quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Odete Lara diz adeus

Morre aos 85 anos a atriz e cantora que foi musa do Cinema Novo, aderiu à bossa nova, abandonou a carreira e dedicou as últimas décadas de sua vida à prática do budismo

Carolina Braga
Estado de Minas: 05/02/2015 

A atriz Odete Lara, que faleceu ontem, aos 85 anos, vítima de infarto; corpo deve ser cremado hoje em Nova Friburgo (RJ)


 (Robert Somlo/Revista O Cruzeiro-7/3/1961)
A atriz Odete Lara, que faleceu ontem, aos 85 anos, vítima de infarto; corpo deve ser cremado hoje em Nova Friburgo (RJ)


Foram 40 filmes, cinco novelas e uma vida digna de ser registrada em livro e pelo próprio cinema, arte pela qual nunca escondeu a predileção. Odete Lara faleceu na manhã de ontem em uma casa de repouso no Rio de Janeiro aos 85 anos de idade. As últimas duas décadas foram de recolhimento, oração e paz. 

Odete Righi, que posteriormente adotou o sobrenome Lara, nasceu em 17 de abril de 1929, em São Paulo e era filha única de um casal de imigrantes italianos. Teve uma vida familiar marcada pela tragédia. A mãe suicidou-se quando a filha tinha seis anos. 

Odete foi enviada a um orfanato e, depois, criada pela madrinha, já que seu pai, diagnosticado com tuberculose, não podia se aproximar dela. Ainda assim, eles eram muito apegados. Giuseppe Bertoluzzi também se suicidou, quando a filha tinha 18 anos. 

Na época, Odete já trabalhava como datilógrafa. A carreira nas artes começou na moda. Depois de participar de um teste de manequim, foi escalada como modelo para o primeiro desfile do Brasil, realizado no Masp. Logo tornou-se garota-propaganda da TV Tupi e deu início à carreira de atriz. 

No teatro, participou do Teatro de Vanguarda e foi integrante do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). A estreia no cinema foi com Uma certa Lucrécia (1957), de Fernando de Barros, filme no qual contracenava com Dercy Gonçalves. Nunca escondeu a predileção pela sétima arte. 

Foram 40 filmes, entre eles, trabalhos com expoentes do cinema brasileiro. Atuou para as câmeras de Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues, Anselmo Duarte. 

Se no início da carreira atuou ao lado do popular Mazzaropi em comédias como O gato de madame (1957), foi musa em Otto Lara Rezende ... ou Bonitinha, mas ordinária (1963), Boca de ouro (1963), Noite vazia (1964), O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), Vai trabalhar, vagabundo (1973) e tantos outros. O último longa-metragem foi O princípio do prazer (1979), com direção de Luiz Carlos Lacerda, o Bigode. 

CANTORA 

Na década de 1960, ao lado de Vinicius de Moraes, ela estreou como cantora no show Skindô. Como a experiência deu certo, repetiu-a na gravação do show Eles e ela, no qual dividiu os vocais com Sérgio Mendes, Chico Buarque e Sidnei Miller. Deixou registrados dois discos que perpetuam a atuação vocal, Vinicius e Odete e Contrastes, este com composições de Vinícius e Tom Jobim. 

Odete foi casada com o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho e com o diretor Antonio Carlos Fontoura, mas não teve filhos. Foi premiada no Festival de Gramado por sua contribuição ao desenvolvimento do cinema brasileiro e ganhou o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) em 1975 pelo conjunto da obra. O último trabalho na televisão foi na novela Pátria minha (1994).

Ao abandonar a carreira de intérprete, dedicou-se ao budismo, à meditação e à literatura. Escreveu quatro autobiografias: Eu, nua (1975), Minha jornada interior, e Meus passos na busca da paz (1997) e Vazios e plenitudes (2009). O último é dividido em duas partes. A primeira, uma compilação de 42 textos reflexivos, e a segunda, relatos de viagens feitas para a Turquia, China e Tibete. 

Além disso, traduziu diversas obras ligadas ao budismo, sobretudo volumes do monge vietnamita que se exilou na França Thich Nhat Hanh. 

Em 2002, a atriz e diretora Ana Maria Magalhães adaptou Eu, nua para o cinema. A atriz Christine Fernandes foi escolhida para interpretá-la. 

Christine se manifestou ontem no Twitter. “RIP #OdeteLara mulher intensa, sensível, artista complexa que tive o privilégio de conhecer e interpretar no cinema. Descanse em paz, Deusa”, escreveu. 

Odete Lara sofreu um infarto por volta das 7h15, na clínica de repouso onde vivia. Numa queda anterior, ela havia fraturado o fêmur. Após velório no Parque Lage, o corpo da atriz deve ser levado hoje para Nova Friburgo, onde será cremado. 

