sábado, 10 de maio de 2014

Democracia de espectadores - João Paulo‏

Democracia de espectadores

João Paulo
Estado de Minas: 10/05/2014


Quando Noam Chomsky fala, é bom prestar atenção (Jorge Dan/AFP)
Quando Noam Chomsky fala, é bom prestar atenção

O pensador norte-americano Noam Chomsky alcança o mérito incomum de ser respeitado pela esquerda e pela direita, falando mal dos dois lados. Ele não tem compromisso com a ideologia, mas com a razão. Maior crítico da política externa norte-americana desde a época do Vietnã, foi o mais corajoso opositor de Bush em sua “guerra ao terror”. Costuma dizer que os liberais e os comunistas se igualam. Há uma aristocracia da direita e um centralismo da esquerda que desprezam o povo. “Eles” sabem o que é bom para todos

Além de pensador político, Chomsky é considerado o maior linguista de nosso tempo, tendo criado a gramática gerativa, a mais ambiciosa teoria sobre a aquisição e funcionamento da linguagem. O filósofo e ativista político é professor no Massachussetts Institute of Technology (MIT) e autor de mais de 30 livros nas áreas de filosofia da linguagem, linguística, ciência política, comunicação e relações internacionais. Intelectual público, quando ele resolve falar, é bom ficar atento.

É o caso do livrinho Mídia – Propaganda política e manipulação, que está sendo lançado no Brasil pela Editora Martins Fontes. Chega num momento simbólico: ano de eleições, crise nos meios de comunicação (que tem feito o mercado se movimentar em busca de nova inserção econômica e política), expectativa de mobilização social contra a Copa do Mundo e falta de serviços de qualidade. Escrito para a realidade americana, o livro é uma contribuição para nosso momento histórico.

A reflexão de Chomsky se arma sobre um antigo problema: qual o papel da mídia numa democracia? A resposta automática é que, garantida a liberdade de informação, a comunicação é um insumo indispensável para que as pessoas levem vidas autônomas, tomando decisões a partir de fatos. No entanto, é preciso voltar um degrau: afinal, de que democracia estamos falando? Chomsky descreve então, com singeleza, nosso cenário democrático como um regime em que poucos mandam em muitos. Os poucos se julgam melhores e acreditam que sabem o que é melhor para o povo.

Para o pensador, o que se estabeleceu nas chamadas democracias liberais foi um arranjo de classe, uma democracia de espectadores. O povo, na verdade, nada mais é que um “rebanho desorientado” (a expressão é de Walter Lippmann), carente da palavra ordenadora dos bons. O povo não existe para agir, mas para seguir ordens. E é aí, na garantia da obediência à palavra de poucos (sempre interessados em manter o poder), que a mídia faz seu trabalho antidemocrático.

Para Chomsky, a “classe especializada” – que Marilena Chauí chamaria de detentores do discurso competente – emite um imperativo moral: a população é simplesmente estúpida e precisa ser guiada. A propaganda (e em parte o jornalismo), é garantidora da moral de rebanho. Para isso, além de princípios gerais, mandam sinais que confundem e distraem. Um exemplo próximo são as manifestações de rua. Todos defendem uma democracia viva e vibrante, mas desde que não atrapalhe o trânsito na hora do rush. Como afirma Chomsky, “certifiquem-se que permaneçam, quando muito, espectadores da ação, dando de vez em quando seu aval a um ou outro dos verdadeiros líderes entre os quais podem escolher”.

Essa democracia de procedimentos formais, da qual a eleição é um fiador mais teatral que verdadeiro – não se fala em distribuir poder ao povo, mas de mudar quem exerce o poder em seu nome –, se encontra em plena vigência em nosso momento eleitoral. Nada mais próximo à lógica da propaganda que buscar bandeiras universais, como combate à corrupção, à incompetência e à falta de produtividade. No entanto, os projetos em jogo não se resumem aos nomes que estão na ponta do processo. Debater política não é escolher pessoas para mandar nas outras. Vem daí, por exemplo, o vício de fazer da vida privada uma assunto público em época de campanhas.

O que está em jogo são projetos de sociedade. Quem reclama das garantias trabalhistas ou dos reajustes do salário mínimo acima da inflação não está defendendo a racionalidade econômica, mas a exploração do trabalho. É preciso que isso fique cada vez mais claro. A mídia, se quiser recuperar seu papel na democracia, tem que fazer esse debate fluir, e não ficar a reboque dos jogos de interesse.

Chomsky manda dois alertas, ambos incisivos: o primeiro é que o povo não quer mais ser rebanho. Quem pensa em construir consensos a partir daí vai se dar mal. Pode ficar com a pior das consequências para a indústria da informação: a irrelevância. O segundo aviso afeta a própria concepção de democracia que nos envolve. Ninguém está disposto a abrir mão do poder para o outro. A democracia direta, participativa ou que nome se queira dar, é o horizonte de sobrevivência da política. Isso aponta para a mudança de gestão e para novos modelos de ingerência nos rumos da sociedade. O pau vai quebrar. É o melhor que temos para hoje.

Orelha

Estado de Minas: 10/05/2014 
                 

Machado para todos

Anote o endereço: machado.mec.gov.br. Essa é a chave para ter acesso às obras completas de Machado de Assis (1839-1908), disponíveis para download gratuito por meio do portal Domínio Público (Biblioteca Digital do MEC) em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Informática, Literatura e Linguística (Nupill), da Universidade Federal de Santa Catarina. Em formato pdf ou html, é possível ter acesso a todos os romances, livros de contos, coletâneas de crônicas, peças de teatro, críticas literárias e até traduções de Machado de Assis para obras de Alexandre Dumas Filho, Victor Hugo e Charles Dickens. É possível ainda, pelo site, ter acesso a teses e dissertações sobre Machado de Assis, muitas delas inéditas em livro, e a um vídeo sobre a vida e obra do autor de Dom Casmurro.


Nas telas

 (Adrian Dennis/AFP)


O romance policial Boneco de neve, do norueguês Jo Nesbo (foto), lançado no Brasil pela Record, vai chegar às telas com direção do sueco Tomas Alfredson, o mesmo de Deixa ela entrar (baseado no livro de John Ajvide Lindqvist) e de O espião que sabia demais (da obra de John Le Carré). Na trama do thriller, uma série de desaparecimentos e assassinatos investigada pelo detetive Harry Hole.  A produção é de Martin Scorsese.

Pelé e Máicon

Nas livrarias esta semana o novo livro de Ruy Castro, Os garotos do Brasil – Um passeio pela alma dos craques, da Editora Foz. O jornalista, romancista e biógrafo de Garrincha reúne perfis de jogadores que fizeram a história do futebol brasileiro. O interesse do autor é flagrar o lado humano dos atletas, seus sonhos e motivações, medos e paixões. Entre os “garotos” estão Zico, Pelé, Sócrates, Zizinho, Bellini, Heleno e uma fila de Máicons.

João do Rio

O filme Muitos homens num só, da carioca Mini Kerti, que abiscoitou 10 dos 12 prêmios do Cine PE na semana passada, é baseado em personagens de diferentes livros de João do Rio, pseudônimo do jornalista Paulo Barreto (1881-1921). Em especial no romance Memórias de um rato de hotel, de 1912, que retrata um personagem real do começo do século 20, o ladrão e dândi Artur Antunes Maciel, que se hospedava em hotéis de luxo para praticar roubos.

McCartney

 (Glyn Kirk/AFP  )


A Editora Leya está anunciando para o fim do mês a biografia Man on the run: Paul McCartney (foto) nos anos 1970, de Tom Doyle. O livro explora um dos períodos menos conhecidos e conturbados da vida do ex-Beatle. O trabalho é resultado de uma série de entrevistas e confronta as declarações de McCartney feitas na época com suas impressões atuais sobre aquele período, reconstruindo a história e retratando sua luta para se reafirmar como artista e sair da sombra do seu passado.

Psicanálise

Desde que surgiu no cenário do pensamento ocidental, a psicanálise se mostrou um instrumento importante na crítica estética em geral e na literária em particular. O volume Interpretações: crítica literária e psicanálise, organizado por Cleusa Rios Passos e Yudith Rosenbaum, reúne ensaios que tratam dessa intensa relação. Na primeira parte, Alfredo Bosi, Adélia Bezerra de Meneses e Joel Birman analisam, do ponto de vista teórico, o ato interpretativo. Na segunda seção estão agrupados artigos que se inspiram nos dois campos do saber, e que tratam de obras de Borges, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Chico Buarque e Clarice Lispector, entre outros.

