sábado, 28 de fevereiro de 2015

Profissionalismo - Eduardo Almeida Reis

Profissionalismo Num exame oral, mais importante do que estudar a matéria é saber alguma coisa da vida e da obra do examinador


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas : 28/02/2015




Muito pior do que o sujeito que não sabe é aquele que pensa que sabe. De ciência própria assino a frase anterior. Tenho diploma de bacharel obtido numa das melhores faculdades brasileiras, a do Catete, que tinha um corpo docente como raramente se viu na história deste país. Estudei o suficiente para aprender que nada sei da ciência do direito. Creio desnecessário repetir, mas repito, que tirei 10 numa porção de provas orais. Num exame oral, mais importante do que estudar a matéria é saber alguma coisa da vida e da obra do examinador. Assim, você contorna a pergunta, muda de assunto, elogia o professor e deixa a banca a cavaleiro de um 10. Tirei 10 na banca de francês do vestibular da Faculdade Nacional de Direito e até hoje não falo uma palavra da língua indo-europeia do ramo itálico que se desenvolveu do latim vulgar na Gália transalpina, com influência do frâncico, e se tornou a língua oficial da França e de certos países de colonização francesa. Passando nos dois vestibulares, escolhi a Faculdade do Catete por sua localização.

Que aconteceria se o vosso philosopho, operador do direito, fosse convidado para ganhar milhões de dólares defendendo o economista Nestor Cuñat Cerveró? Elementar, meu caro Watson: contrataria advogados competentes e dividiria os milhões com eles. Foi assim, mas de graça, que absolvi um bandidão no Tribunal do Júri do Rio: dividi a causa com um jovem professor de direito penal, que falou pelos cotovelos. Primorosamente engravatado, fiquei quieto na tribuna e “absolvemos” o bandidão que tinha a mania de atirar nos glúteos, nas nádegas e/ou nas bundas das senhoras que encontrava nas ruas do seu bairro. Freud explica e o atirador, pintor de automóveis, que já estava preso pelo mesmo crime, pintou meu carro na penitenciária.

O grande problema da economista Dilma e do economista Guido é que, diplomados, pensam que entendem de economia. Este pobre país entrou na história como Pilatos no Credo.

Esportes

Começo este belo suelto pedindo ao caro e preclaro leitor que pegue dez notas novas de 50 reais, presas pelo elástico que em BH se chama gominha, e lance as 500 pratas, com toda a força, no corredor de sua casa. Depois, meça a distância entre o ponto de lançamento e local da queda. Em seguida, faça a mesma prova com 20 notas novas de 50 reais, presas pela mesma gominha, para descobrir que vão cair um pouco mais longe. Há uma relação entre o peso do produto lançado e a distância percorrida, respeitados certos limites. Por exemplo: está para nascer o atleta capaz de levantar, em notas novas de 50 reais, cada um dos roubos da Petrobras desviados para o PP, o PMDB e o PT.

Anotadas num bloquinho as distâncias dos seus dois lançamentos no corredor doméstico ou na sala de visitas, cuidemos do philosophar do philosopho. Há esportes olímpicos muito recentes na história. O basquete e a canoagem datam de 1936, o judô é de 1964, o vôlei das “meninas do vôlei” (sic) é de 1980. Por isso, acho que sua excelência o ministro do Esporte, o piedoso pastor George Hilton dos Santos Cecílio, natural de Alagoinhas, BA, nascido em 1971, que faz política em Minas Gerais a serviço do não menos piedoso bispo Edir Macedo, dono da Iurd, deve inventar um esporte para as Olimpíadas de 2016: lançamento (ou arremesso) de dízimos.

Pacotes como aqueles que a Polícia Federal encontrou com o pastor em 2005 no Aeroporto da Pampulha, em BH, com 976 mil reais (em valores atualizados), seriam arremessados pelos atletas dizimistas, novo esporte olímpico. No pódio, em lugar das medalhas de ouro, prata e bronze, por motivos mais que óbvios, os vencedores receberiam bananas.

O mundo é uma bola


28 de fevereiro de 1525: o espanhol Hernán Cortés executa o último imperador asteca Cuauhtémoc, também chamado Cuauhtemoyzin ou Guatimozin. Em 2013, Bento XVI formalizou sua renúncia ao Trono de Pedro como prometeu alguns dias antes. Quando aceitou usar, em sua viagem ao México, aquele pavoroso sombrero, diagnostiquei: “Benedictus PP. XVI está liquidado”.

Em 1644, holandeses abandonam São Luiz do Maranhão, que volta ao domínio da família Sarney. Em 1854, primeiro desfile de carros alegóricos no Rio de Janeiro: tem gente que paga para desfilar. Em 1897, deposta pelas tropas francesas a última rainha de Madagascar, Ranavalona III, também conhecida como Ranavalo Manjaka III (1861-1917), feia pra dedéu, última rainha malgaxe. Como é do desconhecimento geral, malgaxe é relativo à República Malgaxe (atual República Democrática de Madagascar) ou o que é seu natural ou habitante: madagascarense.

Em 1930, o coronel José Pereira rebelou-se contra a decisão de João Pessoa, governador da Paraíba, de desarmar os coronéis do sertão, fato que ficou conhecido como “Levante da Princesa”. Hoje é o Dia da Ressaca. Duas aspirinas (para quem pode), duas colheres de sopa de mel, muita água mineral e cama.

Ruminanças

“Nunca um espanhol adia / a morte de quem o maltrata, / nem faz demorar a sua vingança...” (Tirso de Molina, 1583-1648).

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Pensar - Eduardo Almeida Reis

Companheiros de papo e copo disseram: 'Você é muito mais reacionário do que nós, mas vende a figura de esquerdista, de progressista'


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 27/02/2015




Pensar e opinar é direito de cada um, mas causa espécie que imbecis completos continuem externando suas opiniões em alguns muito veículos de nossa imprensa. Só existe uma explicação: têm velha ligação com o esquerdopetismo que infesta a maioria das nossas redações.

Na década de 90, dois amigos de festejado colunista mineiro, companheiros de papo e copo nas noites de BH, disseram: “Você é muito mais reacionário do que nós, mas vende a figura de esquerdista, de progressista”. O colunista admitiu: “Se não vender, estou liquidado”. Os dois amigos, jornalistas mineiros que me contaram a confissão do cronista, aí estão para confirmar a história.

Muitíssimo a propósito, apraz-me comentar um texto de Cora Rónai, publicado no O Globo, dia 22 de janeiro. No planeta, a crônica inteligente, mais que inteligente, genial, Cora Rónai divide do pódio com uma colega de jornal e as outras cronistas vêm depois, muito depois das duas campeãs. Filha do imenso Paulo Rónai, Corinha, grande amor da vida do imenso Millôr, passou uma semana em Cuba, neste janeiro de 2015, e nos deu um Diário de Havana, que é um primor como tudo que sai de sua pena, salvo quando fala de gatos e capivaras.

No processo de restabelecimento de relações diplomáticas com os Estados Unidos, Cuba ainda é castrista e expõe aos que a visitam um quadro desolador. Há cinco anos tive convite oficioso para passar 20 dias naquele país hospedado na “melhor casa de Havana” e visitando as áreas tabacaleras em carro oficial. Josemar Gimenez, à época nosso diretor de redação, entusiasmou-se com a ideia, menos pelos charutos que ganharia, do que pela oportunidade de ter um colaborador visitando boa parte daquele país. Não aceitei o convite feito pelo dono “da melhor casa de Havana”, meu amigo, porque seria incapaz de reportar uma viagem oficial omitindo tudo de errado que porventura visse na excursão.

Corinha viajou por sua conta fazendo um diário que deve se transformar em livro. Transcrevo pequeno trecho do diário: “Se você acordar cedo, fizer café e ficar parado na porta de casa vendendo cada xícara a um peso, no fim do dia terá ganhado mais do que se trabalhar um mês inteiro”, disse o motorista que me levou para ver Havana.

E prossegue: “O motorista é engenheiro. Formou-se em Cuba, fez pós-graduação na Ucrânia, fala três línguas e tem um Lada velhíssimo com que tenta pagar as contas. Deixou de trabalhar na profissão porque não conseguia viver com o salário de 400 pesos. Apenas com o tour que fizemos pela manhã, ganhou 20 CUCs, ou 500 pesos. /.../ Infelizmente, ele não tem muitos tours na agenda, porque os turistas preferem os belos carros americanos antigos ao seu belo carrossauro soviético. Eu também preferiria, mas não tive coração de recusar os seus serviços por causa de uma questão automobilística. Sua mulher é médica, tem duas especialidades e ganha um dinheirão em termos cubanos: 1,7 mil pesos, o equivalente a US$ 68 mensais. Com isso, pode comprar nove copos de vidro numa loja de importados”.

Problemão

Pelos 70 anos da libertação dos prisioneiros de Auschwitz, campo de concentração em que os nazistas mataram mais de 1 milhão de pessoas, a Itatiaia ouviu um historiador brasileiro que mora em Israel e fez judiciosas observações sobre os riscos das democracias. Em linhas gerais, observou que Hitler não usurpou o poder: foi eleito democraticamente pelo povo de um dos países mais adiantados daquele tempo. Há 100 anos, a Alemanha não era um Gabão, um Burundi, mas um país adiantadíssimo do coração da Europa, se bem que derrotado na Primeira Grande Guerra Mundial.

A Venezuela que elegeu Chávez, o Brasil que reelegeu Dilma, a Argentina que vem elegendo peronistas e outros países capazes de votar em gente assim têm democracias, donde se conclui que o problema é de solução difícil. Enquanto as ditaduras são aquilo que se viu, as democracias são isto que se vê.

Terra de Beethoven, de Bach, de Wagner, a Alemanha produziu Goethe, que disse: “Sinto não raro profunda tristeza ao pensar no povo alemão, tão estimável individualmente, tão desafortunado na coletividade”.

