sábado, 8 de fevereiro de 2014

Militante da ética (Eduardo Coutinho)-Vladimir Carvalho‏

Militante da ética
 
Parceiro de primeira hora de Eduardo Coutinho na realização de Cabra marcado para morrer, cineasta paraibano relembra os momentos tensos da perseguição da equipe e a postura exemplar do amigo


Vladimir Carvalho/Especial para o Estado de Minas
Estado de Minas: 08/02/2014







Conheci Eduardo Coutinho nos idos de 1962, num período de intensa efervescência na vida política e social brasileira, estando as pretensas reformas do governo João Goulart na ordem do dia. Nosso encontro se deu por ocasião da passagem pela Paraíba da UNE Volante, caravana de artistas e militantes da União Nacional dos Estudantes, que objetivava, por meio das artes, mobilizar nossa sociedade em torno de sonhadas transformações estruturais. Coutinho chegou com uma câmera Bell and Howell, de 16mm, que ele mesmo operava sabe Deus como. Vinha no encalço do movimento das ligas camponesas, que se alastrava pelo Nordeste como um rastilho de pólvora.

Recordo-me de tê-lo apresentado a Elisabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira, que fora assassinado em abril daquele ano e que, como eu, militava no Partido Comunista Brasileiro. Por aqueles dias aconteceu em Sapé, terra de João Pedro, um agitado comício e o até então desconhecido cineasta foi levado de roldão pela ardorosa militância e não fugiu aos reclamos do momento. Quando dei fé, lá estava Coutinho de microfone na mão, em cima do rústico palanque ali armado. Isso, na mesma Sapé, caminho de formiga da imprensa internacional, que, um ano depois, receberia a visita – fato pouco conhecido – simplesmente de Juscelino Kubitschek, que queria ver de perto as ligas e foi ali carregado nos braços do povo. Conhecendo o autor de Cabra marcado para morrer como conheço é que posso avaliar hoje o quanto lhe custou a experiência.

Culto e capaz de digressões complexas, mas não de muito falar, foi só pela causa que aceitou posicionar-se no palanque ao lado de exaltados camaradas. Com uma dicção peculiar, quase sempre atropelada pela rapidez de seu pensamento e de seu proverbial senso de humor, era um desperdício naquela fila de oradores de rua. Depois, fomos conversar. Como ele já sabia da minha participação em Aruanda, de Linduarte Noronha, e de que já dirigira meu primeiro filme, Romeiros da guia, puxou da capanga o roteiro do documentário que queria fazer sobre João Pedro, provisoriamente chamado de Morte em Sapé, e convidou-me para ser seu assistente.

Daí por diante nos entendemos a tal ponto que, no ano seguinte, passei a colaborar na preparação do Cabra marcado para morrer e, em março de 1964, entrávamos de cabeça em intenso trabalho de filmagem no Engenho Galileia, perto de Vitória de Santo Antão, no interior de Pernambuco, epicentro da luta dos camponeses nordestinos. Tudo corria bem, até que um transtorno obrigou-nos a uma parada drástica de três dias no trabalho: nossa câmera (a única) pifou e Cecil Thiré ofereceu-se para levá-la ao Rio de Janeiro com vistas a um conserto urgente. A volta do assistente, ansiosamente esperada, foi regada de entusiástico relato de Cecil, porque, por uma feliz coincidência, assistira no Rio à histórica pré-estreia de Deus e o diabo na terra do Sol, de Glauber Rocha, numa memorável e consagradora sessão para a classe cinematográfica. Nosso “emissário” não parava de falar e contar lances do filme, siderado pelo impacto e comoção que causara, deixando todos nós ansiosos para ver aquela que seria considerada uma das obras-primas do cineasta baiano.

Ainda comentávamos o feito de Glauber quando, semanas depois, uma notícia caiu como um raio entre nós. Vivíamos a fase das cenas noturnas do roteiro e rodáramos a sequência justamente em que o personagem de João Pedro Teixeira é levado preso de seu casebre, arrancado das mãos de Elisabeth, em cena de grande tensão dramática. Ao fim da madrugada, voltamos à nossa base na cidade para o descanso habitual e já havíamos nos recolhido quando fomos abruptamente despertados por alguém da produção, porque vizinhos tinham vindo avisar, manhã alta, que a revolução (?) estourara e que devíamos entrar em prontidão.