Outros Nelsons

 (Acervo EM)


Em 1937, Nelson Rodrigues (foto) publicava no jornal O Globo o primeiro capítulo do romance Cidade. Mas parou por aí. A Editora Nova Fronteira resgatou os originais e decidiu encomendar a quatro autores contemporâneos a continuidade do livro. Convocou o roteirista André Sant’Anna, o poeta Carlito Azevedo, o compositor Aldir Blanc e a doutora em história da arte Veronica Stigger, que aceitaram o desafio. Cada um escreveu um capítulo. O resultado já está nas livrarias.

Mergulho de cabeça - Carlos Herculano Lopes

Mergulho de cabeça

Com seu segundo romance, A menina de véu, Natália Nami se firma como uma das boas promessas da literatura brasileira contemporânea



Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 10/05/2014


A escritora Natália Nami incorpora em seu novo livro aspectos da cultura libanesa de sua família       (George Wright/Divulgação)
A escritora Natália Nami incorpora em seu novo livro aspectos da cultura libanesa de sua família


Depois de uma bem-sucedida estreia como contista em 2008, com O pudim de Albertina (7 Letras), a escritora, tradutora e professora Natália Nami resolveu migrar para o romance. Há três anos publicou O contorno do sol (Rocco). A boa aceitação do livro – nesse meio-tempo ganhou alguns prêmios e participou de antologias – deu-lhe ânimo para prosseguir no gênero e, nos últimos quatro anos, em paralelo a outras atividades, se dedicou a escrever A menina de véu. O livro acaba de sair pela Rocco.

A opção foi acertada, pois Natália Nami, que nasceu e mora em Barra do Piraí, no interior fluminense, conseguiu, de maneira delicada e segura, como se desenrolasse um longo novelo, contar a história de Lígia, uma mulher comum. Filha da classe média, ela nasceu e foi educada para se casar, ter filhos e cuidar da casa. Mas o destino lhe teceu uns nós: acabou ligando-a a um homem – um militar de origem árabe – que definitivamente, como se fosse um prenúncio de coisas ruins, não correspondia às expectativas da sua família. Ela enfrentou a situação e resolveu encarar aquela “briga”, apostou todas as fichas nos sentimentos, mas acabou sendo derrotada.

No dia do casamento, o noivo, sem nenhuma explicação, não aparece, deixando-a no altar, como se não acreditasse no que estava acontecendo. Com um detalhe: ela estava grávida. A partir daí, a vida de Lígia passa a ser marcada por uma série de desencontros, de amores não correspondidos, até que um dia, em um restaurante, ocorre um fato insólito, com o qual ninguém contava. Um homem, que talvez tenha sido o seu ex-noivo, estava lá, acompanhado de uma mulher mais jovem e também grávida. Mas seria mesmo ele?

É nesse desenrolar do novelo que, aos poucos, a autora consegue transformá-lo em tecido ou em um delicado véu, no qual o leitor vai se enredando. Como se também a ele – e por que não? – pertencesse essa história de amor não correspondido, solidão e espera. Juntam-se a tudo isso outros personagens e situações que vão surgindo no decorrer da narrativa, cada qual com sua cor e luz, para fazer de A menina de véu um livro primoroso, com o qual Natália Nami se coloca em posição de destaque na literatura brasileira contemporânea.

E sobre o trabalho de sua geração, Daniela é otimista e generosa. “Há uma variedade incrível de temas, gêneros, caminhos. Temos romancistas de primeira linha fazendo trabalhos interessantíssimos em segmentos múltiplos. A nossa geração está produzindo um cardápio farto, para todas as fomes literárias.” Com seu romance A menina de véu, Daniela mostra que sabe o que está dizendo.



Duas perguntas para...

Natália Nami
escritora


O fato de você vir de uma família de origem libanesa teve alguma influência no romance?

Para a criação dos personagens, acho que a minha grande família libanesa esteve muito presente. Não na personalidade deles, mas nessa cor meio oriental que acho que o livro tem. Meu pai, Elias José Nami, me contava histórias do Líbano antigo e pacífico. Era tudo exótico, muito querido, com um perfume de pimenta árabe no ar. Meu pai sabia fazer os pratos típicos como ninguém, e eu adorava quando a cozinha se impregnava daqueles cheiros, que vinham junto com as histórias. Uma parte de A menina de véu talvez esteja muito ligada a essas origens.

Você começou escrevendo contos e migrou para o romance. Como foi essa experiência?

Considero o romance um universo e o conto, outro. Há semelhanças, obviamente, já que se trata de literatura em ambos, mas é como se no romance a gente desse um mergulho de cabeça e levasse o pé de pato, snorkel etc, e no conto ficasse nadando de crawl, por exemplo. Não é que o conto seja um “nado de superfície”, em absoluto, é até o contrário. Mas é um nado dentro dos limites da raia, enquanto no romance você sabe que terá tempo de conhecer os seus próprios personagens na intimidade, durante muito mais tempo, e acaba respirando mais fundo – ainda que por um tubo.

A menina de véu

De Natália Nami
Editora Rocco, 160 páginas, R$ 24,50

Anfiteatro nas montanhas - Sérgio Rodrigo Reis

Anfiteatro nas montanhas
 
Com o Museu de Congonhas em projeto de implantação na cidade colonial mineira, o conjunto do Santuário do Bom Jesus do Matosinhos ganha nova dimensão cultural que será modelo para o país



Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 10/05/2014

Adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos com o conjunto de profetas esculpidos por Aleijadinho em pedra-sabão: museu a céu aberto (Fotos: Welerson Athaydes/Divulgação)
Adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos com o conjunto de profetas esculpidos por Aleijadinho em pedra-sabão: museu a céu aberto


O botânico e naturalista francês Auguste Saint-Hilaire (1779-1853) chegou ao Brasil em 1816 para acompanhar a missão que tinha como objetivo resolver o conflito entre Portugal e França pela posse da Guiana, mas foi por outros motivos que ele se tornou célebre por aqui. Observador, logo se encantou pelas formas, cores e pujança da natureza do entorno e ainda pelos hábitos culturais locais, resolvendo, pela sua ótica, registrar as lembranças em livros de referência sobre a realidade brasileira do século 19. Esta foi a origem do relato contido no livro Viagem pelo distrito dos diamantes e pelo litoral do Brasil (Coleção Brasiliana), sobre o conjunto barroco de Congonhas, criado por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814).

Saint-Hilaire, ao contrário da maioria que chega ao alto da colina daquela cidade, se deparando com as obras de arte do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, não gostou do que viu. No templo, uma obra votiva dedicada ao Bom Jesus de Matosinhos de Portugal, erguida como pagamento de uma promessa feita pelo português Feliciano Mendes, depois de ter sido curado de grave enfermidade, está a igreja com interior rococó, de inspiração italiana, diante da qual, nas escadarias em frente, foram instaladas estátuas em pedra-sabão de 12 profetas. Um pouco mais adiante construíram-se as capelas ilustrando as estações da Paixão de Cristo, onde há um conjunto de esculturas em tamanho natural, policromáticas, feitas de cedro e de forte expressividade dramática.

“Essas imagens são muito malfeitas, mas, como são obras de um homem da região, que nunca viajou e nunca teve um modelo com o que se guiar, elas devem ser julgadas com certa indulgência”, disse o naturalista, ao passar por lá em 1818. Suas críticas continuaram em relação aos profetas: “Essas estátuas não são obras-primas, sem dúvida; mas observa-se no modo pelo qual foram esculpidas qualquer cousa de grandioso, o que comprova no artista um talento natural muito pronunciado”.

Assim como o viajante francês, ao longo da história, o santuário de Congonhas, que na realidade é um dos principais museus brasileiros ao ar livre dedicado à arte e à devoção, vem sendo cercado de incompreensões, polêmicas e opiniões divergentes. A oportunidade que se aproxima com a inauguração, nos próximos meses, do Museu de Congonhas, deverá contribuir, e muito, para a compreensão da dimensão correta que o santuário, considerado Patrimônio Mundial pela Unesco, tem para a cultura brasileira. A nova instituição, que surge numa soma de esforços entre o poder público local e instituições como a própria Unesco e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), deve ser um divisor desta realidade.

