sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Culpada - Eduardo Almeida Reis

Culpada


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas 07/11/2014

Dia 9 de outubro, quando citei a ilustre senhora Rosane Brandão Malta, ex-Collor de Mello, disse que ela traz nas veias o generoso sangue alagoano de escritores como Graciliano Ramos e José Lins do Rego. Poderia ter citado o jurista Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, que entrevistei várias vezes, ou o lexicógrafo Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, de quem fui amigo e abonou com frases dos meus livros alguns verbetes do seu famoso dicionário.

O diabo é que José Lins do Rego, brasileiro ilustre que torcia pelo Flamengo e conheci pessoalmente na livraria José Olympio, centrão do Rio, nasceu em Pilar, estado da Paraíba. Márcia, leitora educada, escreveu-me dizendo que gostou da crônica, de mesmo passo em que informava o local de nascimento do romancista rubro-negro. Grandes escritores paraibanos têm destas esquisitices futebolísticas: torcem pelos times do Rio feito uns desesperados. Zé Lins torcia pelo Flamengo, Moacir Japiassu é vascaíno doente.

Só não entendi até agora por que incluí o autor de Menino de Engenho entre os nascidos em Alagoas. Culpa da internet? Devo ter consultado um site sobre “escritores alagoanos” e lá estava o nome do torcedor rubro-negro falecido em 1957, quando ainda não tinha sido inventado o imbecilérrimo flamenguista, adjetivo e substantivo de dois gêneros. Naquele tempo o torcedor era flamengo ou rubro-negro.

Zebra!
Promovida pela Associação Brasileira de Enologia realizou-se em Bento Gonçalves, RS, no dia 27 de setembro, a 22ª Avaliação Nacional de Vinhos, reunindo 850 pessoas entre enólogos, enófilos, sommeliers, jornalistas, curiosos e desocupados, que tiveram a subida honra de dividir a plateia com o doutor Carlos Eduardo dos Santos Galvão Bueno, pai do Popó e do Cacá, amigo do Jaeci e sócio de uma vinícola sul-rio-grandense.

Um júri composto por enólogos degustou às cegas 290 amostras de vinhos selecionados e a zebra, a grande surpresa entre os vinhos tintos secos foi a vitória de um cabernet franc da Vinícola Góes, de São Roque, SP, município fundado em 1657. Isto porque os vinhos são-roquenses são conhecidos há séculos como os segundos piores do mundo, perdendo apenas para os vinhos produzidos numa determinada região de Minas, que não cito porque tenho por lá vitivinicultores amigos.

Com a maluquice do clima em 2014, choveu demais na serra gaúcha prejudicando suas videiras, enquanto em São Roque, Região Metropolitana de Sorocaba, a temperatura e as poucas chuvas permitiram que a Vinícola Góes produzisse o tinto vencedor.

Anúncio
Anúncio de bom tamanho nos jornais é publicado, presumo, para vender um produto. Daí a pergunta que faço ao caro e preclaro leitor: você compraria um livro de 312 páginas por R$ 21,50, anunciado com as virtudes seguintes: “Prefaciado pelo Cardeal e Grão Chanceler da Puc-Rio, Dom Orani Tempesta, e pelo reitor, Pe. Josafá Carlos de Siqueira, organizado pelos professores de teologia e presbíteros diocesanos Joel Portella Amado e Leonardo Agostini Fernandes, o livro Evangelii Gaudium em Questão – Aspectos bíblicos, teológicos e pastorais contou com a participação de professores do corpo docente do Departamento de Teologia da Puc-Rio?”.

Tenho o maior apreço pelo cardeal Tempesta, que conheço da tevê, e pelo padre Josafá, que não conheço. Daí a comprar um livro anunciado com as credenciais de ter sido prefaciado pelos dois vai uma distância ainda maior que a da Terra à constelação da Ursa Maior, também conhecia por Carro, Arado, Frigideira ou Caçarola. Por fim, outra pergunta: será que o corpo docente do Departamento de Teologia da Puc-Rio acredita na Bíblia e na honestidade do PT?

