sábado, 15 de março de 2014

Barulho de chuva - Carlos Emilio

De Carlos Emílio Faraco
(Algum dia, eu escrevi isto. Tava procurando, porque hoje a sensação foi a mesma):

Acordar com barulho de chuva sem chuva deixa um vazio como aquele átomo de segundo que separa uma mascada e outra no chiclete: é dureza de um dente batendo no outro quando se espera o amortecer-colo da maciez paradoxalmente desafiadora e doce da borracha. 
Chuva sem chover: a mente molhada de suor olha pela vidraça como criança pobre esperando, mais uma vez, o presente de Natal que não virá. 
Mesmo em entrechoques, contudo, convém desejar bom dia, pois não existe dia que nasça ruim. Depende muito da rigidez da casca.
https://www.facebook.com/cefaraco/posts/10152270090959631?stream_ref=10

O país dos sectários - Cláudia Laitano

Zero Hora 15/03/2014

Anos atrás, deixei de assinar definitivamente uma revista de circulação nacional depois de ler um artiguete contra o diretor Cacá Diegues. Na época, o que me irritou no texto, além do despropositado tom de linchamento moral, foi o fato de o autor – não identificado, se não me falha a memória – usar um assunto para, de fato, falar de outro. Cacá Diegues era esculhambado de forma covarde não pelo que faz (filmes), mas pelo que pensa (sobre política).

Todo veículo tem direito de expressar claramente seu ponto de vista político e econômico em editoriais e em artigos sobre política e economia, mas quando tudo, do Carnaval ao joguinho de totó, é analisado a partir de uma determinada perspectiva externa ao objeto em si, a chance de se ser intelectualmente desonesto (e de se dizer bobagem) é muito grande. Vale para esquerda, direita e todos seus matizes ideológicos.

O episódio do cancelamento aconteceu já há algum tempo. De lá para cá, o país de alguma forma mimetizou a revista. Ficamos mais sectários – ou pelo menos mais explicitamente sectários. As redes sociais popularizaram uma espécie de pensamento acrítico, disseminado igualmente nos grandes veículos de imprensa, que se esforça para acomodar todos os fatos dentro de uma pauta política, faça sentido ou não. A forçação de barra pode ser pueril ou infame, mas em todos os casos empobrece o debate e desvia o assunto para longe do que devia estar sendo discutido. Na verdade, essa postura dispensa totalmente o debate: antes de saber do que estamos falando, todo mundo já escolheu seu lado.

Três exemplos apenas desta semana. Primeiro, o ridículo. O Ministério da Saúde lançou uma campanha de vacinação nas escolas contra o vírus HPV. Alguns médicos são a favor, outros são contra. Um típico debate em que o público leigo deveria abaixar suas orelhas e apenas ouvir os especialistas de um e de outro lado antes de tomar qualquer posição. Foi o que vários jornais fizeram. Para os que defendem o governo em qualquer situação, porém, a conclusão foi imediata: os jornais estavam ouvindo opiniões contrárias à vacina porque a campanha foi lançada por um governo petista. Simples. Debater para quê, doutor?

Dois exemplos infames. Nesta mesma semana, a deputada federal Manuela D’Avila e a atriz Letícia Spiller foram assaltadas. Em um giro impressionante de eixo de debates, a tragédia pessoal das duas foi usada para atacar suas visões pessoais sobre política e direitos humanos. Aparentemente, pessoas que preferem que criminosos sejam julgados e não linchados, que acreditam que presídios não deveriam funcionar como matadouros e que educação de qualidade pode tirar jovens do caminho do crime merecem ser assaltadas ou, no mínimo, deveriam aproveitar o infortúnio para reavaliar tudo o que pensam sobre justiça social.

É mais ou menos como dizer que a moça que usa minissaia estava pedindo para ser estuprada: pura e simples cafajestice.

A boa e a má notícia - João Paulo

A boa e a má notícia
João Paulo
Estado de Minas: 15/03/2014

A cada dia o jornal cumpre a tarefa quase impossível de resumir um dia na vida dos homens e mulheres (Renato Weil/EM/D.A Press)
A cada dia o jornal cumpre a tarefa quase impossível de resumir um dia na vida dos homens e mulheres

Poucas profissões se preocupam tanto com o futuro como o jornalismo. De uns anos para cá, num exercício de masoquismo e pouco amor próprio, os jornalistas passaram a disputar uma triste loteria: quem daria o furo da morte anunciada da imprensa. O que a princípio parece uma confissão de humildade frente ao novo contexto da informação (ou novo ecossistema informativo, como querem alguns teóricos), na verdade pode esconder uma atitude de capitulação política. Nunca o jornalismo foi tão necessário como instrumento de contrapoder. Talvez por isso, quem detém o poder (em todas as suas esferas) contribua com tanta eficiência para fortalecer o sentimento de obsolescência do profissional. Não é hora de entregar ouro, mas de virar a mesa.

A má notícia é que de fato mudou profundamente o cenário da comunicação. Acabaram as barreiras de entrada – hoje é relativamente barato colocar informação no ar – o antigo modelo não responde mais à temporalidade de um mundo marcado pela imediaticidade; a digitalização do mundo mudou o modelo de negócio. Além disso, a independência financeira ficou refém da audiência com suas demandas pouco construtivas em termos sociais; o profissional perdeu o respeito por seu papel social em nome da fidelidade aos interesses corporativos; o valor intelectual foi substituído pelo ativo pouco confiável da emoção. Problemas financeiros, técnicos, políticos, conceituais, profissionais e éticos. Um pacote completo de pesadelos.

A boa notícia é que, depois de uma onda de pessimismo que varreu o mundo, o jornalismo começa a recuperar seu lugar. Os sinais podem ser vistos em vários contextos. No campo econômico, o interesse de empresários como Jeff Bezos e Warren Buffet em jornais impressos é um sinal de recuperação, pelo menos, do prestígio do jornalismo no contexto dos negócios. A inclinação ao uso da tecnologia, que no primeiro momento nivelou por baixo a imprensa em nome do entretenimento, começa a dar os primeiros resultados de um novo modelo de informação que não é apenas diferente, mas pode ser melhor, mais profundo e democrático. E, ainda, é possível perceber em todo o mundo um movimento em direção à importância da informação local, o que não deixa de ser antídoto à pasteurização dos modelos globalizados e anódinos. Algumas pessoas chegam a falar de “grande pequena imprensa”.

No campo da política, a denegação da imprensa como instrumento de oxigenação social, renovação dos discursos e vigilância do poder se tornou de um valor inegociável. O alinhamento automático com os projetos geopolíticos (os segredos e mentiras de guerras e corporações) e financeiros não se sustentam mais. O fundamental é que a percepção dos limites se deu pelo trabalho da própria imprensa. O jornalismo, em suas novas plataformas e modelos, foi o maior crítico do câncer da desinformação que vinha matando a imprensa como a concebemos. Revelação de segredos e estratégias de investigação autônomas e em rede foram alguns dos novos instrumentos que permitiram trazer de volta para o coração da cena o bom e velho jornalismo.

Esse balanço vai se tornando cada vez mais complexo e exige atualização permanente. Não há mais terreno para achismos no campo da comunicação. Os profetas do caos não mais se sustentam, os arautos do infoentretenimento estão na contramão do novo papel do jornalismo, os que atrelam a informação ao jogo dos interesses perderam seu lugar de conselheiros do poder e hoje correm atrás da credibilidade perdida. Recentemente, pesquisa ecomendada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República revelou um panorama que é preocupante, mas aponta pistas que precisam ser percebidas com atenção por quem acredita no jornalismo.