O Museu de Congonhas traz para a reflexão atual o conceito de “museu de sítio”. A proposta é que as ações desenvolvidas pela nova instituição sejam voltadas para potencializar o acervo que está em seu entorno, do lado de fora. Hoje, quem visita o conjunto barroco tombado em Congonhas não encontra informação qualificada para compreender as camadas de conhecimento que estão por trás da simples admiração da impactante obra de Aleijadinho. Na cidade, escondidos por séculos de história, estão relatos de fé, devoção e milagres, em perfeita sintonia com a obra de arte erguida no lugar. O museu oferecerá este conteúdo qualificado e acessível ao visitante e à comunidade, potencializando em vários aspectos a visita ao sítio histórico.

Antes mesmo de o Museu de Congonhas abrir as portas, um amplo processo de educação patrimonial está em implantação em Congonhas, começando a requalificar a realidade tão desgastada no tempo. Dentro do contexto das celebrações do bicentenário do Aleijadinho, que começaram em 18 de novembro de 2013 e se prolongam até a mesma data do presente ano, a comunidade tem sido, a cada mês, envolvida por um processo de difusão do conhecimento do seu patrimônio. O ponto inicial foi a abertura da basílica, onde estão os 12 profetas, para programação cultural da série de concertos de música barroca do Coral Cidade dos Profetas. Em seguida, vieram a abertura noturna dos Passos da Paixão, com nova iluminação cênica, seguida pela encenação da semana santa em diálogo com a representação criada por Aleijadinho das mesmas cenas. Chegou o momento da Semana Nacional dos Museus.

Congonhas foi escolhida para abrir amanhã a Semana Nacional de Museus, evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), em todas as instituições museológicas do país. Ampla programação foi planejada para oferecer e envolver a comunidade nos conceitos que, daqui a poucos meses, estarão difundidos pelo Museu de Congonhas. Pela primeira vez, a futura instituição ganhará as ruas da cidade histórica em palestras, concursos educativos, lançamentos de livros e exposições, adiantando suas possibilidades de conexão futura. Ao longo de toda a semana, o conteúdo estará disponível. A começar por amanhã, quando será realizada visita às obras da nova instituição, seguida por palestra do presidente do Ibram, Angelo Oswaldo, e pela projeção, nas capelas, de vídeos do conteúdo curatorial do futuro Museu de Congonhas.

Imagens em madeira com as passagens da Paixão de Cristo: a força dramática de uma arte que dialoga com a espiritualidade do povo
Imagens em madeira com as passagens da Paixão de Cristo: a força dramática de uma arte que dialoga com a espiritualidade do povo


Patrimônio


O processo de educação patrimonial se expande nos meses seguintes com outras ações, que culminarão com a abertura do museu. Em parceria com a Unesco e o Iphan, está sendo consolidado um projeto de sinalização interpretativa que será pioneiro entre os 12 sítios brasileiros que ostentam o título de Patrimônio Mundial. As placas instaladas em breve ao longo do percurso histórico deverão, do ponto de vista do pedestre, oferecer informação qualificada para a compreensão da dimensão histórica e artística do conjunto, sem necessidade de intermediação. O modelo que está sendo instituído em Congonhas servirá a todos os demais sítios nacionais, que, nos próximos anos, passarão por igual intervenção. A proposta é que o turista, ao visitar um deles, se sinta motivado a ir ao outro, numa conexão cultural pelo Brasil.

A iniciativa de requalificação interpretativa do patrimônio histórico de Congonhas tem uma dimensão mais ampla. Ao contrário das últimas décadas, nas quais a maioria dos esforços para divulgar a imagem do Brasil no exterior se resumia a conceitos como “o país do sol, do carnaval e do futebol”, agora os esforços da Embratur se voltam para a promoção internacional dos 12 sítios brasileiros considerados patrimônios mundiais. Este ano, num período que se prolonga até as próximas Olimpíadas, serão realizados eventos na Europa, Estados Unidos e na Argentina, que terão a missão de revelar, ao olhar do estrangeiro, este outro lado da realidade cultural do país. Congonhas participará desta ação com exposições do patrimônio histórico, além de levar dois ofícios do seu patrimônio imaterial: o das quitandeiras e o da música colonial.

Os esforços se somam para oferecer brevemente ao turista e à comunidade experiências bem diferentes da que Saint-Hilaire viveu à sua época ou que visitantes anônimos têm relatado em várias observações. Se tudo correr como se vislumbra, a imagem um tanto desgastada da atualidade será substituída pela imortalizada em observações de outras personalidades da cultura nacional, que, diante da impactante imagem do conjunto artístico de Congonhas, tiveram sua ótica modificada. Os relatos são inúmeros, mas alguns deles sobreviveram à passagem do tempo. O escritor Manuel Bandeira, num célebre arroubo de encantamento diante da obra de Aleijadinho, disse que ele foi, “inegavelmente, o maior arquiteto e estatutário que já tivemos… Se houvesse vivido na Europa, teria dado motivo a toda uma biblioteca”.

O poeta modernista Oswald de Andrade é outro que sintetizou, em versos célebres, a dimensão simbólica que ora se pretende resgatar do santuário de Congonhas:

“No anfiteatro das montanhas
Os profetas do Aleijadinho
Monumentalizam a paisagem.
As cúpulas brancas dos Passos
E os cocares revirados das palmeiras
São degraus da arte de meu país
Onde ninguém mais subiu.
Bíblia de pedra-sabão
Banhada no ouro das minas.”

. Sérgio Rodrigo Reis é jornalista e presidente da Fundação Municipal de Cultura de Congonhas.

Guia para quem quer se perder - João Paulo

Karmatopia, da jornalista Karla Monteiro, apresenta uma Índia real e caótica, que vai muito além dos estereótipos


João Paulo
Estado de Minas: 10/05/2014



A jornalista Karla Monteiro arrumou a mochila e se mandou para a Índia. Voltou cheia de histórias (Arquivo Pessoal)
A jornalista Karla Monteiro arrumou a mochila e se mandou para a Índia. Voltou cheia de histórias

A Índia tem sido, ao longo da história, o destino de muitos viajantes. Mais que isso, de uma legião de buscadores. Há os que procuram o sentido da vida, a espiritualidade, o amor, a verdade, a sabedoria ancestral, a iluminação, o desbunde e até diversão. A jornalista Karla Monteiro parece ter se nutrido de todos esses motivos. Juntou seus desejos, uma leve depressão que acomete as pessoas nos dias frios e feios, uma mochila com poucas roupas e se deu seis meses na Índia de presente. Karmatopia – Uma viagem à Índia, que ela acaba de lançar, é o seu presente aos leitores.

O livro é uma espécie de registro de 195 dias passados no país, de 10 de setembro de 2011 a 22 de março de 2012. Karla, que é repórter com passagem em vários jornais e revistas brasileiros, criou um gênero meio compósito, que mescla reportagem, memórias, depoimento, entrevistas, perfis e um tanto de literatura. O resultado é um livro que parece ter sido escrito para uso pessoal, mas que funciona como um diálogo franco com o leitor. Com direito a autocrítica, bom humor e zero de autocomiseração.

Quem quiser conhecer a Índia real, com dados econômicos, políticos e fontes históricas confiáveis, tem uma biblioteca inteira à disposição. Quem está em busca de conhecimentos voltados para o campo espiritual tem milhares de anos de tradição para pesquisar. Outros, ainda, em busca de depoimentos de viajantes-narradores, podem dispor dos melhores escritores do nosso tempo. A Índia não é um mistério por falta de informações sobre ela, mas exatamente porque elas são infinitas. O objetivo de Karla Monteiro é outro. Sua viagem é pessoal, seu lugar ideal tem como alvo o karma. Sua utopia é uma karmatopia.

Talvez seja nessa entrega que o livro tenha sua melhor qualidade. Karla não se apresenta como paradigma para outra experiência que não a sua. Sua jornada na Índia, que ela já conhecia de outras viagens e mergulhos em programas de ioga, responde a uma necessidade humana e legítima de procurar a felicidade onde quer que ela se encontre. Não há um rompimento com o passado – a narradora a todo momento procura um bom capuccino e croissant quando quer se sentir em casa – nem proselitismo. Sua viagem é uma disposição ao encontro.

Uma coisa que chama a atenção no relato de Karla é sua assumida localização como ocidental típica. Ela gosta de coisas bonitas, de lugares confortáveis, de sua cota de delírio, de boas comidas e conforto. Não esconde nem contrapõe sua origem para julgar ou escarnecer. Talvez por isso se disponha a tanta identificação. Poderia ser qualquer um de nós, desde que impulsionado pela mesma disposição em dar o primeiro passo. Karla faz compras e ainda viaja com seus livros, entre eles Flaubert, que parece deslocado naquele roteiro, mas que dialoga simbolicamente com a difícil condição feminina das indianas, condenadas a um eterno bovarismo.

