domingo, 8 de fevereiro de 2015

A síndrome da repetição - Martha Medeiros

O Globo 08/02/2015

“O que acontece é que todos nós temos nossas dores de estimação, nossos erros reincidentes, um caminho que parece uma infinita highway’’

“Somos os mesmos e vivemos como nossos pais.”


Não, não era assim que eu queria começar, mas tenho essa mania de sempre iniciar a coluna assinalando o gancho que me inspirou, seja uma música, um filme, uma conversa com amigos, um e-mail de leitor. No entanto, esta crônica nada tem a ver com a música do Belchior que Elis eternizou, a citação foi apenas um hábito, já que vivemos em constante estado de repetição.
Se você faz terapia há dois meses, acredite: quando estiver fazendo há dois anos, ou há 12, ainda estará discutindo o mesmo assunto, as conversas envolverão os mesmos problemas, e ao terminar o tratamento se sentirá muito melhor, porém o mesmo.

Será a vida tão monocromática? Não é. O que acontece é que todos nós temos nossas dores de estimação, nossos erros reincidentes, um caminho que parece uma infinita highway, mas que na verdade é uma grande rotatória. Acabamos sempre no mesmo ponto, dando as mesmas voltas.
Faça o teste: você discute com sua mãe sobre diversos motivos ou sempre pelo mesmo? Com seu pai a discussão é mais variada ou empaca sempre na mesma questão? As queixas de suas namoradas são diversas ou parece que elas combinaram de dizer a mesma coisa? E as suas queixas sobre os outros, mudam muito? Quando você vai ao médico, ele não recomenda sempre o mesmo para você? E você, naturalmente, não cumpre. Se você está casada há 25 anos, responda com sinceridade: a primeira briga que teve com seu marido foi muito diferente da que teve semana passada?

Existem pessoas que conheço desde que nasci, fomos colegas de berçário, e não é força de expressão, tenho mesmo uma amiga que nasceu um dia depois de mim, no mesmo hospital, e mal sabíamos que riríamos e choraríamos juntas por toda a vida. Ela é apenas uma entre tantas outras que conheço há séculos e continuamos sendo quem sempre fomos, a cada encontro nos repetimos e isso é a glória: saúdo os reconhecimentos, as sólidas histórias de vida e de companheirismo, o não precisar se reinventar constantemente. Algumas coisas mudam ao nosso redor, mas nossa essência, nossas dúvidas e nossas perguntas — principalmente as perguntas — seguem as de sempre.
Outro dia um amigo me disse que os únicos relacionamentos que duram são aqueles em que o casal renova os motivos das brigas. Sei. Pedi para ele me apontar um exemplo. Ele pensou, pensou, pensou, e sem encontrar um modelo que avalizasse sua teoria, começou a rir e me enrolou com uma conversa que já ouvi mil vezes, e eu, como em outras mil vezes, retruquei, e acabamos a tarde num abraço afetuoso mil vezes repetido e ficamos de não demorar para nos vermos de novo, mas vai demorar, porque sempre demora, sempre foi assim. Tudo acontece do mesmo jeito o tempo todo.      

Sonho - Eduardo Almeida Reis

Você deve começar pelo mais simples, o Face e as selfies. Pergunto: tem feito selfies e está no Face?

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 08/02/2015 




Vosso país estará muitíssimo bem representado nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, ano que vem, com a inclusão na equipe de arco e flecha do jovem Dream Braga da Silva, hoje com 17 anos, filho de Deuzimar Gomes da Silva e Maria Lúcia Braga. Deuzimar Gomes da Silva, apesar do sobrenome, não deve ser parente do empresário Josué Gomes da Silva, nascido no Rio e registrado em Minas, filho do empresário José Alencar Gomes da Silva, que convenceu o empresariado brasileiro de que o Lula não seria tão ruim quanto supunham, esquecendo-se de informar que seria muito pior.

Márcia Lot, preparadora física e caça-talentos, descobriu Dream Braga da Silva entre os cambeba, não no restaurante belo-horizontino Kambebas, situado na Avenida Ressacas, 163, mas entre os indígenas cambeba da Amazônia, também conhecidos no Peru como omáguas. Com a violência das frentes não-indígenas na região desde meados do século 18, os cambebas deixaram de se identificar como indígenas, daí os nomes Deuzimar, Maria Lúcia e Dream, identificação que só retomaram depois da Constituição de 1988. Têm grande capacidade de articulação política com outros grupos indígenas e com agências governamentais e não governamentais religiosas ou laicas. De família linguística tupi-guarani, estima-se que no Brasil existam 800 e no Peru cerca de 3.500 cambebas-omáguas. 