O mundo é uma bola

27 de fevereiro de 1510: Afonso de Albuquerque conquista Goa. O Grande, o César do Oriente, o Leão dos Mares, o Terrível, o Marte Português foi um fidalgo, militar e o segundo governador da Índia portuguesa, cujas ações militares e políticas foram determinantes para o estabelecimento do Império português no Oceano Índico. Em 1594, Henrique IV é coroado rei da França.  Era o tal que não se lavava, porque homem não toma banho. Comia com as mãos sujas, como li num livro sobre Montaigne. Palmas para o socialista François Mitterrand, presidente francês, que papava lindas afro-brasileiras residentes em França e seria o pai biológico da lindíssima... deixa isso pra lá. Em 1844, a República Dominicana em boa hora consegue tornar-se independente do Haiti. Hoje tem resorts maravilhosos e produz charutos muito bons, enquanto o Haiti continua sendo o Haiti. Hoje é o Dia do Livro Didático e o Dia do Agente Fiscal da Receita Federal.

Ruminanças
“Em tuas faces / Brilha serena / A cor morena/ Do buriti: / Teus lábios vertem / Róseas frescuras, / Cheiro e doçura / do jataí” (João Salomé Quiroga, 1810-1878).

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Culturas - Eduardo Almeida Reis

O isolamento da tribo seria perfeito se os indígenas não tivessem facões de aço e panelas de alumínio produzidos fora da aldeia


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 26/02/2015




Zapeando o televisor, dei com vídeo em que o ex-atleta Ronaldo Fenômeno e o apresentador Luciano Huck visitavam uma aldeia amazônica onde os indígenas exibem pedaços de bambu num furo do lábio inferior. Um intérprete da Funai traduzia para Luciano e Ronaldo a língua nativa e para os índios as perguntas dos visitantes. Dormiram por lá, e o grande goleador se queixava, na manhã seguinte, de que só faltou eucalipto para a sauna ficar perfeita.

Em seu programa de sábado, Luciano dizia da importância de preservar culturas como aquela que exibiu, elogiava seu amigo Ronaldo Nazário de Lima e o intérprete da Funai, que não puderam comparecer, o goleador porque estava na Europa e o funcionário público porque andava na selva sem contato com os seus superiores. Disse ainda que os índios são muito amáveis, vivem em contato com a natureza, preservam a floresta – tudo muito bonito de dizer.

O isolamento da tribo seria perfeito se os indígenas não tivessem facões de aço e panelas de alumínio produzidos fora da aldeia. Portanto, há um isolamento “relativo”, que não foi levado em conta pelo apresentador. Quando visitei os xavantes no final da década de 60, já os encontrei usando espingardas em lugar dos arcos e das flechas.

E foi só em meados dos anos 1960 que o “contato” xavante foi completado. Dois padres católicos salesianos empenhados em fazer contato com eles no ano de 1932 e uma “equipe de pacificação” do SPI, Serviço de Proteção aos Índios, chefiada por Pimentel Barbosa, em 1941, foram mortos pelos xavantes. Em 1946, chefiada por Francisco Meirelles, uma equipe do SPI finalmente conseguiu trocar presentes e estabelecer contato com um grupo xavante liderado pelo cacique Apöena. Meirelles e Apöena foram transformados pela mídia em heróis nacionais.

Visitei uma aldeia em companhia de um afro-brasileiro alto, magro, chamado Chico, que trabalhava para o grupo europeu interessado naquelas terras horríveis. Chico era conhecido em todo o Mato Grosso como grande matador de índios das mais diversas culturas. Falei da visita no meu livro Amazônia legal & ilegal. É isso aí.

Charges

No episódio Charlie Hebdo não me lembro de ter visto um só comentário sobre a qualidade dos traços dos chargistas assassinados. Eram fracos, fraquíssimos, infantis. Talvez por isso, pelas limitações dos seus traços, tenham exagerado nas críticas às religiões, à fé alheia, latim fìdes,éi ‘fé, crença (no sentido religioso), engajamento solene etc..

Charge implica traço e graça. O sujeito pode ter um traço excepcional e não será bom chargista se lhe faltar graça. Se tem graça e não tem traço deve desistir da profissão de chargista. Ou, então, apela para a crítica social, religiosa, política e pode sofrer as consequências, a retaliação criminosa que todos condenamos.

Leonardo Da Vinci, gênio completo e acabado, tinha traço excepcional e não me consta que, no papel, fosse engraçado. Como foi mestre de cerimônias na corte de Ludovico Sforza, duque de Milão, cuidando da casa e das festas, devia ser cavalheiro de bom trato, simpático, sem que fosse engraçado.

O Brasil tem uma porção de ótimos chargistas, vários trabalhando aqui no Estado de Minas. Para não ferir susceptibilidades cito um “inimigo”, que tem bom traço e muita graça, Bruno Drummond, da Revista O Globo. Não o conheço, não sei se é velho ou moço, branco, preto, mulato ou indígena, mineiro ou rondoniense, casado, solteiro ou viúvo, mas sei que é muito divertido. Ainda outro dia desenhou um atleta de sunga cercado por duas gatas de biquíni, três desenhos iguais na mesma página.

No primeiro, as gatinhas perguntam: “É verdade que você conhece o George Clooney? E o Bradley Cooper? E o Ashton Kutcher?”. No segundo, o atleta responde: “Conheço”. E no terceiro esclarece: “Eles é que não me conhecem”. Gostei muito.

O mundo é uma bola

26 de fevereiro de 364: Valentiniano I é proclamado imperador romano. Em 1815, Napoleão Bonaparte escapa da Ilha de Elba. Em 1848, proclamação da Segunda República Francesa. Francês adora segundas, terceiras, e quartas, a começar pelas primeiras-damas. Temos exemplos recentes em Paris com o presidente François Hollande, baixinho, barrigudinho, trocando de mulher como trocamos de camisas. Mil vezes o uruguaio Mujica, fiel à companheira de muitos anos. Também, com aquele sítio e aquele fusca, o máximo que pode pegar é um resfriado no próximo inverno.

Em 1935, violando os termos do Tratado de Versalhes, Adolf Hitler ordena a reforma da Luftwaffe. Em 1952, Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, informa que o Reino Unido já tem a bomba atômica. Hoje, os britânicos se veem às voltas com a bomba demográfica dos muçulmanos, que se multiplicam feito coelhos. Em 1992, aprovada a bandeira do Daguestão, que ninguém sabe onde fica. A bandeira tem três listras horizontais: verde, azul e vermelha. Não é das mais feias. A República do Daguestão é uma subdivisão da Federação Russa, tem menos que 3 milhões de habitantes e 50.300km2, como acabo de aprender. Hoje é o Dia do Comediante.

Ruminanças

“É triste ver um país democrático transformado em cleptocrático” (R. Manso Neto).

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Plano-sequência - Martha Medeiros


Uma das peculiaridades de Birdman, ganhador do Oscar, é ter sido filmado num plano-sequência, com apenas alguns poucos subterfúgios para cortar o filme sem dar esta impressão, então o que vemos é uma ação ininterrupta, tal qual a vida real, que não tem corte também, não existe, por exemplo, uma corrupção que começou de repente, em determinado dia, com a entrada de determinado partido no poder.
A corrupção tem estado em cena persistentemente desde que o Brasil foi descoberto, ainda que ela tenha encontrado terreno fértil nos últimos anos, e o mesmo acontece com a questão do aborto, discussão que se ampara em um sentimentalismo barato, mulher nenhuma levará uma gestação adiante se ela não quiser, nenhuma jamais levou, nossas avós abortavam, nossas bisavós abortavam, e a mulher de amanhã também abortará, sendo crime ou não.
Ou seja, criminalizar é apenas uma forma de punir essa mulher, obrigá-la a procedimentos clandestinos, uma hipocrisia a mais num país que se recusa a deixar a religião de lado para pensar de forma menos passional e mais sintonizada com seu tempo, mas não adianta, é assim desde sempre, ato contínuo, somos os campeões do prolongamento do nosso atraso, e outra prova disso é a questão de adoção de crianças por casais homoafetivos, a cena se estende, considera-se absurdo alguém ser criado com amor por dois homens ou duas mulheres.
Muito melhor o orfanato, a desatenção, a moral empoeirada, melhor salvar os bons costumes e deixar a criança se ferrar em seu abandono, e lá vamos nós dar continuidade a um jeito mascarado de existir, faz de conta que as instituições são mais importantes que as pessoas, faz de conta que a figura etérea de Deus é mais importante que a felicidade de cada um, faz de conta que existe eternidade e que isso aqui é só um aperitivo, um unhappy hour antes de irmos todos para um lugar melhor, mas que ninguém sabe onde é, como é.
E assim, cultivando crendices, superstições e ignorâncias seguimos perpetuando uma vida surreal, seguimos tapando os olhos para o evidente em detrimento do que se supõe, seguimos enaltecendo as ilusões em detrimento da realidade, a vida é simples, a vida não precisa de tantos mandamentos, não precisa de tanto além, de tanto mistério, de tanta mentira, de tanto apego ao sobrenatural a fim de não enfrentar o que é natural – o desejo –, mas não, o mundo está caindo de podre e a câmera segue filmando.

É um plano-sequência, todos cultivando problemas a fim de valorizar sua trajetória, todos, como os personagens de Birdman, desesperados diante da própria desimportância, recusando-se a entender que só serão livres quando desapegarem do ego, não querendo enxergar que o poder é uma ilusão patética, que dogmas não são boias salva-vidas, que o mundo pode ser mais leve e alegre do que é, e que somos todos iguais nesta caminhada rumo a um final em aberto.

Buzinaço - Hevécio Carlos

BUZINAÇO 

  Aos 45 anos de carreira, Stepan Nercessian encarna o Chacrinha no teatro. Em entrevista ao Estado de Minas, o artista põe a boca no trombone, critica apresentadores atuais, ironiza a TV Globo e dispara contra Lula


Helvécio Carlos
Estado de Minas: 25/02/2015



Cena de Chacrinha, o musical, que encerra temporada no próximo domingo no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro e segue em março para São Paulo

 (Fotos: Caio Galucci/Divulgação
)
Cena de Chacrinha, o musical, que encerra temporada no próximo domingo no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro e segue em março para São Paulo


A ideia de transformar Stepan Nercessian no Velho Guerreiro partiu de Fernanda Montenegro. “Nunca imaginei fazer o Chacrinha, mas a Fernanda tem uma visão que nós mesmos não temos de nós”, diz o ator, que encerra neste domingo a temporada de Chacrinha, o musical, no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro.