Sem compromisso em contextualizar demais tudo que encontra pela frente, o que é uma forma de justificação, Karla abre seus olhos de repórter para o encontro, deixando o leitor sentir com ela seus espantos para o bem e para o mal. Para a sensibilidade ocidental, não deixa de ser agressivo o barulho, o mau cheiro, a falta de banheiros, a displicência dos serviços, a quantidade de gente, a falta de organização, a miséria ostensiva. Ela conta tudo, por vezes com requintes sinestésicos. É o momento de embate inicial com um universo que é regido por outra lógica. A autora faz questão de viajar sem guias, o que tira a segurança em alguns momentos, mas incorpora surpresas. A partir daí, entram em cena os personagens.

Gente Karmatopia é recheado de encontros com homens e mulheres notáveis, por vários motivos, nem todos veneráveis. Em sua jornada pelo país, além de narrar as peripécias e descobertas, a viajante se dispõe a conversar com gente que tenha o que dizer. Seus interlocutores vão de pessoas como ela, buscadores inveterados, a grandes mestres da yoga, passando por gurus e alguns tipos excêntricos, como os hippies que ainda vivem o sonho sessentista da Nova Era. Sem defender nenhuma filosofia ou religião, Karla faz perguntas essenciais, dessas que todos gostariam de fazer, mas não tiveram a oportunidade ou coragem para tanto.

A viajante vai ao Osho Ashram (é preciso fazer teste de HIV para entrar no local), uma “Disneylândia espiritual”, e conversa com frequentadores. É recebida por B. K. S. Iyengar, o mais importante mestre da yoga (a quem pergunta sobre o tempo e a morte); procura uma inglesa, Tenzin Palmo, que passou 12 anos numa caverna e hoje comanda um mosteiro para mulheres; dialoga com o assessor do dalai-lama, Geshe Lhakdor, sobre budismo tibetano, iluminação e política. Tem altos papos com Bobby Mescalina, que fala de seus amigos artistas, hippies, beatniks e viajandões, que consumiram drogas em escala industrial por décadas. Ao ser perguntado se encontrou a liberdade, Bobby confessa: “Não, não há liberdade neste mundo. Passei a vida inteira em busca de liberdade. O ser humano carrega uma jaula em torno de si. Na morte deve estar a liberdade”.

A autora passa ainda, com direito a muitas recaídas, por processos de purificação, como o milenar detox indiano, o pancha-karma, com suas purgações inacreditáveis, consultas ayurvédicas, programas intensivos de diversos tipos de yoga e meditação. Tudo é sempre motivo para encontrar mais gente e fazer perguntas necessárias e diretas. Uma boa jornalista, como Karla Monteiro se revela em Karmatopia, deve saber três coisas: que não sabe nada, que é preciso fazer as perguntas certas e, por fim, apresentar a resposta de forma compreensível e interessante.

Além das pessoas, os lugares permitem também outro tipo de prazer ao leitor. A autora nos dá suas impressões de Rishkesh, Goa, Varanasi, Dharamsala, Dharamkat, Jalandhar e Varkala, entre outras cidades. Chega sempre sem saber bem o que vai encontrar, o que se torna quase um método, uma estratégia da viajante para manter em alerta a capacidade de se surpreender.

Livro com final anunciado, a autora volta ao “mundo”. Já não é a mesma. O mundo também não. Afinal, para que mais pode servir uma viagem?

KARMATOPIA – UMA VIAGEM À ÍNDIA
• De Karla Monteiro
• Editora Record,
• 288 páginas, R$ 28

Em busca de uma voz - Ângela Faria

Em busca de uma voz 


Estudo sobre o livro Quarto de despejo - Diário de uma favelada, de Carolina de Jesus, mostra como o texto foi editado e de que forma a autora se tornou personagem para sempre ligada à obra literária 
 
Ângela Faria
Estado de Minas: 10/05/2014


Carolina de Jesus foi bem aceita pelo público e pela crítica, mas não repetiu o sucesso com os livros que lançou depois de Quarto de despejo   (audálio Dantas/O Cruzeiro/EM)
Carolina de Jesus foi bem aceita pelo público e pela crítica, mas não repetiu o sucesso com os livros que lançou depois de Quarto de despejo

Preta, miserável e semialfabetizada, a mineira Carolina Maria de Jesus (1914-1977) vendeu 1 milhão de livros no exterior. Lançado em 1960, Quatro de despejo — Diário de uma favelada revelou uma pioneira do que se costuma chamar de “literatura periférica”, uma espécie de avó de Ferréz e Paulo Lins. Editado em 14 idiomas, o best-seller da catadora de papel, moradora da favela paulistana do Canindé, serviu de fonte de inspiração para Preciosa, personagem do romance da norte-americana Sapphire, cuja adaptação para as telas levou duas estatuetas do Oscar em 2010.

Bem que a mineira avisou, em 1959, num de seus cadernos: “Vou trabalhar no cinema”. Pena que os leitores, universidades e jovens ativistas da tão badalada cultura da periferia de seu país ignorem a obra da “língua de fogo”, como ela se autoapelidou. Experimente comprar um dos livros de Carolina: a missão é praticamente impossível em BH neste 2014, quando se comemora o centenário de nascimento da autora.

Elzira Divina Perpétua, professora de literatura da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), acaba de lançar o livro A vida escrita de Carolina Maria de Jesus (Nandyala), fruto de mais de 15 anos de estudos dedicados à obra da neta de escravos nascida em Sacramento, no Triângulo Mineiro. O ensaio nos apresenta uma Carolina mais complexa e multifacetada do que a mera “porta-voz dos excluídos” descoberta pelo jornalista Audálio Dantas durante uma visita à favela paulistana do Canindé, em 1958, para fazer uma reportagem. Mais do que isso: a pesquisadora descreve os bastidores do produto Quarto de despejo – termo usado pela humilde mineira para se referir ao lugar destinado a miseráveis como ela na sociedade brasileira. O jornalista e a favelada, às voltas com as armadilhas da palavra, são classificados por Elzira como o autor e a escritora do campeão de vendas, marco da literatura brasileira.

Trechos do diário de Carolina, narrando o dia a dia dos favelados, deram origem a duas reportagens de Audálio, publicadas no jornal Folha da Noite, em 1958, e na revista O Cruzeiro, em 1959. O jornalista, hoje com 84 anos, selecionou o que seria publicado em Quarto de despejo, em 1960, depois de ler os 20 cadernos escritos por Carolina. Surgiu assim um best-seller fruto do rico momento político-cultural do Brasil pré-golpe de 1964. A crueza de Carolina, mãe solteira de três crianças, desconstruiu o morro utópico do samba, descarregou lixo nas praias azuis da bossa nova.

Com seus erros de português, mantidos no livro, e sua “caligrafia nervosa”, Carolina se tornou celebridade internacional e também alvo de polêmica. O crítico Wilson Martins acusou Audálio Dantas de impor um “embuste” ao país, mas o livro ganhou a defesa de Manuel Bandeira e de Rachel de Queirós, entre outros ícones da norma culta. Quarto... chamou a atenção da Time, da Life e do Paris Match. Alberto Moravia assinou o prefácio da edição italiana.

Celebridade fugaz, a “Cinderela negra” indispôs-se com seu “guru” jornalista, fez fama e se mudou da favela – primeiro para a casa de alvenaria no bairro paulistano de Santana, depois para um sítio em Parelheiros, onde morreu, praticamente no ostracismo e sem dinheiro. Ela escreveu também Casa de alvenaria (em 1961, ainda com o auxílio de Dantas), Provérbios (1963) e Pedaços da fome (1963) – nenhum desses livros teve grande repercussão. Depois de sua morte saiu Diário de Bitita, interessante volume de memórias, acessível atualmente graças ao empenho da Editora Bertolucci, da terra natal da autora.

Elzira Perpétua comparou os diários publicados e os manuscritos originais da favelada do Canindé. A vida escrita mostra como foram construídos dois “personagens”: o livro Quarto de despejo e a escritora Carolina Maria de Jesus. A professora da Ufop analisa a conjuntura em que surgiu o fenômeno e destaca a relação de prefaciadores, tradutores e da editoração com a obra. Ressaltando o valor daquela escrita lavrada na oralidade, Elzira mostra como ela foi “moldada” por Audálio Dantas para Quarto de despejo. O ensaio também se deve a ele, que permitiu à professora xerocar os cadernos originais.