Eu partilhava um quarto com Coutinho e não raro o surpreendia no meio da noite acordando para pitar o seu indefectível cigarro, mas naquela hora foi desperto de supetão. Mal refeitos do susto, convocou-se rápida reunião com toda a equipe para saber o que de fato ocorria e que rumo tomar. Procurou-se ouvir o rádio, mas as notícias eram tão desencontradas e nossa primeira interpretação foi de que se tratava de um movimento de apoio ao presidente João Goulart, e que, portanto, devíamos nos juntar de alguma forma a ele.

Não demorou e as evidências nos mostraram o nosso equívoco, com os rádios já anunciando uma ação de caça aos subversivos. Éramos conhecidos em Santo Antão como os “cubanos das filmagens”, por causa de nossas barbas crescidas, no estilo Ruy Guerra, e logo cuidamos em pô-las de molho. Juntamos os objetos que podíamos levar na arribada e deixamos todo o supérfluo para trás. Certos do perigo, pegamos a Rural Willys e o jipe da produção e nos mandamos de volta para o Engenho Galileia, com o intuito de nos juntarmos aos camponeses e organizá-los, vejam, para a resistência.

Instinto de classe Os que foram conosco eram naturalmente os mais ligados ao projeto político do filme, os da equipe de direção, com Coutinho e Fernando Duarte à frente. Os outros, motoristas, maquinistas etc., julgando-se descomprometidos, se deixaram ficar na casa ou flauteando pela cidade, indiferentes aos acontecimentos. Nós, não! Romântica e ingenuamente, mas de acordo com o clima político em que se vivia, iríamos resistir. Recordo-me de lance curioso antes de partirmos para Galileia: foi que, num rompante, típico de quem estava por fora, o boa-praça do Rizzo, chefe eletricista, supondo estar agradando ao Coutinho, simplesmente, pasmem, propôs lançar em algum ponto da região um cabo de aço sobre as linhas de transmissão da Chesf, o que acarretaria, segundo seus cálculos, deixar todo o Nordeste fora do ar e às escuras, porque totalmente privado de energia elétrica. Assustado, vi o Coutinho enrubescer, numa reação já minha conhecida quando algo o afetava emocionalmente. Controlou, entretanto, a sua indignação, mas repeliu drasticamente a tresloucada proposta, e o Rizzo não teve alternativa a não ser reconhecer a sua maluquice e foi tratar de salvar a própria pele.

A caminho de Galileia, destruímos um pontilhão na estrada para dificultar a passagem de quem quer que fosse em nossa perseguição e rumamos para o engenho, mandando chamar os camponeses para uma reunião, no transcurso da qual, eles, sintomática e sabiamente, se mostraram refratários e prevenidos na avaliação dos acontecimentos. Marinheiros de primeira viagem, queríamos pôr em prática a propalada aliança com os trabalhadores do campo, porque estávamos convictos de que iríamos resgatá-los de sua condição de miséria. Essa ideia era puxada por Marcos Farias, nosso diretor de produção.

De minha parte, fiquei chocado quando notei que as lideranças de Galileia não queriam participar da luta como propúnhamos. Não percebi de pronto a instintiva sabedoria daqueles pobres homens. Nossas falas e arroubos caíram felizmente no mais silencioso vazio. Prudentemente e em sua linguagem tosca, mas clarividente, eles nos aconselharam a nos retirar levando toda a nossa tralha e carros. Para isso, Braz, um camponês de um olho só, como Camões, foi contundente e falou por todos os seus pares: “Vosmissês ainda pode se salvar, mas a gente não”. A certeira intervenção de Braz foi água na fervura. A nossa ridícula resistência terminou ali.


