quinta-feira, 18 de setembro de 2014

He is the man

Ele é o cara: Leonard Cohen chega aos 80 anos e dá um presente ao mundo, o CD Popular problems


Mariana Peixoto
Estado de Minas: 18/09/2014



 (Arte de Janey Costa sobre foto de Luke MacGregor/REUTERS )



Kelley Lynch. Essa é a mulher que os milhares de fãs do cantor, compositor e poeta canadense Leonard Cohen devem sempre levar em conta. Cohen desceu ao inferno graças a ela. E, analisando de uma maneira torta, subiu ao céu também graças a ela. Dez anos atrás, o autor de Suzanne, I’m your man e Hallelujah vivia tranquilamente em exílio voluntário num mosteiro budista da Califórnia quando descobriu que estava quase sem dinheiro. Lynch, sua empresária por 17 anos, praticamente limpou as contas no banco – algo em torno de US$ 5 milhões. Entrando na casa dos 70, Cohen teve que voltar à labuta. Na última década, protagonizou três extensas turnês mundiais – shows que, infelizmente, não passaram perto da América do Sul. Ele lançou também três álbuns de estúdio, um duplo ao vivo e outro duplo, este com poemas musicados por Philip Glass.

 Leonard Cohen completa 80 anos no domingo. Na terça-feira, lança Popular problems, seu sexto álbum neste século – e 13º trabalho de estúdio desde a estreia com Songs of Leonard Cohen (1967). Disponível desde o início da semana para audição via streaming (direcionada a partir do próprio site do cantor, www.leonardcohen.com) e já com links para downloads piratas, reúne nove canções em parceria com Patrick Leonard, que colaborou em seu trabalho anterior, Old ideas (2012). No início do mês, Cohen declarou: “Tinha a função do veto. A maioria das ideias musicais são do Patrick (produtor e compositor com nome associado a Madonna, Roger Waters e Elton John), com algumas modificações. Onde há metais ou violinos isso foi decidido mutuamente.”

Blues, folk e baladas estão no cerne da obra musical de Cohen. A voz, aliada às letras/poemas em que nunca há palavras gratuitas, foi se modificando ao longo das décadas. Hoje mais grave e profunda do que nunca, por vezes cavernosa, tem ainda mais personalidade do que 20, 30 anos atrás. Ouvintes descuidados teimam em achar Cohen monocórdio. Bobagem. A sonoridade diversa, que dialoga com a interpretação de Cohen, garante a Popular problems lugar de destaque na discografia dele.

Ainda que o material seja inédito, uma parte dele foi sendo trabalhada ao longo dos anos. A mais antiga das canções – e única sem as mãos de Patrick Leonard – é Born in chains. Já apresentada num show em 2010, a composição, de forte acento gospel e questionamento religioso, fazia parte dos guardados de Cohen há quatro décadas. “Reescrevi-a muitas vezes para acomodá-la nas mudanças da minha posição teológica”, afirmou o judeu, que se tornou monge budista, estudou o catolicismo e o hinduísmo e até flertou com a cientologia.

A street traz ecos do 11 de setembro –“A festa acabou/ mas coloquei meus pés no chão/ Vou estar parado na esquina/ Onde costumava haver uma rua”, diz o refrão; Samson in New Orleans remete aos sentimentos de tristeza e perda que assolaram a Louisiana depois da passagem do furacão Katrina; Almost like the blues, o primeiro single, fala de guerra, incêndio, estupro, assassinato e pequenas mortes que assolam o mundo; Nevermind, que remete a um “mundo perdido”, tem levada funkeada e vai ganhando diferentes nuances graças ao canto árabe e à percussão que marcam a parte final.

Nem tudo é desesperança no universo de Leonard Cohen. O blues Slow, primeira faixa do disco, fala de levar a vida de forma mais lenta, “e não porque estou velho”, canta ele com autoironia. Já o encerramento de Popular problems traz a ideia de superação. Na delicada You got me singing, acompanhado de cordas e a bordo de uma suave melodia folk, Cohen entoa: “Você me fez pensar que eu gostaria de seguir em frente”. Apesar de tudo, ele chegou lá. Sorte a nossa.