O mais abrangente levantamento sobre o setor identificou hábitos dos brasileiros no que diz respeito à busca de informação. Foram mais de 18 mil entrevistados entre 12/10 e 6/11.  Os resultados foram divulgados na semana passada. Em matéria e informação, a Pesquisa Brasileira de Mídia, em primeiro lugar, constatou o esperado: 76,4% das pessoas têm o hábito de se informar pela televisão. A surpresa foi a internet, veículo de informação de 47% dos brasileiros, atrás apenas dos ouvintes de rádio, que somam 61%. Os jornais são lidos no Brasil por apenas 13% da população, enquanto as revistas não passam de 3% entre as fontes preferidas pelo cidadão. Os dados se tornam ainda mais significativos quando são confrontados com a credibilidade dos meios. Nesse campo, os jornais melhoram muito sua marca e as revistas perdem ainda mais pontos: são pouco lidas e menos acreditadas ainda. A internet surpreende mais uma vez, com uma credibilidade crescente, sobretudo entre os jovens, além de ocupar mais de três horas por dia de seus frequentadores habituais.

O que a pesquisa traz, muito mais que a repartição de importância dos meios, é a identificação de um interesse muito claro pela informação. O brasileiro não desdenha do jornalismo, mas não se sente atendido pelos velhos modelos. Em outras palavras, talvez o jornalismo esteja mudando de plataforma, e com isso, criando novas formas de consenso e credibilidade, mais ágeis e em constante mutação. O discurso moralista, que no Brasil é bem típico da linguagem dos semanários, deixou de ter abrangência e eficácia, exatamente porque não está atento ao desejo de diálogo. Quem procura informação não quer encontrar o já sabido nem regras ditadas por professores de Deus. É essa a sensação que muitas vezes passam as revistas e os sites ligados a linhas ideológicas muito estritas e inflexíveis. Quem procura essas fontes não quer entender o mundo, mas reforçar seus preconceitos.

Não deixa de ser curioso que investigação de tal porte parta do setor governamental responsável por definir verbas publicitárias que irrigam os meios de comunicação. Há mesmo uma justificativa técnica para isso, já que a tradição vinha empurrando uma política de publicidade marcada por uma realidade que não se observa mais. Se a pesquisa vai redirecionar as verbas do setor é outra história. O que chama atenção é a localização, no mesmo empenho, de duas lógicas completamente distintas: a da informação e do financiamento, ainda que por via transversas. O resultado da pesquisa pode ter, para o governo, a serventia de indicar a melhor forma de aplicar os recursos do setor, de modo a abranger o maior número possível de pessoas, desde que se tome a informação oficial como insumo para exercício da cidadania. Já para o jornalismo, a utilidade precisa ser outra. Jornalista se preocupa com notícia, quem se interessa por dinheiro é o patrão.

No caso brasileiro, não é um acaso que a concentração de mídia nas grandes cidades guarde uma significativa homologia com o desenvolvimento econômico e com a força de pressão política. Não se trata de identificar quem veio primeiro, mas de constatar que a mídia sempre esteve a reboque do poder. Por isso o novo cenário, com o crescimento do interesse pelos assuntos locais, afeta exatamente o coração de todo o sistema. A oposição ao jornalismo feito na rede, por exemplo, vem quase sempre dos setores que querem preservar o que consideram a “grande mídia”, embora a pesquisa mostre que ela é cada vez menos significativa na formação da opinião pública.

Outras vozes Mas o que tem surgido como maior novidade no campo da informação não são as provocações do negócio nem as transformações da tecnologia. O maior desafio tem sido recuperar a significação política do jornalismo, atento exatamente às novas demandas postas pelo nosso tempo. A sociedade precisa, como nunca, ordenar as informações, ter transparência acerca das ações dos governos e grupos econômicos e franquear a palavra a todos os grupos sociais. O novo jornalismo, por natureza, precisa ser mais democrático e plural. As ferramentas estão dadas e a crise do antigo modelo exige experiências inovadoras.

Há algumas em andamento no mundo que merecem reflexão. Uma delas é o Huffington Post, um site criado em 2005 que propõe um novo conjunto de forças informativas: o jornalista, o expert e os internautas. A ideia de complementaridade serve, no caso do veículo, para dinamizar as diferentes formas como a informação circula na sociedade. O avanço e funcionalidade do Huffpost, no entanto, não esconde certa tendência opinativa excessiva, em detrimento da reportagem.

Outro exemplo, este bastante conhecido, é o investimento na publicação de documentos confidenciais, na linha promovida pelo WikiLeaks. A questão, que vem até hoje alimentando os debates no meio, diz respeito ao papel do WikiLeaks no avanço da imprensa livre. O que fundamenta este modelo de informação é a certeza de que os segredos existem para ser desvendados. O que o WikiLeaks trouxe de novo, além do trabalho profissional em rede, foi a criação de novos padrões de apuração e análise, capazes de competir com a máquina de mentiras e segredos localizadas no coração do poder.

No entanto, talvez o mais avançado de todos os projetos informativos atuais seja o do semanário alemão Die Zeit. Sem o proselitismo do Huffington ou o caráter guerrilheiro do WikiLeaks, a publicação parece ter descoberto uma fórmula que conjuga qualidade da informação, autonomia editorial, independência financeira, relevância social e sucesso econômico. Com cerca de 500 mil exemplares – o que hoje é um número significativo no ecossistema da competição midiática – o Die Zeit resolveu ir contra a corrente. Em desacordo às receitas dos consultores de negócios, publica artigos longos, documentados e sem medo de enfrentar grandes temas. Além, é claro, de fugir da banalidade e do sensacionalismo. Em outras palavras: faz jornalismo. E percebeu que é o que muita gente persegue na selva de irrelevâncias que se tornou o meio digital e os jornais que deixaram de lado seu DNA para se ater a frivolidades e bajulação.

Os jornais que entenderem essa lição têm tudo para dar a volta nas contingências de nossa época. Caso a qualidade seja de vez descartada por nosso tempo, o jornalismo não vai fazer falta. Notícias ruins correm soltas.  

Orelha

Orelha
Estado de Minas: 15/03/2014


George R. R. Martin vai às origens de As crônicas de gelo e fogo (Mario Anzuoni/Reuters)
George R. R. Martin vai às origens de As crônicas de gelo e fogo

Antes do início


Enquanto milhões de fãs em todo o mundo esperam o sexto volume de As crônicas de gelo e fogo (nada menos que a origem do seriado Game of thrones, exibido pela HBO), seu autor, George R. R. Martin, resolve surpreender mais uma vez. Em vez de ir adiante, ele lança uma coletânea de novelas, O cavaleiro dos sete reinos, passadas no mesmo reino de Westeros, só que um século antes de sua milionária saga. Em tempo: o novo capítulo de As crônicas… só deve sair no ano que vem.


Fantástico em alta

A ameaça do fantástico, de David Roas, chega em breve às livrarias pela Edusp. O livro reúne seis artigos nos quais Roas faz um estudo amplo da literatura fantástica, que historicamente tem sido marginalizada pelos estudos literários acadêmicos. Com o sucesso de público e estima de grandes escritores, o gênero vem conquistando de décadas para cá um espaço crescente. O autor aborda questões teóricas sobre a definição do fantástico e busca mapear historicamente seu surgimento.


Kafka para dançar

Rasante é o nome do espetáculo de dança contemporânea que será apresentado de 20 deste mês a 13 de abril, de quinta a domingo, no Teatro João Ceschiatti do Palácio das Artes. A montagem é inspirada na obra de Franz Kafka e tem direção de Sérgio Penna. Em cena, cinco intérpretes a serviço de diferentes energias se lançam ao desafio de dançar gestos, movimentos e relações, na perspectiva de recriar o mundo contraditório das relações humanas. A montagem recebeu o Prêmio Estímulo da Fundação Clóvis Salgado em 2013.


