quarta-feira, 22 de outubro de 2014

MARTHA MEDEIROS - Sem arrego

Zero Hora 22/10/2014

“Resmungos e ranger de dentes não vão ajudar, as coisas mudaram e precisam ser assimiladas o quanto antes, porque vieram para ficar. Resistir ao que de todo modo vai acontecer seria falta de sabedoria e perda de tempo.”

Me senti uma garotinha de cinco anos ao ler esse puxão de orelhas que havia sido direcionado a mim. Em três linhas eu havia sido chamada de birrenta e burra. Tranquei o choro.
Mas logo me dei conta de que eu não tinha mais cinco anos e que não deveria levar a reprimenda tão a sério, afinal, foi direcionada a mim, mas também a outros tantos, e por alguém que nem me conhece direito. Resolvi achar graça e tocar minha vida sem me perturbar com questões menores.
Mas ele não se abalou com meu pouco-caso e seguiu com a artilharia pesada.

“Tenha cuidado com esse cansaço que pesa sobre a alma, pois é ele que induz a acreditar na ilusão de que os problemas poderiam ser resolvidos de uma tacada só, com fórmulas mágicas. Isso não acontecerá de jeito nenhum.”

Rogando praga. Insolente. Quem disse que estou com cansaço na alma, quem?
Resolvi ler o que ele dizia sobre os outros signos. Realmente, ele não era um representante da geração paz & amor, mas pegava mais leve com Áries, Gêmeos, Libra. Comigo é que a rudeza imperava. Perseguição nítida.

A solução era simples: deixar de dar ibope para as suas ralhações astrológicas. Ignorar. Estava decidida a fazer isso a partir do dia seguinte. Porém, o novo dia amanheceu, como sempre amanhece, e eu me vi espichando o olho para aquele quadradinho minúsculo com três pequenas linhas onde cabia toda a ira do universo contra mim. Foi então que compreendi como funciona a cabeça dos leitores que odeiam certos colunistas do fundo do coração. Xingam, rosnam, ofendem, mas não os abandonam nem sob decreto.
“Nada que for feito intempestivamente ajudará a resolver coisa alguma. Certamente, não será fácil conter os impulsos, mas, se você não se empenhar nesse sentido, sua alma não merecerá ser chamada de humana. Contenha-se!”

Nunca homem algum ousou mandar eu me conter, o abusado foi o primeiro – e ainda usou ponto de exclamação!
Mas se há algo que sobra em mim é resiliência. Se ele acha que vou bater em retirada, engana-se. Vou continuar aqui, pode continuar me atacando, eu aguento.

“Os temores arraigados em sua alma (lá vem ele com essa história de alma outra vez) têm sobre você o poder que você lhes outorgar, nem um pouco a mais do que isso. Esses temores são fantasmas que assombram a perspectiva de progresso que se encontra disponível”.
Entendi. É tudo coisa da minha cabeça. Sou responsável pelas minhocas que coloco na cabeça, e você é apenas um filósofo a serviço dessa reles criatura que teima em não evoluir.


Não me faltava mais nada. Humilhada pelo meu próprio horóscopo.

Efeito Arquibaldo - Eduardo Almeida Reis

Efeito Arquibaldo


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 22/10/2014



 (LELIS)

Já é tempo de a psiquiatria, baseada nos fatos notórios e na sugestão aqui do eminente philosopho, incluir o Efeito Arquibaldo em suas preocupações profissionais. É a reação do arquibaldo – frequentador habitual de arquibancadas – que só existe nos estádios de futebol. Não confundir com o Efeito Manada, em que indivíduos em grupo reagem todos da mesma forma, embora não exista direção planejada. É termo que se refere originalmente ao comportamento animal e, por analogia, se aplica ao comportamento humano. É a manada que compra dólares porque todo mundo está comprando, que visita Roma porque todo mundo está visitando, que vota no governador porque todo mundo está votando – e assim por diante.

Não acredito que poucos torcedores do Grêmio, alguns até de pele mais escura que o quíper do Santos, quisessem xingar o senhor Aranha. Gritaram “macaco!” porque outros estavam gritando – Efeito Arquibaldo – e o Grêmio perdia por 2 a 0. O político mexicano que chamou o senhor Ronaldinho Gaúcho de “macaco brasileiro” especificou sua raiva contra os cidadãos do Brasil, considerando que os mexicanos não podem xingar ninguém de macaco, eles que são o maior grupo de grandes antropoides de língua espanhola.

