sábado, 20 de setembro de 2014

Aldeia Global: que conceito é esse?

Marshal McLuhan previu a chegada da internet, cujas redes sociais enredam o homem contemporâneo nas teias de um mundo virtualmente unificado


Rafaela Lôbo
Estado de Minas: 20/09/2014



 (Lucas Jackson/Reuters
)


O termo Aldeia Global foi usado pela primeira vez pelo literato e filósofo canadense Marshal McLuhan, ainda nos anos 1960. Não se sabe ao certo em que ele se baseou para criar esse conceito. Alguns dizem que a origem foi a expressão “urban and orbal” encontrada na obra de James Joyce, autor por quem o filósofo tinha predileção. Outros dizem que se baseou no conceito de noosfera. Há, ainda, aqueles que defendem que Marshal se inspirou em um pensamento do escritor Wyndham Lewis, que mencionava o planeta Terra como uma grande aldeia.

Independentemente da origem, fato é que, indiscutivelmente, com uma formação basicamente literária e com recursos parcos (se comparados aos que existem hoje), somente um visionário poderia pensar na existência de uma grande “teia” gerida por uma “alma suprapessoal”, sem destinos ou lugares rígidos. No mínimo, o autor previu a internet. Mas como conseguiu?

McLuhan acreditava que os homens, devido ao surgimento da imprensa, estavam isolados, isso porque cada um era capaz de analisar, pensar e viver solitariamente. No entanto, afirmava que devido ao que classificou como “civilização da eletricidade”, tudo mudaria e voltaríamos ao passado na medida em que os homens viveriam novamente em grupo – a diferença é que isso seria facilitado por uma estrutura virtual. Na época, novas formas de contato midiático surgiam (telefone, televisão) e, além disso, por ser professor universitário, ele sentia a diferença entre as gerações. Foi nessas circunstâncias que imaginou uma nova forma de mídia. Para ele, a chegada de uma estrutura tecnológica possibilitaria o fim de um mundo linear.

Amado por uns, que o consideram pensador genial, odiado por outros, que entendem que suas análises eram superficiais, insisto: McLuhan era um visionário. Ao se referir à Aldeia Global, o filósofo cita um espaço de convergência, em que haveria “redes virtuais”, as noções de sentido se perderiam e as ideias estariam em direções caóticas. Para ele, haveria um mundo unificado, uma malha global, algo como uma grande teia democrática que abrigaria todos.

É fantástico pensar que hoje não há mais locais fixos. Com o advento da internet, uma pessoa, sem sair de casa, é capaz de conhecer o mundo, visitar países, cidades, bibliotecas...

As populações se conectam, ou, ao menos, têm noção umas das outras. Ocidentais e orientais partilham descobertas e nem mesmo a China, com todas as restrições ao uso da internet, consegue se manter isolada. A Primavera Árabe não é fruto do mero acaso; as manifestações no Brasil também não. Tudo possível porque as redes sociais promovem encontros e dissipam culturas e diversidades. Vivemos numa Aldeia Global.

Logo, poderíamos pensar que as teorias apresentadas na década de 1960 são perfeitas. Será? A questão é que se Marshal foi um “Nostradamus real”, haverá erros e acertos em suas teorias. Nesse sentido, o grande pensamento que se apresenta não é a previsão feita em relação à Aldeia Global, mas ao fato de isso remeter à alma suprapessoal.

Mesmo em aldeias, há manipuladores, poderosos, aqueles que definem como a sociedade funcionará. Inúmeras pessoas usam as redes sociais visando à manipulação. Inúmeras? Quero dizer, as pessoas usam as redes com fins, no mínimo, de autopromoção e disseminam apenas os conhecimentos que desejam. Essa é a realidade. Isso ocorre porque na rede se é quem se deseja ser, podemos criar personagens, esconder, enganar, tudo é possível. Pais se preocupam, jovens e imaturos se arriscam.

Como explicou McLuhan, os meios são extensões dos sentidos dos humanos. Assim, o telefone amplia a fala; as rodas de um carro ou as asas de um avião permitem que a pessoa viaje; o computador e a televisão não são simplesmente máquinas, mas conceituam a realidade de uma forma ou de outra. Será, então, a internet uma extensão de nossos pensamentos e desejos? Uma extensão do que somos e daquilo que acreditamos que somos? Será ela gerida por algo superior a todos nós? Ou somos os gestores de tudo isso?
A Aldeia Global é uma realidade. Usá-la para o bem ou para o mal será uma escolha humana.