Dream é conhecido entre eles como Iagoara, “o caçador da mata”, e foi descoberto no projeto arquearia indígena pelo 3º lugar obtido no Campeonato Brasileiro. Vai passar dois anos morando no Rio antes de espantar o mundo com o seu nome Dream, sonho em inglês. 

Plugue-se

Se o caro e preclaro leitor me permite um palpite, sugiro que se plugue, que se conecte à sociedade atual, em tudo e por tudo diferente daquela que existia há 20 ou 30 anos. Não digo que se plugue ao top, às celebridades, que presumo impossível. Não deve ser fácil começar o ano pelo réveillon de Narcisa? Ou no de Bruno Chateaubriand e André Ramos, que festejaram a passagem do ano com um beijo na boca, ósculo guloso, demorado, gozoso, saudando casamento de 15 anos, que mereceu foto imensa, colorida, num jornal de circulação nacional? 

Você deve começar pelo mais simples, o Face e as selfies. Pergunto: tem feito selfies e está no Face? Todo o mundo faz e está, menos aqui o seu philosopho, que se penitencia de não conhecer o food truck, com exceção de um angu à baiana que se comia na Praça XV, do Rio, com muita pimenta, no ano de mil novecentos e antigamente.

O mesmo philosopho que festejou a entrada de 2015 reincidindo num crime que sempre praticou, mas havia parado de cometer pelo meado de 2014: escovar os dentes com a torneira aberta e tomar banhos demorados. No Rio da minha infância, cantareira era apelido de bissexual. Motivo: as barcas da Cantareira, que faziam a travessia Rio-Niterói, não tinham proa e popa, atracavam dos dois lados. Com a crise hídrica de 2014 e a menção frequente aos níveis do Sistema Cantareira paulista, banho demorado virou crime.

Deu-se que pela virada do ano passei alguns dias na fazenda de amigos. As chuvas de novembro e dezembro fizeram renascer os pastos, as minas ressuscitaram e as caixas estão botando água pelos ladrões, que não devem ser confundidos com os gatunos das caixas econômicas e das cooperativas dos bancários, como aquela presidida pelo petista Vaccari Neto.

Andei tomando banhos demorados depois de escovar os dentes com a torneira aberta, recordando os bons tempos. Mesmo residindo no Rio nos primeiros 30 anos desta existência espichada, sempre tive a sorte de morar nos raros locais em que não faltava água. Para que o leitor faça ideia, um dos edifícios em que morei tinha caixa subterrânea para 250 mil litros. Comprado pelo Eike, o prédio está em ruínas. 
 
O mundo é uma bola 

8 de fevereiro de 1725: com a morte de Pedro I, o Grande, Catarina I assume o trono da Rússia. Nascida Marta Elena Skavronskaja, Catarina (1684-1727) era uma serva nascida no território da atual Letônia. Foi amante e depois segunda mulher de Pedro I, o Grande. Casaram-se em segredo em 1707, depois que ela se converteu à fé ortodoxa, tomando o nome de Catarina Alekséievna. Quando se casaram já tinham sete filhos, nenhum dos quais sobreviveu até a idade adulta. Tiveram um total de 11 filhos, dos quais sobreviveram Ana (1707) e Isabel (1709). Sua correspondência mostra que os dois sempre foram muito ligados e ela cuidava pessoalmente do czar durante os seus ataques epiléticos. Consta que só discutiram uma vez, quando da execução por corrupção do secretário dela. E tem mais uma coisa, que deve servir de exemplo para as senhoras modernas: Catarina Alekséievna cozinhava enquanto Pedro cuidava do jardim.

Em 1919, isto é, ainda outro dia, primeira viagem aérea de turismo: um avião adaptado voa de Paris a Londres conduzindo 12 ludâmbulos, nome proposto pelos puristas para evitar o anglicismo turistas.
 
Ruminanças 

“Crítico é como padre: não casa e quer entender de casamento” (Guilherme Figueiredo, 1915-1997).

Tatuagens de 5 mil anos

Pesquisadores identificam 61 marcas na pele de múmia europeia e encontram evidências de que elas tinham função medicinal


Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 08/02/2015





Pesquisadores italianos conseguiram desvendar o conjunto de tatuagens mais antigo do mundo. As marcas estampam a pele de Ötzi, também conhecido como Homem do Gelo, múmia que permaneceu preservada em uma geleira dos alpes tiroleses por 5,3 mil anos e, desde que foi descoberta, é alvo das mais variadas pesquisas. O ancestral caçador-coletor já ajudou, por exemplo, na comprovação de que a aterosclerose é uma doença milenar (suas veias eram cheias de placas de gordura acumuladas) e na investigação sobre a intolerância à lactose (outro problema que afetava o antigo europeu). Agora, o estudo mais detalhado de sua pele dá pistas de que as pinturas corporais podem ter surgido com intuitos medicinais, uma vez que as tatuagens pareciam sinalizar os pontos em que Ötzi sentia mais dor devido a doenças degenerativas que também o afligiam.