No jogo do Real Madrid contra o suíço Basel, vencido pelos espanhóis por 5 a 1, boa parte da arquibancada merengue apupou o goalkeeper Iker Casillas Fernández na primeira vez em que tocou na bola. Depois, outra parte da arquibancada passou a aplaudi-lo. Nascido em Móstoles, cidade que faz parte da Grande Madrid, o senhor Casillas tem toda a sua carreira ligada ao clube e nele conquistou uma infinidade de títulos. Mais que um atleta, é um símbolo do Real Madrid. Andou falhando na Copa das Copas, mas toda a seleção da Espanha jogou pedrinhas. Em matéria de Efeito Arquibaldo, nada mais imbecil do que um torcedor do Real Madrid apupar o seu guarda-redes. Amanhã tem mais.

Ortográficas
O acadêmico e gramático Evanildo Bechara publicou artigo num dos jornais que assino. Recusei-me a ler o texto do recifense nascido em 1928, porque o jubilei quando se envolveu com o maldito Acordo Ortográfico do Lula. Aposentei sua gramática, não leio seus artigos, quero mais é que passe bem e muito obrigado. Para, do verbo parar, sem acento, foi demais para os meus nervos. Acento no primeiro a, bem entendido, que no último existe o regionalismo gaúcho pará, “qualquer culto afro-brasileiro e/ou qualquer terreiro desses cultos”, além do estado superiormente governado por Barbalhos, Jatenes e Carepas, com 1.247.954 km², a 13ª maior subdivisão mundial, equivalente à soma das áreas da Tailândia, Camboja, Laos e Vietnã.

Tanto quanto se possa acreditar na Wikipédia, sempre alterada por palacianos e petroleiros, o Pará tem cerca de 8 milhões de habitantes, enquanto a soma dos quatro países citados chega aos 180 milhões. Haja tacacá para que os paraenses possam alcançar os 180 milhões de coestaduanos com o seu clima quente, que pede ar condicionado, proporcionado, como sabe o leitor, pela compra do ar-condicionado. Tá vendo? O diabo do idioma é complicado. Ar condicionado é ar resfriado ou aquecido por meio de aparelho específico, o condicionador de ar, que pede hífen: ar-condicionado.

Bilhete
E-mail que recebi de leitor amigo, belo-horizontino de 50 anos, duas vezes doutorado pelas melhores universidades do planeta, poliglota, cientista, musicólogo, gourmet: “Neste país de presidentas, tenentas, escreventas e estudantas (por força da utilíssima Lei Federal 12.605), a pseudociência estatística (segundo a qual se você come um frango inteiro e eu nenhum, comemos ambos meio frango, a despeito de minha fome) consegue se tornar ainda mais inútil. No início deste ano, o IPEA nos informava que 65% dos pindoraminenses concordavam que mulheres com vestimentas provocantes mereciam ser estupradas, mas poucos dias depois, dizia que 65% eram, na realidade, 29%. Agora, seu irmãozinho, o IBGE, se confunde na análise de dados que, em princípio, deveria ser sua competência maior (ou única) e nos apresenta resultados diametralmente opostos em menos de 24 horas sob a justificativa de que ignoraram alguns ‘numerinhos’. Ainda bem que os resultados dos nossos exames de sangue, urina e fezes não precisam ser processados por eles! ”.

O mundo é uma bola
Dia 22 de outubro de 1797, André-Jacques Gamerin fabrica o primeiro paraquedas bem-sucedido e salta de um balão a 670 metros de altura. Em 1844, o Dia do Grande Desapontamento: inspirados em profecias bíblicas, religiosos norte-americanos esperavam o retorno de Jesus nesse dia. Em 1909, a francesa Élise Déroche é a primeira mulher a fazer um voo solo. Transcorridos 103 aninhos, senhoras e senhoritas pilotam helicópteros e aviões comerciais, com a competência que usavam para pilotar as cinco bocas do fogão a gás nos bons tempos.

Em 1938, é feita, nos Estados Unidos, a primeira cópia xerográfica. Em 1945, fundação da PIDE, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado, modelar instituição policial portuguesa, que inspirou algumas das melhores anedotas do Juca Chaves. Hoje é o Dia do Paraquedista, do Enólogo, da Praça e o Dia Mundial de Atenção à Gagueira.

