sexta-feira, 19 de setembro de 2014

De onde eu sou? - Carlos Herculano Lopes

De onde eu sou?



Carlos Herculano Lopes
carloslopes.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 19/09/2014



Não é sempre que ocorre, mas, às vezes, aquela moça que aqui vamos chamar de Guete costuma se entregar a alguns devaneios. E enquanto o sonho não chega, fica pensando de onde mesmo ela é, e isso costuma incomodar. Já há alguns anos, desde que chegou a Belo Horizonte, da qual nunca mais saiu, vem se questionando a respeito disso. Ama muito essa cidade, que generosamente abriu as portas para ela: aqui conseguiu se formar em direito, curso pelo qual batalhou muito. Trabalha na área, o que não ocorreu com alguns colegas. Muitos dos seus melhores amigos, com os quais pode contar, foram feitos aqui, onde também vive seu irmão, com quem tem ótimo convívio. Entre eles não existem segredos.

Por que então, como às vezes costuma ocorrer, ela fica se perguntando de onde é, se BH lhe deu tudo que tem? É aí, então, sem que tenha domínio, que Santa Maria de Itabira, onde passou a infância, volta com força à sua memória e ela se vê menina, de pés descalços, andando pelas ruas empoeiradas da cidade. Ou então jogando peteca com as amigas ou atirando pedrinhas no Rio Tanque, em frente do qual costumava passar as tardes, até sua mãe chegar na janela e dizer que estava na hora de tomar banho.

Mas em seguida, naqueles seus devaneios, que costumam entrar noite adentro, Guete já não está mais em Belo Horizonte, nem em Santa Maria de Itabira, mas em Nova Era, para onde ainda na adolescência, se mudou com os pais, que ali compraram uma fazenda. E aquela cidade, que tanto marcou sua vida, surge inteira à sua frente, como se fosse um filme colorido, ao qual não se cansa de assistir. “Acho que é de lá que sou”, Guete pensa, acalma-se um pouco, e logo cai no sono.

Dura pouco essa certeza, pois daí a alguns dias, por ter deixado Santa Maria de Itabira em segundo plano, ela começa a se sentir culpada, muito culpada. Para se redimir, começa a olhar, como já fez mil vezes, o álbum de infância, tomado inteiro pela cidade. “Acho que é de lá que sou; meu umbigo está enterrado ali naquelas terras, e não dá para negar”, se diz Guete, com a maior clareza deste mundo.

Mas também essa convicção, quando ela acha que está tudo resolvido, se esvai de repente, quando Nova Era, outra vez, torna a dominar seus pensamentos. “O que faço, meu Deus?”, pensa a moça, que um dia, ao comentar com o irmão, com quem não tem segredos, ouviu dele o seguinte: “Liga não, querida, a gente pertence ao mundo...”. “Será mesmo?”, se questiona Guete, que, Santa Maria e Nova Era à parte, tem a convicção de que Belo Horizonte, para todo o sempre, também está em seu coração. 

O efeito Angelina Jolie

Busca por aconselhamento e testes para câncer de mama dobraram no Reino Unido depois de a atriz anunciar dupla mastectomia. No Brasil, acesso aos exames é restrito devido ao alto custo


Vilhena Soares
Estado de Minas: 19/09/2014


Angelina Jolie: para autores de estudo, a declaração da atriz teve efeito positivo para a saúde pública (Luke MacGregor/Reuters)
Angelina Jolie: para autores de estudo, a declaração da atriz teve efeito positivo para a saúde pública
Em maio do ano passado, a atriz norte-americana Angelina Jolie anunciou a realização de uma dupla mastectomia, cirurgia de retirada dos seios. A decisão pelo procedimento foi tomada após a descoberta de que a artista tem uma mutação no gene BRCA1, o que, segundo médicos, trazia 87% de chances de ela desenvolver câncer de mama. A escolha de Jolie mereceu grande espaço na mídia e gerou diversos debates sobre a melhor forma de agir nesses casos. Agora, de acordo com um levantamento feito no Reino Unido, descobre-se que o episódio teve outro grande efeito: dobrar o número de mulheres que buscam esse tipo de aconselhamento e teste genético.