Lê-se em Quarto de despejo o diário editado. De acordo com a autora de A vida escrita..., as supressões não se limitaram à eliminação de detalhes sem importância. Deixaram de ser publicadas “observações que apontam o posicionamento político de Carolina e que acompanham seus comentários sobre acontecimentos locais, nacionais e internacionais”, registra ela. Para Elzira Perpétua, houve supressões de tal monta “que, retirando de Carolina o tom agressivo que seria de todo natural diante das experiências vividas por ela diariamente, fizeram com que dois estudiosos de sua vida e obra chamassem a atenção para a passividade demonstrada nos relatos”. Em resumo: ali não estava a Carolina real.

Audálio explica que evitou relatos repetidos. A pesquisadora pondera: “O texto de Carolina será modificado não só em relação à repetição dos atos cotidianos, mas sobretudo no que concerne às reflexões sobre a vida. É aí que reside a maior (ir) responsabilidade da editoração, uma vez que o enunciado que acompanha o dia a dia sempre igual contém riqueza discursiva de observações lúcidas, carregadas de violência, humor, amargura, revolta ou resignação, que foi em grande parte suprimida”.

Ideologia Elzira Perpétua aponta o “recorte ideológico” do editor em passagens referentes a dona Julita, a quem Carolina chama de “minha irmã branca”. Essa personagem, nos originais, surge dedicando palavras de afeto, comida, roupas e pagamentos à catadora de papel. Esse relacionamento, de acordo com a professora, é “quase totalmente apagado no livro”, o que ela atribui ao desejo do editor de “introduzir uma separação entre classes sociais, que no manuscrito de Carolina não são tão impermeáveis quanto sugere Quarto de despejo”.

Ao cotejar as anotações originais com o livro, Elzira conclui: houve a intenção de compor a imagem de uma Carolina “vítima social – objeto, e não sujeito –, desamparada por todos e resignada com sua sorte”. De acordo com ela, “o projeto de Quarto de despejo realizou-se como ato intencionalmente predeterminado de conferir à publicação um valor de representação coletiva da miséria e do abandono do favelado. Para cumprir esse objetivo, foi necessário que o editor adaptasse a narradora a um modelo de sujeito que convergisse para uma personagem que, além de íntegra, forte, resignada e atenta aos problemas da comunidade, fosse também submissa, passiva, sem capacidade de julgamento, sem liberdade interior — enfim, produto e não produtora de um destino”.

Os diários foram escritos em duas etapas: de 15 a 28 de julho de 1955 e de 2 de maio de 1958 a 1º de janeiro de 1960. Elzira Perpétua chama a atenção para a interrupção. Lembra que Carolina nunca deixou de escrever seus poemas, provérbios e romances. A retomada se deu por interferência de Dantas, que a convence de que o diário não é perda de tempo. Carolina chega a registrar por escrito certa resistência em relação à revelação de detalhes e indiscrições do dia a dia de sua comunidade (texto suprimido do livro).

“A escritora tem consciência de que a linguagem que utiliza na escrita do diário não é a idealizada por ela, segundo o juízo de valor que adota, mas a que corresponde aos valores de Audálio Dantas”, anota a pesquisadora. A Carolina de Jesus “off- Audálio” escrevia poemas, provérbios, ficção, não gostava do que chamava de linguagem “pornográfica” para relatar quiproquós da favela. Para o jornalista, esses textos não eram tão valiosos quanto o depoimento, de grande força descritiva .

Carolina chegou a enviar originais da coletânea de poemas Clíris à revista norte-americana Seleções e sofreu ao vê-los rejeitados. Em seus manuscritos, explicitava o desejo de ser reconhecida “não como escritora do diário da favela, mas como poeta”, afirma Elzira Perpétua – que a compara a Pestana, personagem de Machado de Assis. Obcecado em compor grandes peças, ele amarga a infelicidade de ser admirado apenas por suas polcas descartáveis.

Para a professora de literatura da Ufop, sacrificaram-se facetas de uma Carolina de Jesus complexa, atormentada e dividida por contradições em favor de uma persona moldada “em imagem ideologicamente coerente com o modelo configurador de um sujeito a quem era dada voz de protesto contra o modelo econômico brasileiro então vigente”.

Essa “personagem” escritora foi construída pelo jornalista por meio de matérias anteriores ao lançamento de Quarto de despejo. “Como os antigos folhetins, as reportagens seduziram os leitores para o enredo do diário e os prenderam até o clímax do lançamento do livro”. Foi um show de marketing, há meio século. Carolina assinou contrato com a Editora Francisco Alves em meio a um batalhão de repórteres. Já famosa, ela deixou o Canindé devidamente fotografada e filmada pela TV – sob agressões dos vizinhos, indignados com revelações do best-seller sobre os arranca-rabos da comunidade.

Em entrevista concedida à professora, Audálio Dantas explica o processo de elaboração do livro, como se deram as reportagens iniciais e se diz profundamente incomodado ao ser associado a espertalhões que tiraram proveito de Carolina. Enfatiza a importância dos diários, minimiza outros escritos dela e destaca a importância do segundo livro, Casa de alvenaria, que não fez sucesso, segundo ele, “porque as pessoas queriam ali o que chocava no primeiro: ‘a pobre da favelada’”.

Além de lançar outras obras literárias, Carolina de Jesus gravou um disco – sem repercussão. Trinta e sete anos depois de sua morte, seus escritos ainda estão por aí, esperando por quem os decifre e revele a Carolina de verdade. Para nós, que a abandonamos, ela deixou esses versos: “Eu sonhei que estava morta/ Vi o meu corpo num caixão./ Em vez de flores, era um livro/ Que estava na minha mão”.

A VIDA ESCRITA DE CAROLINA MARIA DE JESUS

• De Elzira Divina Perpétua
• Editora Nandyala
• 340 páginas,l R$ 45
• Informações: 31) 3281-5894 e www.nabdyalalivros.com.br


Reconhecimento

“Aprisionada” nos anos 1960, a obra de Carolina de Jesus ganhou a atenção 30 anos depois: os pesquisadores Robert Levine e José Carlos Sebe Bom Meihy lançaram o ensaio Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus (Editora UFRJ), esgotado atualmente. Na Universidade de Brasília, Germana Henriques Pereira escreveu O estranho diário de uma escritora vira-lata. Em BH, a Editora C/Arte lançou a biografia Muito bem, Carolina!, de Marília Novais da Mata Machado e Eliana Moura Castro. Em Carolina Maria de Jesus – Uma escritora improvável (Garamond), Joel Rufino dos Santos traça um perfil da mineira. No início dos anos 1960, a peça Quarto de despejo tinha Ruth de Souza no papel da escritora. Carolina (2003), de Jeferson De, levou o Kikito de melhor curta-metragem em Gramado. Em 1971, a alemã Christa Gottmann-Elter dirigiu o documentário Favela: a vida na pobreza, homenagem à autora. Atualmente, estão disponíveis os livros Quarto de despejo (Editora Ática) e Diário de Bitita (Bertolucci), escritos por ela.

Mostra sua cara - João Paulo

Mostra sua cara

Henry Louis Gates Jr. estuda a condição dos negros em seis países da América Latina, inclusive no Brasil. Ensaios mostram a vigência explícita e velada do racismo na região
 

João Paulo
Estado de Minas: 10/05/2014


MV Bill, em conversa com Henry Louis Gates Jr., explica o sutil racismo nacional: %u201CAs pessoas vão dizer que o problema no Brasil é econômico e social, que é tudo menos racial. Mas é%u201D     (Sérgio Moraes/Reuters)
MV Bill, em conversa com Henry Louis Gates Jr., explica o sutil racismo nacional: pessoas vão dizer que o problema no Brasil é econômico e social, que é tudo menos racial. Mas é


O Brasil tem 134 categorias de cor de pele. São 12 na República Dominicana e 16 no México. Para o norte-americano há preto e branco. A determinação binária, tradução da “regra de uma gota”, tem raízes econômicas racistas: era a forma de garantir a um senhor branco, pai do filho de uma escrava negra, que o menino era negro e, portanto, igualmente escravo.

Os países que se esforçam em criar muitas classificações talvez estejam propondo apenas formas displicentes de fugir à realidade do racismo. Sobretudo quando, independentemente das categorias, se verifica que quanto mais perto da raiz africana, maior a proximidade com a parte mais baixa da pirâmide econômica. O que parece ficar claro, portanto, é que se trata de uma questão política.