Ruminanças
“Se me engano, sou” (Santo Agostinho, 354-430).

Clube do sushi - Eduardo Tristão Girão

A nova safra de músicos mineiros já chama a atenção dos japoneses, seguindo a trilha de Milton Nascimento e Toninho Horta. Discos ganham prêmios e encartes traduzidos por lá


Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 22/10/2014 



O pianista e percussionista Antonio Loureiro já prepara a segunda turnê no Japão (Caio Palazzo/divulgação)
O pianista e percussionista Antonio Loureiro já prepara a segunda turnê no Japão


Antonio Loureiro acaba de lançar um disco só no Japão, gravado com músicos locais durante sua primeira visita ao país, em 2013 – a segunda já está marcada para o mês que vem. Alexandre Andrés teve seu Macaxeira fields premiado como melhor álbum brasileiro do ano passado pela revista nipônica Latina, incluindo versão com letras traduzidas para o japonês. Rafael Martini, cujo Motivo também foi levado para lá, quase perdeu a conta dos japoneses que lhe pediram amizade no Facebook – muitos ele nem sabe quem são.

Esses são apenas alguns exemplos de jovens músicos mineiros (ou que aqui construíram carreira) integrantes da nova fornada de brasileiros “devorados” pelo público japonês, frequentemente descrito como extremamente atento, curioso e respeitoso em relação ao que é produzido no país. Em termos de exportação, a bossa nova é consumida lá há muitos anos: Roberto Menescal, Joyce Moreno e Wanda Sá são habitués – Minas Gerais engrossa essa lista com Toninho Horta, Affonsinho e o duo Renato Motha e Patrícia Lobato, entre outros.

“No Brasil, o público cresce constantemente, mas aqui tem menos gente identificada com esse som do que lá. O mercado fonográfico japonês funciona até hoje. As pessoas abrem lojas de disco, o mercado funciona e funciona de um jeito eclético. As pessoas ouvem um monte de coisas diferentes. Respeito muito esse público, que quer ouvir de tudo e conhece muito de tudo”, conta o pianista e percussionista Antonio Loureiro. Seu novo disco, In Tokyo, acaba de sair apenas no Japão pelo selo NRT, de Yoshihiro Narita, produtor que abre as portas desse mercado para os mineiros.

O primeiro disco de Loureiro foi lançado lá e cá; Só, o segundo, teve prensagem japonesa e letras traduzidas; Aqui é o meu lá, com o violonista Ricardo Herz, está em fase de importação. O álbum mais recente registra sua performance ao vivo ao lado de três instrumentistas japoneses. “São músicos que têm público lá. O show ficou lotado, foi surreal. O público conhecia meu trabalho e depois fiquei duas horas assinando discos – meus e projetos de que participei com o Ramo, Kristoff Silva, Rafael Martini, Alexandre Andrés. Um público muito grande se identifica com um monte de outras coisas”, diz.

Rafael Martini já perdeu a conta de quantos amigos japoneses ganhou no Facebook (Élcio Paraíso/divulgação)
Rafael Martini já perdeu a conta de quantos amigos japoneses ganhou no Facebook


ACESSO

O cantor e compositor Alexandre Andrés acompanhava de longe o interesse pela música mineira até receber de Narita um e-mail, no qual o produtor se mostrava interessado em lançar Macaxeira fields. O CD chegou-lhe por meio do pianista André Mehmari, que assinou a direção musical do trabalho. A edição tem letras traduzidas para o japonês e arte especialmente desenvolvida para o mercado oriental. O primeiro disco de Andrés, Agualuz, e o mais recente, Olhe bem as montanhas, também estão nas lojas nipônicas. “Convite ainda não tive, mas quero ir lá”, afirma Andrés.

No Facebook, ele percebeu a presença de vários japoneses interessados em seu trabalho e em sua página no Soundcloud (na qual é possível ouvir músicas) – a maioria das visitas era do Japão, à época do lançamento de Macaxeira fields. O pianista Rafael Martini calcula ter cerca de 100 amigos japoneses no Facebook. “Alguns nem sei quem são”, diverte-se. “Já achei um artigo de lá me comparando à pianista Maria Schneider. Nunca falo dela, mas é uma influência importante para mim. Os caras têm ouvido muito especial”, elogia.