O fã finlandês

Você se acha um grande fã de Leonard Cohen? Pois primeiro peça licença ao contador finlandês Jarkko Arjatsalo, que se dedica, há quase 20 anos, ao impressionante projeto The Leonard Cohen Files (www.leonardcohenfiles.com). Lançado em 3 de setembro de 1995, o tributo autorizado documenta absolutamente tudo o que diz respeito ao cantor, compositor e poeta de Montreal. Antes mesmo do anúncio oficial do lançamento de Popular problems, Arjatsalo se antecipou. Em agosto, em Dublin, durante o Leonard Cohen Event, convenção bienal que reúne fãs do compositor, ele anunciou o novo disco.

Cohen já explicitou publicamente seu respeito pelo projeto de Arjatsalo. “Por meio dos esforços dele, meu trabalho foi mantido vivo por todos esses anos. Sou profundamente grato a ele”, disse durante show em Helsinque, em 2012. Com design da Era da Pedra Lascada, o site, no entanto, compensa pela quantidade de informações. Estão lá todos os shows a partir de 2008, com link para resenhas de fãs ao redor do globo. Entrevistas, documentos, textos, poesia, vídeos, raridades e fotos, tudo reunido com a colaboração de admiradores – o número de visitantes do site bate os 5 milhões.


Intérpretes brasileiros

 “Aprendi quase tudo o que tento entender de composição escutando Leonard Cohen. Ele tem uma capacidade maravilhosa de transitar entre a poesia da vida comum e os questionamentos sobre a existência, do mais simples ao mais profundo, falar de um amor de ontem e se perguntar ao mesmo tempo por que, afinal, existe amor entre nós se o mundo é tão difícil como é. Só o Cohen é capaz de nos fazer lembrar de uma manhã no Chelsea Hotel, ao lado de Janis Joplin, como se um dia tivéssemos também vivido isso. Ou de dizer aquilo que todos sabemos mas fingimos não saber: o barco está afundando, e é assim que é.”

. Thiago Pethit, cantor e compositor


 “Ele é um ícone, um sobrevivente, um rei das canções profundas, que falam dos homens e de suas vidas com poesia, ironia e sentimento profundo de amor por nós, os humanos. É um extraordinário compositor de canções confessionais, poderosas, peculiares, totalmente pop na definição mais perfeita desta palavra. E um cantor absurdo, com sua voz que vem de um lugar que não conseguimos imaginar, tão funda, tão bela, tão forte e ao mesmo tempo vulnerável e doce. Leonard Cohen chega aos incríveis 80 anos fazendo seu melhor, vivendo sua glória, para a nossa glória, que bebemos e comemos suas canções e suas palavras.”

. Cida Moreira, cantora

Eduardo Almeida Reis - Podridão

Nos elevadores brasileiros gostam do verbo premer em lugar do apertar o botão. Existe despremer? Deve existir


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 18/09/2014


Jornalista badalado, escrevendo em jornal de circulação nacional, louvou a inauguração do Templo de Salomão no Bairro do Brás, cidade de São Paulo, pelo fato de ter sido construído com recursos da IURD, Igreja Universal do Reino de Deus, inventada pelo senhor Edir Macedo Bezerra, nascido no dia 18 de fevereiro de 1945 em Rio das Flores (RJ). Cavalheiro que, entre outras virtudes, tem a de ser cunhado do senhor Romildo Ribeiro Soares, inventor da Igreja Internacional da Graça de Deus, nascido no dia 6 de dezembro de 1947 em Muniz Freire (ES). 

A exemplo de Deus, Romildo tem o dom da ubiquidade, faculdade divina de estar concomitantemente presente em toda parte. Duvido que o caro, preclaro e assustado leitor do Estado de Minas consiga zapear os canais do seu televisor sem encontrar Romildo pregando, dia e noite, em pelo menos um canal. É pastor respeitadíssimo porque acena com o desencapetamento total, além de sugerir que o seu rebanho desencapetado deixe os dízimos em cobrança bancária. Sim, porque o capeta tem capetices, tais como fazer que o crente se esqueça de levar ao templo o dízimo de sua obrigação religiosa.

