domingo, 11 de janeiro de 2015

ENTREVISTA/RONALDO BASTOS, COMPOSITOR » Pop fino

ENTREVISTA/RONALDO BASTOS, COMPOSITOR » Pop fino Fundador do Clube da Esquina lança CD com repertório romântico e MPB para tocar no rádio


Ana Clara Brant
Estado de Mnas: 11/01/2015




 (Marcos Ramos/AG)


Boa parte dos fãs do compositor fluminense Ronaldo Bastos admira suas canções O trem azul, Nada será como antes, Cais ou Fé cega, faca amolada. Entretanto, o álbum que chegou ao mercado recentemente, Alta costura – O prêt-a-porter pop romântico de Ronaldo Bastos (Dubas), mostra outra faceta do sócio-fundador do Clube da Esquina.

Um dos letristas mais importantes do país, Ronaldo Bastos diz que esse disco é oportuno, com sua MPB para tocar no rádio. E avisa: “Musicalidade e poesia não faltam neste país. Hoje se produz muito bem música pop no Brasil, mas nem tudo que faz sucesso é bom”.

Por que você fez um disco com canções mais românticas?
A ideia foi de Leonel Pereda, produtor que vem pesquisando música brasileira há pelo menos uns 15 anos. O disco surgiu da vontade dele de chamar a atenção para um estilo que não chegou a configurar um gênero, mas predominou na década de 1980 e rendeu grandes canções. O repertório romântico dessa época ainda tinha a qualidade das décadas anteriores e, embora seguisse uma estética já mais orientada pelas necessidades de mercado, ainda não havia caído na mediocridade, que, de modo geral, observamos de lá pra cá. É MPB feita para tocar no rádio, mas com canções fortes. Não por acaso, muitas delas tocam até hoje.

Como você define esse trabalho?
Alta costura... é um disco novo feito de canções já existentes. É oportuno porque aparece num momento em que a música predominante nos veículos de comunicação reflete a pobreza cultural a que querem nos fazer acreditar que chegamos. O disco traz a música de um tempo em que as canções falavam a todos, chegavam a todos e conservavam a essência da canção bonita brasileira. Por ter sido música que na época foi desprezada pelas chamadas elites intelectuais, o contraste entre elas e o que se divulga hoje torna maior o abismo. Lógico que nesse disco estamos falando do meu repertório, mas a quantidade de canções maravilhosas feitas nesse período por outros compositores é muito significativa.

Por que o título do CD remete à moda?
Quando fiz Chuva de prata com o Ed Wilson, tive que responder a um crítico preconceituoso com a seguinte expressão: mesmo quando faço prêt-à-porter, é alta costura. Quando o Leonel me apresentou a ideia do disco, logo me lembrei dessa história, que, de certa forma, resume uma questão importante da música popular e esse disco vem a esclarecer, espero que definitivamente. Por outro lado, sempre admirei artistas do mundo da moda. Com o passar do tempo, comecei a usar elementos dessa arte para confeccionar as canções. Não vejo diferença entre um escultor que vê o que está contido num bloco de mármore e um costureiro quando esculpe um vestido no corpo de uma mulher. A partir de certa época, o que era um modelo único passou a ser oferecido em grande escala. É o que eu e outros compositores procuramos fazer a partir das melodias. Cada canção é esculpida como uma peça única acessível a todos.

Como foi a seleção do repertório?
O repertório é derivado de dois discos que o Leonel fez com minhas canções românticas para circular só entre amigos. Ele já tinha se dedicado a outros projetos com canções da minha autoria, sempre orientadas ao meu repertório mais “sério”. Foi do Leonel a ideia de revisitar Paradiso, disco meu em parceria com Celso Fonseca que deu origem ao hoje cultuado Liebe paradiso. Depois, ele fez o Nuvem cigana, que reunia alguns de meus standards dos anos do Clube da Esquina e canções menos conhecidas daquela época. Este projeto contemplou repertório romântico que teve a força de atrair a atenção e o gosto do grande público.

A maioria dessas canções foi composta numa época em que a MPB não tinha medo de ser pop, como está escrito no encarte do disco. A MPB, ainda hoje, tem medo de ser pop?
Talvez sim. Mas é muito difícil generalizar quando se fala em música popular feita no Brasil. Tem muita gente jovem querendo reproduzir as harmonias de Edu Lobo ou as canções de Chico Buarque, mas sem o apelo popular que esses artistas tinham de fato em seu momento. Hoje, vemos surgir várias vertentes de música feita para as massas que servem a esse projeto de achatamento do gosto popular e à alienação cultural. Em Alta costura, você tem o melhor dos dois mundos: música brasileira sofisticada, mas sem preconceitos, com romantismo, humor, suingue, espontaneidade. É pop, rico, divertido e bem brasileiro.