Em busca da liberdade 

Com o início da ditadura militar, a equipe envolvida no documentário precisou fugir das forças repressivas. Eduardo Coutinho se manteve atento ao destino de cada um de seus colaboradores

Vladimir Carvalho/Especial para o Estado de Minas

Eduardo Coutinho, em cena de filme de Carlos Nader. Com sua ética humanista e capacidade de ouvir, o diretor de Edifício Master mudou a face do documentário brasileiro (Sesc SP/Divulgação)
Eduardo Coutinho, em cena de filme de Carlos Nader. Com sua ética humanista e capacidade de ouvir, o diretor de Edifício Master mudou a face do documentário brasileiro

Só nos restava esconder o equipamento mais leve para salvá-lo, como câmera, tripé e acessórios. Fui então com seu João Daniel, um senhor camponês, ajudante da produção, a uma pequena gruta no fundo do vale e ali depositamos a nossa carga, cobrindo tudo com a ramagem que cortamos das árvores, deixando por conta da memória do fiel companheiro uma possível localização no futuro. Esse equipamento seria salvo depois, reclamado que foi às autoridades por Gerson Tavares, que o alugara ao CPC da UNE. Parte do negativo foi extraviada pelos órgãos de repressão do Recife e parte foi salva por gestões junto à Líder, laboratório carioca que processava nosso material. Os copiões ficaram por muitos anos sob a guarda do cineasta David Neves, que usou a casa do pai, general insuspeito, como abrigo de tão precioso pacote.

Aquele 1º de abril ficou na minha memória como o mais longo dia de minha vida. Ilhados naqueles cafundós, sem perspectivas de escapar das garras da repressão militar, nosso medo aumentava à medida que alguns camponeses, nossos olheiros, iam regressando da cidade e contando que os jipões do Exército estavam a caminho de Galileia. A noite caiu, nos despedimos e fomos com João Daniel, nosso sábio guia naquela escuridão, caminhando por picadas, nos homiziar num capão de mato, nos arranchando sob uma árvore de grande copa. Éramos um grupo de mais ou menos nove ou 10 pessoas. Coutinho, Fernando Duarte, Antonio Carlos da Fontoura, Mário Rocha, assistente de Duarte, sua mulher, Elisabeth, que chegara do Rio para visitar o marido, dona Elisabeth Teixeira, Marcos Farias e eu. Também tenho a vaga lembrança que também estava o ator pernambucano Leandro Filho.

Em silêncio absoluto, só nos comunicávamos por sinais e nos arranjamos ali de qualquer jeito, transidos de pavor. Havia conosco uma lanterna de que não cogitamos e Marcos, por conta do dinheiro da produção em seu poder, carregava um revólver absolutamente inútil para aquela ocasião. Pode-se imaginar, conhecendo-se o espírito irreverente de Coutinho, quantas gozações não rolaram em cima do autor de A cartomante por conta desse 38 sem futuro. Alma fresca, incapaz de matar uma mosca, Marcos faleceu em 1984, sem jamais ter de fato usado uma arma de fogo.

Para aumentar a paúra, lá pelas tantas apareceu um sujeito na maior boa-fé para avisar que “os homens” haviam estado no engenho, mas já tinham se retirado e que a gente podia chegar. Mas o medo é bom conselheiro e demos calado por resposta. E nos deixamos ficar ali até o sol nascer. Nosso plano era deixar o esconderijo e alcançar a estrada principal para o Recife, tomando um ônibus para aquela cidade, e assim o fizemos, dividindo-nos em grupos de dois e de três, para não darmos na vista e, meio camuflados, ganhamos a estrada.

Mal disfarçados  Em pouco tempo, tomando por um atalho no canavial, Coutinho, eu e dona Elisabeth Teixeira, simulando um pequeno grupo familiar, estávamos na beira da rodovia para a capital, misturados a um grupo de camponeses que esperavam o coletivo. Aparentemente, não tomaram conhecimento de nós. Fisicamente, me confundo fácil com a massa: moreno, de baixa estatura e sem óculos, é mole. Dona Elisabeth, porém, vivia um drama por ser já muito conhecida no meio rural do Nordeste e a qualquer momento poderia ser identificada.

Coutinho, muito branco, sem dispensar os óculos de míope, pensava que o chapéu de palha que usava e as calças arregaçadas à moda caipira eram suficientes para ocultá-lo. O ônibus chegou, entramos de roldão com outras pessoas e “rezamos” durante todo o trajeto para que o ônibus não fosse parado pelas patrulhas que se viam pela estrada. Chegamos finalmente ao Recife e, a partir dali, foi praticamente cada um por si: a ordem era escapar da caça às bruxas.

