quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O que os deuses nos deram - Martha Medeiros


A gente sabe que troca de ano é pura ilusão e que um dia sucede outro, simples assim. Mas é forte a sensação de que essa é a hora de zerar tudo e recomeçar a vida de outra forma. Por isso fazemos planos, estipulamos metas e alimentamos a expectativa de que nos tornaremos pessoas melhores daqui pra frente.
Eu, ao menos, suspendo a descrença e mergulho de cabeça nessa onda inaugural, abraço a ideia de renovação. Faço balanços, tento descobrir onde errei no passado e prometo a mim mesma que vou me corrigir, para isso contando com a ajuda preciosa de filósofos, budistas, aforistas e demais sábios de plantão. Leio tudo deles, anoto, sublinho, decoro. Vamos lá, agora vai.
Pois estava tomada por esse delírio quando me caiu no colo uma frase do poeta Fernando Pessoa: “Te tornarás só quem tu sempre foste. O que os deuses te dão, dão no começo”.
O gajo é um melancólico, mas sabe colocar as coisas em seus devidos lugares.
Toque aqui, poeta. De acordo. A gente até pode apertar nossos parafusos frouxos de tempos em tempos, mas mudar, virar outra pessoa por obra e graça da virada do calendário é acreditar demais em conspirações cósmicas. O que os deuses me deram, deram na infância. E o que os deuses não me deram, simplesmente não deram.
Eu queria ser menos encasquetada. Eu queria ser menos eloquente. Eu queria ser mais audaciosa. Os deuses não me deram. Em compensação, me ofertaram coisas que nunca pedi, que nunca me atrevi nem a sonhar, e o quinhão foi de respeito. Vim ao mundo bem nutrida, bem amada e portando uma caixa de ferramentas de gente grande, o que me tornou uma expert em construções e reparos. Vou querer trocar essas peças originais por ferramentas desconhecidas? A essa altura?
Agora não dá, agora passou do prazo, agora é se virar com o que se tem. O que os deuses nos deram, deram no começo. Que cada um faça bom uso do que recebeu.
A você, os deuses deram o quê lá no início? Neuroses? Insegurança? Saúde frágil? Carência? Inteligência? Firmeza de caráter? Fraqueza moral? Força de vontade? Humor? Se em meio a esse pacote tão sortido de defeitos e qualidades estiver a tolerância, não há muito do que reclamar. Mãos à obra. O ano começou de pernas para o ar. Atentados em Paris, carnificinas na Nigéria, violência urbana no Brasil. Em todo lugar, a estupidez aflora nas mais diferentes proporções. Então, em meio a esse curto-circuito provocado pela coragem de uns e a covardia de outros, que a gente reforce nossa capacidade de convivência amistosa, de discernir as formas menos agressivas de lutar pelo que se acredita e de se emocionar diante da fragilidade humana. Supondo, com otimismo, que os deuses nos beneficiaram lá no início.
Zero Hora - 14/01/2015


https://www.facebook.com/helena.neviani/posts/10202300200744731?pnref=story

Futurologia - Eduardo Almeida Reis

Dá para imaginar a utilidade de contar com um negócio que nos avise quando a lata de lixo está cheia, função que tem ficado por conta da comadre


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 14/01/2015




Talvez não dê para o Luiz Inácio, mas o Lulinha e os outros filhos que ele teve com a Galega devem curtir as mudanças que a conexão 5G fará no mundo. A nova tecnologia, di-lo a BBC BRASIL.com, permitirá a existência de cidades inteligentes e interconectadas, cirurgias realizadas à distância de milhares de quilômetros e a interconexão digital de todos os nossos objetos cotidianos. Muito provavelmente permitirá, diz aqui o philosopho, a interconexão digital do marido com a mulher e vice-versa ao contrário.

Tempo virá – e não demora muito – em que as pessoas começarão a usar roupas que se conectam à internet, comprar carros sem motorista, que se conectam com outros veículos para evitar acidentes. Geração que vai precisar de uma conexão muito mais rápida até para avisar – e aqui vai uma tolice tecnológica – quando as latas de lixo estão cheias. Ora, bolas: conexão 5G para avisar que a lata de lixo está cheia?