Publicada na revista Breast Cancer Research, a pesquisa considerou dados de 21 centros de saúde do Reino Unido – 12 clínicas especializadas em histórico médico da família e nove centros genéticos regionais. A análise mostrou que o crescimento de 100% na busca pelo serviço foi observado já nos meses seguintes ao anúncio (junho e julho de 2013). E a procura foi principalmente por mulheres que tinham histórico da doença na família, assim como a atriz.

“Sentimos que houve uma explosão de interesse. Havia a suspeita inicial de que o aumento poderia ter sido uma preocupação geral, mas nossa pesquisa constatou uma maior proporção de mulheres que estavam atrasadas para o teste, e não de pacientes que estavam chegando ou voltando mais cedo que o necessário ao consultório”, disse ao Estado de Minas Gareth Evans, pesquisador e professor do Centro de Prevenção Genesis Breast Cancer e um dos autores do estudo. O levantamento mostra ainda que o efeito Angelina Jolie também foi duradouro, já que o número maior de pedidos de exames se manteve entre agosto e outubro, também duas vezes maior que os feitos nos mesmo meses de 2012.

A mutação BRCA1 é herdada dos pais e está relacionada a aproximadamente 10% dos casos de câncer de mama. Mulheres que possuem essa mutação no gene têm entre 45% e 90% de chances de desenvolver a enfermidade em algum momento da vida. Após a divulgação do procedimento da celebridade americana, o sistema de saúde do Reino Unido anunciou uma orientação clínica para que as mulheres com casos do mal na família procurassem os centros especializados.

Para Evans, o fato de a atriz ser uma mulher muito admirada contribuiu para que mais mulheres fossem mobilizadas. “A declaração de Angelina Jolie teve um impacto maior do que anúncios de outras celebridades, possivelmente devido à sua imagem como uma mulher glamorosa e forte. Isso fez com que diminuíssem os temores das pacientes sobre a perda da identidade sexual pós-cirurgia preventiva e encorajou outras pessoas. No geral, a repercussão do caso gerou referências mais apropriadas e desmistificou os testes genéticos e a mastectomia para muitos”, destaca o autor.

Preço O oncologista Andersom Silvestrini, do Hospital Santa Luzia, faz uma avaliação semelhante. “Uma pessoa pública, ao passar por uma situação dessas, estimula as pessoas a pensarem que isso também pode acontecer com elas, o que as estimula a investigar se também possuem esse risco e qual é a melhor forma de prevenir a doença.”

Silvestrini, porém, não acha que um aumento semelhante tenha ocorrido no Brasil porque, aqui, esses testes são caros. “A maioria deles não está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde) nem nos convênios. Outro problema é que esses exames no Brasil só podem ser feitos por geneticistas, especialidade com poucos profissionais no país. O ideal seria que os oncologistas também pudessem fazer esse exame”, opina.

Segundo Maira Caleffi, mastologista e presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), o que se observa no Brasil é uma busca cada vez maior pela detecção precoce da doença. A médica, entretanto, diz que é preciso tomar cuidado com o grande alarde. “É algo que temos notado até mesmo um pouco antes do caso de Angelina Jolie. As mulheres buscam um diagnóstico precoce na tentativa de passar pelo problema sem sofrer uma mutilação. Mas é preciso ter cuidado, para que não leve a um exagero e acabe aumentando os custos com relação à atenção à saúde do câncer de mama”, destaca a especialista.

Ela lembra que o custo desses exames varia entre R$ 6 mil e R$ 10 mil em clínicas particulares. “E não podemos deixar de destacar o aconselhamento genético, consulta na qual é possível calcular inicialmente os riscos de se ter a doença para que, a partir desse ponto, a pessoa decida se quer fazer o teste.”