Alexandre Andrés ganhou prêmio da revista Latina
 (Cristina Horta/EM/D.A Press)
Alexandre Andrés ganhou prêmio da revista Latina


IRENE

A cantora Irene Bertachini, que enviou 170 cópias de seu disco de estreia, Irene preta, Irene boa, para o Japão, diz que esse contato tem dupla importância. “Para artistas como eu, é uma quantidade muito boa e interessante ver que os japoneses ainda apreciam o disco físico. Quando você tem só o MP3, desvincula o trabalho de todo o processo gigantesco da música: compositor, arranjo, músicos. O MP3 facilita o acesso, mas tira um pouco da profundidade da fruição”, analisa. Discos de outros projetos de que ela participa, Coletivo A.N.A. e Elas de Minas, também foram para lá.

Turnês e amizades

A relação com o Japão, lembra o cantor e compositor Renato Motha, começou há exatos 10 anos com o convite para lançar lá o álbum Dois em Pessoa, com poemas de Fernando Pessoa musicados em parceria com a mulher, a cantora Patrícia Lobato. De lá para cá, foram mais CDs – dois exclusivos para o mercado oriental. In mantra foi considerado melhor disco de música brasileira pela revista Latina, em 2010. O casal fez turnês no país em 2009, 2010 e 2012. Em 2012, o artista ainda participou da versão belo-horizontina do festival japonês Sense of Quiet, a cargo de Yoshihiro Narita.

Seu recém-lançado disco Menino de barro já está à venda no país. “O público japonês é único. Profundo conhecedor da nossa música, sensível, respeitoso. Estabelece ressonância sutil e ao mesmo tempo entusiasmada com o músico durante toda a apresentação, o que nos inspira a sempre darmos o melhor de nós”, avalia.

O cantor e compositor Affonsinho ainda não foi ao Japão, apesar de já ter sido convidado, mas comemora o fato de ter vários discos lançados lá desde 2000. O músico gosta de contar o caso da amiga japonesa que ganhou. “Ela foi a um show do Milton Nascimento no Japão e, na saída, encontrou o baterista Lincoln Cheib. Pegou com ele meu telefone e quis me conhecer e me entrevistar, quando veio ao Brasil. Foi lá em casa, sabia tudo da vida da gente, quis ver o meu violão, a cadeira que usava para compor e ficou amiga do meu filho Fred. Morou seis meses aqui”, revela.

Três perguntas para...

YOSHIHIRO NARITA
Produtor

Yoshihiro Narita
 (Arquivo pessoal
)
Yoshihiro Narita


Como você teve o primeiro contato com a música mineira?

Foi com o LP Clube da Esquina, de 1972. Fiquei surpreso e ele me tocou. Isso há 20 anos, quando tinha uns 19 e esse era um álbum clássico nos meus círculos de amizade. Os LPs brasileiros foram muito populares entre a minha geração. Claro que eram pequenos círculos, mas as cabeças musicais eram várias. Gente que gostava de jazz, club jazz e house, por exemplo, conhecia Tudo que você podia ser. Gente influente, como o colecionador e dono de selo Giles Peterson, apresentou essas canções.

Há interesse especial dos japoneses pela música mineira?

Sim. Antonio Loureiro se tornou um músico brasileiro conhecido. Alexandre Andrés recebeu prêmio de melhor álbum brasileiro de 2013, da revista japonesa Latina, por Macaxeira fields. The sound of young Minas, a exemplo de The sound of young America (Motown Records), está se tornando tendência entre as cabeças musicais daqui. Além disso, Renato Motha e Patricia Lobato são populares devido a nove discos e três turnês. Milton Nascimento e Toninho Horta, é claro, são conhecidos pelos japoneses desde os anos 1970.

Os mineiros apontam grande diferença entre os públicos daqui e do Japão. Você concorda? Como definiria o consumidor japonês?

Sim e não. A maioria do público japonês está interessada em coisas do tipo música do passado, mas essa é a situação de quase todo o planeta atualmente. Além disso, muitos japoneses conseguem perceber a beleza da música brasileira com facilidade. Nós talvez adoremos a suavidade e o caráter melodioso da língua portuguesa falada no Brasil.