domingo, 16 de março de 2014

MARTHA MEDEIROS - A arte de perder

Zero Hora 16/04/2014

Quando algo é subtraído da minha vida, logo lembro o poema de Elizabeth Bishop, A Arte de Perder, em que ela diz que perder não é nenhum mistério. Só perdi bobagens na minha infância e puberdade, nada que fizesse falta a ponto de me doer até hoje. Depois, adulta, perdi alguns afetos importantes (“tantas coisas contém em si o acidente”), e agora dei para perder itens materiais que desaparecem de uma hora para outra. Começou com minha carteira recheada de documentos e cartões, sumida num passe de mágica, nunca mais a vi.

Dia desses, bobeei de novo. Das primeiras horas da manhã até o início da noite, revirei a casa atrás do meu smartphone (“perca um pouquinho a cada dia”), e acabei encontrando-o muito tempo depois em cima da máquina de lavar, no modo silencioso, entre uma pilha de jornais – esquecido em algum momento em que fui dar de comer para o gato na área de serviço.

Comentei recentemente que estou entrando na fase de não juntar lé com cré (“depois perca mais rápido, com mais critério: lugares, nomes, a escala subsequente”), as palavras evaporam da lembrança – isso durante conversas fiadas. Textos por escrito se salvam porque podem ser pensados e repensados antes de irem para o jornal.

Não perco a fé, pois um lampejo de crença é preciso ter para levantarmos da cama todas as manhãs, mas cada vez que assisto aos telejornais e suas más notícias, a esperança desaparece como uma carteira, um celular. Não sei se voltará.

“Aceite, austero. A chave perdida, a hora gasta bestamente”.

Perder chave não é problema, sempre há uma sobressalente, e a hora gasta bestamente é perda divertida, saudável, moleca, venero as horas gastas bestamente. Sou pontual não só por educação, mas para me sobrar tempo para o nada.

Mas andei perdendo meus óculos de grau. E isso mudou tudo, cara Elizabeth Bishop.

Encomendei um novo que levou 10 dias úteis para ficar pronto, 10 dias que para mim foram de imagens turvas, nebulosas. Não enxergava as mensagens que chegavam pelo celular (aquele que perdi e recuperei), nem os sensacionais contos de Nu, de Botas, do Antonio Prata (sobre a infância que perdemos e que no livro ele recupera), nem o aviso na parede do prédio sobre a próxima reunião de condomínio, que sempre perco e desse mal não me recupero. Meus óculos de grau, onde ficaram?

Perdi na beira de uma praia de Santa Catarina, ali, na areia, lugar da adolescência que perdi, mas também recuperei – a maturidade tem dessas proezas.

“É evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério”.

Escrevo. Meio cega às vezes, com menos poesia do que gostaria, aturdida com minhas distrações, mas ainda escrevo – para não me perder.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Viagem útil e inútil‏

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Viagem útil e inútil
Estado de Minas: 16/03/2014


Cena de Nebraska, filme dirigido por Alexander Payne (Sony Pictures/divulgação)
Cena de Nebraska, filme dirigido por Alexander Payne

Um velho de cabelos desgrenhados sai andando com dificuldade para buscar, num outro estado, o prêmio de US$ 1 milhão que julga ter ganho. O filho o recolhe nas ruas cheias de neve, tenta convencê-lo a voltar para casa. O velho torna a fugir em busca do prêmio. O filho resolve então acompanhar o pai nessa peripécia. A viagem se transforma num rencontro com pessoas da família, na revisão do próprio passado familiar do personagem e num diálogo com os mortos.

Mas o filme Nebraska é mais do que isso. Poderia dizer que é uma longa viagem pelo miolo dos EUA, mostrando a desolada paisagem da vida dos que moram no interior. Como diz a música do Raul Seixas, os personagens estão bebendo cerveja nos bares com a boca cheia de dentes esperando a morte chegar.

Mas a mim interessa outra trama que desentranho dessa estória: a viagem útil e inútil. Como pode uma viagem ser útil e inútil? Explico-me: no filme, o personagem constata que o documento que guardava não lhe dava direito ao prêmio. Outras pessoas, como ele, se enganaram. Não há prêmio algum. Enganaram-se mesquinhamente até aqueles que pensavam tirar vantagem do velho.

Lembrei-me de várias coisas correlatas. Primeiro, O velho e o mar: aquela novela de Hemingway na qual o velho pescador vai ao mar para buscar o enorme peixe. Pesca-o, mas o grande peixe é devorado por outros e o velho Santiago chega a seu porto apenas com o esqueleto. Analistas do texto de Hemingway dizem que isso é uma metáfora da vida, na verdade pescamos o nada, voltamos sempre com as mãos vazias.

Lembrei-me de que o tema de Nebraska (filme de Alexander Payne, descendente de gregos) se baseia na ideia da viagem, no sair em busca de algo e enfrentar a dubiedade do êxito e do fracasso. Outra aproximação se impõe: Moby Dick, novela de Herman Melville. Ou, se quiserem, a versão dessa estória no filme de John Huston que tem Gregory Peck como o capitão Ahab. O herói aplica toda a sua vida marinheira na caça a uma baleia gigantesca, que, afinal caçada, arrasta-o consigo para o fundo do mar.

Há quem veja aí também a metáfora da vida: êxito e fracasso misturados. Se em O velho e o mar o pescador (papel de Spencer Tracy no cinema) chega só com o esqueleto do peixe, no romance de Melville a pesca é um objetivo em si, derrotar o animal que nos fascina e nos derrota (em nossa vitória).

O tema da viagem se tornou importante desde Marco Polo. Nesse caso, a viagem era a revelação de outros mundos, riquezas e glórias. Dizem que Marco Polo inventou tudo aquilo. Se inventou, o fez muito bem, pois até hoje viajamos na sua viagem. Igualmente, viajantes que vieram à América em busca do El Dorado também buscavam US$ 1 milhão, o bilhete premiado. E assim por diante.

Pensem em Robson Crusoé. Foi buscar numa ilha o que a ilha em que vivia (a Inglaterra) não lhe dava. Isso tem algo a ver com a Ilha do Tesouro, no romance de Robert Louis Stevenson. Ou seja, o “prêmio” está sempre alhures, distante, numa ilha misteriosa, lá na longínqua e nevada Nebraska ou nos reinos fabulosos da China, como dizia o veneziano Marco Polo.

Mas podemos ainda estabelecer outro paralelo. Desta vez com a lenda universal da qual Paulo Coelho se apropriou, e essa apropriação lhe rendeu um verdadeiro tesouro. Refiro-me à estória do indivíduo que sonhou que tinha que achar um tesouro. Ele sai procurando tal riqueza pelo mundo até que, voltando derrotado para casa, descobre que o tesouro estava no seu quintal.