A situação tem gerado muita polêmica ao longo dos séculos, chegando aos episódios recentes no futebol e às eternas discussões acerca da questão da política de cotas raciais. No Brasil, o mito da democracia racial, codificado por Gilberto Freyre, ainda parece animar ideólogos de uma nação sem conflitos. Com o multiculturalismo, o mito parece ter ganho um reforço, com o reconhecimento das raízes africanas da sociedade, mas que são sutilmente boicotadas por uma escala valorativa que solapa as contribuições negras em cultura e religião.

O livro Os negros na América Latina, de Henry Louis Gates Jr., é uma contribuição e tanto para esse debate. Professor e pesquisador de Harvard, considerado uma das maiores autoridades atuais em culturas africanas e afro-americanas, Gates é autor de uma série de documentários para a televisão pública dos Estados Unidos. Como produtor executivo, roteirista e apresentador da série, ele tinha como propósito mostrar ao público americano a realidade das relações raciais em seis países da América Latina: Brasil, México, Peru, República Dominicana, Haiti e Cuba.

Originado nos programas para a televisão, os ensaios que compõem o livro têm de melhor o espírito jornalístico e a obrigação de buscar fontes com credibilidade para falar do tema, escapando assim de certa tentação acadêmica. Mas vai além, incorporando informações, bibliografia e interpretações, em diálogo com as principais contribuições históricas sobre o tema. Para o leitor, no entanto, fica sempre a sensação de uma conversa para a qual é convidado a acompanhar o autor.

A tese histórica de Henry Louis é que a grande diáspora africana em direção à América atendeu a ciclos econômicos bem delimitados – da mineração, do açúcar, do tabaco e da pecuária –, em favor dos interesses econômicos dos países europeus. Para alimentar a produção, milhões de homens e mulheres foram transplantados para o Novo Mundo, onde se tornaram escravos em circunstâncias desumanas por mais de três séculos.

Com o fim da escravidão, permaneceram as condições de exclusão, opressão e desprestígio social, que ainda hoje escancaram suas marcas na vida dos afrodescendentes. É nesse registro que deve ser lida a história de cada país, em suas práticas de resistência e na luta pela conquista de direitos. O que o livro – e o documentário – trouxe de novo para o leitor americano foi expor a realidade fora dos EUA. Povo autocentrado, o americano médio, em questões de história internacional, é quase orgulhosamente ignorante.

O próprio autor, homem de formação sofisticada, que passou por Yale e Cambridge, reconhece que sabia muito pouco sobre o tema. Os americanos, confessa, acreditam que a questão racial é atributo de sua formação, desconhecendo que receberam menos de 5% dos 11 milhões de escravos vindos da África. É a história dos outros 95% que é narrada ao estudar seis países da América Latina, tão próximos e tão longe ao mesmo tempo. Não se pode dizer que, no caso do leitor brasileiro, a realidade é outra. Que sabemos sobre a escravidão no Peru, Haiti e Cuba? E sobre os movimentos por direitos civis que mobilizam a população do México e da República Dominicana?

Chica e MV Bill

O primeiro capítulo do livro, que interessa mais de perto o leitor brasileiro, tem o sugestivo título de “Brasil: que Exu me conceda o dom da palavra”. Trata-se de uma homenagem ao pensador e militante Abdias do Nascimento, um dos interlocutores do autor, que costumava abrir suas intervenções no Senado invocando a divindade de sua devoção. O ensaio é o mais longo do livro, talvez por apresentar temas, como a democracia racial, que depois se tornam referências nos textos sobre os outros países.

Henry Louis Gates Jr. começa por se lembrar do filme Orfeu do carnaval, dirigido por Marcel Camus, lançado em 1959, que se tornou uma espécie de visão oficial do país na época (inclusive ganhando prêmios importantes, como o Oscar de filme estrangeiro e a Palma de Ouro em Cannes). O longa parece comportar em si dois olhares díspares: para quem é brasileiro, é uma enfiada de lugares-comuns e estereótipos; para os estrangeiros, uma visão idílica, quase redentora. O autor parece não ter se afastado dessa reação. Seu ensaio é uma desconstrução paulatina desse olhar iludido.

Narrado em tom de diário de viagem, o capítulo sobre o Brasil acompanha o périplo de Henry Louis pelo país. Ele vai a Salvador, onde conversa com os historiadores João José Reis e Wlamyra Albuquerque sobre aspectos singulares do escravismo brasileiro; se dirige ao Curuzu para ouvir a história do Olodum e da construção da consciência negra em torno da arte, contada por João Jorge. Procura ainda Pai João, para acompanhar um ritual de candomblé e tecer comentários vivos sobre religiões como a santería cubana e o vodu haitiano. Vai atrás de capoeiristas para entender as origens sociais e marciais da prática de origem africana.

Em Minas Gerais, o autor se encontra com a historiadora Júnia Furtado, com quem conversa sobre Chica da Silva e as mulheres escravas na região, que buscavam a ascensão social a partir do modelo dos brancos, o que surpreende Henry. Aos poucos ele vai percebendo a sutileza e complexidade da relações sociais brasileiras no período. O autor tem ainda um encontro com a atriz Zezé Motta, intérprete da escrava no filme de Cacá Diegues, e se encanta com sua inteligência e beleza (sem entender muito bem quando ela diz que foi considerada feia demais para o papel por um produtor).

Sua viagem passa ainda por Belo Horizonte, onde conversa com a cabeleireira Dora Alves, defensora do orgulho em torno da beleza negra – num país em que a chapinha parece ser de uso obrigatório. O autor passa em revista as contribuições de Manuel Querino (“uma mistura brasileira de Booker T. Washington e W. E. B. du Dubois”) e de Gilberto Freyre, antes dos dois encontros mais expressivos de sua viagem ao Brasil, com Abdias do Nascimento, um crítico iracundo das concepções freyrianas, e com o rapper MV Bill, que leva o debate para o tema inescapável da educação, sempre deixada em segundo plano.

Seguindo a inspiração do cantor, Henry Louis ataca o polêmico tema das cotas. Depois de encontro com a professora Marilena Rosa Nogueira da Silva, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ele pede para participar de um debate com estudantes a respeito do tema. O que ele presencia, na construção dos diferentes argumentos, é um debate que de certa forma reproduz o que ele viveu nos anos 1960 em seu país, mas que traz elementos que são próprios da realidade brasileira. Mais que bandeiras de intelectuais, as mudanças estão em todos os cantos da sociedade. Exu parece estar trabalhando bem. Mas ainda tem muita luta pela frente.

Nos demais ensaios de Os negros na América Latina, Henry Louis Gates Jr., com o mesmo método gentil de informar como quem civiliza, e com o honesto reconhecimento do que deve aos seus interlocutores, analisa peculiaridades da questão racial no México, na República Dominicana, no Peru, no Haiti e em Cuba.

O que unifica os textos, que tratam de realidades históricas, sociais, econômicas e políticas singulares, são as perguntas: Que lugar os negros ocupam na sociedade?; como sua cultura é tratada?; o que está sendo feito para enfrentar o racismo?. Identidade, expressão e política: não há outra forma de combater a estupidez.

. Editora Companhia das Letras, 360 páginas, R$ 47,50 e R$ 33 (e-book)

TeVê

TV paga
Estado de Minas: 10/05/2014



 (Jaap Buitendijk/Divulgação)

Sessão pipoca


Ação e aventura dão o tom de hoje do pacotão de cinema da TV por assinatura. No Telecine Premium, às 22h, estreia Guerra Mundial Z (foto), em que Brad Pitt lidera a resistência contra uma epidemia que transforma os humanos em zumbis. No mesmo horário, a HBO exibe o inédito Jack, o caçador de gigantes, com Nicholas Hoult revivendo a clássica história dos feijões mágicos.

Muitas alternativas na
programação de filmes


No Universal Channel, o especial de Dia das Mães antecipado começou ontem e continua hoje com mais três filmes: Erin Brockovich: uma mulher de talento (19h05), A morte e vida de Charlie (21h30) e E se fosse verdade (23h15). Na Fox, a homenagem às mães é um pouco mais cedo, com as comédias Como perder um homem em 10 dias (14h) e Marley e eu (16h). Na faixa das 22h, o assinante tem mais seis opções: O casamento de Romeu e Julieta, no Canal Brasil; Idas e vindas do amor, no TBS; Tron – O legado, no Telecine Action; Tão forte e tão perto, na HBO 2; Gangues de Nova York, na MGM; e Os 12 macacos, no TCM. E ainda: Maré, nossa história de amor, às 21h, no AXN; O observador, às 21h, no Cinemax; Jonah Hex – O caçador de recompensas, às 21h30, na TNT; e Apassionata, às 23h, na Cultura.