Carreira

NO CINEMA

» Absolutamente certo (1957), de Anselmo Duarte

» Moral em concordata (1959), de Fernando de Barros

Odete Lara em
Odete Lara em "Sábado a la noche", cine (1960), de Fernando Ayala


» Sábado a la noche, cine (1960), de Fernando Ayala

» Otto Lara Rezende ou… bonitinha, mas ordinária (1963), de J.P. Carvalho

 (Kamera Filmes/Divulgação)


» Noite vazia (1964), de Walter Hugo Khouri

» Copacabana me engana (1968), de Antonio Carlos da Fontoura

Odete Lara em
Odete Lara em "O dragão da maldade contra o santo guerreiro" (1969), de Glauber Rocha


» O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), de Glauber Rocha

» Os herdeiros (1970), de Cacá Diegues

» A estrela sobe (1974), de Bruno Barreto

» O princípio do prazer (1979), de Luiz Carlos Lacerda


NA LITERATURA 

» Eu, nua (Rosa dos Tempos)

» Minha jornada interior (Editora Best Seller)

» Meus passos na busca da paz (Rosa dos Tempos)

Uma diva atemporal

Luiz Carlos Lacerda*

Apesar de ter trabalhado no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) e no Opinião, e ter gravado discos lançando a bossa nova – seguidos de shows com Tom & Vinicius, Odete era uma atriz de cinema. E do cinema brasileiro.

Transitou pela Vera Cruz, ao lado de Maria Della Costa, no neorrealista Moral em concordata, de Fernando de Barros – transposição do espetáculo teatral onde também atuou. Musa do Cinema Novo de O boca de ouro, do mestre Nelson Pereira dos Santos; Copacabana me engana, de Antonio Carlos da Fontoura; O dragão da maldade contra o santo guerreiro, de Glauber Rocha; Os herdeiros, de Carlos Diegues, até o filme introspectivo do antonioniano Walther Hugo Khoury, Noite Vazia – seu melhor papel, ao lado de outro mito, Norma Bengell.

Odete é o exemplo único de uma atriz que mergulhou nos movimentos políticos e culturais de seu tempo, desde o engajamento na luta contra a censura, na defesa do nosso cinema, às experiências sensoriais da contracultura. 

Viveu intensamente essa época, até retirar-se, em seu refúgio espiritual de um sítio em Muri, nos arredores de Nova Friburgo. Lá, dedicou-se a traduzir livros budistas e escreveu em dois volumes sua biografia – em que a diretora Ana Maria Magalhães baseou-se para realizar o belo filme Lara.

Em 1978, fui buscá-la no seu exílio campestre voluntário – queria tê-la num filme meu, a musa, a amiga, a atriz mítica de tantos filmes. Não poderia deixar de tê-la na minha filmografia, nem deixar de viver a experiência de dirigi-la. Odete sorriu, me deu a mão e respondeu: “Está bem, vai ser meu último trabalho”.

Em Paraty, juntou-se à equipe técnica e ao elenco e divertimo-nos muito filmando O princípio do prazer. 

As últimas vezes em que nos encontramos, na Mostra de Tiradentes, onde foi homenageada em 2001, e em seu aniversário, em casa da amiga Letícia Sabatella, já idosa, mas com o mesmo sorriso discreto e característico, cantou sambas que tocavam no violão. Feliz, deu-me a mão, como nos tempos das passeatas, das suas estreias e dos mergulhos na praia de Ipanema – onde reinou, soberana, como uma diva atemporal e realizada.

* Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, é cineasta. Dirigiu o último filme em que Odete Lara atuou, O princípio do prazer (1979)

Fronteiras - Eduardo Almeida Reis

No Brasil daquele tempo, até os relógios japoneses eram contrabandeados

Estado de Minas: 05/02/2015 




Vejo em excelente programa de TV entrevistas de um delegado da Polícia Federal e do ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União. Depois de 12 anos de governos petistas, com os doutores que têm presidido o Senado, ministros dos tribunais superiores nos assustam. Mas Aroldo Cedraz de Oliveira, apesar de ter sido nomeado pelo Lula, é médico veterinário, tendo, portanto, credenciais para lidar com a fauna brasileira.

Falando das dificuldades de policiar nossas fronteiras – só com a Bolívia são 3.400 e com o Paraguai 1.920 quilômetros – o delegado disse que a Faixa de Gaza tem fronteiras de 51 quilômetros com Israel e, apesar de toda a tecnologia israelense, os palestinos receberam mais de 3 mil foguetes para bombardear seus vizinhos. Na verdade, o delegado falou em 20 x 80 quilômetros, mas deve ter incluído a faixa litorânea ou entendi mal.

