sábado, 13 de dezembro de 2014

Odontologia - Eduardo Almeida Reis

Não tenho condições de avaliar a capacidade de cada um, mas sei que a combinação de cliente com dentista é mais difícil do que os casamentos antigos


Estado de Minas: 13/12/2014


Espantosa a evolução dos equipamentos odontológicos nos últimos 50 anos. Ainda peguei aquela broca de cordinha. Motorizada, mas com as cordinhas girando sobre roldanas. Dos 20 aos 42 anos, não frequentei consultórios dentários. Depois de 11 malárias, que deram com o meu sistema imunológico no brejo, surgiram muitas cáries, voltei aos consultórios e já não havia cordinhas. As obturações, antes feitas com o amálgama proibido em diversos países, hoje são feitas com uma pasta que endurece assim que o profissional acende uma luz azul dentro da boca do paciente. A limpeza do tártaro com ultrassom não dói, fica uma beleza e é suposta de durar meses.

Disseram-me que a montagem de um consultório com o que há de mais moderno custa hoje R$ 45 mil. Claro que operar aquela traquitana exige profissional preparado. Não tenho condições de avaliar a capacidade de cada um, mas sei que a combinação de cliente com dentista é mais difícil do que os casamentos antigos, que envolviam famílias diferentes, educações diferentes e sexos diferentes. A tsunami de casamentos homo deve estar simplificando o problema dos sexos diferentes.
Outros profissionais de casamento dificílimo com os clientes são os mecânicos de automóveis e os técnicos em computadores. Em Belo Horizonte sofri o diabo até conhecer Lili e Igor, que assumiram o controle do meu computador. Outro tanto de sofrimento até conhecer o Paulinho, o melhor mecânico do mundo, ainda por cima barateiro. Já não tenho o drama de procurar mecânicos em JF depois que doei meu último carro e só agora acho que encontrei um craque em computadores, poupando a dupla belo-horizontina dos consertos e concertos a distância por meio de um negócio chamado TeamViewer.

Entrevistas

Suponho que existam critérios que levem um jornal a entrevistar determinadas pessoas. Papel e tinta custam dinheiro. Você desloca repórter e fotógrafo, gasta gasolina e perde tempo, que também vale um dinheirão, para publicar matéria ocupando 1/4 de página nobre de um jornal de circulação nacional.

Vejamos o resultado. O entrevistado nasceu em São Paulo no ano de 1965. Até aí, tudo bem. Muita gente nasceu e continua nascendo em São Paulo. Depois, ele conta que se formou em psicologia. Tudo bem, de novo: muita gente estuda, se forma e exerce a profissão de psicólogo, não só por aqui como no resto do mundo. Depois, o mesmíssimo entrevistado conta que se especializou em Jung, antes de se especializar em discípulos de Jung. Viu que era pouco (sic) e foi para o Oriente, onde se casou e se divorciou. Casar e descasar é normal. O que discrepa da normalidade é o fato de um psicólogo clínico paulista mudar-se para a Índia, que já tem muita gente, deixar crescer barba imensa, morar em Rishikesh, ao pé do Himalaia, num “centro” onde conheceu o seu mestre Sri Raj Sachcha Baba Maharajii. Não bastasse isso, o entrevistado, que se diz psicólogo e mestre espiritual (sic), adotou o nome de Sri Prem Baba. E foi ao Rio divulgar o festival Awaken Love, que começou dia 18 de novembro.

Isto posto, não nos interessa a mim e ao leitor o que pensa da vida e do Awaken Love o mestre espiritual Sri Prem Baba, quando estamos de olho nas delações premiadas de empresários que têm contratos de bilhões com a Petrobras. A ladroeira é tanta que uma auditoria de Sri Raj Sachcha Baba Maharajii, mestre espiritual do psicólogo Sri Prem Baba, não seria capaz de explicar, mesmo sabendo que a locução “uma baba”, regionalismo brasileiro, significa “muito dinheiro”.

 O mundo é uma bola

13 de dezembro: faltam 18 dias para acabar o ano. Em 1545, teve início o Concílio de Trento, considerado um dos três concílios fundamentais da Igreja Católica, convocado pelo papa Paulo III para assegurar a unidade da fé e a disciplina eclesiástica com a Europa dividida pela Reforma Protestante, razão pela qual tem sido denominado Concílio da Contrarreforma. Foi atrasado e interrompido várias vezes na cidade de Trento, província autônoma de Trento, no Tirol italiano.