Nebraska passa por essas questões todas e adiciona algo. O velho que saiu em busca do prêmio constata que não havia prêmio algum a ser recebido. Apenas um boné com propaganda. Mas graças a essa viagem inútil/útil, ele, o filho e até mesmo sua família se conheceram melhor. E o velho (fracassado) volta vitorioso graças ao filho, que transitou com ele entre a realidade e o sonho. Assim, desfila na pequena cidade com seu carro novo e o boné. Segue impávido e feliz. Não ganhou o prêmio pretendido, ganhou algo mais, algo que é a transformação da derrota numa vitória possível.

TeVê

TV paga

Estado de Minas: 16/03/2014


DOIS LADOS Quando Mel Gibson (foto) estreou no cinema, as críticas foram mais que positivas, sendo ele comparado a Clark Gable e Humphrey Bogart. Fez sucesso com as séries Mad Max e Máquina mortífera, além de Coração valente. A boa fase, contudo, parece ter deixado o galã. O programa Mad Mel: Mel Gibson, que o BIO exibe hoje, às 18h, mostra como uma série de atos impensados fizeram com que a mídia passasse a dar mais atenção à sua desregrada vida pessoal, deixando uma mancha que, ainda hoje, abala sua reputação em Hollywood.

MÚSICA GLOBAL  Estreia hoje, às 21h, no Canal Brasil, a segunda temporada da série Beyond Ipanema – Ondas brasileiras na música global, que mostra a nossa música em diferentes lugares do mundo. Desta vez, a equipe do programa foi para os EUA, França, Itália, Japão e Portugal. A relação do fado e o atual kuduro e o interesse dos nova-iorquinos por sons regionais são alguns dos assuntos comentados por produtores, artistas e jornalistas.


Enlatados
Mariana Peixoto
mariana.peixoto@uai.com.br

Do Oscar para a TV
Com o Oscar de direção por Gravidade, Alfonso Cuarón está com a bola toda. Tanto por isso, o nome do mexicano é o destaque de Believe, que estreia quarta, às 20h, na Warner. Ele dirige o piloto e assina a produção executiva (função que é dividida com J. J. Abrams, entre outros). Produzida pela Bad Robot, empresa de Abrams, a história acompanha a trajetória de Bo (Johnny Sequoyah), uma pré-adolescente que começa a manifestar seus poderes de levitação, telecinese, a habilidade de controlar a natureza e prever o futuro. Criada por um grupo conhecido como True Believers, ela é deixada aos cuidados do fugitivo William Tate (Jake McLaughlin). Viajando de cidade em cidade, os dois tentam se manter a salvo daqueles que desejam explorar os poderes de Bo.

Inferno – Também na quarta entram no ar no site de streaming Netflix episódios de Um drink no inferno. Em 1996, Robert Rodriguez, discípulo de Quentin Tarantino, foi lançado. Com elenco de peso – George Clooney, Harvey Keitel e Salma Hayek, entre outros – ganhou continuações. A nova produção marca a primeira investida de Rodriguez no universo das séries. Depois de um ‘trabalho’ num banco no Texas, o assaltante Seth Gecko (D. J. Cotrona) e seu irmão Richie (Zane Holtz) apontam suas armas para o México. A série de 10 episódios ocorre no decorrer de uma noite e acompanha os irmãos Gecko em sua tentativa de despistar os policiais Earl McGraw (Don Johnson) e Freddie Gonzalez (Jesse Garcia).

Teen – Já o Sony traz três novidades nesta semana. Na quinta, às 22h, Once upon a time retorna em sua terceira temporada. Na sexta, às 21h, entra no ar a segunda temporada de Teen wolf. Logo depois, às 22h, estreia Twisted, também voltada para o público juvenil. O protagonista é Danny (Avan Jogia), adolescente que deixa a cadeia aos 16 anos, depois de cumprir pena por ter assassinado sua tia. Tentando recomeçar a vida, ele é logo envolvido em outro crime, quando um dos alunos da sua escola é assassinado.


Caras & Bocas
Simone Castro
simone.castro@uai.com.br

 (Roberto Nemanis/SBT)
Segundo tempo

Estreia hoje, às 10h, no SBT/Alterosa, a segunda temporada de Menino de ouro, reality que conjuga programa social e paixão nacional na atividade de centenas de pequenos boleiros brasileiros em busca da real oportunidade de candidatos a se tornarem um profissional de futebol. Os 13 episódios, um a mais do que em 2013, mostram os desafios técnicos e a batalha emocional e física desses garotos. O programa apresenta suas famílias, seus tutores, seus sonhos, medo e ídolos. Tudo isso somado à tensão da convivência dos jogadores no centro de treinamento (CT). Karina Bacchi (foto) é a repórter de campo e responsável por visitar a casa de cada um dos garotos, mostrar as histórias, as famílias e os amigos desses pequenos craques. “A segunda edição do Menino de ouro está ainda mais empolgante e emocionante! Acompanhar ainda mais de perto a história de cada menino e sua vida fora de campo tem sido um grande presente. O público vai se emocionar!”, afirma Karina. Na primeira etapa do reality, os inscritos no site do programa são avaliados e os escolhidos participam do peneirão que selecionará os 74 jogadores que seguem para o CT. Depois de um fim de semana de trabalhos táticos e físicos, os técnicos e campeões do mundo Zetti e Edmilson revelam as suas apostas e elegem os 22 garotos que vão seguir na competição. Os jogadores serão divididos em dois times: o vermelho, comandado por Edmilson, e o Azul, sob a batuta de Zetti. O jovem que se sagrar vencedor será o “Menino de ouro” e terá a oportunidade de treinar com um time paulista: Corinthians, Palmeiras ou São Paulo. O reality show é comandado pelo craque Paulo Sérgio, que aposta no sucesso da atração: “Vamos fazer um brilhante programa. Espero que quem estiver em casa curta bastante, porque vai se divertir, emocionar e chorar. Esse programa vai marcar”.

VIAÇÃO CIPÓ FAZ PARADA
NA CIDADE DE TIRADENTES


A bela cidade de Tiradentes é o ponto de parada do Viação Cipó deste domingo, na TV Alterosa. Confira um passeio de jardineira, um belíssimo resort, o museu do padre Toledo, os caminhos da APA São José. Mais: receita do Cipó.

REPRISE JÁ TEM DATA PARA
ESTREAR NO FINAL DA TARDE

A feia mais bela, que o SBT/Alterosa vai reexibir em 7 de abril, já tem horário definido na grade. A trama vai ao ar a partir das 17h30, em substituição a Por teu amor. Em seguida, virá Quem não viu vai ver, com estreia marcada para o dia 24.

PEDRO BIAL VOLTA COM
TUDO EM ÉPOCA DE COPA


Depois do Big brother Brasil, Pedro Bial se dedicará ao seu programa Na moral (Globo), que retornará à cena quando estiver rolando a Copa do Mundo. O primeiro episódio  vai debater a identidade nacional, relacionando o tema ao evento do futebol. Mas o apresentador e convidados discutirão novos temas que não necessariamente a paixão nacional.