. Rafaela Lôbo é mestre em linguística e professora do Centro Universitário UNA

 (E. Britannica/reprodução)


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Comunicação
de massas


Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) se tornou conhecido por seus estudos sobre a comunicação de massas, em que focalizava o impacto das tecnologias – sobretudo a TV, nos anos 1950/1960 – sobre a cultura e a sociedade. Entre seus livros estão A galáxia de Gutemberg (1962), Os meios de comunicação como extensões do homem (1964) e Guerra e paz na Aldeia Global (1968). 

Eduardo Almeida Reis - Palitos

Num dos banquetes, a rainha Elizabeth II bagunçou o coreto do Sion e do Sacré Coeur, palitando os dentes à mesa. Foi um tableau, como se dizia naquele tempo

Estado de Minas: 20/09/2014




Peço ao leitor que não espalhe, mas adoro palitos. Sou do tempo dos portugueses Marquesinhos, hoje anunciados no Google como antiguidades. Na falta deles, não dispenso os nacionais. Nunca me ajeitei com os fios dentais que tanta gente usa. Dia desses, jovem dentista, que me alimpava o tártaro, quis ter a gentileza de observar: “O senhor sempre cuidou muito bem dos seus dentes”. Quase morri de rir, considerando que fumantes de charutos não costumam ser amigos do limpamento dental logo após as refeições próprias para fazer boca de pito. Se o charuteiro escova os dentes depois de comer, tira o prazer do charuto.

Puros de Havana ou da Bahia são lúdicos, no sentido daquilo que se faz por gosto, sem outro objetivo que o próprio prazer de fazê-lo. Confirmei essa verdade outro dia, quando andei escondido na casa de uma filha, desde sempre implicante com o charutear do paizinho. Reduzi consideravelmente o consumo diário porque me sentia agredindo o ambiente em que era um convidado. Frio danado. Janelas fechadas. Dona da casa de nariz torcido e cinzeiro mínimo, incompatível com a dignidade dos puros, o fumante e o fumado. Cinzeiro de charuto tem que ser decente, grande, de cristal, para combinar com o ludismo dos puros.

No Rio de antigamente, os palitos eram malvistos. Moças de classe média alta estudavam no Sion, que as ensinava a comer com o garfo virado para baixo. As ricas estudavam em França ou tinham em casa preceptoras alemãs, francesas, inglesas. Presumo que a implicância com os palitos fosse coisa do Sion ou do Sacré Coeur.

No Sacré Coeur, a pedido de uma namorada, fiz as fotos para um trabalho que as alunas enviariam ao papa. Fui ciceroneado por mère Clarice, um pitéu de freirinha, que abandonou o hábito poucos meses depois. Não digo que tenha sido por causa do fotógrafo de 18 aninhos, mas o certo é que caiu fora. Ainda outro dia, no Rio, a mulher de famoso joalheiro me falava da apostasia de Clarice, bem como de minha ex-namorada, que morou em França e retornou ao Rio solteirona e comuna. Pausa para falar do orgulho que acabo de ter, currente calamo, quando me lembrei do substantivo apostasia: quebra de votos, abandono da vida religiosa ou sacerdotal, sem autorização superior.

Volto aos palitos. Ali por volta de 1968, Elizabeth Alexandra Mary, então na flor dos seus 42 aninhos, visitou o Brasil. Presume-se que sua educação tenha sido tão boa quanto as melhores do mundo a partir de 21 de abril de 1926, data do seu nascimento. Pois muito bem: num dos banquetes que lhe foram oferecidos, a rainha Elizabeth II bagunçou o coreto do Sion e do Sacré Coeur, palitando os dentes à mesa. Foi um tableau, como se dizia naquele tempo.

Futebol


Ainda bem que deixei de ser cronista-Fifa, quando era forçado a escrever sobre o esporte bretão. Sempre tive horror ao senhor Carlos Caetano Bledorn Verri, conhecido como Dunga. Se ainda fosse cronista-Fifa, seria forçado a constatar que o senhor Dunga evoluiu de cômico para acômico. Em 2010, metido nas roupas desenhadas por sua filha, era cômico; hoje, vestido feito gente, ficou acômico pela originalidade de sua acomia, falta ou queda de cabelos, calvície. Nela, o cirurgião plástico de Pernambuco dá jeito, mas é impossível mudar o que existe por dentro da cabeça do referido cidadão.