Em 1865, o Paraguai declara guerra ao Brasil: deu no que deu para ensinar aos guaranis que ninguém deve declarar guerra num dia 13. Em 1962, a Tanganica se torna independente da Inglaterra e se transforma na Tanzânia, com evidente prejuízo para todos os que estudamos as pastagens mundiais e já estávamos acostumados a falar do colonião-de-tanganica. O nome Tanzania é um portmanteau de Tanganica e Zanzibar. Claro que não sei o que é um portmanteau e os dois dicionários que consultei não trazem a palavra. Para que o leitor não fique decepcionado com o philosopho, informo que Tanzania, um suaíli, é Jamhuri ya Muungano wa Tanzania e tem como lema Uhuru na Umoja, que, todos sabemos, ou deveríamos saber, significa “Liberdade e Unidade”.

Em 1974, Malta se torna uma república. Vendiam-se no Rio de antigamente comendas da Ordem de Malta, muito procuradas e valorizadas. Em 1981, o Flamengo conquista o Campeonato Mundial de Clubes ao vencer o Liverpool por 3 x 0. Hoje é o Dia do Marinheiro, do Pedreiro, do Engenheiro Avaliador e Perito, e o Dia Nacional do Forró.

Ruminanças


“Só os fortes sabem ser indulgentes” (Victor Hugo, 1802-1885).

Cafajeste ostentação - Claudia Laitano

Zero Hora - 13/12/2014

Há o sujeito que cometerá as piores vilanias sem jamais tomarmos conhecimento. O cafajeste low profile age com a discrição e a meticulosidade de um relojoeiro. É muito difícil flagrá-lo ou responsabilizá-lo por seus atos – e, quando sua verdadeira natureza vem à tona, muitas vezes já é tarde demais para qualquer tipo de justiça ou reparação.
Ninguém está livre de conviver com o cafajeste discreto sem ter a mínima ideia do que ele faz ou pensa, e ele é tão mais perigoso quanto mais difícil é reconhecê-lo. Há no seu teatro de polidez e bons modos, porém, o reconhecimento tácito de que existem comportamentos, opiniões e mesmo inclinações patológicas de caráter que devem permanecer ocultas da maioria razoável – como uma suástica escondida no fundo de uma piscina.
No outro extremo da torpeza, encontramos o cafajeste modelo ostentação, aquele tipo que não apenas não esconde as barbaridades que pensa, por mais que elas se choquem com a pauta mínima de bom senso e civilidade observada pela maioria, como se orgulha do fato de ser “autêntico” e de não se curvar ao “politicamente correto”.
O paladino das trevas percebe a si próprio como o arauto de um paraíso perdido – um mundo em que se sentia mais seguro e poderoso, mas que ele sabe, melhor do que ninguém, que não existe mais. Sua infausta nostalgia é compartilhada por pessoas que pensam e sentem como ele, mas não dispõem da tribuna – ou da ousadia – para proferir em público o que resmungam na intimidade e nas caixas de comentários anônimas da internet.
Se o cafajeste low profile assusta pela inteligência e pela capacidade de agir sem chamar a atenção, adaptando-se ao hospedeiro como um vírus que busca aumentar suas chances de sobrevivência, o cafajeste ostentação normalmente é considerado tolo ou mesmo inofensivo. Como um resfriado: incomoda, é inconveniente, mas não é sério. É muito fácil tomá-lo por louco ou simplório, o que lhe dá tranquilidade e espaço para exercitar seu histrionismo de opereta sem ser incomodado.
O cafajeste low profile é cosmopolita e capaz de adaptar-se a qualquer cenário ou paisagem, dado que age longe do escrutínio público. O cafajeste ostentação, por sua vez, é provinciano. Terá o espaço e a feição que as circunstâncias lhe oferecerem. Se habita uma sociedade suficientemente permissiva e atrasada para colocá-lo diante de uma caixa de ressonância que amplia seu delírio, continuará testando os limites de indignidade até encontrar algum ponto de resistência. Se encontrar.


O cafajeste ostentação sobrevive menos pela aprovação de quem se sente representado por ele do que pelo grau de tolerância da sociedade que o hospeda. Enquanto se aceitar, passivamente, que qualquer tipo de vilania seja justificado por uma ideia distorcida de democracia, que legitima a violência e a incitação ao crime, o cafajeste fanfarrão vai continuar crescendo. Não como um resfriado, mas como um câncer.