BBB AINDA TEM QUATRO
ANOS CERTOS PELA FRENTE

A Globo renovou contrato com a Endemol, dona do formato do Big brother Brasil, até 2018, de acordo com o site Notícias da TV. Mas, ao que parece, o programa, que está no ar com a sua pior edição, divide opiniões na emissora. Há quem acredite que ainda há fôlego para o reality show; outros defendem a sua aposentadoria.

CRIANÇAS SE MOBILIZAM
EM DEFESA DO PLANETA

A TV Brasil exibe, a partir das 11h, a segunda temporada do programa Senha verde, projeto realizado em parceria com o Goethe-Institut e seis canais latino-americanos. A partir do ponto de vista das crianças, o telespectador é convidado a acompanhar realidades de Argentina, Uruguai, Colômbia, Venezuela, México, Chile e Brasil. São esses pequenos latino-americanos que, com muita brincadeira e poesia, mobilizam todos para cuidar do meio ambiente e acreditar que suas pequenas ações podem trazer grandes resultados. A ideia da série é reforçar o conceito de que o planeta é a nossa casa e a dividimos com outras pessoas, além da fauna e da flora. Entre os participantes brasileiros tem uma menina que vive em uma comunidade quilombola e outra às margens de um rio em uma reserva ambiental.

FERNANDA LIMA VAI SE
DESDOBRAR NA TELINHA

 (Raphael Dias/TV Globo-17/12/13)

Em alta na Globo desde o ano passado, em que o seu Amor & sexo se saiu melhor do que o esperado, Fernanda Lima (foto) voltará à ativa em breve. O programa, cuja temporada 2013 foi anunciada como a última, ganhou novo fôlego e retornará à grade no segundo semestre deste ano. Até lá, a apresentadora enfrentará outro desafio. A partir de abril, ao lado de André Marques, comandará o SuperStar, versão nacional do formato israelense Rising stars, em que o objetivo é encontrar uma nova banda. A nova atração será exibida aos domingos, depois do Fantástico (Globo). Será que vai colar?

Tereza Cruvinel - Guardar as armas‏

Tereza Cruvinel - Guardar as armas
Mercadante recebe amanhã o líder rebelde que o governo quis isolar

Estado de Minas: 16/03/2014


Está previsto, mas não anunciado, para amanhã um encontro entre o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o líder da rebelião parlamentar da semana passada, Eduardo Cunha, do PMDB. Depois de ter rachado o tal blocão, cooptando alguns partidos com afagos e concessões, o Planalto faz o primeiro aceno de paz ao desafiante que lhe impôs derrotas significativas. A crise na coalizão tende a arrefecer. Por ora, convém a todos cobrir as brasas com as cinzas da autodefesa: o horizonte está informando que a disputa presidencial não será um passeio.

Como toda crise, dessa alguns saíram feridos, outros fortalecidos. Até no Planalto se ouve que o líder da insurgência aliada, Eduardo Cunha, “cresceu muito” no episódio. O governo, em verdade, subestimou a força que ele já tinha nas bancadas quando aceitou a queda de braço e acabou levando uma sova no plenário da Câmara e nas comissões. Já o vice-presidente Michel Temer perdeu na crise a credencial de elo entre Dilma e o PMDB. Nem por isso está com o posto na chapa ameaçado. Já Eduardo Cunha, que sabe ouvir e seduzir, começa a empolgar o baixo clero como eventual candidato a presidente da Câmara no início de 2015, embora o atual, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), teoricamente possa disputar um segundo mandato. Isso vai depender, fundamentalmente, de qual partido elegerá a maior bancada. Hoje, quem tem mais deputados é o PT, que muito se arrepende de ter cedido a vaga ao aliado, dentro de um acordo de revezamento. Como o PMDB era majoritário no Senado, acabou ficando com as duas Casas, o que lhe deu enorme poder de pressão sobre o Planalto.

Muito mais que ministérios, emendas e imposições palacianas sobre a agenda parlamentar, o terror à hipótese de perder o comando do Legislativo é o que alimenta a raivosa inquietação do PMDB. Há algum tempo, sentiu-se dormindo com o inimigo ao captar sinais de que o PT estaria se valendo de todos os recursos propiciados pela cota maior de poder para eleger a maior bancada. E, assim, depender menos do PMDB e de outros aliados, promovendo, quem sabe, uma reforma política que favoreça os sonhos de longo prazo. Há um exagero nessa leitura. É bastante provável que o PT novamente eleja a maior bancada. É razoável supor que ela vá crescer, mas, no sistema partidário fragmentado que temos, nenhum partido fará muito mais do que 100 deputados, fração que não garante absoluta hegemonia no Congresso. Depois da Constituinte, quando o PMDB sozinho elegeu a maioria absoluta, ninguém repetiu o feito. Desde então, impera o inevitável presidencialismo de coalizão. Os presidentes chegam lá com milhões de votos, mas seus partidos não alcançam sequer os 20% das cadeiras da Câmara.

A refrega foi também o batismo de fogo do ministro Mercadante em seu novo cargo, ao qual chegou com implícito papel de chefe da articulação política do governo. Ele cometeu erros iniciais ao administrar as pressões dos aliados, chegando a dizer que, na campanha, todos vão querer tirar fotografia com Dilma para se eleger na garupa do favoritismo dela. Subestimou Eduardo Cunha, menosprezou o baixo clero e confiou demais no servilismo ao Executivo. Mas, depois que a situação desandou, aterrissou na realidade. Chamou cada partido do blocão para negociar, ouviu, concedeu, rachou o ajuntamento. Teria convencido a presidente a concluir de uma tacada a reforma ministerial, nomeando nomes de sua escolha, mas palatáveis ao PMDB. Agora, fará o mais complicado. Conversar com Eduardo Cunha, que o governo inicialmente planejou isolar. Na sexta-feira, confirmando o encontro, o líder disse à coluna: “Eu nunca me neguei a dialogar nem rompi com o governo. Mas, sem negociação, vamos derrotá-lo novamente no Marco Civil da Internet”. Evitar essa nova derrota é o desafio afirmativo de Mercadante.

Aécio e Eduardo

Ontem, no Rio, a coalizão PSB/Rede-PPS deve ter batido o martelo sobre a candidatura própria ao governo do estado, aprovando o apoio ao deputado Miro Teixeira, do Pros. O também deputado Alfredo Sirkis (PSB-RJ) já havia recusado a candidatura lá atrás, depois mudou de ideia. E, com isso, Eduardo Campos atende uma das três exigências de Marina Silva para ser confirmada como candidata a vice. Ela insistiu em candidaturas próprias também em São Paulo e no Amazonas. Os números das pesquisas convenceram Eduardo: nas simulações em que ela aparece como vice, seus índices quase duplicam. Em São Paulo, em vez de apoio ao tucano Geraldo Alckmin, haverá a escolha entre o deputado Walter Feldman (Rede/PSB) e o vereador Ricardo Young (PPS). No Amazonas, o apoio à deputada pepista Rebecca Garcia foi retirado, e lançada uma chapa puro-sangue, com o deputado estadual Marcelo Ramos para governador e o federal Marcelo Serafim para senador. No dia 27, os dois estrelam o programa de televisão semestral do PSB. Se tudo estiver resolvido, Marina pode até ser anunciada como vice no programa.