Highsmith não perdoa


A mais perturbadora das escritoras policiais, criadora da série dedicada ao amoral Ripley, Patricia Highsmith tem nova obra traduzida no Brasil. Trata-se de As duas faces de janeiro, um dos romances mais simbólicos da escritora. O lançamento é da Benvirá, que vem publicando a obra de Highsmith. A novela reúne intriga policial, psicologia profunda e referências mitológicas, numa fábula tensa sobre os dilemas do ser humano, aprisionado nos labirintos entre a vida e a morte.


Fé e cidadania

O Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp), da PUC Minas e da Arquidiocese de Belo Horizonte, lança no dia 19 o terceiro volume, intitulado Fé, política e cidadania – Pesquisas, da série Cadernos temáticos do Nesp. A publicação conjuga três questões que integram a existência do cristão no mundo: a vivência da fé, a ação política e o exercício da cidadania. A partir das 20h, no prédio 4, auditório 1, câmpus Coração Eucarístico da PUC Minas (Av. Dom José Gaspar, 500). Os presentes receberão um exemplar da obra. Na ocasião, os autores da publicação farão uma breve exposição do conteúdo do livro.


Quem é quem

A Bíblia tem mais de 3 mil nomes citados em seus vários livros do antigo e novo testamento. E é para facilitar a vida do leitor que a Sociedade Bíblica do Brasil está lançando Quem é quem na Bíblia, que reúne informações precisas sobre todos os nomes próprios citados no livro sagrado. Além de localizar, dar as datas de referência e apresentar breve descrição da vida de cada nome citado, a obra ainda traz quadros históricos e árvores genealógicas dos principais personagens.

 (Jackson Romanelli/Divulgação)


Cabeças cortadas

Hotel Brasil, romance policial de Frei Betto (foto), ganha edição em inglês, depois de traduções para o italiano e o francês. Resenha da Publishers Weekly considerou a obra “uma sátira de mistério em uma casa de campo inglesa, dirigida por Pedro Almódovar, um olhar revelador do submundo marginalizado da sociedade brasileira”. O romance, que tem como subtítulo “O mistério das cabeças degoladas”, se passa num hotel decadente do Centro do Rio de Janeiro.


Crônicas de Bernardo

Conhecido como autor de A escrava Isaura e O seminarista, o mineiro Bernardo Guimarães (1825-1884) foi um escritor múltiplo, deixando além dos romances trabalhos para teatro e poesias, sem falar da intensa atividade como jornalista. Talvez a faceta menos conhecida do escritor ouro-pretano tenha sido sua atividade como cronista. O livro Bernardo Guimarães cronista, organizado por Francelina Ibrahim Drummond, lançado pela Editora Liberdade, é uma grande contribuição para o conhecimento da importância de Bernardo Guimarães para as letras brasileiras. Francelina Drummond reúne textos publicados entre 1867 e 1884 nos jornais Diário de Minas, Constitucional e Liberal Mineiro, que revelam o “talento precoce do romancista em formação”. A organizadora assina ainda textos introdutórios sobre o nascimento da imprensa em Ouro Preto e acerca o espírito da obra bernardina, entre a poesia juvenil e a prosa de maturidade.

A vida é um folhetim [Novo livro de Ana Miranda] - João Paulo

A vida é um folhetim
 
Novo livro de Ana Miranda, Semíramis tem como personagem-chave o romancista José de Alencar. Narrativa recupera momentos marcantes da vida política e da sensibilidade brasileira no século 19


João Paulo
Estado de Minas: 15/03/2014


Ana Miranda já levou para seus romances outros personagens da literatura brasileira, como Gregório de Matos, Gonçalves Dias e Augusto dos Anjos     (Adriana Vichi/Divulgação)
Ana Miranda já levou para seus romances outros personagens da literatura brasileira, como Gregório de Matos, Gonçalves Dias e Augusto dos Anjos

Ana Miranda é responsável por levar para o primeiro plano da literatura brasileira contemporânea o romance histórico. Em 1989, com Boca do inferno, ele deu ao leitor o prazer em conhecer a Bahia do século 17, marcado por disputas políticas e religiosas, por meio de um de seus mais brilhantes personagens, Gregório de Matos. O romance marcou época, não só pela habilidosa reconstrução histórica, mas também pelo uso de elementos expressivos do próprio poeta seiscentista, sobretudo a veia satírica. História e ficção.

Ao se aproximar de outros escritores como personagens, como Augusto dos Anjos (1884-1914), em A última quimera, e Gonçalves Dias (1823-1864), em Dias & Dias, Ana Miranda, sem perder o lastro factual, foi dando cada vez mais espaço à fantasia. No livro sobre Augusto dos Anjos está presente o clima de descaminho dos primeiros anos da República, os embates literários que mobilizavam os intelectuais do período, a vida de província, a busca de uma lírica capaz de incorporar a ciência e a metafísica. Ao falar de Gonçalves Dias, entram em cena a sensibilidade romântica, a descoberta da cultura indigenista, o nacionalismo exacerbado, a nostalgia do exílio.

A literatura brasileira e seus autores se tornam para Ana Miranda muito mais que temas e personagens. São ambientes históricos, universos morais nos quais os escritores surgem como atores que simbolizam uma forma de sensibilidade. Por isso, ainda que os livros da romancista caminhem cada vez mais para a criação, há uma âncora de realidade histórica que precisa ser mantida. A grande realização da escritora é conseguir transformar o que é pesquisa em elemento da narrativa. Ela não explica ou ilustra sua visão do período histórico e de seus atores, mas os coloca em ação a partir de aspectos que fazem parte do mundo retratado.

Em seu mais novo romance, Semíramis, o escritor da vez é José de Alencar (1829-1877). Trata-se de homem que sintetiza em sua obra e atuação política os grandes momentos do século 19 antes da República. Como romancista foi, talvez, o primeiro escritor profissional do país, representante máximo do romantismo no Brasil, autor de obras-primas como Iracema, O guarani e Lucíola. Foi também dramaturgo de sucesso e polemista. Gostava de criticar, mas, meio enfezado, detestava críticas.

Além disso, como jornalista era das penas mais temidas de seu tempo, tendo como inimigos ninguém menos que o duque de Caxias e dom Pedro II. Filho do padre e senador, chegou a ministro e colecionou adversários literários e ideológicos. De família importante no Ceará, era neto de dona Bárbara Pereira de Alencar (Bárbara do Crato), figura decisiva na Confederação do Equador e considerada a primeira presa política do Brasil. Seu pai foi deputado constituinte por duas vezes e senador vitalício. Conspirou contra Pedro I para levar ao trono Pedro II, que depois seria desafeto do filho.

Alencar é uma presença viva na cultura brasileira. Mesmo com forte acento de época, alguns de seus romances ainda são lidos nas escolas, adaptados para novelas de televisão e fazem parte do imaginário romântico brasileiro. Os fatos da agitada vida de José de Alencar estão em biografias bastante conhecidas, escritas por R. Magalhães Júnior (José de Alencar e sua época), Luís Viana Filho (A vida de José de Alencar) e, mais recentemente, no excelente O inimigo do rei – Uma biografia de José de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos, azucrinava d. Pedro II e acabou inventando o Brasil, de Lira Neto. Semíramis é outra história.

A começar pela linguagem poética que conduz a prosa da escritora. Há um perfume de romantismo tanto na sintaxe como nas imagens e vocabulário, o que dá a sensação de que se lê um romance que poderia ter sido escrito por Alencar. Mais que imitação da forma, trata-se da confirmação de um modelo de narração, que dá grande importância à linguagem e suas evocações líricas. Há coisas que se dizem com poucas palavras; há momentos em que as palavras escondem o real sentido do que está sendo narrado.