Começou a corrida mundial para desenvolver a internet 5G e os cientistas prometem fazer tudo diferente. O uso de robôs e a imersão das coisas na internet (IoT na sigla em inglês), ou seja, a interconexão digital. Cenário que deve ser comum em apenas seis anos: a partir a 2020, cientistas, governos e empresas de comunicações fazem planos para começar a usar a 5G, quando o atual número de conexões será multiplicado por 10.

O professor Rahim Tafazolli, que comanda o Centro de Inovação 5G da Universidade de Surrey, Inglaterra, acredita que será possível contar no futuro com uma conexão de dados sem fios a 800 Gigas por segundo, o que significa uma conexão 100 vezes mais rápida que as 5G que já estão sendo testadas. Uma velocidade de 800 Ggpse equivaleria a baixar 800 filmes em HD em apenas um segundo, 8 mil filmes em 10 segundos. Tenho um amigo que já viu, anotando em fichas, 14 mil filmes.

Voltando à 5G, uma de suas características é que “não poderá falhar. Terá o nível de confiança que atualmente existe com as conexões de fibra ótica”, diz a cientista Sara Mazur, da Ericsson, empresa que prevê que o período de latência da 5G ficará em torno de um milissegundo, ou seja, imperceptível aos seres humanos e 50 vezes menor que a 4G.

Dá para imaginar a utilidade de contar com um negócio que nos avise quando a lata de lixo está cheia, função que tem ficado por conta da comadre que me assiste em domicílio.

Ministério

No ministério de dona Dilma, cabe tanta gente que me lembra um ônibus, marinete no regionalismo de Alagoas, Sergipe e da Bahia. Como sabe o leitor, esse regionalismo é devido a Filippo Tommaso Godoy Marinetti (1876-1944) escritor, poeta, editor, ideólogo, jornalista e ativista político italiano, criador do movimento futurista, cujo manifesto publicou no jornal parisiense Le Figaro, em fevereiro de 1909.

André Gide fez de Filippo Tommaso uma análise que se aplica à esmagadora maioria dos nossos atuais ministros: “Marinetti goza de uma ausência de talento que lhe permite todas as audácias”. Quando este primoroso philosophar, no dia 7 de janeiro, chegou a “todas as audácias” de Gide, tomei conhecimento do ataque aos jornalistas da revista Charlie Hebdo. Troquei o computador pela tevê no momento em que Obama e o papa Francisco utilizavam os adjetivos ultrajante e abominável para qualificar o ato praticado pelos “suspeitos”. Pois é, os sujeitos se vestem de preto, portam fuzis Kalashnikov, matam uma porção de gente e continuam suspeitos, mesmo depois de um dos tiros, que matou o policial deitado na calçada, ter sido filmado de uma janela.

Ultrajante e abominável é também o jornalista brasileiro que chama de suspeito um criminoso filmado atirando e matando. A partir daí, foram quatro dias de tevê, com intervalos para dormir, e um besteirol abominável e ultrajante de uma porção de professores de relações internacionais, cientistas políticos e outros “especialistas” ouvidos pelos canais de tevê. Não todos, é verdade, mas a maioria. Donde se conclui que a burrice disputa com a violência o pódio da nossa tevê.

O mundo é uma bola

14 de janeiro de 1506: a escultura clássica Laoconte e seus filhos (Grupo de Laocoonte) é redescoberta em Roma por Felice de Fredi e vendida de imediato ao papa Júlio II. Dia 8 de dezembro passado foi inaugurada em Ipanema, no Rio, a estátua de Tom Jobim. É duro imaginar que em poucos dias estará pichada, a exemplo do que se faz com a estátua de Carlos Drummond em Copacabana, e foi feito com a estátua do nosso Roberto Drummond, em Belo Horizonte.

Em 1724, o rei Felipe V, de Espanha, abdica em favor de seu filho mais velho. Nascido em Versalhes e conhecido como Felipe de Anjou, foi rei da Espanha de 1700 a 1746, sendo o primeiro monarca espanhol da Dinastia de Bourbon. Era neto do rei francês Luís XIV e governou também os reinos de Nápoles até 1707, e da Sicília até 1713. A partir de 8 de setembro de 1724, teve um segundo reinado na Espanha até 1746. Sei lá o que aconteceu com o seu filho e tenho a certeza de que o leitor também não se interessa. Hoje é o Dia do Treinador de Futebol.

Ruminanças
“Quem negará ao futebol esse condão de catarse circense com que os velhos sabidos de Roma lambuzavam o pão triste das massas?” (Oswald de Andrade, 1890-1954).