Chacrinha, o musical é dirigido por Andrucha Waddington, genro de Fernandona, com produção da Aventura Entretenimento. Quando a produção estava em busca do ator que interpretasse Abelardo Barbasa (1917-1988), a diva do teatro brasileiro atalhou o processo. “Vocês não têm que procurar. Quem tem que fazer é o Stepan!”

Redescoberta


Nercessian havia trabalhado com Waddington no longa Os penetras, que ele classifica como ponto inicial de sua “redescoberta”. O ator se desligou da Globo há quatro anos e falhou na tentativa de se reeleger para a Câmara dos Deputados no ano passado. “Tenho muitos convites de uma nova geração de cinema e televisão. Se continuar assim, até a TV Globo vai me descobrir”, ironiza.

Quando aceitou o papel de Chacrinha, o ator de 61 anos, que soma 45 de carreira, com dezenas de novelas e filmes no currículo, pôs fim a um jejum de 10 anos do palco. Foi no camarim do Teatro João Caetano que ele recebeu o Estado de Minas para uma entrevista. “Quando pedi minha demissão da TV Globo, me disseram que as portas sempre estariam abertas, mas, quando voltei, quem disse isso já não estava mais lá. Da próxima vez, vou pedir para me darem a cópia da chave”, brinca.

O êxito de Chacrinha, o musical no Rio de Janeiro, onde o espetáculo foi visto por aproximadamente 80 mil pessoas, motivou a produção a seguir para São Paulo, no mês que vem, com uma temporada de quatro meses já agendada. Ainda não está definido se haverá um calendário da peça em outras cidades do país.

“Chacrinha é um personagem riquíssimo, daqueles que qualquer artista procura”, diz o ator. Para Nercessian, “ninguém conseguiu copiar Chacrinha. Os programas podem ter elementos do Chacrinha, mas não têm a essência dele, que era formada pela verdade, pelos riscos enfrentados de frente com a direção da emissora, com o público, com a censura.” Descrevendo o Velho Guerreiro, seu intérprete no teatro diz: “Ele não se preservava, entregava-se. Ele era afetuoso. Toda aquela alegria era afeto. Chacrinha tinha uma irreverência tropicalista, que encantava as crianças com fantasias de índio, de noiva, de palhaço. Depois dele não aconteceu mais ninguém. Com todo o respeito a quem tem seus programas, se o Chacrinha nunca tivesse existido e estreasse hoje, seria um fenômeno de audiência. Absolutamente novo e genial”.

Para compor a personagem, Stepan recorreu especialmente ao texto de Pedro Bial e Rodrigo Nogueira, “compreendendo qual a história que a peça estava contando” e somente a poucos dias da estreia assistiu a alguns vídeos. “Aos poucos, vi onde faltava um gesto. Foi entrando naturalmente. Não fiz nada de fora para dentro.” O espetáculo tem dois atos. No primeiro, o ator Léo Bahia ( The book of mormon e Ópera do malandro) revive os tempos de Abelardo Barbosa em Surubim (Pernambuco), onde nasceu.

No segundo ato, o espetáculo se transforma em um verdadeiro Cassino do Chacrinha, com direito a chacretes, bacalhau jogado para a plateia e, com sorte, participações de famosos presentes no teatro.

Stepan fez duas participações como jurado no programa do Chacrinha, com quem tinha um contato profissional e de admiração. “Ele era carismático por essência. Parecia estar sendo transmitido ao vivo o tempo todo”, descreve. E foi, na opinião do ator, “um marco” na história da comunicação no Brasil. “Ele quebrou a formalidade de quem fazia TV e da própria televisão. Sem ele, ficaríamos anos naquele modelo americano, que também não muda e é aquela m...”.

Por isso, no que depender de Stepan Nercessian, Chacrinha, assim como diz a letra da canção de Gilberto Gil, continuará balançando a pança e comandando a massa.

Stepan Nercessian caracterizado como Abelardo Barbosa, o Chacrinha
Stepan Nercessian caracterizado como Abelardo Barbosa, o Chacrinha


Ex-deputado e ator cita ‘extrema preocupação’ com o país
O papo fica sério quando Stepan Nercessian fala de política. “Vejo o que estamos passando com extrema preocupação”, afirma. “Não temos nada em torno de que estejamos todos unidos para valer, como foi na transição para a democracia, onde surgiram valores. Inclusive o próprio PT. Havia união das pessoas com o objetivo comum de salvar a nação. Isso tinha um peso, uma força muito grande. Hoje, não vejo nada parecido. O país está refém de algo perigosíssismo, que é a divisão social. Essa farsa do PT de dizer que, se o partido perdesse a eleição (presidencial de outubro passado), os pobres estariam derrotados, isso é uma grande mentira”, afirma.

O ator, que se elegeu duas vezes vereador no Rio de Janeiro, em 2004 e 2008, conquistou em 2010 um mandato de deputado federal pelo PPS. No ano passado, não conseguiu se reeleger. Recentemente, causou polêmica ao tuitar que a presidente Dilma Rousseff só tem uma saída: entregar o ex-presidente Lula.

“Do ponto de vista biográfico, do operário que chegou à Presidência da República, Lula é uma das coisas mais bonitas, mas é também o maior canalha deste país. Se existe uma quadrilha, Lula é o chefe. E os membros desse grupo estão com medo de entregar o chefe”, disparou. “Como ele tem parte com o diabo, nada acontece com ele. É capaz de conseguir voltar em 2018 como o salvador da pátria.”

Nercessian critica também o papel das redes sociais. “Elas se esgotam em si mesmas. É tendência dos ignorantes acreditar muito mais nas redes sociais”, detona. Ele aponta “uma confusão muito grande entre conhecimento e informação” nos dias atuais. “A juventude recorre ao Google, pega uma ideia e fala que aquilo é conhecimento. Não é. Conhecimento se adquire pelos caminhos tradicionais, na escola, no diálogo com o professor, por meio da leitura e do estudo”, afirma.

Conforto - Eduardo Almeida Reis

Pensei comprar um condicionador de ar, 10 prestações de R$ 200, mas acabei descobrindo um jeito de ter conforto térmico. Como? Janelas abertas


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas : 25/02/2015




No Rio, estudando e trabalhando engravatado, conheci o Dr. Rezende, médico mineiro que pesquisava na área de clima da Organização Mundial de Saúde (OMS) e me disse que os ternos claros diminuíam a sensação térmica dos engravatados em três graus e que os sujeitos de camisa esporte baixavam dois graus na sensação se tivessem as camisas para fora das calças. Deu para entender?

Com a onda de calor de janeiro, que assustou os habitantes deste país grande e bobo, muitas repartições cariocas autorizaram seus operosos funcionários a trabalharem de bermudas. A providência vai de encontro – isto é, se choca, contraria – àexperiência milenar dos cavalheiros e damas que residem nos desertos muito quentes durante os dias, muito frios durante as noites. Por isso, as pessoas usam aqueles camisolões brancos que as protegem do calor diurno mantendo seus corpos em temperaturas “normais”, de mesmo passo em que as protegem à noite do frio excessivo.

Devo ter escrito um monte de besteiras nas primeiras 159 palavras deste belo suelto, mas o fato é que sofri com o calor excessivo que se abateu sobre o meu tugúrio. A partir de duas horas da tarde pelo horário brasileiro de verão, 29 ou 30 graus no termômetro da sala. Detesto frio depois de morar quatro anos numa das fazendas mais frias do planeta, mas descobri que 29ºC estão acima de minha zona de conforto térmico.

Pensei comprar um condicionador de ar, 10 prestações de R$ 200, para funcionar 15 dias por ano, mas acabei descobrindo um jeito de ter conforto térmico 12 horas por dia, entre as 10h da noite e as 10h da manhã. Como? Janelas abertas. O sistema funcionou, apesar das advertências de um querido amigo, Ph.D em medicina, que me advertia pelo interurbano: “Cuidado com a chikungunya! Cuidado com o morcego hematófago!”. Em medicina, professores doutores podem ser assustadores.

Missão

Fenômeno raro na administração pública brasileira, a nova presidente da Copasa é bonita e alfabetizada. Os mineiros desejam que seja bem-sucedida na função que lhe foi confiada. Captação, tratamento e distribuição de água, coleta e tratamento de esgotos são processos conhecidos e praticados no mundo civilizado. Missão difícil, mesmo, será acomodar o ilustre mineiro Tilden Santiago num cargo à altura de sua reputação. Sugiro uma diretoria de Assuntos Celestiais que ponha o padre Tilden em contato com o Criador, responsável, em última análise, pelas chuvas nos lugares e nas horas certas, sem as quais é impossível captar, tratar e distribuir águas.

Nascido para supremo pontífice, que deveria anteceder o papa Francisco na função de primeiro papa sul-americano, padre Tilden foi atraído pelos prazeres da carne, da política partidária e se destacou. Embaixador brasileiro em Cuba de 2003 a 2006, durante o primeiro mandato do pai do Lulinha, encantou os cubanos, agilitou as malas diplomáticas, elogiou o fuzilamento de três ilhéus capturados quando tentavam fugir de Cuba.

O governo Rousseff, que condena o fuzilamento de traficantes na Indonésia, país de população maior que a nossa, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes muito menor que a brasileira, não apoia os elogios do embaixador do pai do Lulinha, padre que justificava o abate de fugitivos do paraíso, de mesmo passo em que agilitava as malas diplomáticas.