Cazuzinha

O livro é estruturado em pequenos capítulos, escritos em primeira pessoa por Iriana, irmã de Semíramis, que dá nome ao romance. A narradora vai desfiando, com extrema delicadeza, a história social da região, sempre a partir de evocações pessoais. Há uma mão dupla entre o homem e a natureza, entre a psicologia e a política. Iriana, logo nos primeiros passos da narrativa, acompanha o pai em uma viagem ao Alagadiço Novo, terra dos Alencar. Lá, ela se encontra com a mãe do futuro escritor, que vive maritalmente com o padre José Martiniano, nos últimos dias de gravidez. Vê nascer o menino, que ganha o apelido de Cazuzinha (algo como moleque no linguajar do sertão), e logo sente que ele fará sempre parte de seu destino.

O que se segue não é a biografia de José de Alencar, contada de forma convencional, mas as impressões de Iriana e de sua irmã Semíramis. Em tudo distintas – a narradora é mulher da terra e a irmã uma sonhadora sensual –, elas logo se separam. Iriana fica no Ceará e Semíramis parte para o Rio e para um casamento com homem de destaque no cenário político. Torna-se uma mulher urbana, que frequenta teatros e óperas e alimenta sonhos bovaristas. Semíramis passa a escrever para a irmã, que vive a partir do que as cartas lhe trazem. A realidade se desdobra. Iriana se casa contra sua vontade, de preto, num vestido tingido de lama. O marido se mata na noite de núpcias. Uma viúva sem a experiência do amor.

Logo Cazuzinha se torna personagem importante na trama, autor de peças e romances, que tem sua vida sempre narrada por Semíramis, que faz com que a irmã se sinta próxima dele. Chega a sugerir que enredos para o palco, artigos para a imprensa e romances como A viuvinha tenham ligação com elas. Como as sonhadoras leitoras de romance, Iriana passa a ler sua própria vida como uma história narrada em folhetim.

Ana Miranda mescla frases do próprio Alencar, cita personagens históricos, como Machado de Assis, Gonçalves Dias e Castro Alves, mistura eventos históricos com a imaginação de Semíramis. Traições, rompimentos, viagens, seduções, tudo chega a Iriana em meio ao cenário armado em sua imaginação pelas cartas da irmã. Romance dentro do romance, que caminha para um território em que a verdade desliza sobre a ficção.

Por meio da troca de cartas entre a viuvinha do sertão (que não consegue sair do Crato pela obrigação de cuidar da avó cega e doente) e a exuberante mulher de político de destaque no Rio de Janeiro cria-se uma realidade própria, atravessada de lirismo, fantasia e verdade política. Cazuzinha e, mais tarde, José de Alencar, completa o trio e se torna o elo que junta os fatos registrados na correspondência entre as irmãs. Não é um acaso que a narrativa seja conduzida por duas mulheres, já que Alencar foi, ao seu tempo, quem melhor se aprofundou na psicologia feminina, com diferentes perfis de heroínas, todas elas de alguma forma presentes em Semíramis.

Não é necessário buscar mensagens em romances. Eles existem para nos dar a sensação que a leitura é uma forma de vida, tão completa quanto qualquer outra. É o que o enredo do livro nos mostra ao revelar a alma de duas mulheres, construídas pela fantasia que julgam real, numa atitude que vem do romantismo e se mantém presente em vários momentos da existência. Se tudo existe para terminar em livro, em Semíramis o teorema se inverte: são as palavras que dão sentido à vida. É o que, com muito prazer, o romance de Ana Miranda oferece aos leitores de hoje, caso ainda sejam capazes de se entregar à literatura: uma promessa de felicidade.

Semíramis


. De Ana Miranda
. Editora Companhia das Letras, 272 páginas, R$ 39,50

Entranhas da ditadura

Golpe militar de 1964 foi antecedido de articulação que uniu as Forças Armadas, o empresariado, partidos políticos e setores conservadores da classe média e da Igreja


Lucilia de Almeida Neves Delgado
Estado de Minas: 15/03/2014



Lute, obra emblemática de Rubens Gerchman, de 1967: a arte como forma de resistência (VIIPhot/Divulgação)
Lute, obra emblemática de Rubens Gerchman, de 1967: a arte como forma de resistência

O golpe político que, em 1964, mudou, com profundidade, a realidade do Brasil foi ensaiado ou anunciado ao menos em duas ocasiões antes de sua efetivação. O primeiro dos episódios aconteceu em 1954, quando do suicídio do presidente Getúlio Vargas, que enfrentou intransigente e cotidiana oposição da grande imprensa, dos políticos da União Democrática Nacional (UDN), do capital internacional e de segmentos das Forças Armadas, em especial os vinculados à Escola Superior de Guerra.

O segundo data de agosto de 1961, após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Os mesmos setores que fizeram oposição visceral a Vargas tentaram impedir a posse do vice-presidente, João Goulart, que, como bom herdeiro do getulismo, também era filiado ao trabalhismo, ao nacionalismo, aos quais agregou forte reformismo social. Nessa ocasião, movimentos sociais e governadores de estado como Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, uniram esforços para garantir a posse constitucional do vice-presidente. Brizola chegou a coordenar a campanha pela legalidade que agregou estações de rádio em diferentes partes do território brasileiro. No plano institucional, alguns políticos democratas também se empenharam para garantir o respeito à Constituição. Negociaram o retorno seguro do vice-presidente e sua posse, embora com poderes reduzidos, pela adoção do sistema de governo parlamentarista.

Esses dois acontecimentos podem ser considerados como crônicas de um golpe anunciado. Um golpe que se concretizou em 1964 com a deposição de Goulart e a tomada de poder pelas Forças Armadas. Nessa ocasião, os militares que participaram do golpe político articularam-se com a UDN e alguns governadores de estado. Foram apoiados pelo empresariado nacional e internacional, setores conservadores da Igreja Católica, latifundiários, segmentos das classes médias que viviam aterrorizados com a possibilidade de o Brasil se transformar em um país socialista, governo dos Estados Unidos e grande imprensa, em especial os jornais O Globo, Tribuna da Imprensa, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo.

Era o tempo da Guerra Fria, caracterizada por forte bipolaridade entre socialismo e capitalismo. Esse conflito ideológico e político também alimentou forte tensão interna no Brasil. Em janeiro de 1963, o sistema de governo, depois da realização de um plebiscito, voltou a ser presidencialista. João Goulart recuperou a plenitude de seus poderes e a partir dessa data aprofundou a adoção de políticas governamentais contrapostas aos interesses de empresas internacionais e dos grandes proprietários de terras.

Essa orientação governamental era apoiada e exigida por efervescentes movimentos sociais urbanos e rurais, em especial pelos sindicatos e ligas camponesas. A oposição ao governo entendia que o presidente Goulart extrapolava ao adotar um perfil “populista e demagógico”, pois além de não controlar os movimentos sociais, com eles dialogava com frequência, prejudicando a paz social e as condições de governabilidade.

Intervenções militares sempre ocorreram na história da República brasileira. Mas antes de 1964, com exceção dos primeiros anos sequentes à proclamação da República, não chegaram a levar as Forças Armadas ao poder. Em março de 1964, contudo, ao derrubar um presidente constitucionalmente eleito e empossado, os militares assumiram o governo do Brasil, contando com o apoio de muitos políticos e tecnocratas. Governaram por 21 anos.

