domingo, 8 de fevereiro de 2015

Tatuagens de 5 mil anos

Pesquisadores identificam 61 marcas na pele de múmia europeia e encontram evidências de que elas tinham função medicinal


Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 08/02/2015





Pesquisadores italianos conseguiram desvendar o conjunto de tatuagens mais antigo do mundo. As marcas estampam a pele de Ötzi, também conhecido como Homem do Gelo, múmia que permaneceu preservada em uma geleira dos alpes tiroleses por 5,3 mil anos e, desde que foi descoberta, é alvo das mais variadas pesquisas. O ancestral caçador-coletor já ajudou, por exemplo, na comprovação de que a aterosclerose é uma doença milenar (suas veias eram cheias de placas de gordura acumuladas) e na investigação sobre a intolerância à lactose (outro problema que afetava o antigo europeu). Agora, o estudo mais detalhado de sua pele dá pistas de que as pinturas corporais podem ter surgido com intuitos medicinais, uma vez que as tatuagens pareciam sinalizar os pontos em que Ötzi sentia mais dor devido a doenças degenerativas que também o afligiam.

Parte das tatuagens do Homem do Gelo foi notada assim que ele foi encontrado, em 19 de setembro de 1991, nos alpes Ötztal, pelos alpinistas Erika e Helmut Simon. Algumas, entretanto, jamais tinham sido vistas porque o tempo sob o gelo fez com que a pele escurecesse. Em estudos anteriores, especialistas estimaram a presença de 49 a 57 marcas agrupadas em 16 áreas do corpo. Agora, com técnicas mais modernas, uma equipe liderada por Marco Samadelli, da Academia Europeia de Bolzano, na Itália, concluiu que são 61 tatuagens em 19 regiões.
As marcas são linhas que variam de 1mm a 3mm de espessura e 7cm a 40cm de comprimento, geralmente paralelas umas às outras. As maiores foram encontradas no pulso da mão esquerda, e duas cruzes adornam o tornozelo esquerdo e o joelho direito da múmia. O estudo foi publicado recentemente no Journal of Cultural Heritage.

Como os pontos do corpo sinalizados pelos riscos – basicamente, articulações e a parte inferior das costas – deveriam doer mais, o novo estudo reforça a hipótese de que as tatuagens tiveram mais importância terapêutica do que decorativa, servindo como pontos de aplicação de tratamentos médicos direcionados, como uma espécie de acupuntura praticada na Europa Central há 5 mil anos. Pesquisas anteriores, que levaram em consideração a avaliação de acupunturistas, mostraram que pelo menos nove das marcas foram feitas a até 6mm dos pontos da terapia milenar. Outras duas estão enquadradas em um meridiano da técnica.

Possibilidades A arqueóloga Gislene Monticelli, professora do curso de história da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) pondera que as tatuagens também podem ter tido um significado mais abstrato. “Nessas situações do passado, poderiam ser uma cobra ou escama de peixe, mas é difícil analisar, porque essas linhas paralelas podem ter tido um significado que não conhecemos mais. É só imaginar um presidiário, hoje, que risca linhas na parede. Elas podem significar tanto um dia prisão quanto o tempo que falta para sair”, compara a pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da PUCRS.

Essa impressão pode ser reforçada pela identificação de quatro linhas paralelas de 20mm a 25mm de comprimento no canto inferior direito da região torácica de Ötzi. Descobertas só agora pela equipe de Marco Samadelli, essas são as primeiras tatuagens encontradas na parte frontal do torso do Homem do Gelo e não parecem ter sido feitas com o intuito de identificar pontos de dor.

Mesmo assim, o pesquisador italiano não refuta a hipótese relacionada à saúde. “Sabemos, a partir de estudos anteriores, que Ötzi sofria com outras patologias que também podiam afetar a região do peito e da frente do corpo, como pedras da vesícula biliar, parasitas e aterosclerose. Portanto, não podemos descartar que as tatuagens tenham sido feitas com intuitos terapêuticos”, observa o autor, apostando que os novos resultados levarão a mais estudos que podem esclarecer o significado e a função das pinturas milenares.

Técnica Para achar as novas tatuagens no corpo milenar, os pesquisadores aqueceram ligeiramente a camada superficial de gelo que protege o corpo de Ötzi, mantido no South Tyrol Museum of Archaeology, em Bolzano. Depois desse processo, ele colocado em uma câmara cuja temperatura não excedia os 4°C e fotografado sistematicamente por duas horas. Além das imagens, os autores desenvolveram um sistema integrado que conta com uma câmera modificada, filtros ópticos e um software sofisticado capaz de processar o conjunto de informações coletadas. Combinadas, as técnicas cobrem uma gama maior de ondas, captando tanto a luz visível quanto a não visível. Esse último tipo de energia pode ser definido grosseiramente como as “cores” que o olho humano não consegue captar, tais como o ultravioleta, o infravermelho, os raios X e as ondas de rádio.

A respeito da confecção das tatuagens, a equipe especula que elas pode ter sido produzidas pela perfuração da camada exterior da epiderme que, após ser lesionada, era coberta com pó de carvão. As técnicas aplicadas para a investigação de Ötzi podem auxiliar a pesquisa de outras múmias tatuadas encontradas antes, como uma de mil anos achada no Deserto de Chiribaya Alta, no Sul do Peru. Nela, foram detectadas duas formas de tatuagens: um grupo de imagens decorativas retratando plantas e animais e outro com símbolos e círculos localizados nas extremidades e no pescoço.

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