quinta-feira, 2 de abril de 2015

Passos mais leves

Passos mais leves 

Pesquisadores criam exoesqueleto que, sem utilizar energia elétrica, reduz o gasto energético da caminhada. O invento, depois de aprimorado, poderá ajudar pessoas com dificuldades de locomoção


Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 02/04/2015 



A bota mecânica: prova de que o sistema de caminhada humano, resultado de anos de evolução, pode ser aprimorado (Stephen Thrift/Divulgação - 11/2/15 )
A bota mecânica: prova de que o sistema de caminhada humano, resultado de anos de evolução, pode ser aprimorado

Detalhe da mola que compõe o mecanismo: força muscular reduzida (Carnegie Mellon University College of Engineering/Divulgação)
Detalhe da mola que compõe o mecanismo: força muscular reduzida

Humanos são exímios andarilhos. Mesmo não sendo os animais mais rápidos na natureza, desenvolveram, ao longo da evolução, um conjunto muscular e neural especialmente moldado para a locomoção, o que resultou na marcha mais eficiente entre os primatas. O que é excelente, contudo, pode ser aprimorado, garantem pesquisadores da Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Eles criaram um exoesqueleto capaz de reduzir em 7% o gasto energético de uma caminhada. Os detalhes da novidade são descritos na edição de hoje da revista Nature.

Ao longo da vida, as pessoas gastam mais energia caminhando do que em outras atividades. Basta fazer os cálculos para entender o porquê: um indivíduo comum dá cerca de 10 mil passos por dia. São centenas de milhões ao longo da vida, superando 10 mil horas de caminhada até alcançar a idade adulta. Os gastos dessa jornada podem ser administrados, por exemplo, com a diminuição do ritmo de marcha, mas a equipe liderada por Steven Collins, principal autor do estudo, buscava uma nova forma de fazer isso, sem prejuízo para a velocidade.

O desafio não era pequeno, afinal, tentava-se melhorar um sistema que a natureza levou anos aperfeiçoando. As primeiras tentativas começaram na década de 1980, quando engenheiros começaram a projetar máquinas que facilitassem a caminhada. O exoesqueleto criado por Collins e colaboradores também foi fruto de muito esforço, iniciado em 2008. O resultado é uma peça que se prende ao pé e ao tornozelo, que lembra uma bota.

Leve e elástica, ela diminui a força muscular a cada passada, reduzindo, assim, a energia metabólica consumida nas contrações. O segredo está em uma mola sustentada por uma embreagem mecânica. Ela estica e relaxa conforme os movimentos do tornozelo e do pé apoiado no chão, ajudando a cumprir uma das funções dos músculos da panturrilha e do tendão de aquiles. Até ficar pronto, o protótipo passou por uma série de revisões. “Por exemplo, a primeira versão da embreagem pesava meio quilo, e a versão que usamos no estudo pesava pouco menos de 60g”, conta Collins ao Estado de Minas.

Deficientes Sem utilizar produtos químicos nem energia elétrica, o mecanismo pode reduzir o custo metabólico da caminhada em 7% nos humanos saudáveis. O pesquisador ressalta que o modelo apresentado na Nature são protótipos experimentais e, por isso, ainda não estão adaptados à vida cotidiana. “No entanto, pensamos que uma abordagem semelhante poderia ser utilizada em dispositivos mais sofisticados, capazes de ajudar em caminhadas de diferentes velocidades, a subir e descer escadas e até mesmo em corridas”, afirma o pesquisador. Há ainda a possibilidade de abordagens semelhantes serem reaproveitadas por pessoas com deficiência. “Também esperamos que a pesquisa resulte em tecnologias que ajudem as pessoas que sofreram acidente vascular cerebral ou que perderam mobilidade por causa do envelhecimento”, acrescenta.

No momento, a equipe está concentrada em testar a aplicação de intervenções semelhantes para auxiliar a caminhada de pessoas debilitadas, mas que não perderam totalmente os movimentos. “Também planejamos determinar a melhor maneira de utilizar o exoesqueleto em velocidades e inclinações diferentes.”

Para Collins, um feito importante da pesquisa é demonstrar que não é preciso fornecer energia alternativa para reduzir o custo metabólico de uma atividade como a caminhada. Isso pode ser feito diminuindo a pressão na panturrilha e, ao mesmo tempo, cumprindo algumas das funções do tornozelo. Estruturas como essas, diz o autor, são, inclusive, viáveis na natureza, permitindo que o dispositivo “seja análogo a uma mudança na anatomia capaz de aumentar a economia na marcha”. Isso significa que poderia ser usado também por outros animais. “A evolução, o crescimento e a aprendizagem impulsionaram a eficiência na caminhada, mas melhorias ainda são possíveis”, garante.

Palavra de especialista
Arturo Forner, professor na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e responsável pelo Laboratório de Biomecatrônica
Estudos afins
“O estudo é interessante, e sua ideia é abordada por muitos pesquisadores da área. Uma história que ganhou repercussão na mídia foi de Oscar Pistorius, o corredor parolímpico que usa duas próteses no lugar das pernas. A comunidade científica sempre discutiu se, de algum ponto de vista, Pistorius teria vantagem (em comparação a atletas não amputados) por usar o mecanismo, pois talvez o consumo energético fosse menor pelo efeito da mola. Eu não conhecia esse trabalho de Steven Collins, que encontrei no congresso Dynamic Walking, na Holanda, em 2008. Uma publicação como essa na revista Nature é importante, pois a publicação não divulga muitas coisas nessa área. No Brasil, há trabalhos mais ou menos semelhantes, como o do meu aluno Milton Cortes, da USP. Ele desenvolveu um exoesqueleto que também reduz o gasto energético com uma mola. A pesquisa está em andamento.” 

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