A ditadura restringiu de forma crescente o exercício da cidadania e reprimiu com violência as manifestações de oposição. Pela ordem foram cinco os governantes militares, um era marechal e os demais generais: Humberto de Alencar Castelo Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Batista de Figueiredo. Os historiadores costumam dividir o somatório do período desses governos em três fases. A primeira começa e 1964 e vai até 1968. Foram esses os anos de institucionalização e consolidação do autoritarismo.

Entre as medidas mais importantes desse período destacam-se: prisões de cidadãos civis e militares que não apoiaram o golpe de Estado; fim da estabilidade no emprego e criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), intervenção em mais de 400 sindicatos; proibição de greves; início da promulgação dos atos institucionais e da cassação de mandatos políticos; estabelecimento de eleições indiretas para presidente da República, governadores de estado e prefeitos das capitais; dissolução do pluripartidarismo e criação da Aliança Renovadora Nacional (Arena), que reuniu os governistas, e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que abrigou a oposição autorizada. E por fim, aprovação pelo Congresso Nacional de Constituição centralizadora e autoritária, que entrou em vigor em janeiro de 1967.

Nessa fase, embora a União Nacional dos Estudantes (UNE) estivesse na ilegalidade, o movimento estudantil atuou, de forma contundente, no campo oposicionista, realizando congressos e passeatas. A mais expressiva foi a dos 100 mil, em 1968, no Rio de Janeiro. Reuniu, além de estudantes, artistas, intelectuais e parcela do clero progressista. Em outubro daquele ano, entretanto, o movimento estudantil sofreu forte desarticulação em decorrência da repressão que desbaratou o congresso da UNE em Ibiúna, no interior de São Paulo. Na ocasião, os mais importantes líderes do movimento estudantil foram presos.

Também nesse período, movimentos culturais tornaram-se canais de expressão de descontentamento e oposição, em especial no campo da música popular, que fez dos festivais da canção brasileira espaços de protesto. O teatro também contribuiu para manifestação de insatisfação com o regime militar. Muitos espetáculos, em especial os encenados pelo Opinião e Arena, traduziam discordância com um governo cada vez mais ditatorial.

Também nessa fase, João Goulart e Juscelino Kubitschek aliaram-se ao antigo adversário, Carlos Lacerda, e formaram um movimento que ficou conhecido como Frente Ampla. Seu objetivo era congregar as forças de oposição ao governo federal. A iniciativa, de grande valor simbólico, não rendeu frutos, pois foi reprimida.

O fim do período de institucionalização aconteceu como desdobramento mais imediato do pronunciamento do deputado do MDB Márcio Moreira Alves, na Câmara dos Deputados, também no ano de 1968. O parlamentar fez severas críticas ao governo e aos militares, inclusive no campo dos direitos humanos. Na sequência, o Congresso Nacional foi fechado e o Ato Institucional nº 5 editado.

Repressão e tortura A promulgação do AI-5, em dezembro daquele ano, marcou o início da segunda fase do regime militar, representou o fechamento completo do regime político e consolidou a ditadura ao dotar o governo de prerrogativas institucionais que levaram à ampliação da repressão e à generalização da prática da tortura.

Esse período correspondeu à fase do denominado “milagre brasileiro”. Nessa época, o Produto Interno Bruto (PIB) chegou ao patamar de 12% ao ano. A propaganda governamental divulgava a imagem de um Brasil potência, pacificado e presenteado com a adoção do mar das 200 milhas, a construção da Ponte Rio-Niterói e o início de construção da Transamazônica. Essa estrada jamais foi concluída, mas deixou um rastro de miséria e desmatamento.

Esses foram também os anos de maior repressão às oposições. O alvo principal eram as organizações que atuavam na clandestinidade. Seus militantes foram presos, torturados e processados. Centenas deles morreram ou “desapareceram”. Muitos corpos até hoje não foram localizados. A oposição legal efetiva também não foi tolerada e novas cassações de mandatos políticos proliferaram. Foi um tempo em que uma forte censura às artes e à imprensa limitou a expressão artística e política. Eram os anos de chumbo.

Por volta de 1976 iniciou-se a terceira fase do ciclo autoritário, que coincidiu com o fim do milagre econômico. O aumento vertiginoso dos preços do petróleo e a recessão da economia interferiram negativamente na economia e geraram grande insatisfação popular.

O general presidente Ernesto Geisel sucedeu ao governo Médici. Influenciado por Golbery do Couto e Silva, fundador da Escola Superior de Guerra e do Serviço Nacional de Informações, previu dificuldades crescentes e custos políticos altíssimos para o governo caso os militares permanecessem no poder por um período indefinido. Resolveu então, embora com discordância de seus pares, que controlavam o sistema repressivo, iniciar um processo de “distensão lenta, gradual e segura”.

Ao término do mandato de Geisel, a realidade política brasileira passara por transformações. A repressão diminuiu e as oposições, ainda que de forma tímida, começaram a se reorganizar. Fato expressivo do novo ciclo que se iniciava foi a primeira greve do ABC paulista, em maio de 1978, já no governo Figueiredo. O movimento sindical estimulou a proliferação de inúmeros movimentos sociais e políticos que lutaram pelo retorno da democracia política.

Em janeiro de 1979, a revogação do AI-5 e de outros atos institucionais entrou em vigor, o que facilitou a reorganização das forças de oposição e acelerou o processo de liberalização política. O grande marco dessa fase foi, depois de crescente campanha pela “anistia ampla, geral e irrestrita”, a aprovação da Lei da Anistia de 1979, que embora limitada e conexa, possibilitou a abertura das prisões e o retorno ao país de milhares de exilados políticos.

Outro fato marcante no processo de democratização foi o restabelecimento do pluripartidarismo. No ano de 1982 ocorreram eleições para governadores de estado e na sequência uma grande campanha política/popular, denominada Campanha pelas diretas, que defendia o retorno das eleições diretas para a Presidência da República.

A década de 1980 marcou o final do ciclo ditatorial. A campanha pelas Diretas já, que reuniu milhões de brasileiros, mesmo derrotada no Congresso Nacional, preparou o caminho para a eleição, realizada pela via indireta e elegeu um presidente civil, Tancredo Neves. Que não foi empossado em decorrência de sua morte.

Mas esse processo de democratização, marcado por avanços e recuos, só culminou quando da realização de uma Assembleia Nacional Constituinte e da promulgação de uma nova Constituição, em 1988. Chegava ao fim um período de exceção que restringiu a liberdade de imprensa, criou um aparato de informação e segurança de grande capilaridade, adotou a tortura como prática cotidiana nas prisões, levou brasileiros ao exílio, instituiu a censura, cassou mandatos políticos, legislou por atos institucionais, pôs em prática a triste medida do banimento de brasileiros, fez vigorar uma Constituição autoritária e ceifou vidas.

Lucilia de Almeida Neves Delgado é historiadora e professora dos programas de pós-graduação em história e direitos humanos da Universidade de Brasília.

No meio do caminho tinha uma bola‏ - Ana Clara Brant

No meio do caminho tinha uma bola
Livro reúne crônicas, poemas e cartas de Carlos Drummond de Andrade sobre o futebol. O poeta se revela apaixonado pelo esporte e seus heróis 
 
Ana Clara Brant
Estado de Minas: 15/03/2014


O poeta acompanhou com suas crônicas nove Copas do Mundo, de 1954 a 1986 (Arquivo EM)
O poeta acompanhou com suas crônicas nove Copas do Mundo, de 1954 a 1986

A maioria dos leitores de Carlos Drummond de Andrade se acostumou a ler o poeta versando sobre amores, dores, sobre o tempo, o silêncio, indagando sobre o mundo ou evocando lembrança de seus tempos de menino. Por isso, soa até curioso quando chega ao mercado um livro que mostra observações do itabirano sobre o esporte mais popular do país.