Deputado federal (PT-MG) de 1991 a 2003, PSB de 2008 até hoje, Tilden José Santiago é mais que um cidadão brasileiro, é uma instituição nacional e como tal deve ser aproveitado para o bem de todos e felicidade geral da nação. Tenho dito e mais não digo para evitar que se conspurque este espaço imaculado de nossa mídia impressa.
 
O mundo é uma bola


25 de fevereiro de 1308: coroação de Edward II como rei da Inglaterra. O xará foi um dos responsáveis pela divisão do Parlamento Britânico em Casa dos Comuns e Casa dos Lordes. Em 1551, o papa Júlio III cria a diocese de Salvador, Bahia. Em 1570, o papa Pio V excomunga a rainha Elizabeth I da Inglaterra. Excomungada, a rainha viveu até março de 1603, a Inglaterra conheceu o Período Elisabetano e o mundo herdou William Shakespeare e Christopher Marlowe (1564-1593) renovador do teatro com a introdução de versos brancos, estrutura que seria utilizada por Shakespeare. Marlowe foi assassinado ainda jovem numa briga de taberna. Só aí tivemos Júlio III criando a diocese soteropolitana e Pio V excomungando Elizabeth I. Hoje, nosso belo papa Francisco fala pelos cotovelos.

Em 1836, o norte-americano Samuel Colt patenteia o primeiro revólver. Em termos históricos foi “outro dia”. Em 1869, abolição da escravatura em todos os domínios portugueses. No ano seguinte, o republicano Hiram R. Revels, representando o estado de Mississippi, foi o primeiro negro eleito para o Senado norte-americano. Em 1942, mais de 100 mil pessoas avistam estranhos objetos sob os céus de Los Angeles, Califórnia. O episódio ficou conhecido como Batalha de Los Angeles, porque foram disparados vários mísseis contra os objetos, sem nenhum efeito.

Ruminanças

“Nascer em certos estados brasileiros é mácula difícil de apagar” (R. Manso Neto).

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Pau de Selfie - Eduardo Almeida Reis

O assunto suscita a seguinte pergunta: como guardar o seu pau de selfie?


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 23/02/2015



Ao arrepio do resto da humanidade, ainda não comprei um pau de selfie nem vou comprar. Na imbecilérrima interação com os telespectadores, virou moda em nossos canais de tevê a exibição das fotos imbecis tiradas com os paus de selfie, com as frases não menos idiotas dos fotografados. O assunto suscita a seguinte pergunta: como guardar o seu pau de selfie? Nos aviões, não podiam viajar na cabine com os seus proprietários, mas agora podem. Separar o pau de selfie do seu dono soava como amputação.

Em casa, presumo que fiquem guardados nos armários. Presumo, outrossim, que a posição no armário ou na cômoda seja irrelevante, ao contrário do que se diz do ato sexual em que certas posições podem ser perigosíssimas. Passo a palavra ao noticiário: “RIO – Homens, cuidado! É bom ficar atento quando sua parceira – principalmente se for brasileira – sugerir que ela fique por cima durante a relação sexual. Segundo o periódico britânico The Independent, essa posição é a culpada pela metade das fraturas penianas. Os autores da pesquisa, publicada originalmente no jornal Advances in Urology, analisaram os casos de 44 pessoas em três hospitais de Campinas, São Paulo, num período de 13 anos.

Uma das justificativas é justamente o fato de a mulher estar controlando o pênis com todo o peso de seu corpo – o que torna complicada a tarefa de interromper a penetração se algo sair fora do planejado. Ela, geralmente, sai do incidente sem sequelas. Mas ele... De acordo com a pesquisa, 50% dos pacientes ouviram um estalo e sentiram dor após a ‘colisão’. A maioria consultou um médico nas próximas cinco ou seis horas seguintes. O estudo ainda informou que a posição mais segura para o homem seria a do ‘missionário’. Ou seja: quando ele está por cima. Os cientistas deixaram claro que esse tipo de lesão não é comum, mas causa um certo constrangimento”.

Putzgrila! Um certo constrangimento... Imagine o caro e preclaro leitor o tipo de lesão que possa causar real constrangimento. O texto, que transcrevi ipsis litteris, tem um monte de besteiras como “próximas cinco ou seis horas seguintes”, mas vai assim mesmo porque a notícia é preocupante.

Craques
Não sou crítico literário. Não entendo de literatura. Duvido que o leitor aponte um só trecho em que o seu philosopho se identifique, se apresente como escritor. Sempre disse que sou autor de livros, porque gosto de escrever e tenho 20 publicados. Só isso.
Acontece que recebo livros escritos por amigos e é justo que fale deles. Os últimos foram três, de uma trinca de craques, que li e gostei. Pela ordem de chegada, aqui vão. O primeiro, Casco vazio de ser humano – Crônicas de morte, foi escrito pelo médico Neif Musse, cardiologista e geriatra, professor de medicina que adora lidar com terra, produz mudas de plantas, árvores, hortaliças e flores, cultiva minhocas, cria cachorros, faz dança de salão e o seu dia dura mais que 24 horas, foi vivamente recebido e elogiado por Affonso Romano de Sant’Anna, o que diz tudo e mais alguma coisa.

O segundo, Conversa/entrevista com Fernando Pessoa, foi escrito por Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza, querido confrade na Academia Mineira de Letras, professor de direito constitucional há mais de 40 anos, redator da constituição de Timor Leste, país vizinho da Indonésia hoje conhecida por fuzilar brasileiros traficantes de drogas. Ricardo nasceu em BH e é o mais português dos brasileiros, todo ano visita Ponte de Lima, terra dos Malheiros avoengos, e produziu obra-prima nessa conversa/entrevista com o finado Pessoa.
O terceiro, Rio da lua, tenha medo, tenha muito medo, romance da lavra do escritor Renato Zupo, magistrado no Araxá, velho amigo que não conheço pessoalmente, escritor de alevantadas qualidades intelectuais. Claro que tenho muito medo depois de ler crônicas de morte e uma conversa/entrevista com um poeta morto em 1935, quando Ricardo Fiuza ainda não tinha nascido na capital de todos os mineiros. Fica o registro.
 
O mundo é uma bola

23 de fevereiro de 1797: todos os detentores de bens da Coroa portuguesa e os herdeiros de morgados ou capelas passam a ter que servir no Exército ou na Marinha, sob pena de devolução dos bens. Algo inimaginável, hoje, num país grande e bobo, em que os detentores de meia dúzia de reais sempre dão um jeito de escapar do serviço militar.

Em 1861, o presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, chega secretamente a Washington para assumir a Ppresidência, depois de escapar de um atentado em Baltimore. Em 1911, os bispos portugueses contestam as medidas anticlericais da Primeira República: a expulsão das congregações, a lei do divórcio, a criação do registro civil e o fim do juramento religioso nos tribunais. Em 1954, o imunologista norte-americano Jonas E. Salk apresenta a vacina para a poliomielite. Hoje é o Dia da Sedução, do Boticário, do Rotariano e do Surdo, bem como do Surdo-Mudo.

Ruminanças
“O criador do Jeca (Monteiro Lobato) era um patriota da melhor marca, tanto ou mais que aqueles que o censuravam por ter apresentado em toda a sua fealdade e miséria o nosso elemento humano e subumano” (Eduardo Frieiro, 1892-1982).

A delação premiada e a ética - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 23/02/2014

Usar a delação premiada, contra corruptos e criminosos, em geral é ético? A filosofia pode responder

Há uma grande, quase única maneira de acabar com quadrilhas: é a polícia ou o Ministério Público jogar um membro delas contra outro. Esse conceito está presente na delação premiada, vedete da Operação
Lava Jato, que investiga a corrupção na Petrobras. 


A chave disso é quebrar a confiança. Hoje, qualquer um que participa de um esquema corrupto sabe que pode ser pego. Desde o mensalão do DEM, o melhor é ele gravar, escondido, suas conversas – já se preparando para uma delação premiada. Há tecnologia para tanto. Há mais que isso. As relações hoje são tênues, frágeis. Baumann fala em “amores líquidos”. Todos os vínculos podem se liquefazer. Na hora H, ninguém sabe o que dirá o amigo de infância ou a esposa traída. Ora, a Justiça pode nadar de braçada nesse esgarçamento dos vínculos. Os microgravadores são apenas o meio técnico; a grande razão é essa: a confiança já não dura tanto na vida. Amigos, sobretudo entre bandidos de colarinho branco, são para as horas boas, não as más. O segredo dos investigadores é quebrar a confiança e a lealdade entre os bandidos que não matam com arma branca ou de fogo, mas com dinheiro desviado do orçamento.


O que a filosofia tem a dizer sobre isso? Em nossa área há o assim-chamado Dilema do Preso (uns dizem “do prisioneiro”). Suponhamos dois presos, suspeitos de um crime. Mas não há provas contra eles. O investigador os interroga em separado, sem terem comunicação entre si. A cada um, promete imunidade quase total se entregar o outro; mas, se ele se calar e o outro o entregar, uma pena bem alta. (Nem sabemos se cometeram o crime). A melhor saída é nenhum confessar: saem livres. A segunda melhor, para um deles, é acusar o outro – que terá uma pena severa, enquanto o acusador ficará preso alguns meses. O investigador diz o tempo todo, a cada um, que o outro está a um passo de acusá-lo. A condição para a polícia vencer é nenhum dos dois saber o que o parceiro vai fazer. Lembrem que talvez não sejam criminosos. Podem ser ambos inocentes. 


O melhor é se calar – desde que o outro também fique. Se não, o segundo melhor é ficar preso um ano, acusando o parceiro. Se eu tiver total confiança nele, e ele corresponder, saímos livres. Mas, se não houver confiança?


Este é o padrão do “Law and Order”: apostar na deslealdade. Só que a Lava Jato, como as investigações americanas e italianas contra a Máfia, faz isso em escala macro, complexa. Não é o Estado contra dois. É o Estado contra quadrilhas de corruptos e corruptores. Não é só saber quem matou. É uma rede complexa de negócios, que para ser desmascarada exige expertise. Os investigadores têm de ser ótimos. 