Certa feita, hospedado na fazenda de um amigo próxima da fronteira com o Paraguai, resolvi dar um passeio no Fiat 147, alugado em Londrina, para conhecer o país vizinho e comprar umas coisinhas. Na estrada de terra havia um posto alfandegário brasileiro, construção modesta de madeira. Parei o Fiat e constatei que o agente alfandegário, fardado, dormia a sono solto. Acordei-o e perguntei se poderia trazer do Paraguai três relógios para minhas filhas. Pois é: no Brasil daquele tempo, até os relógios japoneses eram contrabandeados.

“O senhor vai trazer no pulso ou no bolso?” perguntou o admirável funcionário. “No bolso” expliquei. E ele: “Eu não estou aqui para examinar o bolso de ninguém”. Comprei os relógios e o amigo que me ciceroneava, guarda-costas do fazendeiro que me hospedava, aproveitou a viagem para comprar uma pistola Walther PPK. Jogou fora a caixa e trouxe a pistola nas costas por baixo da camisa. 

Bonecas

Na edição de 24 de dezembro comentei as fotos da dinamarquesa Benita Marcussen, de Copenhagen, mostrando a maluquice dos seus conterrâneos que vivem com bonecas de silicone. Casados, solteiros, viúvos, divorciados compraram bonecas de silicone e se deixam fotografar ao lado das companheiras, que, seja dito de passagem, não resmungam, não têm TPM, não sofrem de gases e não conhecem a menopausa.

No mesmo dia, leitor atento e amigo contou-me caso interessantíssimo que leu no livro A guerra dos parafusos, de Antonio Barreto, seu companheiro de papo e copo no bar Lua Nova-Maleta, ponto de encontro em BH de jornalistas, poetas, escritores e artistas plásticos.

Antonio de Pádua Barreto Carvalho (Passos, MG, 1954) reside em Belo Horizonte desde 1973. Engenheiro projetista, trabalhou para a Mendes Júnior na construção de estradas, pontes e ferrovias em algumas cidades do Oriente Médio. Tem vários prêmios nacionais e internacionais nos gêneros poesia, conto, romance e literatura infanto-juvenil.

Relatou que certa noite no Iraque observou o entra-e-sai de operários num dos alojamentos da construtora. Foi apurar e descobriu que um operário, durante a escala em Copenhagen do voo Brasil/Iraque, adquiriu uma boneca inflável sabendo que no país em que iria trabalhar não era permitido o comércio sexual. Além de satisfazer o seu entusiasmo noturno, bolou uma forma de ganhar bom dinheiro extra e se transformou em cafetão da boneca de silicone. Daí o entra-e-sai no alojamento. 

Dinossauros

Nos anos 90 mandei fazer bela camisa de flanela quadriculada, com quadrados vermelhos, mangas compridas e andei viajando por aí. De vez em quando ouvia o bordão “Não é a mamãe”, sem saber que era provocado por minha bela camisa. Havia um programa de tevê, Família dinossauro, que obviamente nunca vi, em que um bonecossauro usava camisa parecidíssima com a minha. Hospedado em casa de amigos, em Brasília, voltei a ouvir o bordão e fiquei sabendo que era por causa da camisa.

O jornalista e escritor Guilherme Fiuza vem de lançar o livro Não é a mamãe – Para entender a era Dilma. Autor de ótimos livros que comprei e li, excelente cronista, brilhante analista da política brasileira, Fiuza explica a era Dilma com lucidez e humor numa coletânea das crônicas que publicou em jornais e revistas.

Até aí, tudo bem, mas cada vez que termino a leitura de 20 ou 30 páginas percebo que estou triste, que parei de ler para não continuar me aborrecendo. A sucessão de verdades desagradáveis, mesmo com humor, entristece o leitor. Mas há um índice onomástico, que faz do livro obra de consulta permanente.
 
O mundo é uma bola 

5 de fevereiro de 146: finalmente, término da Terceira Guerra Púnica com a destruição de Cartago, sem dispensar os alunos brasileiros de continuar estudando as chatíssimas Guerras Púnicas e a sentença com que M. Pórcio Catão terminava todas as suas intervenções no Senado: Ceterum censeo Carthaginem esse delendam, “Aliás, sou de opinião que Cartago deve ser destruída”.

Em 1597, crucificados “Os 26 mártires do Japão” na cidade de Nagasaki durante a perseguição ao cristianismo promovida pelo Xogunato de Tokugawa. Os 26 foram beatificados em 1627 e canonizados em 1862. Hoje é o Dia do Datiloscopista.

Ruminanças 

“Geralmente ri por último quem compreendeu a piada por último” (Terry Cohen).