Com textos selecionados por Luis Mauricio e Pedro Augusto Graña Drummond, netos do escritor, e posfácio de Juca Kfouri, Quando é dia de futebol (Companhia das Letras) traz em quase 200 páginas crônicas e poemas publicados em sua maioria nos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil, nos quais o autor trabalhou durante muitos anos, além de trechos de cartas do poeta a amigos e familiares.

Textos líricos, irônicos e bem-humorados. A maior parte não retrata um time específico, mas as rivalidades entre grandes clubes e lances geniais de Pelé (“O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé!”) ou Mané Garrincha (“Há um Deus que regula o futebol, esse Deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios.”). Ganham destaque a Seleção Brasileira e eventos como a Copa do Mundo, já que Drummond passou por nove delas, de 1954, na Suíça, até a última testemunhada pelo autor, em 1986, no México.

Tudo que envolvia o esporte bretão, seja a paixão do torcedor ou o fascínio que uma transmissão pelo rádio provocava, estava presente em sua escrita, sempre atenta ao homem comum. Uma das crônicas que mais chamam a atenção e que abre o livro foi publicada no Minas Gerais de julho de 1931. “Enquanto os mineiros jogavam” fala da angústia de cavalheiros em volta de um rádio durante um jogo da Seleção Mineira. Num domingo à tarde, como de costume, Drummond ia ver os bichos no Parque Municipal, já que estava cansado de lidar com gente durante a semana, e ficou espantado de ver uma aglomeração de pessoas ali. Enquanto “onze mineiros batiam bola no Rio de Janeiro, dois mil mineiros escutavam, em Belo Horizonte, o eco longínquo dessa bola e experimentavam uma patriótica emoção”.

Apesar da imagem sóbria de funcionário público, por incrível que pareça o esporte, e sobretudo o futebol, era uma das paixões de Carlos Drummond de Andrade. Não era frequentador assíduo dos estádios, mas tudo leva a crer que não era torcedor do Valeriodoce, time de sua cidade natal, Itabira, mas do Vasco da Gama, como descreve em um dos textos do livro (“E viva, viva o Vasco: o sofrimento/ há de fugir, se o ataque lavra um tento/ Time, torcida, em coro, neste instante,/ Vamos gritar: Casaca! ao Almirante./ E deixemos de briga, minha gente./ O pé tome a palavra: bola em frente”).

Ao falar de futebol, o autor trata também de política, da sua influência nas massas humanas, do carnaval, da família e de outros assuntos que o leitor deve ir descobrindo à medida que avança na leitura e observa que o futebol é para o povo um refúgio ante tais fracassos. Desse refúgio ele extrai sua maior alegria. Faltando poucos meses para a Copa do Mundo, Quando é dia de futebol é uma bola cheia de lirismo para mergulhar nessa que é uma das maiores paixões do brasileiro.


Trecho do livro


Milagre da Copa

Bulhões a Campos, fagueiro:
Enfim domada a inflação!
Valorizou-se o Cruzeiro
E muito mais o Tostão.


Correio da Manhã, 3/4/66


Quando é dia e futebol
• De Carlos Drummond de Andrade
• Editora Companhia das Letras,
• 198 páginas, R$ 34,50

"As palavras são mágicas" - Carlos Herculano Lopes

"As palavras são mágicas" 
 
Professora de literatura fala de seu trabalho sobre a lusofonia e defende o romanceiro como forma de expressão de grandes momentos históricos 


Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 15/03/2014


 (Studio Mauro/Divulgação)

Nascida em Campo Grande e vivendo atualmente em São Paulo, onde é professora de estudos linguísticos e literários, a escritora Raquel Naveira lançou recentemente o livro Sangue português: raízes, formação, lusofonia, com o qual venceu o Prêmio Guavira de Literatura, da Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul. No trabalho, a partir da sua herança portuguesa, a escritora rememora em forma de poemas o caminho percorrido por seus antepassados até o Brasil. Doutora em língua e literatura francesas pela Universidade de Nancy, na França, e autora de vários livros, entre eles Guerra entre irmãos, inspirado na Guerra do Paraguai, Raquel Naveira, em entrevista ao Pensar, fala de sua ligação com os romanceiros e de seu estudo sobre a língua e literatura portuguesas.


Entrevista
Raquel Naveira
escritora

Como tem sido para você conciliar o magistério com a poesia? Como começou sua história com a literatura?

Poesia e magistério sempre andaram juntos em minha vida. É como o processo de ler e escrever. A professora alimenta a poeta com seus estudos e dedicação aos livros e a poeta dá ânimo, força e paixão às lições da professora. A minha história com a literatura começou na infância. Sempre fui fascinada pela palavra. Ela é minha forma de ser e estar no mundo. Meu avô, um autodidata, possuía uma rica biblioteca e eu gostava de manusear os livros, de observar figuras à luz de velas. Logo que comecei a ler, encontrei Monteiro Lobato e foi o abrir das asas da imaginação. Devia ter uns 8 anos quando resolvi ser escritora. Escrevia histórias de fadas e bruxas em pequenos cadernos. Nasci com vocação para escritora e professora. O amor pelos livros transformou-se em amor pelo magistério. A poesia veio na adolescência. Creio que mágoas curam grandes mágoas, como escreveu Camões. Sempre sonhei em escrever livros. Dediquei-me ao jornalismo e ao magistério. Quando lancei meu primeiro livro, o Via sacra, aos 31 anos, já tinha um público leitor formado. Publiquei de forma independente, não sabia como fazer. Aí apareceu o correio. Tornei-me uma missivista. Espalhei cartas pelo Brasil. Enviei meu livro a centenas de pessoas: amigos, jornalistas, escritores, editores, professores, instituições. Uma vida como a de Pablo Neruda, na Isla Negra, aguardando o carteiro.

Tudo isso vivendo no Mato Grosso do Sul, em Campo Grande? Em que dimensão esse estado e a cidade influenciaram na sua literatura?

Mato Grosso do Sul é minha terra natal, minha origem. Amo minha terra, sem permanecer mais nela, mas reconhecendo seu direito de persistir para sempre dentro de mim. Sinto-me naquelas ruas de Campo Grande, mesmo pisando outras ruas. Minha arte sempre será uma mescla de tudo que vi com olhos de campo-grandense. É como se minha alma tivesse três dimensões: a ancestral, portuguesa, cheia de veleiros e barcos negros saindo pelo mar desconhecido; a de fronteira entre o Brasil e o Paraguai, entre o bem e o mal, entre o sonho e a realidade; e esta agora jogada como um morcego pelos túneis e viadutos dessa grande cidade que é São Paulo. Sem ter nascido no MS, por exemplo, não escreveria Guerra entre irmãos, que é um livro de poemas inspirados na Guerra do Paraguai e que surgiu a partir do meu desejo de escrever romanceiros, de pesquisar história, de imaginar os sentimentos atrás dos fatos notáveis. Amo o épico: a Ilíada, a Odisseia, os Lusíadas. E depois de ler o Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, pensei num tema que me impressionasse e veio à lembrança a Guerra do Paraguai, o maior conflito armado da América do Sul. Mato Grosso foi o palco da guerra, nada mais natural que escolhesse estudar essa tragédia que dizimou mais de 150 mil brasileiros e 300 mil paraguaios, entre escaramuças, batalhas, fomes e epidemias. Escolhi o monólogo dramático como forma de apresentar os personagens da guerra, uma maneira de me colocar na pele e na voz do outro. E um tom de profunda compaixão, numa guerra onde todos saíram perdendo, onde todos foram vencidos. Esse livro teve inúmeros desdobramentos, inclusive alguns de seus poemas publicados em livros de história do Brasil.