Campos vem fazendo críticas cada vez mais estridentes a Dilma, embora alvejando pontos já levantados pelo tucano Aécio Neves, agora empenhado em capitalizar as previsões de que a redução das tarifas de energia promovida pela presidente teria consequências para o setor elétrico. De carga tributária, crise federativa e barbeiragem na economia, Aécio já falava quando Campos ainda estava no campo governista, dizem os tucanos mais próximos ao candidato, garantindo não estar havendo ali nenhuma paúra com possibilidade de Eduardo, anabolizado por Marina, ultrapassá-lo e ficar com a vaga no segundo turno. Lembram que o PSDB tem capilaridade muito maior, que o socialista ainda tem muito caminho a andar para se tornar nacionalmente conhecido e que o estreitamento das alianças para atender Marina não o ajudará. Mas se for ele que chegar lá, é claro, terá o apoio tucano.

Um sinal de que a campanha já começou, mobilizando inclusive os artistas, como sempre ocorre, é a chuva de mensagens de celebridades na página de Aécio no Facebook cumprimentando-o pelos 54 anos completados no dia 10.

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Caixa de costura‏

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Caixa de costura
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 16/03/2014




Definitivamente, as coisas não são como queremos. Nunca serão. O mundo não foi feito para atender nossas vontades. Ele é duro e não se molda aos nossos desejos, vontades ou caprichos. Ao contrário, nós é que precisamos nos conformar ou aceitar a vida como ela é. Precisamos e devemos, pois ir na contramão é estar sempre em uma forma de guerra, de peleja.

As coisas são como são. Pela interferência humana alguma coisa pode se transformar. Podemos retirar do mundo o que precisamos para sobreviver, mas nunca podemos exigir que tudo saia a nosso gosto. Nossos atos são capazes de algum efeito no real e podem fazer cortes e costuras, moldando situações, tornando-as menos áridas. Mas há um limite intransponível diante do qual é preciso se deter. Acatar.

A começar pela sobrevivência da espécie, tão precoce ao nascer, quando dependemos do outro integralmente. E tudo que passa pela mão do outro tem o selo do dono e difere no de cada um. O desejo não coincide, a opinião diverge, o gosto nem se discute. A fé é de cada um e os objetivos são plurais. A multiplicidade é radical.

Isso tem consequências na vida prática, pois vivemos em face de tensões e conflitos diante das diferenças. Concordar sempre nos anularia, discordar parece tenso, não que o seja de fato. São as pessoas que têm medo de contrariar as outras. Algum resquício daquela dependência antiga ou efeito da educação para nos inserir na cultura.

Para nos ensinar a fazer laços, talvez nos ensine também a abrir mão de nós mesmos. A medida certa escondida de nossa capacidade nos faz errantes e seria preciso muita sabedoria para evitar as cabeçadas que têm suas raízes nas nossas miseriazinhas de cada dia.

Por isso, achei muito bonita a poesia que recebi de um amigo, que fala sobre a habilidade de lidar com coisas delicadas nem sempre a nosso alcance. Fala sobre a sensibilidade e a delicadeza que nem sempre tivemos. Sobre a possibilidade de manobrar melhor o real, como um tecido capaz de se tornar roupa do corpo. Com agulhas e linhas e, por que não?, tesouras, que nos permitam sempre melhores formas. O poema é sobre impossíveis desejos que queríamos realizar.

Caixa de costura
Janaína Cavallin

A gente podia poder costurar o tempo,
bordando em cima dos erros para que eles sumissem.
Costurar as pessoas que gostamos pertinho.
Costurar os domingos, um mais perto do outro.
Costurar o amor verdadeiro no peito de quem a gente ama.
Costurar a verdade na boca dos seres.
Costurar a saudade no fundo de um baú, para que ela de lá não fuja.
Costurar a autoestima bem alto, pra que nunca ela caia.
Costurar o perdão na alma e a bondade na mão.
Costurar o bem no bem e o bem sobre o mal.
Costurar a saúde na enfermidade e a felicidade em todo lugar.

ENTREVISTA/LYA LUFT » Vida em três tempos‏

ENTREVISTA/LYA LUFT » Vida em três tempos 

A escritora gaúcha lança, no mês que vem, O tempo é um rio que corre, no qual reúne textos em prosa e poemas com reflexões sobre a infância, a juventude e a maturidade 
 
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 16/03/2014


Chamado por ela de “irmão mais novo” de O rio do meio e de Perdas e ganhos, a escritora Lya Luft está com novo trabalho, O tempo é um rio que corre, que chega às livrarias de todo o país no início de abril, pela Editora Record. O livro é dividido em três partes: “Águas mansas”, na qual aborda temas relacionadas à infância; “Maré alta”, em que fala dos tempos da juventude; e “A embocadura”, voltada a assuntos ligados à maturidade, a perdas, inquietações e amores. O tempo é um rio que corre traz ainda poemas, que vão se intercalando aos capítulos em prosa. Lê-lo é fazer uma bela viagem ao coração da própria escritora, que não se poupou nem teve medo de revelar lembranças, algumas muito íntimas, mas generosamente compartilhadas com seus leitores, que provavelmente irão se identificar com muitas delas, como deve ser em trabalhos desse gênero. Nascida no interior do Rio Grande do Sul, autora de romances, livros de poesia e infantojuvenis, que lhe deram prêmios importantes, Lya Luft vem a BH lançar o novo livro em 28 de abril, no Palácio das Artes. Em entrevista ao Estado de Minas ela fala de suas memórias, dos diferentes momentos de sua vida e de sua relação sempre indignada com a política brasileira, sobre a qual não deposita o menor otimismo. “Precisamos deixar de vez o lado ideológico e cuidar do povo de verdade”, reivindica.


"Um pouco de bom humor faz bem, sobretudo com o passar do tempo. Nada pior que velhos chatos, nostálgicos, cobradores e ansiosos venerando a deusa juventude. É patético"


Na primeira parte de O tempo é um rio que corre, você volta com muita sensibilidade aos dias da infância. Como foi a experiência? Chegou a ser dolorido escrever sobre essa fase?
Tive uma infância feliz, amorosa, protegida, casa grande, jardim imenso, rede no terraço, numa cidadezinha tranquila rodeada de morros azuis. Minha imaginação a mil me dava trabalho: por toda parte via duendes, fadas, mas também monstros. Nada dolorido, não sou nostálgica, minhas raízes mais doces estão ali e tudo no fundo continua em mim, de forma muito positiva.