O que é ser pop, sobretudo no Brasil?
A gente não pode reduzir tudo o que é pop ao que vemos na TV ou que toca no rádio mediante jabá. O Brasil é um país pop por natureza. Tem muita gente fazendo música boa, de Belém ao Rio Grande do Sul. Infelizmente, poucos desses artistas conseguem ter a visibilidade que teriam na época em que a música brasileira era popular e tocava no rádio e na televisão. Musicalidade e poesia não faltam neste país. Hoje se produz muito bem música pop no Brasil, mas nem tudo que faz sucesso é bom.


Há quem estranhe esse seu lado pop romântico, já que sua faceta mais conhecida é a de letrista do Clube da Esquina?
Clube da Esquina não é museu e nem só um episódio da música de Minas. Todas as canções feitas no mundo são basicamente variações sobre os mesmos temas. As canções românticas são tema recorrente para a maioria dos compositores. Se você pegar uma canção de estrada como Nuvem cigana, por exemplo, vai ver que ela é romântica também. As melodias mandam em mim, assim como o amor deveria governar o mundo. Sou livre para fazer as canções que me derem na veneta e tenho muito orgulho das minhas canções românticas.

O que você espera do mercado fonográfico em 2015?
Nunca espero muito, eu trabalho. Mas sonho com um mundo mais justo, em que os criadores sejam respeitados, em que a política cultural não seja baseada na intervenção do Estado em assuntos que só competem à classe artística. Quero que a música volte a tocar sem depender de artifícios financeiros, que os produtores se voltem para a canção e que intérpretes voltem a se relacionar intimamente com os compositores. Espero um Brasil em que a educação pública seja mais do que uma promessa de campanha e que a música volte a ser o nosso alimento de cada dia.

Love stories - Kiko Ferreira


Dois anos depois de lançar um dos discos mais bem produzidos da música brasileira recente, o sofisticado Liebe paradiso, Ronaldo Bastos revisita sua faceta mais popular em Alta costura..., compilação de 21 temas românticos de sua lavra. Demonstrando a variedade de espectro de parceiros e intérpretes que compõem seu ciclo de sócios de criação, a seleção, feita pelo produtor Leonel Pereda, vai de nomes bastante populares, como José Augusto (Castelo de areia) e Joanna (Mal nenhum) a estrelas de prestígio inabalável como Maria Bethânia (Sei de cor) e Celso Fonseca (Linda).

Não por acaso, a foto de Ronaldo na parte interna do CD tem como fundo o letreiro do Love Story Motel. Praticamente todas as faixas são aquelas músicas ouvidas nas madrugadas de boemia e nos casos (antes, durante, depois) de amores mais típicos e explícitos. Já na abertura, fica clara essa intenção com Todo azul do mar, dobradinha com Flávio Venturini e hit do 14 Bis em 1983. A visão do ser amado é ponto de partida de Um certo alguém, feita para o álbum O ritmo do momento (1983), de Lulu Santos.

Sorte, o primeiro grande sucesso de Ronaldo com Celso Fonseca, era o ponto fora da curva e hit de rádio do sofisticado álbum Bem-Bom (1985), que Gal Costa gravou em dueto com Caetano Veloso. Do animado Manual prático para festas, bailes e afins, vol.1 (1997), em que Ed Motta procurava voltar ao pique dançante do início de carreira, saiu Vendaval, sobre um fim de caso mais do que tradicional.

Da safra mais radiofônica de Stevie Wonder surgiu Lately, transformada em Nada mais, aqui na versão mais energizada de Sandra de Sá. Imortalizada por Beto Guedes no disco Viagem das mãos (1984), a versão de Till there was you, sucesso dos Beatles composto por Meredith Wilson, soa mais sofisticada, principalmente pelo belo arranjo de Wagner Tiso. Outro clássico de Beto, Meu ninho, música de Wagner e Ronaldo, ganhou versão que une Simone ao Roupa Nova.

O gigante gentil Erasmo Carlos soa como crooner de música lenta em Recordação (Ed Wilson/Ronaldo Bastos), de 1987. Feita para a trilha da novela Renascer, em 1993, Dois corações (André Sperling/Ronaldo Bastos) coloca Nana Caymmi em situação semelhante, assim como Fafá de Belém em Coração aprendiz (Erich Bulling/Ronaldo Bastos) com seus versos de folhetim do SBT: “O princípio do prazer é tão simples de entender/ para quem tem coração aprendiz”.

Talvez a faixa mais marcante, que consegue ser romântica sem parecer datada ou brega, seja Noites com sol, nome do disco lançado por Flávio Venturini em 1994. Por sua vez, Sei de cor (Celso Fonseca/Ronaldo Bastos) representa a MPB atemporal que Bethânia simboliza bem. Gravada no disco Dezembros (1986), ganhou arranjo e o violão de um certo Toninho Horta garantindo harmonia ao drama romântico.

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