgotos são processos conhecidos e praticados no mundo civilizado. Missão difícil, mesmo, será acomodar o ilustre mineiro Tilden Santiago num cargo à altura de sua reputação. Sugiro uma diretoria de Assuntos Celestiais que ponha o padre Tilden em contato com o Criador, responsável, em última análise, pelas chuvas nos lugares e nas horas certas, sem as quais é impossível captar, tratar e distribuir águas.

Nascido para supremo pontífice, que deveria anteceder o papa Francisco na função de primeiro papa sul-americano, padre Tilden foi atraído pelos prazeres da carne, da política partidária e se destacou. Embaixador brasileiro em Cuba de 2003 a 2006, durante o primeiro mandato do pai do Lulinha, encantou os cubanos, agilitou as malas diplomáticas, elogiou o fuzilamento de três ilhéus capturados quando tentavam fugir de Cuba.

O governo Rousseff, que condena o fuzilamento de traficantes na Indonésia, país de população maior que a nossa, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes muito menor que a brasileira, não apoia os elogios do embaixador do pai do Lulinha, padre que justificava o abate de fugitivos do paraíso, de mesmo passo em que agilitava as malas diplomáticas.

Deputado federal (PT-MG) de 1991 a 2003, PSB de 2008 até hoje, Tilden José Santiago é mais que um cidadão brasileiro, é uma instituição nacional e como tal deve ser aproveitado para o bem de todos e felicidade geral da nação. Tenho dito e mais não digo para evitar que se conspurque este espaço imaculado de nossa mídia impressa.
 
O mundo é uma bola


25 de fevereiro de 1308: coroação de Edward II como rei da Inglaterra. O xará foi um dos responsáveis pela divisão do Parlamento Britânico em Casa dos Comuns e Casa dos Lordes. Em 1551, o papa Júlio III cria a diocese de Salvador, Bahia. Em 1570, o papa Pio V excomunga a rainha Elizabeth I da Inglaterra. Excomungada, a rainha viveu até março de 1603, a Inglaterra conheceu o Período Elisabetano e o mundo herdou William Shakespeare e Christopher Marlowe (1564-1593) renovador do teatro com a introdução de versos brancos, estrutura que seria utilizada por Shakespeare. Marlowe foi assassinado ainda jovem numa briga de taberna. Só aí tivemos Júlio III criando a diocese soteropolitana e Pio V excomungando Elizabeth I. Hoje, nosso belo papa Francisco fala pelos cotovelos.

Em 1836, o norte-americano Samuel Colt patenteia o primeiro revólver. Em termos históricos foi “outro dia”. Em 1869, abolição da escravatura em todos os domínios portugueses. No ano seguinte, o republicano Hiram R. Revels, representando o estado de Mississippi, foi o primeiro negro eleito para o Senado norte-americano. Em 1942, mais de 100 mil pessoas avistam estranhos objetos sob os céus de Los Angeles, Califórnia. O episódio ficou conhecido como Batalha de Los Angeles, porque foram disparados vários mísseis contra os objetos, sem nenhum efeito.

Ruminanças

“Nascer em certos estados brasileiros é mácula difícil de apagar” (R. Manso Neto).