O trabalho dos pesquisadores do Reino Unido terá continuidade com a análise da procura pelos exames após outubro do ano passado. “Vamos avaliar o impacto em 12 meses e quantos pacientes passaram também pelas cirurgias”, adianta Gareth Evans. O pesquisador diz ainda que, apesar de considerar o aumento na procura por aconselhamento positiva, deve ser feito um amplo trabalho de conscientização sobre o câncer de mama, que inclui a orientação sobre as alternativas à retirada preventiva dos seios. “É claro que, em alguns casos, isso pode significar uma mastectomia redutora de risco. No entanto, o tratamento pelo uso do medicamento tamoxifeno e algumas mudanças de estilo de vida, como uma dieta saudável e mais exercícios, também são opções que muitas mulheres devem considerar”, afirma.

casos indicados

O teste genético é feito somente com solicitação médica após uma entrevista detalhada sobre o histórico do paciente – é o aconselhamento genético. O exame é feito a partir de uma coleta de sangue, que permite a construção do heredograma (árvore genealógica) do paciente e mostra de três a quatro gerações do histórico genético da doença na família.  

Receita de polêmica

Procurador da República propõe ação para derrubar exigência de prescrição na compra de antibióticos, alegando falta de médicos. Conselhos de Medicina e Farmácia atacam iniciativa


Landercy Hemerson e Gustavo Werneck
Estado de Minas: 19/09/2014





Uma ação civil pública que pede o fim da exigência de prescrição médica para compra de antibióticos promete esquentar a discussão em torno da falta de acesso ao atendimento de saúde e do uso indiscriminado desse tipo de medicamento no setor agropecuário. Pelo menos é o que espera o procurador da República Cléber Eustáquio Neves. Em ação proposta na subseção da Justiça Federal de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, ele questiona o controle estabelecido pela a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para essa classe de produtos. Representantes dos conselhos regionais de Medicina e Farmácia de Minas Gerais são contrários à livre venda de antimicrobianos e alertam para os riscos da automedicação. A Anvisa defende que a restrição seja mantida, inclusive como forma de evitar o desenvolvimento de bactérias resistentes, conhecidas como superbactérias.

O procurador Cléber Neves destaca que o fim da exigência de prescrição médica seria restrito a antibióticos há mais de cinco anos no mercado. Segundo ele, não há nenhuma comprovação de que produtos que há anos são vendidos em farmácias deem origem a microorganismos resistentes. “Estudos demonstram que bactérias multirresistentes não decorrem de antimicrobianos de uso comum, no mercado há mais de cinco anos. Na verdade, são restritas a ambientes hospitalares e ao mau uso nesses locais”, argumenta, acrescentando que “não se pode pressupor que todo antibiótico é indutor de resistência bacteriana”.

O procurador afirma que a ação foi motivada pela carência de médicos, principalmente na rede pública. “O ideal é não se automedicar, e sim ter o atendimento especializado. Mas, enquanto não houver médicos na rede pública que atendam pacientes no tempo razoável, é injustificável exigir uma prescrição para ter acesso ao medicamento”, afirmou. Na ação, o representante do Ministério Público Federal alega que a demora no início do tratamento à base de antibióticos pode gerar infecções mais severas, transformando um tratamento que poderia ser resolvido na atenção básica em um caso de média complexidade, o que acaba onerando também o Sistema Único de Saúde (SUS). A ação contesta ainda o prazo de 10 dias para a validade das receitas de antibióticos.
Além do difícil acesso ao atendimento médico, um dos principais motivos da ação, o procurador critica o descontrole de antimicrobianos no setor agropecuário. De acordo com ele, se houvesse preocupação séria por parte da Anvisa e da União, já teriam sido adotadas medidas para coibir o uso indiscriminado dessa classe de produtos no setor. “Em todo o território nacional as pessoas estão ingerindo, sem saber, diuturnamente, leite e seus derivados com antibióticos, aí sim criando resistência, pelo uso contínuo e prolongado ao longo de toda a vida.”