Parte das tatuagens do Homem do Gelo foi notada assim que ele foi encontrado, em 19 de setembro de 1991, nos alpes Ötztal, pelos alpinistas Erika e Helmut Simon. Algumas, entretanto, jamais tinham sido vistas porque o tempo sob o gelo fez com que a pele escurecesse. Em estudos anteriores, especialistas estimaram a presença de 49 a 57 marcas agrupadas em 16 áreas do corpo. Agora, com técnicas mais modernas, uma equipe liderada por Marco Samadelli, da Academia Europeia de Bolzano, na Itália, concluiu que são 61 tatuagens em 19 regiões.
As marcas são linhas que variam de 1mm a 3mm de espessura e 7cm a 40cm de comprimento, geralmente paralelas umas às outras. As maiores foram encontradas no pulso da mão esquerda, e duas cruzes adornam o tornozelo esquerdo e o joelho direito da múmia. O estudo foi publicado recentemente no Journal of Cultural Heritage.

Como os pontos do corpo sinalizados pelos riscos – basicamente, articulações e a parte inferior das costas – deveriam doer mais, o novo estudo reforça a hipótese de que as tatuagens tiveram mais importância terapêutica do que decorativa, servindo como pontos de aplicação de tratamentos médicos direcionados, como uma espécie de acupuntura praticada na Europa Central há 5 mil anos. Pesquisas anteriores, que levaram em consideração a avaliação de acupunturistas, mostraram que pelo menos nove das marcas foram feitas a até 6mm dos pontos da terapia milenar. Outras duas estão enquadradas em um meridiano da técnica.

Possibilidades A arqueóloga Gislene Monticelli, professora do curso de história da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) pondera que as tatuagens também podem ter tido um significado mais abstrato. “Nessas situações do passado, poderiam ser uma cobra ou escama de peixe, mas é difícil analisar, porque essas linhas paralelas podem ter tido um significado que não conhecemos mais. É só imaginar um presidiário, hoje, que risca linhas na parede. Elas podem significar tanto um dia prisão quanto o tempo que falta para sair”, compara a pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da PUCRS.

Essa impressão pode ser reforçada pela identificação de quatro linhas paralelas de 20mm a 25mm de comprimento no canto inferior direito da região torácica de Ötzi. Descobertas só agora pela equipe de Marco Samadelli, essas são as primeiras tatuagens encontradas na parte frontal do torso do Homem do Gelo e não parecem ter sido feitas com o intuito de identificar pontos de dor.

Mesmo assim, o pesquisador italiano não refuta a hipótese relacionada à saúde. “Sabemos, a partir de estudos anteriores, que Ötzi sofria com outras patologias que também podiam afetar a região do peito e da frente do corpo, como pedras da vesícula biliar, parasitas e aterosclerose. Portanto, não podemos descartar que as tatuagens tenham sido feitas com intuitos terapêuticos”, observa o autor, apostando que os novos resultados levarão a mais estudos que podem esclarecer o significado e a função das pinturas milenares.

Técnica Para achar as novas tatuagens no corpo milenar, os pesquisadores aqueceram ligeiramente a camada superficial de gelo que protege o corpo de Ötzi, mantido no South Tyrol Museum of Archaeology, em Bolzano. Depois desse processo, ele colocado em uma câmara cuja temperatura não excedia os 4°C e fotografado sistematicamente por duas horas. Além das imagens, os autores desenvolveram um sistema integrado que conta com uma câmera modificada, filtros ópticos e um software sofisticado capaz de processar o conjunto de informações coletadas. Combinadas, as técnicas cobrem uma gama maior de ondas, captando tanto a luz visível quanto a não visível. Esse último tipo de energia pode ser definido grosseiramente como as “cores” que o olho humano não consegue captar, tais como o ultravioleta, o infravermelho, os raios X e as ondas de rádio.

A respeito da confecção das tatuagens, a equipe especula que elas pode ter sido produzidas pela perfuração da camada exterior da epiderme que, após ser lesionada, era coberta com pó de carvão. As técnicas aplicadas para a investigação de Ötzi podem auxiliar a pesquisa de outras múmias tatuadas encontradas antes, como uma de mil anos achada no Deserto de Chiribaya Alta, no Sul do Peru. Nela, foram detectadas duas formas de tatuagens: um grupo de imagens decorativas retratando plantas e animais e outro com símbolos e círculos localizados nas extremidades e no pescoço.