É ético usar da delação premiada? Contra o criminoso, não vejo problema ético. O desvio do dinheiro público não pode ser um crime leve. A delação só penaliza o criminoso no que ele merece. Mas a questão se coloca num outro âmbito. O delator terá a pena reduzida ou até perdoada. Isso é justo? Cúmplices menos culpados sofrerão penas maiores, só porque ele contou primeiro. Isso é duvidoso eticamente. Mas, se fosse para no final das contas calibrar as penas só pelas culpas, a delação não teria sido necessária – ou útil.


A questão remete a uma escola filosófica, o utilitarismo – a escola de pensamento mais seguida, embora pouco mencionada. Imagine que seu carro perdeu o freio. Sua única opção é atropelar cinco pessoas à direita, ou uma à esquerda. A resposta utilitarista é: faça o que matar menos. Ou na economia: você tem que escolher entre uma medida que beneficia cem mil pessoas e outra, boa para dez mil. O utilitarismo recomenda a primeira opção. É quase impossível, na política real, ter de um lado o bem perfeito e de outro, o mal absoluto. Por isso, recomenda-se o menor mal. A política, para ser ética, precisa ser utilitarista.



A delação premiada, então, escolhe o mal menor. Deixaremos solta a Máfia, porque não podemos punir todos na proporção exata da culpa? Deixaremos os corruptos livres, porque seria antiético soltar um chefão que confessou, enquanto encarceramos dez bagrinhos? Nenhuma solução é plenamente justa. Mas qualquer solução pode ser mais justa do que deixar mafiosos matando nas ruas e corruptos matando no orçamento. 


É recomendável, sempre usando termos éticos (e não jurídicos), tomar cuidado. A delação deve ser conferida. Só deve ser premiada se for plenamente veraz. Deve-se evitar soltar chefões demais, condenar bagrinhos em excesso. Mas isso não é fácil. Ganha mais quem pisca primeiro.
Repito: a chave é destruir a lealdade entre criminosos. Muita gente fala em códigos de ética de certos grupos. Dizem que a “ética da cadeia” é estuprar quem cometeu crimes de abuso sexual. Em algumas profissões, vigeu o “código” que era jamais denunciar o confrade, ainda que tivesse prejudicado o cliente ou paciente. Eu, professor de Ética que sou, me recuso a chamar de ética a tais regras de convivência entre criminosos. Mas celebro toda tentativa de introduzir a desconfiança entre os que têm sucesso em suas empresas criminosas justamente porque são desleais com a sociedade, mas extremamente leais entre si. A força da quadrilha está nessa certeza de que cada membro da Yakusa confia nos outros para o que der e vier. Mas não há virtude numa lealdade entre bandidos, que se funda na deslealdade para com a sociedade como um todo, em especial seus membros mais vulneráveis. A delação premiada, sem ser exemplo de uma ética ideal, é porém um recurso necessário para, coibindo os crimes de quadrilhas, tornar mais ética a sociedade como um todo.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Ledices II - Eduardo Almeida Reis

Monteiro Lobato adorava café com farinha de milho, rapadura e içá torrado (a bolinha traseira da formiga tanajura), além de Biotônico Fontoura



Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 22/02/2015 


Prosseguindo com as maluquices dos escritores, que copiei do site UBE/RN, vejo que, numa viagem a Portugal, Cecília Meireles marcou encontro com o poeta Fernando Pessoa no café A Brasileira, em Lisboa. Sentou-se ao meio-dia e esperou em vão até as duas horas da tarde. Decepcionada, voltou para o hotel, onde recebeu um livro autografado pelo poeta. Junto com o exemplar, a explicação para o “bolo”: Fernando Pessoa tinha lido seu horóscopo pela manhã e concluiu que não era um bom dia para o encontro. Clarice Lispector era solitária e tinha crises de insônia. Ligava para os amigos e dizia coisas perturbadoras. Imprevisível, era comum ser convidada para jantar e ir embora antes de a comida ser servida.

Monteiro Lobato adorava café com farinha de milho, rapadura e içá torrado (a bolinha traseira da formiga tanajura), além de Biotônico Fontoura: “Para ele, era licor”, diverte-se Joyce, neta do escritor. Também tinha mania de consertar tudo: “Mas, para arrumar uma coisa, sempre quebrava outra”. Manuel Bandeira sempre se gabou de um encontro com Machado de Assis, aos 10 anos, numa viagem de trem. Puxou conversa: “O senhor gosta de Camões”? Bandeira recitou uma oitava de Os Lusíadas que o mestre não lembrava. Na velhice, confessou: era mentira. Tinha inventado a história para impressionar os amigos.

Guimarães Rosa, médico recém-formado, trabalhou em lugarejos que não constavam no mapa. Cavalgava a noite inteira para atender pacientes que viviam em longínquas fazendas. As consultas eram pagas com bolo, pudim, galinha e ovos. Sentia-se culpado quando os pacientes morriam. Acabou abandonando a profissão: “Não tinha vocação. Quase desmaiava ao ver sangue”, conta a filha mais nova. Mário de Andrade provocava ciúmes no antropólogo Lévi-Strauss porque era muito amigo da mulher dele, Dina. Só depois da morte de Mário, o francês descobriu que se preocupava em vão. O escritor era homossexual.

Vinicius de Moraes, casado com Lila Bosco, no início dos anos 50 morava num minúsculo apartamento em Copacabana. Não tinha geladeira. Para aguentar o calor, chupava uma bala de hortelã e, em seguida, bebia um copo de água para ter sensação refrescante na boca. José Lins do Rego foi o primeiro a quebrar as regras na ABL, em 1955. Em vez de elogiar o antecessor, como de costume, disse que Ataulfo de Paiva não poderia ter ocupado a cadeira por faltar-lhe vocação. Jorge Amado, para autorizar a adaptação de Gabriela para a tevê, impôs  que o papel principal fosse dado a Sônia Braga. “Por quê?”, perguntaram os jornalistas. Jorge respondeu: “O motivo é simples: nós somos amantes”. Ficou todo mundo de boca aberta. O clima ficou mais pesado quando Sônia apareceu. Mas ele se levantou e, muito formal, disse: “Muito prazer, encantado”. Era piada. Os dois nem se conheciam até então. O poeta Pablo Neruda colecionava de quase tudo: conchas, navios em miniatura, garrafas e bebidas, máscaras, cachimbos, insetos.

Vladimir Maiakóvski tinha o que atualmente chamamos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). O poeta russo tinha mania de limpeza e costumava lavar as mãos diversas vezes ao dia, numa espécie de ritual repetitivo e obsessivo. A preocupação excessiva com doenças fazia que o escritor tcheco Franz Kafka usasse roupas leves e só dormisse de janelas abertas – para que o ar circulasse –, mesmo no rigoroso inverno de Praga.

Casamento

Julgando que a residência dos pais não está à altura dos 200 convidados para a festa do seu casamento, jovem mineira resolveu alugar um sítio por  R$ 1.500 sexta, sábado e domingo. O acesso, o local e as instalações se prestam para a festa do sábado. Negócio autorizado pelos pais depois que o irmão da noiva, tenente PM, visitou o sítio. O mano se compromete a levar um grupo de colegas fardados e armados para guardar a festa.
Se isso não é sinal dos tempos, não entendo mais nada. Além de gagá, saí de moda, fiquei démodé, como se diz em francês.

O mundo é uma bola
22 de fevereiro de 1775: Pio VI é eleito o 250º papa, demonstrando que o pontificado é ocupação de alta rotatividade. Em 1819, pelo Tratado de Adams-Onís entre a Espanha e os Estados Unidos, a Flórida é cedida aos norte-americanos. Por via de consequência, cedida aos mineiros, que estão comprando tudo por lá. Hoje, mineiro adora jatinho que faça Confins–Miami sem escalas. O mineiro Eike Batista vendeu o dele, mas há vários operando na rota.

Em 1836, criação da cidade de Uberaba, onde vivi passagens curiosas que não vêm à balha, sempre mais chique do que vir à baila. Em 1939, pela primeira vez no Brasil jorra petróleo de um poço em Lobato, Bahia: pouco, mas jorrou. Transcorridos 76 aninhos, o glorioso Partido dos Trabalhadores está acabando de destruir a Petrobras.

Em 1998, desaba na Barra da Tijuca, Rio, o edifício Palace II, matando oito pessoas e arruinando a vida de muita gente. Foi “outro dia” e parece ter sido na Idade Média. Hoje é o Dia da Criação do Ibama

Ruminanças
“É mais fácil encontrar uma mulher resignada a envelhecer do que um político resignado a se retirar da cena” (Amado Nervo, 1870 -1919).

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Ledices - Eduardo Almeida Reis

Carlos Drummond de Andrade imitava com perfeição a assinatura dos outros. Falsificou a do chefe durante anos para lhe poupar trabalho


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 21/02/2015




Juro que gostaria de só publicar colunas refertas de ledices, maneira besta de escrever “cheias de alegria, de contentamento”, mas está ficando difícil. Não há dia em que amáveis leitores não me peçam para comentar assuntos desagradáveis, amargos, aparentemente insolúveis, que vão da cobrança da pena d’água nas cidades que não têm água ao ministério escolhido pela senhora que vocês reelegeram.

Escritores adoram maluquices. Felizmente, nunca fui escritor, mas simples autor de livros, o que me permite cuidar das curiosidades do meio literário transcrevendo maluquices que pesquei no Google, site da UBE/RN, União Brasileira de Escritores, de Natal, terra do ex-deputado Henriquinho.

