segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Aleluia! - Eduardo Almeida Reis

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 06/10/2014



Pronto, acabou a agonia do horário gratuito para deputados, senadores e outros patrícios empenhados na salvação do país. Dia 29 de agosto, uma sexta-feira chuviscosa e fria, tomei o café da manhã em casa de amigos que tinham o rádio ligado no horário eleitoral. O negócio é de uma indigência mental que espanta e comove. Considerando que os marqueteiros políticos faturam fortunas, a imbecilidade dos programas levados ao ar deve ser intencional, para alcançar o eleitor idiota, que é maioria absoluta.

Tive pena de um candidato, que desde muito cedo se notabilizou por sua extraordinária inteligência (foi um dos melhores alunos, em BH, do Colégio Santo Antônio). Só não foi o mais brilhante porque Carlos Alberto Rohrmann também estudou no Santo Antônio e o professor doutor Rohrmann (UC Berkeley), em matéria de genialidade, é caso raríssimo neste país grande e bobo.

Pois muito bem ou muito mal, como queiram: o marqueteiro plantou o candidato cultíssimo num programa imbecilérrimo em busca dos eleitores cretinos, que os poucos votantes lúcidos não precisam ouvir rádio no horário eleitoral para sufragar o nome do ex-aluno do educandário belo-horizontino.

Nele, Colégio Santo Antônio, pela missa de sétimo dia de um jornalista amigo, assisti à descompostura que Nely Rosa passou no frade que a celebrou. Descompostura em regra, que a descomprazente estava justamente furiosa com o celebrante, um bocó de batina e sandálias que deslustra a instituição do papa Francisco. E assim, com o adjetivo descomprazente no sentido de não condescender, vou tirando meu time de campo. Pela atenção, muitíssimo obrigado.

Moustaches
Homem de palavra, prometi na edição de ontem que rasparia os bigodes: dei cabo deles. Sei que a notícia não interessa a ninguém, mas tenho compromisso com o leitor e sobretudo com a leitora que, alta madrugada, enquanto o maridão ronca e arrota os chopes da véspera, sonha dar uns beijinhos no philosopho que não conhece pessoalmente. Se conhecesse, não sonharia. É verdade que, apesar dos pesares, estou melhor que Geraldine Leigh Chaplin, nascida em Santa Mônica, Califórnia, dia 31 de julho de 1944. Entrevistada pelo Estadão, disse que se sente com 93 anos – e o pior é que parece ter 103.

Filha de Charles Chaplin e Oona O’Neill, Geraldine é neta do dramaturgo Eugene O’Neill, prêmio Nobel de Literatura. Portanto, sua procedência é boa, mas bagulhou aos 70, coitadinha. Ainda outro dia, a internet mostrou-nos senhora de 66 que continua sendo uma gata arrumada. Deve exercer a mais antiga das profissões, porque se deixou fotografar desnuda em posições, digamos, excitantes.

Encaminhei as fotos para os amigos da lista barra-pesada, que só pensam bobagens, e um deles deslustrou o seu sangue lusitano ao dizer que a “idosa” lhe pareceu muito magra. Deve ter achado muito branca e escreveu magra, considerando que o pessoal do condado portucalense, em questões de sexo, adora uma pontinha de cor para dar sabor à pele. No que obra muitíssimo bem, seja dito de passagem.

Receita
Pegue uma jornalista carioca, vascaína, viciada em computador, autora da admirável Uma história universal da fêmea, casada com um jornalista paraibano, também vascaíno e mãe de um jornalista paulistano, vascaíno outrossim, ponha a bela senhora morando perto de Paraty (RJ), numa propriedade rural situada em Cunha (SP), e o resultado será o melhor site da internet. Insisto: o melhor, mais divertido, mais instrutivo, mais universal. Nome dela: Marcia Lobo. Nome do site: “Antes que eu me esqueça”, que o caro e preclaro leitor deve digitar assim: http:// antesqueeumeesqueca. weebly. com/ jornal-da imprenccedila. html. Escrevi separado de http:// até html. para caber nas linhas aqui do jornal, mas você deve escrever tudo junto para ficar me devendo um favor que não tem preço.

O mundo é uma bola
6 de outubro de 891: eleição do papa Formoso, feio pra dedéu, tinha um tufo de cabelo na testa e dois tufos, um de cada lado da cabeça, por ter sido anterior ao médico pernambucano que faz as cabeças dos políticos brasileiros. Nascido em Óstia, na Itália, circa 816, pontificou até morrer, em 896. Quando cardeal, foi excomungado por João VIII por ter coroado Arnulfo rei da Itália, o mesmo Arnulfo que seria imperador da Alemanha.

Nove meses depois da morte de Formoso, seu cadáver foi exumado da cripta papal para ser julgado num Sínodo do Cadáver, presidido por Estêvão VI. Formoso, coitado, foi acusado de excessiva ambição pelo cargo de papa e todos os seus atos foram declarados nulos, seu cadáver despido das vestes pontificiais e amputados os dedos de sua mão direita, antes de ser enterrado num cemitério para estrangeiros como forma de desonra. Depois, tornou a ser exumado, esquartejado e jogado no Rio Tibre, o que não impediu que mais tarde seus ossos fossem recuperados para ser enterrados na Basílica de São Pedro, com vestes papais, junto aos outros pontífices. Pelo visto, a Comissão da Verdade pontificial não era de brincadeira. Hoje é o Dia do Prefeito, do Tecnólogo e o Dia Nacional do Circulista, burrice que merece visita ao Google.

Ruminanças

“Com a burrice os próprios deuses lutam em vão” (Schiller, 1759-1805). 