Cléber Eustáquio Neves diz que investigações do MPF constataram a presença de enrofloxacino e penicilina no leite comercializado por grandes redes de supermercado de Uberlândia, e que, nas compras de antibiótico em lojas agrícolas, não há exigência de prescrição de veterinários para produtos de uso animal. “A falta de regulamentação é tão grande, que um médico veterinário pode receitar antibióticos para uso em humanos, sendo seu receituário aceito em qualquer farmácia e drogaria”, critica. Na mesma ação, o representante do MPF pede à Justiça Federal que impeça a prescrição de antibióticos por veterinários para uso em humanos.

Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que desde 16 de abril de 2013 passou a exigir que farmácias e drogarias informem, eletronicamente, cada venda de antibiótico. Assim, esses medicamentos só podem ser vendidos com retenção de receita. A iniciativa integra um elenco de medidas adotadas por meio das resoluções RDC 44/2010 e RDC 20/2011, como forma de responder à resistência desenvolvida por micro-organismos a esses medicamentos. A Anvisa acrescentou que, antes da regulamentação, quando não era exigida receita, havia vários diagnósticos de infecção por bactérias resistentes no país.

AUTOMEDICAÇÃO O presidente em exercício do Conselho Regional de Medicina (CRM-MG), Fábio Augusto de Castro Guerra, criticou a possível liberação da venda de antibiótico sem prescrição e alertou que todo medicamento tem uma indicação específica para cada paciente. “No ato médico é feito o diagnóstico, que gera a prescrição de medicamento adequado para o caso”, pontuou Guerra.

A opinião é compartilhada pelo vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia (CRF-MG), Claudiney Luís Ferreira. “A venda de antimicrobianos sem apresentação e retenção do receituário leva ao uso indiscriminado, que traz malefícios maiores. A ação civil é um retrocesso. Demonstra uma interferência no aspecto sanitário brasileiro, tal como ocorreu recentemente com a liberação de inibidores de apetite.” Claudiney afirma ainda que a falta de controle obrigatório da venda de antibióticos pode introduzir no mercado medicamentos falsos ou extraviados, já que o comércio será indiscriminado.

NO BALCÃO Consumidores também veem com preocupação a possibilidade de venda de antibióticos sem prescrição. A advogada Hanna Luan Vieira Rocha, moradora do Bairro Álvaro Camargos, na Região Noroeste de Belo Horizonte, é rigorosa na hora de adquirir medicamentos para o filho Miguel, de 5 anos. “Se ele tem algum problema, levo ao médico e só depois vou à farmácia com a receita”, afirma ela, que é totalmente contra o fim da prescrição para antibióticos. “Iniciativa assim vai permitir a automedicação, e devemos pensar sempre nos efeitos colaterais”, afirma Hanna. A empresária Paula Cristina Reis Baeta, moradora do Bairro Santa Efigênia, fica em dúvida quanto a um aspecto: “Na hora do aperto, principalmente de madrugada, a situação fica difícil”, diz, olhando para a filha Fernanda, de 7 anos. “Mas é melhor ir ao médico, para dar tudo certo.”


O diagnóstico de cada um

Pró-liberação


» A falta de médicos dificulta o acesso a receitas e pode agravar doenças

» A demora no início do tratamento pode fazer com que um caso simples evolua para um de média complexidade, o que onera o Sistema Único de Saúde

» A liberação daria acesso mais rápido a medicamentos que já estão há anos no mercado e não representam riscos

» Atualmente já há venda de antibióticos sem controle, com prescrição de veterinários amparando o uso humano

» O uso de antimicrobianos pelo agronegócio acaba levando ao consumo indireto dessas substâncias por seres humanos

Contra a liberação

» O consumo indiscriminado de medicamentos pode levar ao desenvolvimento de organismos resistentes, conhecidos como superbactérias

» A liberação facilita a automedicação, com risco de interação medicamentosa e outros efeitos colaterais

» A prescrição de medicamentos deve ser feita a partir de diagnóstico específico para cada caso

» A falta de retenção de receita pode levar à venda descontrolada de produtos falsificados ou de procedência duvidosa

» A liberação por via judicial representa interferência na legislação sanitária, que deve ser baseada em critérios técnicos