Documentário analisa
avanço do narcotráfico


O canal +Globosat exibe hoje, às 23h, o documentário Como ganhar dinheiro vendendo drogas. O filme é um guia com lições para começar o seu próprio império de drogas, enquanto expõe a corrupção da guerra do tráfico, detalhando a violência da indústria de drogas e sua lucratividade. Produzido e escrito por Matthew Cooke, o documentário traz entrevistas com ex-traficantes e com agentes penitenciários, além de defensores dos direitos humanos, como Susan Sarandon, Russell Simmons e David Simon, e os rappers 50 Cent e Eminem.

MTV realiza maratona
de seriado de vampiros


Por falar em +Globosat, a emissora estreia, às 21h, a quarta temporada da série alemã O último policial, que tem como protagonista um agente da lei que ficou em coma por 20 anos e voltar a combater o crime em um mundo completamente diferente do que conhecia. Na MTV, hoje tem maratona da série The vampire diaries, a partir das 11h.

Sertanejo Leonardo faz
ao vivo no Multishow


Outro destaque do sábado são os musicais. Na Cultura, às 16h, o programa Mosaicos abre espaço para o samba na voz de artistas como Luiz Carlos da Vila, Zé Renato, Jards Macalé, Thalma de Freitas e Marcos Sacramento e o grupo Quinteto em Branco e Preto. Na mesma emissora, às 18h, a banda Mustache & Os Apaches é a atração do Cultura livre. Já às 21h30, na série Clássicos, vai ao ar um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob regência de Isaac Karabtchevsky e solos do pianista russo Nikolai Lugansky. No canal Viva, às 22h, tem o Globo de ouro, com Gal Costa, Wando, Luiz Caldas, José Augusto e Rosana, entre outros. No Multishow, às 23h15, o cantor sertanejo Leonardo entra ao vivo, diretamente do Rio de Janeiro, comemorando 30 anos de carreira. E no Film&Arts, às 21h, uma atração internacional: um show de Sting gravado ao vivo em Berlim, em 2010.

CARAS & BOCAS » Língua travada
Simone Castro
Publicação: 10/05/2014 04:00


Jean Paulo Campos, Eliana e Patrícia Abravanel: convidados de apresentadora em quadro que vale prêmio

O Programa Eliana deste domingo recebe o ator mirim Jean Paulo Campos e a futura mamãe Patrícia Abravanel, à espera do primeiro filho. O Cirilo do seriado Patrulha salvadora e a apresentadora do Máquina da fama, ambos do SBT/Alterosa, participam do quadro “Nó na língua”. Ao lado de outros participantes, eles vão tentar falar os trava-línguas e vencer a prova, que vale prêmio. Será que o acumulado de R$ 4 mil vai sair? Ainda na atração, a partir das 15h, confira a final do “Namoro com Léo Santana”. Depois de muitas meninas inscritas, 12 foram selecionadas e três delas, que participaram de uma viagem romântica com o cantor, estarão no palco. Léo terá ainda a oportunidade de tirar a dúvida em provas bem quentes. É aí que ele vai dizer quem é a nova namorada. E em comemoração ao Dia das Mães, o quadro “Beleza renovada” mostra a história da gari Rosalina, que recebe uma homenagem da filha para ter seu visual completamente transformado. Ela se sentia muito “largada” depois de anos se dedicando aos filhos, esquecendo de si mesma. Uma mãe como tantas outras e uma grande surpresa em um dia tão especial!

TURMA DO RONALDINHO
VIRA SÉRIE DE ANIMAÇÃO


Inspirado no craque Ronaldinho Gaúcho, atacante do Atlético, estreia segunda-feira, às 15h, no canal Gloob (TV paga), a animação Turma do Ronaldinho Gaúcho, adaptação dos quadrinhos de Maurício de Sousa. No desenho, Ronaldinho é um garoto simpático, esperto e curioso que chama a atenção e ganha a admiração de todos com seu futebol. Ele gosta de samba, funk e rap. Entre outros personagens estão Assis, o irmão mais velho do craque e também seu ídolo e melhor amigo; Deisi, a irmã do meio do jogador, que vive cuidando dele como se fosse um anjo da guarda; e Diego, o fã número 1, que está sempre “colado” no ídolo e, por isso, imita-o até no jeito de vestir e celebrar seus gols.

RAUL GIL VAI ELEGER UMA
NOVA ESTRELA DA MÚSICA


O apresentador Raul Gil lança hoje em seu programa no SBT/Alterosa a terceira edição do quadro “Mulheres que brilham”. Os jurados José Messias, Deise (do grupo Fat Family), Maurício Manieri, Deborah Blando e Eduardo Lages vão analisar mulheres de todo o Brasil. Foram mais de 3 mil mulheres que querem realizar o sonho de ser uma cantora de sucesso. A vencedora ganha um ano de contrato com a gravadora Sony, a gravação de CD e a participação no show da madrinha do quadro, Ivete Sangalo. Neste programa participam as candidatas Cyntia Mendes, Silvana Miranda, Bruna Thielle, Didi Gomes, Xandreli, Elisa Dias, Juju Ramos e Janaina & Luana.

RACHEL SHEHERAZADE FICA
NO SBT POR MAIS 4 ANOS


O SBT renovou ontem o contrato de Rachel Sheherazade por mais quatro anos. Ela é âncora do SBT Brasil ao lado do jornalista Joseval Peixoto desde 2011. “Estou feliz em renovar com o SBT. Desejo que essa parceria possa ser duradoura e produtiva”, disse Rachel.

NOTURNO COMEMORA UMA
DÉCADA PELA REDE MINAS


O Noturno, que está completando 10 anos no ar, relembra grandes momentos de sua história com uma série de especiais, com shows do acervo da Rede Minas. Para abrir as comemorações, vai ao ar hoje, às 21h30, o primeiro episódio, gravado em 28 de agosto de 2004. Nele se apresentam o guitarrista norte-americano Stanley Jordan e o violonista e guitarrista mineiro Juarez Moreira, dividindo o palco com o baixista carioca Arthur Maia.

FANTASMAS EXORCIZADOS


No De frente com Gabi deste domingo, à meia-noite, no SBT/Alterosa, Marília Gabriela recebe o músico Marcelo Yuka, ex-baterista da banda O Rappa. Ele foi baleado em um assalto em 2000 e ficou paraplégico. Na entrevista, ele fala sobre o antes e o depois do ocorrido, sobre sua carreira e a autobiografia Não se preocupe comigo, revelando detalhes da vida pessoal. Sobre o assalto, ele afirma: “Na hora você fica em estado de choque, no dia seguinte a dor é insuportável”. E acrescenta: “Queria que a Justiça tivesse sido feita, mas desde o segundo dia decidi que não queria carregar essa dor de ficar procurando culpados”. Quando ficou paraplégico, Marcelo recebeu uma dica do xará Rubens Paiva, escritor e também paraplégico. “Ele foi o primeiro a me dizer que tudo ia se normalizar”, lembra Yuka, confessando ter pensado em suicídio por quase cinco anos. Por isso escreveu a autobiografia: “Foi para exorcizar meus fantasmas”.

VIVA
A grande família (Globo). Em sua última temporada, a atração mostra que ainda poderia ficar muito tempo na TV.

VAIA
Zeca Camargo  está no lugar errado. O Vídeo show (Globo) não é mais o seu espaço. Já deu o que tinha que dar. 

Eduardo Almeida Reis - Anastasia‏

Só o interesse explicava os casamentos, como continua explicando até hoje. O amor acaba e o interesse é eterno, dizem as más línguas


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 10/05/2014

Neste país em que vocês nasceram, o ex-governador Antônio Augusto Junho Anastasia é caso raríssimo de político alfabetizado. Também nasci por aqui, mas tenho pensado em abrir mão de minha nacionalidade. É melhor ser apátrida do que cidadão de um país dirigido pelos cavalheiros e damas que estão no poder, isto é, nos três poderes, agora que o Executivo, mancomunado com o Legislativo, conseguiu transformar o STF naquilo que se vê.

Manhã dessas, ouvindo o ainda governador Anastasia pronunciar probo (ô), quando sempre pronunciei probo (ó), consultei o Houaiss eletrônico, que abona probo (ô), e produzi belo suelto à pressa, considerando que estava e estou atrasado de costura.

Datado de 1680, probo é adjetivo pouco usado, porque significa “de caráter íntegro, honrado, honesto, reto”, gente que não abunda por aí como abunda a pita. Pergunto ao leitor e à leitora: além de vocês e do seu philosopho, quantos brasileiros honrados vocês conhecem?