Muita coisa precisa mudar - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 06/10/2014


Debates e horário eleitoral são muito falhos, e precisam mudar para melhorarmos a qualidade dos eleitos


Muita coisa precisa mudar no formato das campanhas. Não sou dos que consideram nosso sistema eleitoral uma calamidade. O problema maior está nas escolhas legislativas. O senador tem mandato muito longo e uma boa chance de passar o cargo, em algum momento, a suplentes desconhecidos de quem votou neles. Deputados e vereadores são escolhidos com os eleitores sabendo pouco a seu respeito. Mas nossas eleições presidenciais me parecem quase modelares.


Após a experiência Collor de eleição solteira, passamos a casar a escolha do presidente e do legislativo federal. Um aventureiro terá dificuldade de vencer. Ao longo de um ano, pelo menos, os principais postulantes são submetidos a uma bateria de questionamentos - quase um bombardeio - que no final das contas faz que só os realmente capazes permaneçam: os que têm a melhor liderança política. A governabilidade geralmente se define antes da eleição. Quem não tiver apoios consistentes dificilmente chega lá. Sem demérito para Marina Silva, ela é a exceção confirmando a regra. Assumiu a candidatura a pouco tempo do pleito, e com isso foi poupada do pior: algo como os três anos de ataques a Dilma, os 12 meses de ataques a Aécio - que foram chamados de tudo o que é ruim, mas sobreviveram. Mesmo assim, em menos de 50 dias, bastante coisa se discutiu e se soube a respeito de Marina, seus méritos, suas limitações. É assim que tem de ser.

Mas, feito o elogio, muito precisa mudar. O pior é a relação entre o candidato e o eleitor, que é o ponto central de tudo. Os contatos presenciais, como os comícios, foram perdendo importância. A propaganda se faz cada vez mais pela televisão, rádio e internet. E aqui temos várias questões. Começo pelo horário eleitoral. Na eleição aos cargos majoritários de presidente, governador, prefeito e senador, os postulantes passam por uma grande exposição, mas sem debate e com frequência dizendo tudo igual. Apela-se à emoção mais do que à razão. Daí que as campanhas custem caro, dando dinheiro a marqueteiros, quimeras vazias a eleitores e contratos polpudos a financiadores. Isso tem de ser revisto.

Devemos separar eleições federais e estaduais


Em poucos anos, poderíamos chegar a uma campanha de formato novo. O candidato se reuniria com grupos de eleitores para discussões focadas, transmitidas pela internet. A rede mundial substituiria com vantagem a televisão, baixando os custos com marqueteiros. Isso dispensaria os grandes financiadores de campanha, que são o que corrompe o sistema político, e fortaleceria o compromisso do candidato com um eleitor que será também um e-leitor. Um ano atrás, tínhamos 110 milhões de internautas e 130 milhões de eleitores. Logo teremos mais internautas do que votantes. A meta da inclusão digital deve garantir que todo cidadão tenha terá acesso à internet.
Segundo ponto: os debates precisam ser uma pedra de toque da campanha. Neles, os candidatos são expostos a um contraditório que não tem lugar no horário gratuito. Mas os debates não têm passado de shows, às vezes de má educação. Até presenciamos bate-bocas, como no debate da Record em que Levy Fidelix surfou na homofobia. Infelizmente, com isso o que guardamos na memória é o folclore. A meu ver, o melhor da campanha foram as entrevistas - duras - de William Bonner e Patrícia Poeta. Mas ficamos numa situação difícil. Se jornalistas comandam o debate, há o risco de facilitarem para um lado, não sendo poucos os casos de parcialidade deles. Já se um candidato pergunta para outro, podem fazer tabelinha ou, mesmo, ignorar o tema proposto. Aécio Neves, interrogado sobre o episódio em que recusou fazer o teste do bafômetro, mudou rápido de assunto. E Everaldo chegou, no debate final, a simplesmente ignorar o tema que lhe cabia e perguntar a Aécio outro inteiramente diferente - o que levou Bonner a passar um pito no pastor. Penso que precisa haver muitos debates e que devem constituir uma viga-mestra da campanha, mas o formato atual ainda não é satisfatório.

Terceiro: separar as eleições federais das estaduais. Sou contra a proposta de coincidência entre todas as eleições - incluindo até mesmo as municipais. Ora, se o número de cargos em disputa num ano como o atual já é alto, dificultando a boa escolha, por que e para que aumentá-lo? E sobretudo, este ano mostra que tudo se concentrou na eleição presidencial. Os governadores passaram batido. Vamos votar neles com pouca discussão. Para não falar dos parlamentares.

Uma solução simples seria realizar dois pleitos em sequência. Por exemplo, as eleições estaduais seriam em setembro, após dois meses de campanha, e as federais em novembro. Ou vice-versa. Teríamos então um período eleitoral mais longo, mas nem tanto assim. O eleitor ungiria governantes em separado, com maior tempo para discutir seus nomes e propostas, mas perto o bastante para que uns e outros representem o mesmo momento histórico.

Poderíamos, além disso, aproximar a eleição e a posse dos eleitos. Não há razão para ficarmos de dois a três meses com um governante que já foi substituído pela vontade popular. Nos países parlamentaristas, a posse é no dia seguinte à eleição. Seria bem razoável iniciar o mandato uns 15 dias após o segundo turno.

Finalmente, isso credenciaria o eleito a participar da decisão sobre o orçamento para seu primeiro ano de governo. Hoje, ele assume com uma lei orçamentária feita pelo Executivo e Legislativo em final de mandato. Tal situação só prejudica o novo governo, que tem seu início determinado por prioridades que já não são as do eleitorado.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
E-mail: rjanine@usp.br