Sim, porque um imbecil acaba de me enviar e-mail de apoio à senhora Rousseff pedindo que o repasse à lista com os endereços dos meus amigos. Esse beócio nunca me leu, portanto não sabe que jamais chamei dona Dilma daquilo que todos chamam para não ofender os tapirídeos, família de grandes mamíferos perissodátilos, que compreende as antas e os tapires, com um único gênero (Tapirus) e quatro espécies encontradas nas Américas Central e do Sul, na península Malaia e na Sumatra.

O mundo é uma bola
7 de novembro de 1802: primeiros ocidentais pisam no Atol Palmyra, nas Espórades Equatoriais, Atol que até hoje pouca gente sabe onde fica, a começar por mim. Em 1837, eclode na Bahia a Revolta Sabinada. Em 1848, eclode em Pernambuco a Revolução Praieira. Baianos e pernambucanos têm gosto especial para revoltas nos dias 7 de novembro.

Em 1874, primeira publicação em jornal americano do símbolo do Partido Republicano, o elefante. Em outubro de 2012, um senador republicano se disse contra o aborto mesmo nos casos de estupros, porque a vida é manifestação da vontade de Deus e se o estupro ocorreu foi determinado por Deus: ninguém me contou, vi na tevê. Em 1930, emancipação de Alexandria, não a histórica, mas a da cidade norte-rio-grandense. Em 1952 nasceu Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, governador de São Paulo. Acompanho sua carreira desde quando foi prefeito no Vale do Paraíba e posso afiançar que é dos melhores políticos brasileiros.

Ruminanças
“Quando você conclui que as suas ex-companheiras são malucas, ou o maluco é você ou a sua conclusão está certa” (R. Manso Neto).

MEMÓRIA » Editora recupera obras do mineiro Wander Piroli

Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas - 07/11/2014 



De uma geração de autores mineiros que ficou conhecida a partir da segunda metade dos anos 1960, quando eclodiu em todo o país – tendo à frente Roberto Drummond –, o boom do conto mineiro, mas injustamente esquecido depois de sua morte, em 2006, aos 75 anos, o contista e jornalista Wander Piroli finalmente começa a ter sua obra resgatada. A editora paulista Cosacnaify, num trabalho gráfico impecável, acaba de lançar dois livros do autor voltados para o público infantojuvenil: O matador, com ilustrações de Odilon Moraes, e o inédito Três menos um é igual a sete, ilustrado por Marcelo Lelis.

Será lançado em seguida o restante da obra, que engloba, entre outros, os livros de contos A mãe e o filho da mãe, Minha bela putana, além dos clássicos Os rios morrem de sede e O menino e o pinto do menino, que revolucionou a literatura infantojuvenil brasileira nos anos de 1970.

Numa narrativa simples e comovente, só possível para iniciados, em Três menos um é igual a sete Piroli conta, em capítulos curtos, a história de uma família que, depois de ter o sítio arrombado por ladrões nas imediações de Belo Horizonte, resolve arranjar um cachorro para servir de guarda. Só que, em vez de um, eles ganham três animais, entre os quais uma fêmea. Com o passar do tempo, a cachorrinha Fofura entra no cio, para a alegria dos dois companheiros, Preto e Pinduca. Como resultado previsível, a cadela engravida e começaram os problemas, que culminam, para a tristeza das crianças, com a doação dela e dos filhotes a um sitiante vizinho.

A história não termina aí, mas numa “madrugada chuvosa de domingo”, quando a família passeava no sítio, e um dos filhos começa a ouvir “o ruído de unhas na porta da cozinha”. Não deu outra, era Fofura, que estava de volta à casa levando, um a um, em sete viagens consecutivas, todos os seus filhotinhos.

Arrepios

Já em O matador, a leitura não demora mais de 15 minutos, mas o final é de arrepiar os cabelos até mesmo de marmanjos. Piroli narra a aventura, provavelmente autobiográfica, de um menino ruim de pontaria, que finalmente consegue – após dezenas de tentativas fracassadas – alvejar com o seu bodoque um pardal pousado no telhado da casa. Ocorre que o passarinho, quando o garoto foi pegá-lo, ainda estava vivo.