Claro que há muita gente boa e séria, mas me refiro às celebridades, aos políticos, aos renans, aos henriquinhos e outros de igual desvalor. Boa essa de igual desvalor, né? Não me lembro de ter lido. Devo ter inventado agora.

Publicado o suelto do probo (ô) fiquei encucado: como expliquei, sempre pronunciei probo (ó). Hoje cedo, tomado o desjejum, antes mesmo de acender o charuto, fui ao imenso dicionário da Academia de Ciências de Lisboa e confirmei que em Portugal a pronúncia é probo (ó). Animado pela constatação, fui ao abençoado Google, maravilha que só perde em utilidade para o bidê, cliquei “pronúncia probo” e apareceu o Manual de Redação de Estilo, do excelente Eduardo Martins, em estadao.com.br.

Pois fique o caro, preclaro e pacientíssimo leitor ciente de que o respeitado xará, em uma série de casos nos quais havia dualidade de pronúncia, optou pela mais comum e recomendável: lá está probo (ó), como sempre pronunciei. É verdade que Martins abona acervo (ê), que pronuncio, talqualmente o ilustríssimo acadêmico e professor Almir de Oliveira, acervo (é). O só fato de Eduardo Martins incluir acervo em sua lista é sinal de que há dualidade de pronúncia. Portanto, continuo pronunciando acervo (é) e volto ao probo (ó). É isso aí, bicho.


Camisaria
Montanha talvez seja um exagero para quantificar as camisas que entopem o armário de um philosopho amigo nosso, mas o montinho é expressivo e tem características originais. Uma dúzia das melhores, originais Lacoste, são usadas somente nas ocasiões em que não pretendo fumar charutos. Portanto, continuam praticamente virgens. Com as demais, que são muitíssimas, deve acontecer fenômeno parecido com o que ocorria nos haréns: as favoritas são muito mais usadas.

Quando andei lendo sobre haréns, aprendi que o sultão não se importava que as odaliscas mantivessem relações sexuais entre elas ou com alguns eunucos, porque só queria ter a certeza de que os filhos nascidos fossem dele, sultão. Muitos eunucos, se castrados depois da puberdade, continuavam tendo ereções.

Só outro dia descobri que minhas camisas prediletas, compradas numa loja belo-horizontina, estão com os colarinhos puídos. O adjetivo puído entrou em nosso idioma no ano de 1529: “bastante gasto e já ralo devido ao uso constante”. Diz-se de roupa, calçado etc., o que me faz supor que a locução conjuntiva et cetera inclua os cavalheiros puídos pelo passar dos anos.

Patrimônio da Humanidade, o Taj Mahal é um mausoléu de mármore branco construído entre 1632 e 1653 pelo imperador Shah Jahan em memória de sua mulher favorita, Aryumand Banu Begam, que ele chamava de Mumtaz Mahal, morta após dar à luz seu 14º filho. Na obra do maluco trabalharam cerca de 20 mil homens levados de várias cidades orientais.

Shahabuddin Mohammed Shah Jahan governou o Império Mogol, no subcontinente indiano, entre 1628 e 1659. Shah Jahan, nome que vem do persa, significa “Rei do Mundo”. Na forma do louvável costume, peço ao leitor que não acredite muito nos números deste belo suelto, porque fui conferir em “Império Mogol” e as datas não batem com o que aprendi sobre o maluco, mas na história das camisas você pode acreditar. Pela atenção, muitíssimo obrigado.


O mundo é uma bola
10 de maio de 1291: nobres escoceses reconhecem a autoridade de Eduardo I da Inglaterra sobre o seu país. Eduardo I (1239-1307), também conhecido como Eduardo Pernas Longas ou Martelo dos Escoceses, foi rei da Inglaterra de 1272 até morrer. Primeiro filho de Henrique III da Inglaterra e de Leonor da Provença (1223-1291). A Wikipédia não tem pinturas retratando Leonor, tem um esboço, e diz que ela teve cinco filhos, foi irmã da rainha da Provença e pertenceu, pelo nascimento, à Casa de Barcelona, e, pelo casamento, à Casa Plantageneta.

Dá para imaginar como era complicado o casamento naquele tempo sem Facebook, Instagram, telefone, e-mail. Por outro lado, era possível e até mesmo provável que todos catingassem e tivessem piolhos. Só o interesse explicava os casamentos, como continua explicando até hoje. O amor acaba e o interesse é eterno, dizem as más línguas. Hoje é o Dia da Cozinheira, do Guia de Turismo e da arma de cavalaria do Exército.


Ruminanças

“O bom casamento é um eterno noivado” (Theodor Körner, 1791-1813).

ARNALDO VIANA - Mãe... de forno e fogão‏

Estado de Minas: 10/05/2014 



Duas décadas e meia de casamento, um casal de filhos. Típica dona do lar. Sempre foi. De cozinhar, de lavar, de passar, de arrumar a casa. De cuidar do marido nas dores do corpo e da alma. De fazer o xarope caseiro para curar a gripe das crianças. De levá-las à escola, missão que só abandonou quando a adolescência do menino e da menina chegou. Nunca reclamou. Nem das noitadas do companheiro com os amigos em dias de futebol. Amélia, como a personagem da música de Mário Lago e Ataulfo Alves? Pode ser. Mas é o que ela sempre soube fazer de melhor. Ser mãe, mulher e dona de casa.

Mas tinha lá seus sonhos. Um dia, diante da TV com o marido e os filhos, viu uma curta reportagem sobre o Uruguai. Já tinha certa admiração pelo país às margens do Rio da Prata. Uma manhã, folheou a edição especial de uma revista de turismo dedicada a Montevidéu. A cidade, pela arquitetura e pelo urbanismo, a remetia ao romantismo. E havia ainda Punta del Este. E não houve como não suspirar fundo naquela noite diante da televisão com toda a família reunida. Não esperava nada. Mas, quem sabe? A filha já estivera na Irlanda, o filho em Miami e o marido viajara duas ou três vezes atrás de time de futebol. Ela? Nunca saiu do país.

O suspiro, involuntário, poderia ter chamado a atenção. Quem sabe? O intenso desejo de conhecer o Uruguai a levou a comentar com a irmã, que mora no Rio de Janeiro. Um mês antes do Dia da Mães, a irmã ligou. Havia comprado um pacote para duas pessoas: cinco dias em Montevidéu e cinco em Buenos Aires. Viajariam da capital uruguaia à capital argentina por água, pelo catamarã. “Confirmo com você depois, pode ser que eu tenha uma surpresa em casa…”

Chegou o Dia das Mães. Fez aquele almoço típico das famílias mineiras. Arroz de forno, frango assado, queijo, goiabada… Arrumou um pouco os cabelos, botou o melhor vestido e todos à mesa. Abraços, declarações e os presentes. Primeiro, o filho: “Mãe, vi esse aparelho em uma loja e não resisti. É mais que um rodo. Não precisa mais passar pano no chão”. Depois, a filha: “Mãinha, esse jogo de pano de pratos é lindo, bordado à mão. Vai adorar.” Por último, o maridão: “Um jogo de panelas novo. Esmaltado, tampa, de vidro. Sua cozinha vai ficar um luxo só”.

Ela olhou os presentes. Se é que àquela altura poderia chamar aquele arsenal caseiro de presentes. Pasma! Duas décadas e meia de dedicação, de avental engordurado, luvas, vassoura, bucha encharcada de detergente... Ahh, e o Uruguai, Montevidéu… Mal olhou para os presentes. Pegou o telefone e ligou para a irmã. “Pode confirmar a viagem. Já estou indo.” Só depois de desligar o aparelho olhou para o marido e os filhos, que a encaravam com espanto.

Pergunta do Negão 1: Viu o pacote de benefícios que a Lei Geral da Copa concede à Fifa? Inclui isenção de certos impostos. Na discussão do texto da lei, o chefe da Advocacia Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, ao defender o acordo do governo com a entidade do futebol, teria dito: “A Fifa não pediu ao Brasil que organizasse o Mundial”. Alguém aí pediu para nascer no Brasil? Não! E alguém aí deixa de pagar imposto por causa disso? Eu, hein!

Pergunta do Negão 2: Roubaram um leão de 300 quilos. Cidadão estranhou: “Como se rouba um leão?”. Não roubaram, nas barbas do governo e da polícia do Rio, seis vigas de aço da Zona Portuária carioca, cada uma pesando 20 toneladas? Façanha para guindastes poderosos, carretas de 40 rodas, esquema especial de trânsito… E alguém viu? E um leão, um leãozinho de nada, alguém iria ver?