Como é o seu método de trabalho?

Escrevo muito. Escrever é o que me faz bem. Sinto-me um peixe no mar diante da folha em branco. O meu universo é o das palavras. Creio no poder da palavra. Que a palavra é bênção e maldição. Que ela cria o real. Que Deus é o verbo encarnado. Que o reino das palavras é mágico. Que a palavra atrai, profetiza, cura, exorciza, marca com ferro e fogo. Para o escritor, é difícil abrir clareiras no cotidiano que nos obriga a inúmeras tarefas estafantes como ir a bancos e supermercados. É preciso, sim, disciplina, estabelecer horários ou até escrever nas madrugadas, hora mística para a criação.

A sua ancestralidade portuguesa está retratada em dois dos seus livros: Álbuns da Lusitânia e Sangue português, com o qual você ganhou o Prêmio Guavira. Como nasceu este livro?

Sangue português: raízes, formação e lusofonia recebeu o Prêmio Guavira de Literatura da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul em 2013. Reafirmando minha vibração épica, tracei o inventário das ressonâncias atávicas de minha genealogia familiar e literária. A partir da herança portuguesa, rememoro o percurso dos meus antepassados; revisito monumentos célebres do patrimônio histórico-cultural de Portugal; rendo tributo a grandes poetas como Bocage, Pessoa e Camões; canto as terras lusófonas de África e de Ásia. Compus um variado painel didático-poético sobre o legado de nossa identidade cultural. Creio que a lusofonia pode ser uma plataforma de solidariedade a partir da qual os povos que falam português poderão se aproximar e ampliar o âmbito de suas ações econômicas, políticas e culturais. A língua portuguesa é meu instrumento de trabalho, de expressão. Meu maior desejo tem sido sempre o de dominá-la, conhecê-la, respeitá-la até mesmo para subvertê-la, para conceber poesia.

Sangue português: raízes, formação, lusofonia

. De Raquel Naveira
. Editora Arte e Ciência. Informações: www.raquelnaveira.com.br

TeVê

TV paga
Estado de Minas: 15/03/2014



 (UPI Media/Divulgação)

TERRA EM PERIGO

Oblivion, ficção científica estrelada por Tom Cruise (foto), será exibido às 22h no Telecine Premium. Veterano encarregado de extrair os últimos recursos da Terra começa a questionar as razões de sua missão. Dirigido por Joseph Kosinski, o filme também traz no elenco Morgan Freeman.

A HISTÓRIA DE 70 PRESOS
POLÍTICOS NO ALMANAQUE


O Almanaque, que vai ao ar às 21h05, pela GloboNews, explora o documentário 70, de Emília Silveira, com roteiro da jornalista Sandra Moreyra. Durante a ditadura militar, um grupo de 70 presos políticos de diferentes organizações é enviado ao Chile em troca da libertação do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher. O documentário reencontra esses personagens 40 anos depois.

VELOZ E FURIOSO
PERCORRE OS EUA


No programa O caçador de motocicletas, que começa hoje, às 21h, no Discovery Turbo, o colecionador de carros e motos Dale Walksler percorre os Estados Unidos, de leste a oeste, em busca de tesouros ocultos para restaurar e vender. Uma corrida de motocicletas centenárias e até crimes hediondos cometidos por dinheiro e modelos raríssimos compõem o repertório.

REUNIÃO DE BAMBAS
NO CANAL BRASIL


No ar às 21h30, no Canal Brasil, o programa Compositores unidos reúne Cidade Negra e Sílvio César. Os anfitriões Jorge Vercillo e Dudu Falcão recebem os convidados, que interpretam Você sabe e Sombra da maldade.

AFROJAZZ DE
MANU DIBANGO


Emmanuel N'Djoké Dibango, conhecido como Manu Dibango, saxofonista e cantor camaronês, é atração do programa Acoustic, às 12h, no TV5Monte. Atualmente considerado o papa do afrojazz ele festeja seus 80 anos e continua percorrendo o mundo com seu novo CD, Balade en saxo, no qual interpreta grandes canções da música francesa e americana.

EMOÇÕES DE UMA
FAMÍLIA NO VIVA


No capítulo da novela História de amor deste sábado, às 15h30, no Viva, Joyce (Carla Marins) apresenta Helena (Regina Duarte) a Carlos (José Mayer). Os três conversam animadamente em um bar. Helena fica insegura com a atenção de Carlos a Joyce. Ela pergunta a Carlos se Paula (Carolina Ferraz) não sai com ele. Joyce fica no bar. Carlos deixa Helena em casa e ela o convida para um café. A sós, ela diz ao médico o quanto se sente sozinha.


CARAS & BOCAS » Risco de morte
Simone Castro

Ernest (José de Abreu) entra em coma e médicos alertam a família de que o estado do empresário é grave (Cynthia Salles/TV Globo)
Ernest (José de Abreu) entra em coma e médicos alertam a família de que o estado do empresário é grave

Em Joia rara (Globo), depois do acidente de carro o estado de saúde de Ernest (José  de Abreu) se complica e ele entra em coma. A família se desespera, mas a mais afetada é Pérola (Mel Maia), que não se conforma com a possibilidade de perder o avô tão amado. Totalmente confiante em sua recuperação, a menina entra em profundo estado de meditação e acaba desacordada. Ernest, mais uma vez, sonha com a neta e sua vida passada, em que a criança foi o líder budista Ananda Rinpoche (Nelson Xavier). Enquanto isso, a polícia caça Manfred (Carmo Dalla Vecchia). Ernest perseguia o então fiel escudeiro quando sofreu o acidente. Todos se preocupam com o bandido, que, solto, ainda aterroriza o lugar. Tinhoso, o vilão escapa ao cerco da polícia. E entra no quarto de Ernest no hospital.

MARCELO SERRADO MANTÉM
QUADRO NO FANTÁSTICO


“A mulher da sua vida”, quadro que o ator Marcelo Serrado apresenta no Fantástico (Globo), garantiu nova temporada e estará de volta dia 31. Com Serrado estarão, desta vez, Carolina Dieckmann, Ingrid Guimarães e Sophie Charlotte. Tatá Werneck e Deborah Secco também podem se juntar ao grupo.

ATRIZ ESTÁ PRONTA PARA
VOLTAR À CENA EM SÉRIE


Lindsay Lohan fará participação especial na série 2 broke girls, exibida no Brasil pelo canal Warner (TV paga). Ela será Clarie, noiva que terá ajuda de Max (Kat Dennings) e Caroline (Beth Behrs). Recentemente, a atriz, que dá o que falar, lançou o polêmico documentário Lindsay (Canal Own), que retrata os bastidores de sua última saída de uma clínica de reabilitação.

HUGH LAURIE VIRÁ AO
BRASIL PARA SHOWS


O ator Hugh Laurie, protagonista da badalada série House, desembarca no Rio de Janeiro na quarta-feira. Ele vem ao país fazer shows. Como todos sabem, o ator também é cantor e costuma dizer que é a sua atividade preferida. O primeiro show será na quinta-feira, no Rio. Depois, na sexta, ele se apresenta em Belo Horizonte. Em seguida, vai a Curitiba e Porto Alegre. O encerramento será em São Paulo.

E VIVA LUCÉLIA!