Estas lembranças da infância costumam voltar? Pensa muito nelas?
Não se sei se penso muito. Mas tudo isso está no meu livro Mar de dentro, onde narro memórias dessa fase, dos 2 anos e meio até os 12. Foi tudo muito mágico, onírico. Não penso nela, mas a infância está em mim como um fundamento luminoso, cheia de coisas engraçadas.

Em O tempo é um rio que corre você conta a história de quando te mandaram para o internato e da sensação de abandono, de não ser amada pelos seus pais. Como foi isso?
Foi uma sensação horrorosa de exílio, de injustiça, ou de ter cometido coisas muito graves para ser tão punida: aos 11 anos, quando fui para o internato, eu era uma meninota super inocente, minhas malcriações eram não gostar dos afazeres domésticos – embora minha mãe sempre tivesse duas empregadas, era de bom tom saber bordar, arrumar armários, essas coisas. Mas eu era rebelde, detestava ser controlada... tudo bobagens. A experiência do internato foi muito negativa.

Por aqueles dias você já vislumbrava que algum dia poderia ser escritora?
Nunca pensei nisso, nem quando jovem adulta. Sempre fui apaixonada por livros. Meu pai, advogado, tinha uma grande biblioteca, não só de direito, mas de literatura brasileira, portuguesa, francesa. Lia tudo que podia, uma confusão, ao mesmo tempo que devorava gibis, romances água com açúcar e teatro grego. Jovem adulta passei a escrever crônicas para jornais e traduzir, publicar crônicas e livros de poesia. Mas nunca me considerei escritora, achava – e continuo achando – isso coisa séria. Só com meu primeiro romance, As parceiras, lançado quando tinha 40 anos, foi que passei a sentir que afinal eu tinha nascido era para isso.

Infância, juventude e maturidade. Qual dessas fases da vida, no seu entender, é mais perturbadora?
Sem dúvida a adolescência é complicada. Não ser nem adulta nem criança; ter de obedecer a muitas regras (minha educação era severa), mas eu queria liberdade, ainda que para não fazer nada. Por ter todo esse lado de um ambiente intelectual em casa, lendo, por exemplo, coisas que minhas amigas e amigos nem sonhavam, havia certa solidão. Meu pai era meu parceiro nesse território, ele me formou em grande parte. E eu escondia isso dos outros, era a bagunceira da sala de aula... Por sorte, dos 15 aos 19 anos tive um namorado muito legal, alegre, parceiro, que me ajudou muito a não me sentir sozinha.

No livro você fala com muito carinho do Vicente, seu atual companheiro. O que encontrar esse homem significou para você?
Eu estava com 64 anos, realizada, tranquila, rodeada de amigos e família. Depois de ter ficado viúva duas vezes não pensava em ter uma nova relação. Mas eu e Vicente já estamos juntos há 11 anos e tem sido uma parceria importante, acho que para os dois. Estamos construindo isso e provavelmente vamos juntos até o fim da vida, de alguma forma crescendo juntos. Tivemos vidas muito diferentes em termos de origem e educação. Mas temos muito em comum: sensibilidade, amor à vida, amor aos livros, música, viagens. Nossa relação tem dado muito certo. Cuidamos um do outro, respeitando nossos espaços (ele tem a casa dele, onde também está seu escritório) e eu também tenho meu canto. Está bem.
Como você está vendo o Brasil atualmente. Dá ainda para ter alguma esperança?
O Brasil está num processo de deterioração; a política e os governos comandados pela ideologia andando de ré. Venerar Castro e Chávez? Ironizar e criticar o “imperialismo e capitalismo?”. Que coisa atrasada, meu Deus! Precisamos deixar de vez o lado ideológico e cuidar do povo de verdade, com mais escolas, saúde, moradia, dignidade sem bondades, ética rigorosa... Será ou seria um longo caminho de transformação. Não estou muito otimista.


O tempo é um rio que corre
. De Lya Luft
. Editora Record, 142 páginas

CINEMA » Água com açúcar reciclada‏

CINEMA » Água com açúcar reciclada 
 
Filmes românticos dos anos 1980 ganham versões destinadas ao público teen do século 21. Elencos de Amor sem fim e Sobre ontem à noite reúnem nomes emergentes em Hollywood 
 
Estado de Minas: 16/03/2014


Endless love: romance juvenil, que bebe na fonte de Romeu e Julieta (Universal Pictures/Divulgação  )
Endless love: romance juvenil, que bebe na fonte de Romeu e Julieta

Sobre ontem à noite, versão 2014, quer repetir a performance do original nas bilheterias (Sony Pictures/Divulgação)
Sobre ontem à noite, versão 2014, quer repetir a performance do original nas bilheterias

Cada época tem seus próprios astros. E Hollywood, como fábrica de sonhos, soube muito bem produzir os seus. Curiosamente, duas narrativas açucaradas ambientadas em Chicago e que tinham atores em ascensão nos anos 1980 ganharam refilmagens recentemente: Amor sem fim (do original Endless love, de 1981) e Sobre ontem à noite (About last night, de 1986). Somente os que têm boa memória (e foram jovens naquela época) devem se lembrar desses filmes. Hoje, as novas versões, ainda que com histórias semelhantes, visam a um público que poderia ser filho daquele que assistiu aos originais. Nos Estados Unidos, as duas novas versões chegaram juntas aos cinemas em 14 de fevereiro (o Dia dos Namorados no hemisfério norte). No Brasil, somente um deles vai estrear nas telonas: Amor sem fim deve ser exibido em 17 de abril.

Voltadas para o público jovem, as duas refilmagens, a exemplo do que ocorreu 30 anos atrás, trazem elencos que ainda galgam os primeiros degraus da longa escada hollywoodiana. O principal nome é o inglês Alex Pettyfer, protagonista de Amor sem fim, um drama com ares de Romeu e Julieta contemporâneo. Esteve no elenco secundário de Magic Mike (foi escalado para a continuação) e O mordomo da Casa Branca. No drama juvenil dirigido por Shana Feste, ele é David Elliot, jovem que se apaixona por Jade Butterfield (agora interpretada pela conterrânea Gabriella Wilde), garota rica e inacessível que não demora a cair de amores por ele. Como os Montecchios e Capuletos, o casal tem que enfrentar um opositor de peso: o pai da menina, radicalmente contra o relacionamento.

Amor sem fim original apresentou Brooke Shields no auge da fama – um ano antes, ela havia estrelado A lagoa azul. Dirigido pelo italiano Franco Zeffirelli, esse filme teve bastante repercussão na época (de público, pois pela crítica não foi longe: recebeu seis indicações ao Framboesa de Ouro, o “Oscar dos piores”), mas não tanto quanto sua música-tema, defendida de maneira insuportavelmente doce por Lionel Richie e Diana Ross. O dueto emplacou rapidamente um primeiro lugar nas paradas americanas e repercutiu ao longo dos anos: na década de 1990, Mariah Carey e Luther Vandross reeditaram a dobradinha. No Brasil, até mesmo Renato Russo se derreteu por essa canção (há um registro ao vivo no álbum póstumo Presente, de 2003).