Fosse cronista-Fifa, seria obrigado a analisar o time do Cruzeiro em 2014. Não digo que tenha assistido a todas as partidas do time, que nossa imprensa diz ser maravilhoso, mas vi uma porção dos jogos cruzeirenses neste Brasileirão. Por mais que me esforce, não consigo ver o esquadrão de ouro que a imprensa vê. O técnico é cavalheiro simpático e educado, o goalkeeper Fábio continua sendo um dos melhores do Brasil, há três ou quatro jogadores entre os melhores deste Brasileirão – e é só. Se o time está vários pontos à frente do segundo colocado e vai ser campeão, a explicação é simples: é o menos ruim dos 20 que disputam a Série A.

O mundo é uma bola


20 de setembro de 331 a.C., Alexandre, o Grande, atravessa o Rio Tigre para combater o Império Aquemênida iraniano, fundado no século VI a.C. por Ciro, o Grande, que derrubou a Confederação Médica. Antes que alguém possa pensar, como pensei, que a Confederação Médica fosse invenção do ex-ministro Padilha para entupir o Brasil de médicos cubanos, é bom explicar que os medos foram uma das tribos arianas que migraram da Ásia Central para o planalto iraniano e no final do século VII a.C. fundaram um reino centrado na cidade de Ecbátana.

Por volta do ano 500 a.C. o império fundado por Ciro dominava boa parte do mundo antigo. Mas Alexandre era valente e teve como preceptor ninguém menos que Aristóteles, filósofo de nomeada. Dizem que Alexandre dormia com os jovens soldados que comandava, mas cabe a pergunta: combatendo o Império Aquemênida, dormiria com Lauren Bacall ou Elizabeth Taylor?

Em 1276, foi eleito João XXI, até hoje o único papa português. Em 1898, Santos Dumont realiza o primeiro voo de balão com propulsão própria.

Ruminanças


“A luz, buscando a luz, desvia a luz da luz” (Shakespeare, 1564-1616).

Gordurinhas com os dias contados

Cura da obesidade com organoterápicos é alvo de pesquisa conduzida por médica da UFMG. Trabalhos anteriores curaram Parkinson e dores crônicas


Junia Oliveira
Estado de Minas: 20/09/2014



As gordurinhas extras, que, muitas vezes, se tornam sinônimo de problemas físicos e mentais, estão com os dias contados. Pesquisa em fase inicial e conduzida por médica de Belo Horizonte usará a homeopatia para curar a obesidade e pode condenar alopáticos e cirurgias a tratamentos do passado. A técnica envolve remédios feitos a partir da matriz sadia de órgãos de carneiro e porco. Muito usados na França, e pouco no Brasil, os organoterápicos (OT) já surtiram efeito para tratar mal de Parkinson e dores crônicas – trabalho publicado em julho de 2012, na Revista de Homeopatia da Associação Paulista de Homeopatia.

Em contato com o órgão doente, os organoterápicos o regeneram. Eles são feitos a partir de micropedaços de órgãos dos animais, diluídos em solução de água e álcool. Usam o princípio da homeopatia, o de similitude: dar estômago a quem tem problema de estômago, artéria para hipertensão, artéria cerebral para quem tem AVC ou demência e assim por diante. No Brasil, um único laboratório, com sede em São Paulo, é autorizado a produzir esses compostos e a revender as matrizes para as farmácias homeopáticas. Em BH, duas comercializam esse medicamento.

A primeira etapa dos estudos da homeopata Isabel de Oliveira Horta é exploratória e vai envolver 10 pacientes voluntários durante três meses. Eles tomarão medicamento que já foi usado num estudo publicado em 2005, no International Journal of Obesity, por um pesquisador da Inglaterra. Ele mostrou que quem tomou o remédio emagreceu sete vezes mais do que quem não o ingeriu. O nome do medicamento não está sendo divulgado ainda por se tratar de estágios iniciais de pesquisa. Isabel quer confirmar ou negar esses resultados. Se positivos, a pesquisa será estendida para quatro outros grupos, para que sejam feitos os testes conhecidos como estudo randomizado e duplo cego.

Nessa etapa, trabalha-se com placebos e remédios. O médico não sabe o que prescreve, o paciente não sabe qual dos dois está tomando e até mesmo o avaliador, quando verifica a melhora dos voluntários, desconhece o que cada um ingeriu. “Há um código aleatório de computador e, por ordem de chegada, o paciente é relacionado àquele número numa planilha. Apenas a secretária, responsável por esse trabalho, sabe quem tomou o quê. No fim do processo, o código é aberto para médicos e pacientes”, afirma Isabel. Na segunda fase, quem tomou placebo será tratado com o remédio correto.

No duplo cego, será usado o medicamento da pesquisa inglesa, um organoterápico de estômago e outro de cérebro. Cada grupo tomará um deles e um quarto grupo tomará os três compostos. Eles serão acompanhados durante três meses. “Estamos muito próximos de descobrir como a homeopatia funciona no DNA, a partir de trabalhos publicados em revistas científicas e grupos internacionais que investigam essa relação.”