Maluquices a montões. O escritor Wolfgang von Goethe escrevia em pé: mantinha em sua casa uma escrivaninha alta. Pedro Nava parafusava os móveis de sua casa a fim de que ninguém os tirasse do lugar. Gilberto Freyre nunca manuseou aparelhos eletrônicos. Não sabia ligar sequer uma televisão. Todas as suas obras foram escritas a bico de pena, como o mais extenso de seus livros, Ordem e Progresso, de 703 páginas. Euclides da Cunha, superintendente de Obras Públicas de São Paulo, foi engenheiro responsável pela construção de uma ponte em São José do Rio Pardo (SP). A obra demorou três anos para ficar pronta e caiu alguns meses depois de inaugurada. Euclides não se deu por vencido e a reconstruiu. Por via das dúvidas, abandonou a carreira de engenheiro. Machado de Assis ultrapassou barreiras sociais e físicas. Teve infância pobre, míope, gago, epilético. Enquanto escrevia Memórias póstumas de Brás Cubas, foi acometido por uma de suas piores crises intestinais, complicando sua frágil visão. Os médicos recomendaram três meses de descanso em Petrópolis. Sem poder ler nem escrever, ditou grande parte do romance para Carolina, sua mulher. Graciliano Ramos era ateu convicto, mas tinha uma Bíblia na cabeceira só para apreciar os ensinamentos e os elementos de retórica. Por insistência da sogra, casou-se na igreja com Maria Augusta, católica fervorosa, mas exigiu que a cerimônia ficasse restrita aos pais do casal. No segundo casamento, com Heloísa, evitou transtornos: casou-se logo no religioso.
Antes de escrever seus romances, Aluísio de Az
evedo tinha o hábito de desenhar e pintar sobre papelão as personagens principais, que mantinha em sua mesa de trabalho. José Lins do Rego era fanático por futebol. Foi diretor do Flamengo e chegou a chefiar a delegação brasileira no Campeonato Sul-Americano de 1953. Aos 17 anos, Carlos Drummond de Andrade foi expulso do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), depois de um desentendimento com o professor de português. Imitava com perfeição a assinatura dos outros. Falsificou a do chefe durante anos para lhe poupar trabalho. Ninguém notou. Tinha a mania de picotar papel e tecidos: “Se não fizer isso, saio matando gente pela rua”. Estraçalhou uma camisa do neto nova em folha: “Experimentei, ficou apertada, achei que tinha comprado o número errado. Mas não se impressione, amanhã lhe dou outra igualzinha”. Domingo tem mais...

Nomes

Leitor amigo me pede que comente as iniciativas de diversos parlamentares, como o Projeto de Lei 3.795, de 2013, do ilustrado deputado estadual Paulo Lamac (PT-MG), no sentido de que sejam retirados os nomes de pessoas ligadas aos anos de chumbo (sic) de órgãos e espaços públicos, como túneis, viadutos, pontes, estádios etc.

Para início de conversa, digo que sou a favor, porque não entendo que nomes como o do cearense Castello Branco e do mineiro Milton Campos continuem figurando em espaços públicos num país que elegeu presidentes da República o pai do Lulinha e a ex-presidente do conselho de administração da Petrobras. Tudo na vida tem limites. Brasileiros cultos e honestos, como Castello e Milton, não podem ter os seus nomes conspurcados, expostos à execração pública no país do Instituto Lula. 

Floriano Peixoto tudo bem: conseguiu fazer governo pior que o da mãe da Paula, como se fosse possível, mas parece que foi. Getúlio Vargas tudo ótimo: pai dos pobres não foi ditador, mas chefe de um negócio chamado Estado Novo. Dar ao viadutos, ruas e praças os nomes de bobos que exerceram a presidência e foram ministros sem aproveitar para roubar é desmoralizar o país. Quem foi Castello Branco que não teve um filho com o toque de Midas, fazendo ouro em tudo que tocasse? Quem foi Milton Campos que não nos deixou um filho bilionário? O deputado Lamac está certíssimo.

O mundo é uma bola


21 de fevereiro de 1431: começa o julgamento de Joana D’Arc. Em 1560, Mem de Sá chega à Baía da Guanabara para atacar o forte Coligny, atual Ilha de Villegagnon, núcleo do estabelecimento colonial francês conhecido como França Antártica (1555-1560). Em 1804, sai às ruas no País de Gales a primeira locomotiva a vapor autopropulsionada. Em 1925, lançamento da revista The New Yorker, que publicou textos de muitos dos mais respeitados escritores do século XX.

Em 1960, Fidel Castro nacionaliza todas as empresas em Cuba. Em 1976, Portugal reconhece oficialmente a República Popular de Angola. No dia 21 de fevereiro, mas em 1468, o infante dom Fernando, duque de Viseu e donatário das Ilhas dos Açores, havia concedido ao fidalgo flamengo Joss Van Hurtere a capitania da Ilha do Faial.

Ruminanças

“Roubar se preciso for; confessar, nunca!” (R. Manso Neto). 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A mãe de todas as derrotas - Alberto Carlos Almeida

Valor Econômico - 20/02/2015              

Passou o carnaval e, como estamos acostumados a afirmar, o ano começou. Feliz 2015, prezados leitores e leitoras! Aliás, passamos dois meses dizendo "feliz 2015" para todos aqueles que encontramos apenas depois do Réveillon. Do ponto de vista formal, o ano começou com a posse de Dilma. Do ponto de vista substantivo, na política, o ano começou um mês depois, em 1º de fevereiro, com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. Os dois eventos se juntam agora, no início do ano pós-carnavalesco, o ano que vale para um país chamado Brasil.

A eleição de Cunha para a presidência da Câmara representa uma derrota significativa para o governo. Trata-se da "mãe de todas as derrotas" que se seguiram, e foram várias. Há duas comissões parlamentares, no âmbito da Câmara dos Deputados, que são de grande importância para o processo legislativo, em particular quando o governo Dilma terá que aprovar novas medidas econômicas, que são uma inflexão na comparação com a política macroeconômica adotada no primeiro mandato. Trata-se da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e da Comissão de Finanças e Tributação (CFT). Os parlamentares que estarão à frente das duas comissões são figuras de confiança de Cunha e, portanto, não necessariamente vão defender a posição do governo.

Todas as medidas econômicas gestadas no Ministério da Fazenda, sob o comando de Joaquim Levy, terão que passar pelas duas Comissões. Uma eventual rota de conflito entre Dilma e Cunha pode ter como consequência a oposição do presidente da Câmara aos principais pontos do ajuste fiscal, e a consequente derrota do governo. Pode ser que as leis que trazem as medidas econômicas sejam desfiguradas já nas duas Comissões.

O governo também foi derrotado na formação da Comissão de Reforma Política. Seu presidente é Rodrigo Maia, do DEM, aguerrido e histórico opositor do PT. O partido de Lula vinha há anos discutindo e cultivando mudanças no sistema político brasileiro. Construir é sempre uma tarefa árdua e longa; destruir é algo rápido e certeiro. A construção do consenso a que o PT se dedicava, no que tange à reforma política, terá sido inútil após a escolha de Maia para essa comissão. As iniciativas do PT serão, de agora em diante, sumariamente destruídas.

Antes do Carnaval, foi votado e aprovado pelos deputados o assim chamado orçamento impositivo. Mais uma vez, após a eleição de Cunha para a presidência da Câmara, o governo foi derrotado. A nova lei obriga o governo a executar as emendas individuais ao orçamento da União que os parlamentares apresentam e aprovam. No passado, as emendas aprovadas tinham sua execução orçamentária barganhada entre o parlamentar interessado na emenda e o governo. Caso o parlamentar votasse contra o governo, dificilmente os recursos seriam liberados. Os fiéis ao governo, porém, tinham suas emendas devidamente executadas. A aprovação do orçamento impositivo aumentou a independência da Câmara em relação ao Poder Executivo.

A Câmara é dirigida fundamentalmente por seu presidente. Mas a mesa tem vários outros cargos: primeiro vice-presidente, primeiro secretário e suplentes, entre outros. Em todos os governos, desde Fernando Henrique, o partido do presidente sempre controlou um ou mais cargos da mesa da Câmara. Trata-se de um fato inédito o que acabou de acontecer em fevereiro: o PT não tem nenhum cargo neste importante órgão diretivo do processo legislativo.

Vem sendo divulgado pela mídia que interessa ao governo diminuir o peso relativo do PMDB. Pode ser factualmente verdade, pode não ser. O que importa é a percepção dos parlamentares do PMDB. Tudo indica que seus deputados realmente acreditam nessa intenção do governo. Um dos sinais seria a eventual criação do Partido Liberal, o PL, que poderia nascer com 30 deputados. Feito isso, caso o PL fosse incorporado por outro partido, e se esse outro partido fosse grande o suficiente, poderia surgir na Camara um partido maior que o PMDB.

Cunha já agiu para impedir ou dificultar que isso ocorra. Ele apresentou uma proposta legislativa que impede que partidos recém-criados sejam incorporados por partidos já existentes antes de cinco anos de existência. Caso essa iniciativa seja aprovada, dificultará sobremaneira o sucesso do PL. Atualmente, os novos partidos não têm mais tempo de televisão nem fundo partidário relativos aos parlamentares que neles desembarcam. Tempo de televisão e fundo partidário, só depois de disputarem e vencerem uma primeira eleição dentro de um novo partido. Assim, no curto prazo, a esperança de tais deputados seria de fato a incorporação. Uma incorporação, ou mesmo fusão, depois de cinco anos, é um grande desincentivo para que parlamentares que hoje detêm mandato migrem para um novo partido.

Não bastassem essas más notícias, ganha corpo em alguns segmentos da sociedade e da política a ideia de que seria possível tirar Dilma do governo por meios legais, pelo processo do impeachment. Vários políticos do PSDB falam nisso abertamente, um renomado jurista veio a público defender a visão de que já há fundamento legal para isso, uma manifestação nacional foi convocada com a finalidade de criar pressão popular nessa direção. Enfim, uma ideia que até pouco tempo atrás era somente uma peça de ficção acaba de entrar nos cenários possíveis elaborados por empresas e órgãos que as representam. É bem verdade que se mistura-se muito desejo com um pouco de realidade.