Obviamente, não vamos entregar o final. Caberá os leitores descobri-lo, com a leitura de mais esta pequena obra-prima da literatura infantil brasileira, assim como dos outros livros de Wander Piroli, belo-horizontino nascido no lendário Bairro da Lagoinha, advogado que nunca exerceu a profissão, e jornalista com passagem por diversos veículos da capital, entre eles o jornal Estado de Minas, onde fez história.

Ao falar do amigo de geração, que teve ainda, entre outros, os mineiros Roberto Drummond, Murilo Rubião e Oswaldo França Júnior, o carioca João Antônio e o baiano Antônio Torres, o paulista Ignácio de Loyola Brandão disse: “Piroli era um homem corpulento, de mãos grandes, mas um sujeito afável, terno, que escrevia com afeto e humor, e que não apenas merecia como precisava dessa redescoberta”.

Três menos um é igual a sete
infantojuvenil, 48 páginas, ilustrações de Marcelo Lelis

O matador
infantojuvenil, 16 páginas, ilustrações de Odilon Moraes

. De Wander Piroli
. Editora Cosacnaify 

CARLOS HERCULANO LOPES » Noite de autógrafos

Estado de Minas: 07/11/2014 




No início de uma noite, que já se vai perdendo no tempo, depois de uma palestra na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, os escritores Roberto Drummond, Fernando Sabino e eu saímos para jantar num restaurante das imediações. No outro dia pela manhã deveríamos voltar para Belo Horizonte, onde Sabino tinha compromisso. Estávamos acompanhados do jornalista Luiz Fernando Emediato, de Marcelo Andrade, então secretário de Cultura de Viçosa, do cineasta Paulo Thiago e da sua mulher, a produtora Glaucia Camargos. Eles haviam ido à capital paulista divulgar um filme.

Papos dos melhores, que durou várias horas, com Fernando Sabino de ótimo humor, contando uma história atrás da outra, de repente a conversa, sabe-se lá por que, bandeou-se para noites de autógrafos e sobre o terrível drama comum a todos os escritores, que é o de muitas vezes esquecer, para desespero total, o nome de pessoas queridas que foram prestigiá-lo. “Comigo já aconteceu diversas vezes e quase morro de vergonha, tenho vontade de enfiar a cara num buraco e sumir”, disse o autor de Encontro marcado, entre um uisquizinho e outro. Roberto Drummond, que estava no auge da alegria com o sucesso de Hilda Furacão, também falou de suas desventuras a respeito e nos divertimos muito.

Algum tempo depois, com o Palácio das Artes lotado, foi minha vez de viver experiência semelhante, da qual até hoje, só de me lembrar, fico corado. Estava lançando, se não me engano, o romance O último conhaque, quando de repente uma prima, de quem gosto muito e que foi criada comigo, chegou com seu exemplar e o estendeu para mim, com um sorriso. Olhei para ela e veio o branco. Qual era seu nome?

Em vão tentei buscá-lo no papelzinho salvador que o vendedor experiente coloca junto ao livro, com a identificação do comprador, justamente para evitar mais complicações. E nada. Tem gente, tamanha é a intimidade que julga ter com o autor, como era o caso daquela prima, que não aceita se submeter a tal situação. “O que vou fazer meu Deus?”  Deixei que uma, duas, cinco pessoas passassem na sua frente, enquanto tentava, olhando-a de soslaio, ali ao meu lado, me lembrar da sua graça. Coisa que nunca faço no lançamento de meus livros, cheguei até a aceitar um copo de cerveja, para ver se ajudava.

 Àquela altura, nem é preciso dizer, já havia apelado para todos os meus santos de devoção: Nossa Senhora Aparecida, São Tarcísio, Bom Jesus da Lapa (um dia ainda vou ao santuário cumprir uma antiga promessa), Cônego Lafayete e nada. O nome da prima não vinha. E fui começando a suar frio.

Foi então que ela, talvez já desconfiada, pois há alguns anos a gente não se encontrava, virou-se para mim e disse, com um sorrizinho daqueles de congelar o cidadão: “Não está se lembrando mais de mim?”. Foi então que juntei todas as forças, voltei a invocar meus santos, olhei dentro dos seus olhos e disse aliviado: “Que é isso, querida Débora, só queria ter você comigo mais um pouquinho”, e autografei o livro.