Os tons rosados que as versões cinematográficas de ontem e hoje ganharam contradizem a matéria-prima. É em tons obscuros que o escritor Scott Spencer descreve o romance de David (que chegou a ser internado numa instituição psiquiátrica) e Jade. Publicado em 1979, o livro vendeu dois milhões de exemplares. Já o tom de Sobre ontem à noite é bem mais leve, porém irônico. Adaptação de uma peça de David Mamet, o filme mostra a relação de dois casais em Chicago. O principal é formado por Danny e Debbie, que se conhecem no bar e começam um relacionamento depois que passam a primeira noite juntos. O filme original, que traz personagens yuppies, acompanha um ano do casal, seus rompimentos e reconciliações. O que dita a passagem temporal são os feriados deste primeiro ano.

Química Demi Moore e Rob Lowe já tinham química comprovada nas telas, pois viveram os personagens mais problemáticos de outro filme que virou febre na década de 1980, O primeiro ano do resto de nossas vidas (realizado um ano antes de Sobre ontem à noite). A versão 2014, dirigida por Steve Pink, traz um elenco negro e teve uma boa recepção – a Variety afirmou que a refilmagem “visa a sensibilidades mais amplas” do que o filme de 1986. Também não fez feio na bilheteria. No fim de semana de estreia, bateu nos EUA o blockbuster RoboCop. O casal principal é interpretado por Michael Ealy (atualmente em cartaz na série Almost human) e Joy Bryant (também mais conhecida por papéis na TV, está no elenco de Parenthood). Infelizmente, no Brasil, o filme, que iria chegar aos cinemas nesta semana, foi cancelado e irá direto para o mercado de homevideo.

Versão brasileira
Sobre ontem à noite foi inspirado em peça do dramaturgo norte-americano David Mamet de 1974, Perversidade sexual em Chicago. Em 1989, a montagem ganhou versão brasileira, sob a direção de José Wilker. No elenco, dois casais de atores: Paulo Betti e Eliane Giardini, José Mayer e Vera Fajardo. Sobre a peça, Wilker comentou: “Foi uma unanimidade. A crítica odiou e o público adorou”.


Para refrescar a memória
» Tom Cruise era um ilustre desconhecido em 1981. Pois foi em Amor sem fim que ele fez sua estreia no cinema de maneira muito tímida. Interpretou Billy, amigo de David, o protagonista.

» Outro nome que apareceu, também discretamente, no drama de Franco Zefirelli foi James Spader. Na época assinando Jimmy Spader, ele foi o irmão da personagem de Brooke Shields. Este foi seu segundo filme.

» Se Cruise e Spader despontaram em Amor sem fim, seu protagonista masculino, Martin Hewitt, não chegou a ir muito além. Depois da experiência, participou de filmes menores e fez algumas séries. Sua mais recente aparição foi em Plantão médico, em 2003.

» Sobre ontem à noite tem momentos bem-humorados quando entram em cena os atores James Belushi (na época bem conhecido graças ao Saturday night live) e Elizabeth Perkins (outra que sempre se sobressai como coadjuvante). A atriz estreou no cinema com esse trabalho.

»  Outra estreante na comédia dramática foi Catherine Keener. Não foi propriamente um papel, mas uma ponta. A atriz de Quero ser John Malkovich fez uma garçonete.

Em busca do diagnóstico precoce [hepatite C]

Em busca do diagnóstico precoce 
 
Susto e angústia são as principais reações de quem descobre estar com hepatite C, doença crônica transmitida por vírus, que ataca silenciosamente e provoca lesões no fígado 
 
Celina Aquino
Estado de Minas: 16/03/2014




Susto ao receber o diagnóstico, revolta por não ter descoberto antes a doença, angústia durante a espera pelo resultado do longo tratamento, medo de lidar com o preconceito. O abalo emocional é comum entre pacientes com hepatite C, doença crônica transmitida por vírus que provoca lesões no fígado. Muitos chegam a se isolar, com receio de contaminar quem está por perto. "Não deve haver grandes mudanças na vida, pois dá para conviver normalmente com a doença. Tem que haver vigília", defende a psicóloga Cláudia Cristina da Cunha, uma das fundadoras do grupo que reúne pacientes, familiares e profissionais de saúde no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Com o trabalho, ela enxergou a necessidade de resgatar a qualidade de vida dos participantes.

Como a hepatite C é uma doença silenciosa, os pacientes não costumam apresentar sintomas específicos e nem imaginam que estão contaminados. A grande maioria descobre o vírus por acaso, principalmente na hora de doar sangue ou realizar exames pré-operatórios. "A primeira reação é o susto. Normalmente, são pessoas de 45 a 60 anos, com família constituída e a doença carrega o estigma de ser sexualmente transmissível", relata a psicóloga. Na verdade, o vírus é transmitido com mais frequência por meio de instrumentos perfurantes e cortantes contaminados (incluindo agulha, injeção e alicate de unha) e transfusões de sangue realizadas antes de 1992, quando a coleta passou a ser testada.

Passado o susto, vem a revolta ao perceber a demora para diagnosticar a doença. De fato, o exame de sangue para detectar a presença do vírus da hepatite C não é considerado de rotina, apesar de ser disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para buscar um diagnóstico precoce, o infectologista Paulo Abrão Ferreira, coordenador do ambulatório de hepatites virais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), defende que todas as pessoas com risco maior de adquirir a doença (por transfusão de sangue, histórico de uso de drogas, comportamento sexual desprotegido, piercing ou tatuagem) devem fazer o teste. A idade também deve ser considerada, pois quem viveu a juventude entre os anos de 1970 e 1980, época de maior transmissão da doença, tem mais chance de ter sido contaminado. "É provável que 80% dos pacientes não saibam que estão doentes, o que gera dois problemas: eles não se tratam e podem potencialmente continuar a transmitir o vírus", analisa.

FIBROSE Há quatro anos acompanhando o grupo da UFMG, Cláudia comenta que o maior medo dos pacientes é morrer. Segundo o infectologista da Unifesp, a hepatite C é a doença do fígado que mais mata no mundo. Ao longo de décadas, o vírus provoca uma inflamação crônica, levando ao surgimento de fibrose (espécie de cicatrizes) no fígado, quadro que pode evoluir para cirrose e câncer. Há casos em que é necessário recorrer ao transplante. Por outro lado, Ferreira destaca que há esperança quando a doença é descoberta precocemente. Em média, 70% dos pacientes tratados a tempo conseguem alcançar a cura.