Estudos acadêmicos bem formulados atestam que tanto o impeachment quanto a renúncia, outro caminho legal para que um presidente deixe de exercer o mandato antes de seu término regulamentar, ocorrem somente quando quatro condições estão presentes: adoção de política econômica que resulte na perda do poder de compra da população e consequente redução da aprovação presidencial, escândalos ou denúncias de corrupção que atinjam a figura do presidente, minoria parlamentar e povo nas ruas pedindo a saída do chefe de governo. Quem viveu ou estudou o período saberá que essas quatro condições estiveram presentes no caso de Fernando Collor. O mesmo vale para Raúl Alfonsín e Fernando de La Rúa quando presidiram a Argentina. E também para Siles Zuazo quando presidiu a Bolívia. Fora de nosso continente, mas em um país emergente, o mais famoso caso no qual essas quatro condições estiveram presentes foi o de Boris Yeltsin na Rússia pós-comunista.

Dito isso, vê-se que hoje são mínimas as chances de que Dilma sofra o impeachment. Mas o problema é outro: a possibilidade permanentemente colocada tende a enfraquecer o governo. É tudo que os deputados querem. Nada melhor para a Câmara e para o Senado do que um governo fraco. Quanto mais fraco ele for, mais se consegue dele.

É possível que a "mãe de todas as derrotas" não tenha sido a vitória de Cunha para a presidência da Câmara, mas o fato de o governo não ter entrado em campo em 2015 no que diz respeito às negociações entre Poder Executivo e Legislativo. Trata-se de um apagão político. A metáfora com o 7 a 1 do Brasil e Alemanha é perfeita. A diferença é que uma partida de futebol é imensamente mais curta que um mandato presidencial. Recuperar-se de um apagão político é muito mais factível do que de um apagão futebolístico.

O governo federal concentra, no Brasil, a maior parte dos recursos públicos, os cargos mais relevantes e as principais decisões. É formidável o poder em suas mãos. Mas isso não é tudo. É preciso saber utilizá-lo. É preciso que os aliados do governo sejam bem tratados. Sabemos que os seres humanos, todos, gostam de carinho. E os políticos também são humanos. Os recursos na alçada do governo federal precisam ser compartilhados com os aliados, assim como várias moedas de troca da política precisam ser utilizadas.

Dilma, ao escolher Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, acabou por se reinventar. A Dilma do segundo mandato é inteiramente diferente, na política econômica, da Dilma do primeiro mandato. A resistência à reinvenção da presidente vem somente de setores conservadores da esquerda. Conservadores em um sentido muito específico, aqueles grupos, líderes e pensadores da esquerda que são inteiramente incapazes de mudar. Conservadores não mudam.

Se Dilma foi capaz de se reinventar na economia, é possível que também consiga fazê-lo na política.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.com www.twitter.com/albertocalmeida

O distritão - Maria Cristina Fernandes

           Valor Econômico - 20/02/2015

O Japão teve o mesmo sistema eleitoral por 69 anos. O país era dividido em distritos com uma média de cinco deputados. Elegiam-se os mais votados de cada distrito. Como as zonas rurais eram sobrerrepresentadas, seus deputados dominavam a Dieta, o Parlamento japonês. Os prefeitos, submetidos a um governo de forte centralização fiscal, recorriam a esses parlamentares para liberar recursos e obras. 

Muitos deputados tornaram-se donos de poderosas máquinas locais de intermediação de poder e voto. Um partido (LPD) surfou nas regras eleitorais e deu ao Japão a condição de única potência industrial do pós-guerra com 38 anos sem alternância de poder.

Seu mais famoso representante foi Kakuei Tanaka, um filho de agricultores que fez fortuna na construção civil associando-se à burocracia japonesa na compra de áreas que, posteriormente, seriam valorizadas por investimentos públicos. A ascensão de Tanaka ao cargo de primeiro-ministro e seu envolvimento na propinagem da fabricante americana de aviões Lockheed marcaram o fosso da degeneração da política japonesa.

A birra não parece ser com o sistema mas com o eleitor

Esta foi a experiência mais longeva do sistema eleitoral que o PMDB quer implantar no Brasil por nome de distritão. No Japão, sucumbiu em 1994. Uma reforma política não consertou todos os seus vícios que, lá e cá, extrapolam os limites da engenharia eleitoral.

A economia japonesa bombou nas décadas em que o clientelismo e a corrupção se entranharam em sua política. Foi sob a crise dos anos 1990 que o sistema eleitoral acabou reformado.

No Brasil, o vozerio de reforma política voltou com a soma de petrolão e pibinho. O avesso da coincidência acaba aqui.

A proposta que ganhou força com o poder redobrado do PMDB no Congresso muda uma das normas mais permanentes da política brasileira, uma Câmara dos Deputados eleita pelo voto proporcional em contraposição a um Executivo escolhido pela maioria.

Se a proposta do vice-presidente Michel Temer vingar, o Brasil vai acrescentar uma jabuticabeira em seu pomar. Publicação do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (www.idea.int/publications/esd/) mostra que dos 27 países que promoveram reformas eleitorais nos últimos 20 anos quase todos o fizeram no sentido de dar mais proporcionalidade a sistemas majoritários. A única exceção é Madagascar, que saiu de sistema proporcional para um misto.

O modelo brasileiro tem 70 anos. Foi criado às vésperas da Constituição de 1946 para se contrapor ao comando de ferro dos governantes da República Velha sobre seus distritos eleitorais.

A proposta do PMDB corre o risco de pegar porque é simples de explicar. Os partidos lançam seus candidatos e ganham os mais votados.

Acaba a regra em vigor que soma os votos de todos os candidatos, além daqueles dados à legenda, e divide-se por um quociente eleitoral para se chegar ao número de vagas a serem ocupadas pelo partido.

Pelo atual sistema entram os mais votados no partido. Pelo distritão, entram os mais votados no Estado.

A professora Argelina Figueiredo, do Iesp, estuda esses sistemas há quatro décadas. Não gosta de tudo que vê no modelo brasileiro, como o dinheiro que jorra das empresas nas eleições, mas custa a acreditar que a proposta do PMDB vá melhorá-lo.

A primeira pergunta que se faz é sobre quem vai formar a lista de candidatos. Em 2014, os 32 partidos lançaram 6.175 candidatos às 513 cadeiras da Câmara, uma média de 12 por vaga, mais do que os 11 que disputaram a Presidência.

Pelas normas em vigor, teriam direito esse número por quatro. Não o fizeram porque custa dinheiro recrutar, montar candidaturas e subsidiar campanhas. É um mercado no qual abocanham a maior fatia do bolo os partidos que montam as melhores estratégias.

Ainda não está claro como se daria essa escolha de candidatos no distritão. Como já não valeria mais a soma de votos obtida pelos candidatos, cresceria a competição dentro das legendas por uma vaga. Como a maioria dos partidos funciona sem eleição de seus dirigentes, é grande a chance de aumentar o caciquismo na arbitragem dessa disputa.

Argelina tem a convicção de que, se o eleitor hoje custa a reconhecer coesão programática nos partidos, não é no distritão que a encontrará. Cresceria o apelo para que os partidos lancem celebridades e candidatos cujas pautas encontram abrigo em programas de televisão de larga audiência e nas igrejas.

São Paulo elegeu uma bancada mais comprometida com a redução da maioridade penal depois de ter feito uma das maiores mobilizações de sua história, em 2013, em desagravo à violência policial. Os partidos falharam em canalizar essa indignação popular pelo atual sistema. O que aconteceria com o distritão? Daria voz ao desagravo ou à maioria conservadora que o assistiu pela televisão?

A atual legislatura dá algumas pistas. Apenas 35 parlamentares elegeram-se com seus próprios votos, dois terços dos quais ingressaram no mercado eleitoral como policiais, comunicadores, pastores e parentes de políticos.

Há maiores chances que os partidos consigam multiplicar candidaturas como a de Shéridan (primeira dama de Roraima, eleita pelo PSDB com a maior votação do seu Estado) e Feliciano (PSC-SP), do que as de Chico Alencar (PSOL-RJ) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), todos quatro pertencentes à seleta lista de puxadores de voto.

A votação de Tiririca, que puxou mais dois deputados para o PR explica muito do azedume com o atual sistema. É de se perguntar, no entanto, o que aconteceria se, em lugar de Tiririca, o candidato a puxar votos fosse o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.

Como atrairia facilmente mais de um milhão de eleitores sem sair de casa, Barbosa poderia ter formado uma bancada de togados para ilustrar os debates parlamentares. Difícil imaginar que pudessem vir a ter uma votação própria superior àquela de Miguel Lombardi, o vereador de Limeira (SP) de 32 mil votos que Tiririca levou para a Câmara.

A birra não parece ser com o sistema que está aí, mas com o eleitor e suas escolhas. A Câmara poderia ser bem melhor, mas os brasileiros que não se reconhecem nela talvez também se sintam estrangeiros num vagão lotado do metrô. Nada sugere que o distritão vá acabar com esse mal-estar.

Tecnec e pipa - Eduardo Almeida Reis

 Contou-me que, uma tarde, no motel, a jovem choramingou: 'Eu quero soltar pipa'. E o bom amigo rodou BH inteira comprando linhas, varetas, e papéis

Estado de Minas: 20/02/2015





Do alto de seu 1,81m, Maria Beltrão pautou tecnec no programa Estúdio i. É uma tolice inventada por dermatologista americano, homem de Harvard, para denominar as rugas no pescoço (nec, em inglês) provocadas pela tecnologia (tec): uso excessivo de tablets e celulares. Diversas jornalistas consultadas e 58% dos telespectadores admitiram ter problemas de postura e dores nas costas provocados pela tecnologia.

Maria Beltrão liderou o grupo conduzindo o programa com o seu lindo, admirável, cobiçado pescoço à mostra. Está para nascer o homem sério que não sonhe com o pescoço da filha do muito saudoso Hélio Beltrão, que tentou desburocratizar esta choldra que tem hino, bandeira e constituição.

Uma das providências do grande Beltrão seria acabar com o reconhecimento de firmas nos cartórios, assunto que conheço bem. Durante anos, reconheci diariamente milhares de firmas num cartório carioca, no qual os contratantes nunca tiveram suas assinaturas. Deu para entender? O jovem philosopho deixava uma pilha de contratos para o funcionário do tabelionato “reconhecer” as firmas à noite, em casa, e apanhava os contratos deixados na véspera com as assinaturas “reconhecidas”. O país é pouco sério, mas o pescoço de Maria é seriíssimo.