VOLUNTÁRIOS Um dos grandes desafios da pesquisa de Isabel é encontrar voluntários. Os 10 primeiros que a procurarem serão indicados para a etapa exploratória. O restante poderá fazer parte das outras fases. A médica esclarece, no entanto, que vai trabalhar com apenas 10 voluntários por mês, o que não impede o atendimento a pacientes em busca desse tratamento no consultório, fora da pesquisa. Ela ressalta que nem todos os candidatos poderão ser selecionados: “Determinados casos têm causa endócrina, que precisa ser resolvida primeiro, e outros deverão ser diagnosticados. Os testes serão feitos, basicamente, em quem faz dieta séria e exercício físico mas não consegue emagrecer”.

A homeopata trabalhará ainda com outras duas hipóteses: uma delas é da existência de um transtorno neuroendócrino numa espécie de termostato cerebral, localizado no hipotálamo, responsável pelo equilíbrio da temperatura interna, sobre o qual atuará o organoterápico de cérebro. A médica acredita que, devido a um distúrbio eletroquímico, ele entende que o corpo tem uma temperatura mais baixa que os normais 36 graus e, por isso, passa a dar ordens erradas para o centro da fome. Indica, assim, que a pessoa precisa comer mais, presumindo que seu metabolismo está baixo. “Ele faz uma leitura errada por um problema neurotransmissor e manda a pessoa que já está gorda comer, em vez de lhe tirar a fome, que é um mecanismo natural do corpo.”

A outra hipótese envolve o hormônio grelina, responsável por estimular a fome. No tratamento homeopático, o organoterápico de estômago será usado para diminuir a produção dela.

Saiba mais

organoterápicos

Os organoterápicos agem por similitude, teoria segundo a qual “semelhante cura o semelhante”. Ela está diretamente ligada à história da descoberta da homeopatia, por Samuel Hahnemann (1755-1843). Químico e médico, não estava satisfeito com os tratamentos da época e, por isso, começou a traduzir livros árabes. A partir disso, resolveu experimentar em si mesmo o princípio da semelhança descrita por aquele povo. Experimentava e anotava o que o remédio provocava nele. Quando atendia um paciente com um sintoma produzido pelo remédio que ele tomou, dava esse medicamento que o havia intoxicado e obtinha a cura. Diante de um quadro de efeitos fortes entre os pacientes, ele começou a diluir as doses e percebeu que, quanto mais o fazia, mais diminuía as reações e mais atingia a parte emocional e mental da pessoa.

Evoluções são comprovadas

As pesquisas com organoterápicos começaram a ser feitas pela homeopata Isabel de Oliveira Horta em 2009 e levaram à cura de dores crônicas e mal de Parkinson. A primeira foi feita com 265 pacientes que já haviam tentado os mais diversos tipos de tratamento, entre eles, cirurgias e corticoides, com pouco sucesso. As dores estavam associadas, normalmente, a várias outras doenças, como artrite reumática, artrites comuns e fibromialgias. “Nos tratamentos homeopáticos, em geral, 60% dos problemas sem lesões graves nos órgãos melhoram. Mas há 38% a 40% que, apesar da melhora, precisam de tratamento complementar”, diz a homeopata.

Os outros estudos envolveram pacientes com mal de Parkinson em grau leve ou grave, que estavam acamados havia de dois a 10 anos, sem falar, engolir, compreender e vivendo com ajuda de traqueostomia e oxigênio. A médica tem 20 vídeos de pessoas antes, durante e depois do tratamento, mostrando a evolução e a cura. Uma desses pacientes relata três anos de melhora. Os depoimentos estão disponíveis no YouTube e no site da médica (www.clinicaveredas.com). Um trabalho sobre esses casos foi aceito pelo 31º Congresso de Reumatologia, que ocorrerá em outubro, na Associação Médica de Minas Gerais. Eles também foram discutidos na Associação Médica Homeopática de Minas Gerais.

Num dos vídeos, mulher e cuidador do paciente relatam as evoluções de quem agora escova os dentes e come sozinho, faz caminhadas e conversa normalmente, atividades que antes estavam inviabilizadas pela doença. Até mesmo os tremores cessaram nos casos tratados com organoterápicos cerebrais. Isabel Horta prepara um livro com 40 casos de dor crônica e 30 de Parkinson. As pesquisas são feitas pelo Instituto Ética e não têm financiamento – a médica espera conseguir aporte financeiro de parceiros. São aceitas doações para ajudar nos estudos. (JO)