O tratamento padrão dura 48 semanas. A coordenadora do ambulatório de hepatites virais do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG, Rosângela Teixeira, explica que os medicamentos combatem o vírus, prevenindo a evolução da doença, mas em fase avançada as lesões no fígado não podem ser revertidas. "Uma vez instalada a cirrose, o processo é irreversível. O especialista, então, vai avaliar a condição hepática e determinar qual é o melhor tratamento. Nem todas as pessoas têm indicação ou condição clínica favorável para tomar os remédios", pontua. Rosângela adianta que novas opções terapêuticas devem chegar ao Brasil nos próximos anos e favorecer pacientes que não toleram o tratamento convencional, como aqueles com doenças cardíacas, insuficiência renal e cirrose avançada.

SERVIÇO


O grupo voltado para pacientes com hepatite C se reúne toda última quarta-feira do mês, ao meio-dia, na Faculdade de Medicina da UFMG. Com uma hora de duração, o encontro é aberto a toda a população. Para mais informações, interessados devem ligar para (31) 3409-9906.


Preconceito ainda é grande

Além de novos medicamentos, a especialista espera ver um avanço em relação ao preconceito que a sociedade impõe aos pacientes com hepatite C. "Por desconhecer a forma de transmissão, as famílias criam barreiras de contato com as pessoas infectadas pelo vírus. A contaminação não se dá com beijo, abraço e nem na relação sexual. A doença é transmitida pelo contato de sangue", ressalta. Rosângela esclarece que o cuidado é não compartilhar objetos que promovam contato, mesmo mínimo, com o sangue de outra pessoa. A psicóloga Cláudia Cunha acrescenta que, em muitos casos, são os próprios pacientes que se isolam. Por isso ela defende que só a informação pode acabar com o estigma da doença.

Diagnosticada com hepatite C ao tentar doar medula óssea, a aposentada Ivete Giovanini, de 61 anos, demorou mais de dois meses para contar para a família. "Foi um susto muito grande. Não conhecia a doença e quis estudar primeiro sobre como poderia ter sido contaminada. Descobri que, na década de 1980, tive que fazer transfusão no parto. Só depois que soube do que se tratava, reuni meu marido e meus dois filhos no lanche da tarde", relembra. Sempre alegre, Ivete se isolou diante do preconceito e começou a apresentar sinais de depressão. Há um ano, a aposentada criou a Organização dos Pacientes com Hepatites Virais de Minas Gerais Pró-Cura + Saúde, organização não governamental (ONG) que, além de ajudar quem precisa de tratamento, quer acabar com o preconceito, incentivando os pacientes a falar sobre a doença.

INFORMAÇÃO Estudos demonstram que a hepatite C é uma das doenças que mais provoca queda da qualidade de vida, revela a gastroenterologista Luciana Diniz Silva, que acompanha os participantes do grupo da UFMG. "Provavelmente, além das alterações psiquiátricas (veja Enquanto isso...), eles vivem a incerteza. Saber que a doença pode evoluir para cirrose e câncer, a angústia de receber ou não o tratamento, conviver com o estigma que é ter hepatite na sociedade", analisa. Há quatro anos, profissionais da saúde – médico, psicólogo, psiquiatra, farmacêutico, educador físico, nutricionista e enfermeiro – trabalham para buscar a qualidade de vida das pessoas atendidas no Hospital das Clínicas. Luciana informa que o olhar é centrado no paciente com hepatite C, e não no fígado com vírus.

Poucos são os participantes que abandonam o tratamento. A gastroenterologista acredita que um passo importante para garantir o bom resultado é tornar o indivíduo conhecedor da doença e consciente das possibilidades médicas. "Também é importante ser gentil nas relações e escutar os pacientes para conhecer suas angústias, medos, aflições e metas. Eles se sentem acolhidos e aderem melhor ao tratamento. Vão procurar você antes de parar de tomar o medicamento e vão contar se ingeriram bebida alcoólica", acrescenta. Nos encontros mensais, a psicóloga Cláudia Cunha incentiva os participantes a falar sobre a hepatite C. "Assim, eles percebem que não são os únicos nessa situação e enxergam na história do outro o que podem fazer para conviver bem com a doença."


Enquanto isso...

...Estuda-se a relação da
hepatite C com a depressão

A depressão acomete entre 1% e 6% da população mundial. Entre os pacientes com hepatite C, a realidade é bem diferente. A gastroenterologista Luciana Diniz Silva informa que cerca de 30% das pessoas que descobrem a doença apresentam quadro depressivo, sendo que o número pode chegar a 70% durante o tratamento. Recentemente, pesquisadores norte-americanos encontraram material genético do vírus da hepatite C no sistema nervoso central de pacientes, mas ainda não é possível confirmar se a doença causa depressão ou a resposta inflamatória que agride o fígado é desencadeada em depressivos. Independentemente de causa e efeito, a psicóloga Cláudia Cristina da Cunha constata que a maioria dos pacientes é diagnosticada com transtorno depressivo, um dos principais fatores de queda da qualidade de vida. Acredita-se, portanto, que tratar o problema psiquiátrico melhora a doença.

PERFIL » Devagar, chegou longe [Guido Mantega]

PERFIL » Devagar, chegou longe 

Ministro da Fazenda desde 2006, o italiano Guido Mantega está prestes a se tornar o que mais durou no cargo em período democrático no Brasil. Sua influência é crescente 
 
Paulo Silva Pinto
Estado de Minas: 16/03/2014





Brasília – GM. Para qualquer burocrata que viva na sopa de siglas da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, essas duas letras significam poder. Seja em um memorando, um e-mail, ou mesmo na sinalização interna dos edifícios. Querem dizer gabinete do ministro. Mas, pela onipresença e por ser sinônimo de mando, bem que poderiam representar Guido Mantega. Além da presidente Dilma Rousseff, ninguém tem mais influência no governo do que o ítalo-brasileiro que nasceu em Genova em 1949 e chegou a São Paulo com 3 anos. Isso não ocorre apenas porque ele controla o Ministério da Fazenda, o principal dos 39 que existem hoje. Suas decisões extrapolam os limites do cargo. Espalham-se por outras pastas, estatais, fundos de pensão e, por meio deles, empresas privadas.
No próximo dia 27, Mantega vai completar oito anos no cargo. Ultrapassará Pedro Malan como o que mais tempo sentou-se na cadeira em governos democráticos. Considerados também períodos de autoritarismo, perderá apenas para o gaúcho Artur de Souza Costa, titular da Fazenda entre 1934 e 1945, quando Getúlio Vargas era presidente. Entre 1939 e 1941, porém, por 26 meses, ele entregou o comando do ministério a um interino, Romero Pessoa, sem contar outras licenças mais curtas. No almoço com empresários na semana passada, após a reunião sobre a MP 627, o assunto veio à tona – e Mantega lembrou o período que Souza Costa permaneceu afastado do cargo. Na contagem líquida, ele é o recordista de todas as épocas.
Em termos de influência, só fica atrás de Antonio Delfim Netto, que ocupou o cargo entre 1969 e 1974, nos governos Arthur da Costa e Silva e Emilio Garrastazu Medici – no mandato de João Figueiredo, de 1979 a 1985, viria a comandar sucessivamente as pastas da Agricultura e Planejamento. “Mas Delfim era praticamente o presidente do Brasil”, compara o economista Paulo Sandroni, que já dividiu uma sala com Mantega na Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde o atual titular da Fazenda ainda é professor.