No mesmo programa, um comentarista de cultura e comportamento falou da pipa, brinquedo que consiste numa armação leve de varetas, recoberta de papel fino, e que se empina no ar por meio de uma linha: arraia, cafifa, pandorga ou raia. Lembrei-me de um bom amigo, cidadão exemplar, casado, pai de filhos, que descolou namorada 30 anos mais nova para alegrar sua existência.

Contou-me que, uma tarde, no motel, a jovem choramingou: “Eu quero soltar pipa”. E o bom amigo rodou Belo Horizonte inteira comprando linhas, varetas, colas e papéis finos para montar, no escritório de sua indústria, as pipas que empinou com a gostosa num condomínio de Brumadinho.

Terrorismo


Os zoológicos do Rio e de Brasília brigam pela girafa Zagalo, contenda que pode ser analisada pela óptica jurídica, chata como sempre, pelo viés ambientalista normalmente histérico ou à luz do sexo dos girafídeos, que escolhi num acesso de lubricidade senil. Acontece que fui ao livro do Robert A. Wallace, Ph.D em sexo animal, e não achei um capítulo sobre girafas in love, motivo pelo qual peço licença para abordar o terrorismo com esta lucidez que o leitor conhece.

Enquanto philosopho, afirmo que os membros de uma célula terrorista, com seus AK-47 e mísseis (!), não alugariam nem comprariam apê em prédios de 20 andares com porteiros, elevadores e câmeras de segurança. Alugam ou compram em edifícios baixos, de poucos apartamentos, em residências urbanas ou sítios das zonas rurais.

Se me fosse dado palpitar, diria às forças de segurança de diversos países, sem exclusão do Brasil, que divulgassem números de telefones tipo “disque denúncia”, sem identificação do denunciante, para que toda a população ordeira pudesse telefonar informando sobre vizinhos “estranhos”.

É relativamente fácil para o morador de um edifício pequeno, de seis ou 10 apartamentos, desconfiar da movimentação dos vizinhos, como também é fácil ver as pessoas que entram ou saem das casas próximas. Nas zonas rurais, o negócio é mais complicado. Ainda assim o controlo \ô\ não é impossível.

Pausa para contar que encuquei um professor particular de português, sujeito brilhante, saudoso amigo, quando escrevi controlo para fugir do galicismo controle \ô\. O regionalismo lusitano controlo também foi pescado no francês contrôle, mas o aluno rebelde se divertia com essas brincadeiras e alcançou a maturidade sem saber francês nem português.

Volto ao terrorismo para perguntar ao leitor se não achou minha ideia supimpa? Se o problema é de todos nós, é importante que ninguém se omita, verbo omitir, latim omitto (< *ommitto <*obmitto),is, mísi,missum,tère ‘deixar escapar, omitir, passar em silêncio etc.’. Falou?

O mundo é uma bola

20 de fevereiro de 1255: o rei Afonso III, de Portugal, doa os castelos de Ayamonte e Cacela a dom Paio Peres Corrêa, Mestre da Ordem de Santiago. Em 1547, Eduardo VI é coroado rei da Inglaterra. Tinha nove anos de idade. Filho de Henrique VIII e de Jane Seymour, era parente por via materna do responsável pela coluna Tiro&Queda. Tuberculoso, o priminho morreu em 1553.

Em 1725, na colônia inglesa de New Hampshire, América do Norte, primeiro caso registrado de um Native American escalpelado por brancos. Em 1777, esquadra espanhola de 10 mil homens (10 mil!) chega à enseada catarinense de Canasvieiras disposta a recuperar as terras sul-brasileiras. Informada de que o Datenão e a ministra Ideli passam os finais de semana em Santa Catarina, a espanholada se mandou de volta para a Península Ibérica, hoje considerada Europa.

Em 1832, Charles Darwin visita Fernando de Noronha. Dizem que o arquipélago é muito bonito. Em 1941, os nazistas enviam o primeiro grupo de judeus para os campos de concentração. No mesmo ano, criação no Brasil do Correio Aéreo Nacional. Em 1962, num foguete Atlas, o astronauta John Glenn faz o primeiro voo orbital norte-americano. Em 2006, o historiador britânico David Irving é condenado por um tribunal austríaco a três anos de prisão por ter negado o Holocausto durante a II Guerra Mundial.

Ruminanças

“O natural é aborrecido”  (Paul Valéry, 1871-1945).

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Lavras - Eduardo Almeida Reis

E queria me levar para sua cidade, aos beijos e abraços, no belo carro em que viajava com o maridão


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 19/02/2015




A PM de Lavras recebeu um drone de R$ 8 mil para tristeza de dois irmãos da sociedade lavrense, um advogado e um nutricionista, que plantavam alguns pés de maconha nos vasos dispostos ao lado da piscina de sua casa. Presos, fotografados, expostos à execração pública, foram chamados de traficantes, perdão, suspeitos de traficar, quando na verdade são canabiscultores comercializando sua produção no mercado.

Tenho pela cidade sul-mineira o maior apreço e a lembrança de um pileque antológico, digno de figurar no Guinness dos recordes. Hospedei-me na casa de um amigo para festejar a formatura de dois dos seus filhos na Universidade Federal de Lavras, “Cidade dos Ipês e das Escolas”. Bem de vida, o saudoso amigo entupiu uma das geladeiras com 48 garrafas de champanhe Veuve Clicquot brut para o almoço do dia seguinte. Claro que não fui à festa de formatura, que terminou alta madrugada: fiquei dormindo. Manhã seguinte já estava na cozinha, barba feita e banho tomado, caçando jeito de preparar o meu café.

Na geladeira vejo aquele monte de garrafas deitadinhas, geladinhas, e desando a philosophar. Se estou aqui é porque sou amigo do dono da casa. Tive um avô, que não conheci pessoalmente, alemão de 1,90m conhecido pelo hábito de tomar champanhe desde cedo no período em que andou bem de vida. É justo que o neto imite o alemão para saber de onde vem a quarta parte dos seus genes.

Procurei uma flute, que não sou homem de beber champanhe em copo comum, lavei-a bem lavada e fui à luta. Um segundo hóspede, senhora paulista, casada, “dona” de uma das melhores cidades do interior de São Paulo, quando chegou à cozinha já me encontrou terminando a primeira bouteille e aderiu à ideia genial. Resumindo, por volta das 11 horas já não havia uma garrafa de Veuve Clicquot na geladeira.

Passamos para os vinhos tintos e o pileque coletivo merecia o Guinness. Durante o almoço, um médico amigo comentou: “Eduardo, esta mulher está de olho em você”. Estava. E queria me levar para sua cidade, aos beijos e abraços, no belo carro em que viajava com o maridão.

Explico. Seu marido era sócio do então governador de São Paulo, falava sem parar e monopolizava as atenções do pessoal sentado à mesa, enquanto o philosopho conversava com a milionária sem ouvir uma palavra do que ela dizia, tamanha a barulheira. Isto é, olhava para ela e fingia conversar. Casada com o tal sujeito falante, que lhe cobrava 10% para administrar os bens da família, não creio que a paulista tenha tido a oportunidade de conversar com ele. Abriu-se comigo, não escutei uma palavra, e se apaixonou. Beijou-me e beijei-a com sofreguidão, mas voltei para casa porque sou burro e muito ajuizado.

Síntese
Paulistano brilhante, o jornalista William Waack escreve muito bem e tem admirável poder de síntese. No programa Painel, da GloboNews, entrevista cidadãos sobre assuntos complicadíssimos, os entrevistados dão explicações complicadas em blocos de alguns minutos e Waack, de bate-pronto, sintetiza a explicação em duas fases: “Você quis dizer isto”.

Nas redes sociais ou lá no que isto signifique, Waack tem sido acusado de dar “patadas” em alguns colegas de trabalho, coices mais que justificados quando se sabe que os seus colegas continuam chamando de suspeitos cavalheiros vistos, filmados e fotografados praticando crimes. Foi o que ocorreu com aquele palestino que esfaqueou 12 pessoas num ônibus em Israel. O palestino foi visto esfaqueando por um policial, que atirou no “suspeito” atingindo-o numa perna.

Volto ao Waack para dizer que invejo suas sínteses. Ontem à noite, na tevê, um economista explicou que os juros altos reduzem e acabam com a inflação. Como? Havia na tela um quadro com uma porção de geladeiras. Juros altos desanimam compradores de geladeiras. Sem compradores, as geladeiras baixam de preço. Pronto: acabou a inflação. Simples, né?

O mundo é uma bola

19 de fevereiro de 197: início da Batalha de Lugduno entre as forças do imperador romano Septímio Severo e do usurpador Clódio Albino. Você talvez tenha ouvido referência à Batalha de Lyon, porque Lugduno era Lyon na França. Com a vitória, Severo passou a ser o único imperador do Império Romano. Essa batalha foi considerada a maior, a mais renhida e sangrenta de todos os confrontos entre os romanos. O historiador Dião Cássio falou em 300 mil envolvidos, número contestado por outros estudiosos, porque em 197 representaria três quartos de todos os soldados do Império Romano. É amplamente aceito que o número de soldados e pessoal de apoio tenha ultrapassado os 100 mil, podendo chegar a 150 mil, gente pra chuchu naquele tempo.

Em Portugal, no dia 19 de fevereiro de 1766, começou a funcionar o Colégio dos Nobres, criado por carta régia em março de 1761. Oficialmente Real Colégio dos Nobres era reservado aos moços fidalgos portugueses entre os 7 e os 13 anos de idade, e o seu corpo docente era constituído, em sua quase totalidade, por mestres estrangeiros. Extinto em 1837, em suas instalações funciona hoje a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Hoje é o Dia do Desportista.

Ruminanças

“Devemos estudar e aprender durante toda a vida, sem imaginar que a sabedoria vem com a velhice” (Platão, 428-348 a.C.).