Ao escrever sobre o Templo de Salomão, o jornalista louvou o fato de o seu custo, estimado em R$ 685 milhões, ter sido bancado pela IURD sem aportes públicos da união, do estado e do município. Considerando que a IURD ainda não emite dinheiro, a obra teria sido custeada pelos dízimos.

Philosophemos. Consta que o Templo de Salomão abriga o apartamento em que reside, com sua família, o rio-florense Edir Macedo Bezerra. Deve ser residência melhor que a minha e a sua, preclaro leitor. Aliás, um milhão de vezes melhor, ou dois milhões, a julgar pelo apê do rio-florense no imenso templo que construiu em Belo Horizonte, com direito a heliponto ainda não homologado pela Anac.

Se o leitor quiser morar muitíssimo bem, desejo universal mesmo que não seja do reino de Deus, deve gastar uma fortuna para comprar um imenso apê, como também precisa empregar de carteira assinada um monte de brasileiros e brasileiras, recorrendo ao seu bolsinho para quitar as contas de luz, gás, telefone, segurança, condomínio & companhia ilimitada.

Num apê do Templo de Salomão, as despesas correm por conta da IURD, isenta de impostos. Portanto, ainda que indiretamente correm por conta da União, que a isentou dos impostos. Correndo por conta da Viúva, correm também e muito por sua conta, caro e preclaro leitor, que paga os impostos municipais, estaduais e federais. Shakespeare disse que havia algo de podre no Reino da Dinamarca, podridão que continua existindo noutros reinos de Deus.

Ave mute!

Dilma mute. Lula mute. Cracolândia mute. Edir mute. Lixão mute. Dunga mute. Marina mute. Renan mute. Advogado de bandido mute. Crimes mute. Que seria de mim se não existisse o botão “mute”? 

Tiro o som de tudo que me aborrece, como a voz daquele senador pernambucano líder do governo, as opiniões de pessoas entrevistadas nas ruas, declarações de jogadores de futebol sempre no sentido de que é preciso levantar a cabeça e continuar o trabalho, queixas de hospital do SUS, trabalho em condições análogas à escravidão – hei de atingir a perfeição de ligar o televisor sem desligar o botão mute. Nos elevadores brasileiros gostam do verbo premer em lugar do apertar o botão. Existe despremer? Deve existir.

Mesmo recorrendo ao mute acabo tomando conhecimento de certos fatos, como, por exemplo, a morte de dois jovens pichadores que invadiram um apartamento em São Paulo no exercício de sua profissão. Pois é, pichador virou profissão. De carteira assinada? Provavelmente. Com direito a férias, horas extras, décimo terceiro, tudo bonitinho. Num país que tem um regime hidrológico muito sensível à água, como atestou uma gorda brasileira votada por vocês, pichador merece constar das profissões listadas pela CLT, que já relaciona os profissionais do sexo.

Se me fosse dado palpitar, exportaria todos os pichadores para Cingapura, com a opção de pichar as árvores que margeiam o Rio Ebola, afluente do Rio Mongala, que deságua no Rio Congo da República Democrática do Congo, por vezes designada RDC, RD Congo, Congo-Kinshasa, Congo-Quinxasa ou Congo-Quinxassa para diferençá-la da vizinha República do Congo. A RDC, capital Kinshasa, presidente Joseph Kabila, moeda franco congolês, em 2012 tinha 65 milhões de habitantes. Há espaço de sobra para milhares de pichadores.

O mundo é uma bola
18 de setembro de 1793: George Washington assenta a pedra fundamental do Capitólio. Em 1818, independência do Chile. Em 1851, fundação do New York Times. Em 1865, na Guerra do Paraguai, rendição paraguaia. Em 1946, sancionada uma nova Constituição brasileira. Se o leitor está lembrado da coluna de ontem, já não se assusta com o país que inventa Constituições de seis em seis meses, o que nos lembra a frase atribuída a Getúlio Vargas: “A Constituição é como as virgens. Foi feita para ser violada”.
Em 1947, fundação da CIA, Central Intelligence Agency, pensada para espionar o governo brasileiro.

Ruminanças
“Que admirável país se poderia fazer com as migalhas que o país joga fora” (Guilherme Figueiredo, 1915-1997).