Paradoxalmente, Mantega é visto por muita gente como alguém que se limita a abaixar a cabeça para o que determina Dilma. “Em qualquer governo, o ministro da Fazenda faz o que o presidente manda”, explica Delfim, instalado hoje na sua consultoria, a Ideias, no bairro paulistano do Pacaembu. A frase de Delfim sintetiza a essência de um poder forte exercido por delegação. Só o conquista quem atua em sintonia perfeita com o primeiro mandatário, sem receio de ser ofuscado.
Mantega está quase todo dia na agenda de Dilma, para tratar de variados assuntos. Socorro ao setor elétrico? Chama-se o ministro da Fazenda. Negociação de acordos comerciais com outros países? Idem. E assim vai, da política industrial à agrícola. Pode-se argumentar que são temas que têm viés fiscal. Mas em outras épocas, a área econômica do governo não era ouvida em tantos detalhes das decisões.

Trajetória Em 2006, Mantega era presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) quando foi chamado para substituir o então ministro Antonio Palocci. Progressivamente, o novo titular da Fazenda foi ganhando a confiança do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, apesar da longa convivência entre ambos, mantinha dúvidas sobre a capacidade do ministro de comandar a economia. No segundo mandato de Lula, a política econômica assumiu feições bem mais intervencionistas.

Quando Dilma tornou-se candidata, teve de deixar não só a Casa Civil, mas também a Presidência do Conselho da Petrobras. Passou o assento a Mantega. Quando eleita, especulava-se que o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, poderia virar ministro da Fazenda. Mantega não apenas foi confirmado no cargo, como continuou a concentrar poder. Foi dele a palavra final sobre a escolha de Alexandre Tombini para a presidência do Banco Central.

Se Dilma for reeleita, Mantega continua no cargo? Ele tem dito que não quer. Mas as apostas, na política e no mercado, convergem para o nome que, se confirmado, embutirá o endosso de Mantega: o atual presidente do BC.

Bem me quer, mal me quer

Mantega enfrenta a resistência entre banqueiros e até entre empresários. Uns veem injustiça, outros querem sua saída

Paulo Silva Pinto e Vicente Nunes


O então presidente Lula discursa na posse do economista como ministro da Fazenda, em 2006. Ele chegou ao cargo apesar da rejeição entre bancos (Iano Andrade/CB/D.A Press %u2013 28/3/06)
O então presidente Lula discursa na posse do economista como ministro da Fazenda, em 2006. Ele chegou ao cargo apesar da rejeição entre bancos



Brasília – No início de 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva estava prestes a disputar o quarto pleito presidencial, seu principal conselheiro econômico, Guido Mantega, fez uma palestra a investidores em Nova York, seguida de sessão de perguntas. Ressaltou o histórico de responsabilidade fiscal de prefeituras e governos estaduais comandados por petistas. Mas não empolgou a plateia.
Só em junho daquele ano, com a “Carta ao povo brasileiro”, escrita pelo cientista político André Singer e assinada por Lula, a desconfiança se dissipou. Mas o mercado financeiro insistia para que Lula, se eleito, não escolhesse Mantega ministro da Fazenda. Assim foi feito. Quando o primeiro operário chegou ao poder no Brasil, o comando da economia foi entregue ao médico Antonio Palocci.

Resistem, 12 anos depois, as diferenças entre Mantega e a banca, sobretudo a do exterior. No país, ele segue distante do presidente da maior instituição privada, Roberto Setúbal, do Itaú. Já com o principal executivo do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, há empatia. Não por outra razão, ele foi escolhido por Mantega o interlocutor no sistema financeiro.

Quem minimiza esses entraves lembra que a oposição de banqueiros e parte dos empresários não impediram Mantega de chegar ao Ministério da Fazenda em 2006 e lá permanecer até hoje, por tempo recorde. “Há injustiça no julgamento do Guido. Ele é um homem competente”, afirma o ex-ministro Delfim Netto.

Uma boa medida para a eficiência do ministro da Fazenda é o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) que se consegue. Em oito anos, Pedro Malan teve média de 2,36%. Palocci, com apenas três anos completos, fechou com 3,03%. Mantega fica no topo do pódio: até agora, fez 3,45%. Mas o primeiro quadriênio dele, com média de 3,55%, foi superior ao segundo, com 3,35%. No ano passado, ficou em meros 2,3%.

O público, porém, não se atém a essa simples conta. “Mantega não apita nada”, afirma um executivo com alto cargo no mercado financeiro que pediu para não ser identificado. Ele acrescenta que o ministro tem dificuldades para expressar corretamente o que pensa. “Não é algo insuperável. Ele deveria optar por frases mais curtas, sucintas.”

Em junho de 2012, quando analistas do banco Credit Suisse reduziram a previsão de crescimento do PIB brasileiro para 1,5%, ele desdenhou. “É uma piada. Vai ser muito mais do que isso”, afirmou à época. No fim do ano, mesmo a estimativa do banco suíço revelou-se excessivamente otimista: a expansão da economia brasileira não passou de 0,9%.

Outro executivo de banco, também adepto do anonimato, vê nos defeitos de comunicação do ministro algo mais sério do que a dificuldade para se expressar. “Ele fala coisas polêmicas. Dá a impressão de que a política monetária depende de aval do Palácio do Planalto”, exemplifica. Para o executivo, mais do que mera incontinência verbal, o problema é resultado de um viés equivocado de pensamento. “Este é um governo que acredita em intervenção. O Mantega se encaixa nisso”, diz.

País vulnerável Para complicar ainda mais as coisas, o Brasil foi colocado, no mês passado, em segundo lugar em uma lista de 15 países vulneráveis que a presidente do Federal Reserve (Fed), Janet Yellen, apresentou ao Congresso norte-americano. Delfim vê aí um exemplo das injustiças sofridas pelo ministro. Ele viu nisso uma resposta à crítica feita por Mantega em 2011, quando disse que a desvalorização do real era causada pela injeção de recursos do Fed na economia dos Estados Unidos.

“No fundo, é uma espécie de vingança. Quando o Guido disse que tinha uma guerra cambial, aquilo amolou demais o Fed. Porque era verdade. Na primeira oportunidade, resolveram tirar um sarro. Construíram um índice que leva em conta seis indicadores ponderados. Então disseram: onde o Brasil é pior, eu aumento o peso. Onde o país é bom, eu reduzo. Aquilo não tem o menor valor. Mas o mercado acredita”, afirma o ex-ministro. Uma amostra dos problemas de imagem que ele enfrenta no exterior é que, no fim de 2012, a revista britânica The Economist defendeu a sua saída. No mês passado, foi a vez de outra publicação do país, o jornal Financial Times. “A saída dele faria toda diferença”, diz um executivo com alto cargo em um banco.