A atriz Lucélia Santos deu uma lição de cidadania e consciência depois de ter sido flagrada em um ônibus, no Rio de Janeiro, e o fato ter sido criticado por alguns veículos de imprensa. Em seu Instagram, anteontem, Lucélia publicou uma foto em que aparece sorridente dentro do ônibus. “E viva o transporte público de boa qualidade”, escreveu a atriz na legenda da imagem. Os tais veículos de imprensa haviam associado o fato de a atriz estar em um transporte público a ela estar “sumida da TV”. “O Brasil é o único país que conheço onde andar de ônibus é politicamente incorreto! Vai entender... Isso porque os ônibus aqui e transportes coletivos, de modo geral, são precários e ordinários, o que mostra total desrespeito à população!”, afirmou em seu perfil no Twitter. E continuou: “Em qualquer país civilizado, educado e organizado é ao contrário, as pessoas dão prioridade a transportes coletivos para proteger o meio ambiente. Os governos deveriam investir em transportes decentes para a população com conforto e dignidade, e depois fazer discursos de um mundo melhor”. A atriz completou: “A imprensa deveria usar sua inteligência para divulgar campanhas para transportes públicos coletivos de primeira grandeza. Terminando: o Brasil deveria ler mais, se instruir mais, desejar mais e sair da burrice de consumo idiota e descartável que lhe dá carros!”.

VIVA
Para o grande ator Paulo Goulart: pela carreira e vida pessoal.

VAIA
Para o horário de Doce de mãe (Globo): é para ninguém ver. 

Analfabetos poliglotas - Rafaela Lôbo

Analfabetos poliglotas 
 
Saber uma língua apenas não serve mais
Rafaela Lôbo

Mestre em linguística, professora e consultora da Scriptus Consultoria Empresarial em Linguagem
Estado de Minas: 15/03/2014



O Brasil tem recebido e ainda receberá milhares de estrangeiros nos próximos anos. Há pouco tempo éramos um país de emigração, ou seja, exportávamos mão de obra; hoje somos um país de imigrantes, há a cada ano um aumento no número de estrangeiros que vêm trabalhar no país. Não podemos esquecer que em algumas regiões há, também, um número imenso de turistas de fora – o que sempre ocorreu em cidades como o Rio de Janeiros –, no entanto, devido à Copa do Mundo e à Olimpíada, o número de visitantes aumentará muito em certas regiões em que ainda não havia esse fluxo.

Todos esses fatores, aliados à globalização tecnológica e ao crescimento econômico, permitiram uma integração maior entre os povos, mesmo aqui no Brasil. Porém, para que essa integração ocorra, não se pode ficar preso ao português, por isso, as pessoas, cada vez mais, tentam aprender outras línguas. Há alguns anos, saber francês era essencial. Posteriormente, o inglês tornou-se a nova língua obrigatória e, atualmente, devido ao crescimento da China, muitos brasileiros já querem aprender o mandarim. Saber apenas uma língua não serve mais. Pasmem, devido ao nosso crescimento econômico, o Brasil tornou-se um país de oportunidades e a língua portuguesa também passou a ser buscada em cursos no exterior.

Tudo isso é maravilhoso, estamos nos tornando grupos sociais cada vez mais complexos, mas a questão que se apresenta aqui é a de que toda língua é como um “guarda-roupa” e temos de usar a roupa adequada de acordo com a situação, ou seja, mesmo quando se fala em língua pátria, há uma diversidade enorme nas formas como se pode dizer alguma coisa. Podemos dizer que estamos cansados, exaustos ou mortos, depende da pessoa com quem estamos falando e da ênfase que desejamos dar. Assim é uma língua, temos de dominar diversas formas de falar ou escrever e variá-las de acordo com o leitor e o momento.

Diante disso, há uma preocupação imensa em relação às línguas estrangeiras, afinal, que curso mostra a diversidade de uma outra língua – fora as questões figuradas? No Brasil, se digo que vou matar alguém, há uma possibilidade enorme de eu não ser um “serial killer” e querer apenas dizer que estou muito nervoso com alguém. Em Portugal, berço da língua portuguesa, se eu disser que vou matar uma pessoa, provavelmente chamarão a polícia. Nenhum estrangeiro aprende essas nuanças em um curso de língua portuguesa, assim como não aprendemos isso em um curso de inglês.

O fato é que, muitas vezes, as pessoas não conseguem mudar a forma como dizem as coisas nem mesmo na própria língua, quanto mais em uma língua estrangeira. É como se fóssemos executivos de Wall Street, em Nova York,  falando da forma que falam as pessoas que moram fora da Ilha de Manhattan. Desse jeito, de nada resolverá aprender outra língua, não haverá uso prático. Meu receio? A criação de analfabetos funcionais poliglotas!

A saúde dos médicos - Alexandrina Meleiro

Alexandrina Meleiro
Doutora em medicina pela USP, palestrante da 1ª Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos
Estado de Minas: 15/03/2014 



Os médicos têm a vida de milhares de pessoas em suas mãos, sendo responsáveis, diariamente, por um diagnóstico preciso e correto. O compromisso com a vida de terceiros torna o trabalho ainda mais sério e delicado. Tais obrigações impactam o emocional dos médicos, sendo considerada uma das profissões de alto impulso de estresse, por lidar com a dor, o sofrimento e a morte. A prática médica no Brasil se tornou mais difícil devido à precariedade das condições de trabalho, exaustivas jornadas e constante necessidade de atualização, colaborando, ainda mais, para o aumento do estresse profissional. Atualmente, os médicos enfrentam duas crises: a de identidade e a de ideologia. Ambas favorecem comportamentos depreciativos ao próprio profissional, surgimento de ansiedade, depressão, dependência química e suicídios. Salienta-se o fácil acesso aos medicamentos de abuso e com risco letal.

Um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) revelou que a população médica brasileira tem taxas de suicídios e tentativas superiores à população geral. Conforme o estudo, com base nos atestados de óbito no estado de São Paulo, houve um predomínio de mortes entre médicos homens na faixa de 70-90 anos, no período de 2000 a 2009. Já entre as mulheres médicas os óbitos preponderaram na faixa de 40 a 60 anos no mesmo período.

Os elevados índices de suicídio entre médicos estão relacionados à perda da onipotência e onisciência, idealizadas por muitos aspirantes à carreira médica, durante o curso e a vida profissional, aos sentimentos de culpa por fracasso e à crescente ansiedade pelo temor em falhar. Algumas outras hipóteses também explicam o comportamento de médicos que cometem suicídios: perda profissional ou pessoal; problemas financeiros ou de licença; mais horas de trabalho que outros colegas; abuso de álcool e outras substâncias; insatisfação com a carreira médica; transtorno mental e emocional com mais frequência; e automedicação.

Apesar de o autoextermínio envolver questões socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filosóficas, existenciais e ambientais, o transtorno mental é um fator de vulnerabilidade na quase totalidade dos casos, que necessita estar presente para que culmine no suicídio do indivíduo, quando somado a outros fatores. O diagnóstico precoce e o tratamento correto da depressão (patologia mais encontrada nos suicídios) são, comprovadamente, uma das maneiras mais eficazes de prevenir o autoextermínio. A mesma correlação deve estar presente em diversos outros transtornos mentais, incluindo a dependência de álcool e outras drogas.

Existe grande resistência da população em aceitar que as mesmas pessoas às quais confia sua saúde podem ter doenças mentais. Talvez, o que mais os estigmatize é a capacidade das enfermidades prejudicarem a crítica do indivíduo em alguns momentos. Os próprios médicos relutam em procurar ajuda psiquiátrica temendo serem estigmatizados. Geralmente, tentam primeiro automedicar-se ou fazer uma consulta informal com algum colega. Só procuram ajuda profissional adequada quando a situação se torna insustentável. A temática é séria e merece ser discutida pela classe médica e pela sociedade. O assunto faz parte da programação da 1ª Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos, entre 28 e 30 de março, em Nova Lima. Quem tem por ofício curar, tem por obrigação se cuidar. Desafortunadamente, não é o que acontece com muitos profissionais.