Eu fui previamente escolhido para dar proteção e destino a dona Elisabeth. Minha condição de nordestino e amigo dela desde antes das filmagens me permitiria armar um esquema, preservando-a de uma iminente prisão. Levei-a para a casa de uma parenta no Barro, subúrbio do Recife, e aí fiquei mais à vontade com a chegada de minha mulher, Maria do Socorro, que havia sido presa em Vitória de Santo Antão, onde fora em busca de me encontrar, mas depois liberada. Por isso, temíamos que ela tivesse sido seguida. Protelávamos em busca de uma saída, quando, dias depois, o marido de minha prima, nosso hospedeiro, não suportando a pressão, vendo as fotos da viúva de João Pedro nos jornais e na televisão, entrou num tremendo cagaço e uma hora explodiu: não podíamos mais permanecer.

Foi uma humilhação para mim diante de dona Elisabeth, mas pedi um tempo e, enquanto isso, ela descobriu em seus guardados o endereço de um ex-companheiro de trabalho de João Pedro numa pedreira de Recife. Fui preventivamente ao encontro deste senhor em Cavaleiro, nos confins da capital, garantindo com ele, Manuel Serafim, a salvaguarda da amiga. Tivemos por sorte ótima ideia para disfarçar dona Elisabeth. Maria do Socorro costurou um vestido de chitão de cores vivas para ela, oxigenamos seus cabelos, agora cortados e penteados, e o resto, o rouge e o batom, se encarregaram de transformá-la em quase outra pessoa. Até eu me surpreendi depois de acabada a maquiagem. Elisabeth estava pronta para sair à rua sem ser identificada. Parecia agora uma perfeita dama alegre. Coitada, tão digna, tão autêntica, ter de passar por situação tão ultrajante. Ainda hoje sinto remorso, mas não tínhamos outra saída.

Memória e tragédia Escolhemos a noite para a travessia até a casa de Manuel Serafim por ser menor a exposição daquela “personagem” e fui levá-la naquele fim de linha, onde nos esperava o caboclo inteligente e bondoso, o mesmo que no filme descreve em minúcias a fisionomia de João Pedro e o tipo de líder que este era. Em lance emocionante, ele e sua mulher se desmancharam em atenção e carinho para com a amiga que há anos não viam (“Ela é como nossa irmã”, diziam e se abraçavam com ela), tanto que me senti cônscio de que a viúva estava realmente em segurança e dali para a frente desobrigado da tarefa. Saí de Cavaleiro direto para dar a notícia a Coutinho, homiziado na casa de amigos em Olinda, e depois disso fui cuidar da vida, àquela altura incerta e à mercê do clima opressivo que se instalara.

Seis meses depois, com uma identidade falsa, saí da toca nos arredores de Campina Grande e fui reencontrar Coutinho no Rio de Janeiro. Exemplarmente ético e generoso, e depois de se livrar da prisão em Recife, ele ainda se preocupava com a sorte de cada um de seus colaboradores. E foi assim que me acolheu e se empenhou até em me encaixar como assistente de Arnaldo Jabor em dois filmes, o que me deu alento e condições de atravessar o longo e pesado período que se seguiu. Com relação a Elisabeth, ele foi absolutamente magnânimo e estoico, só descansando, anos depois, quando amparou-a, comprando, com recursos próprios, uma casa para ela.

Esta é uma longa história, aos poucos e a custo lembrada, e apenas reordenada – depois de passado o terrível impacto do último fim de semana, quando o país estremeceu com a notícia da morte de Eduardo Coutinho, nas dilacerantes circunstâncias em que ocorreu, trucidado pelo próprio filho. Insondáveis caminhos do ser humano! Tudo diametralmente incompatível com a perspectiva de vida e a mansa, embora tensa, natureza do autor de Cabra marcado para morrer.

Inaudita cogitação se interpõe na consternação geral, pois os fatos gritam além do tumulto e não podemos afastá-la: impossível não enxergar nessa brutal tragédia que sobre ele se abateu, como nos fados gregos, uma pavorosa semelhança com a história do clã sertanejo dos Teixeiras – antes e pós-filme –, com suicídio e luta fratricida de filhos se matando diante de Elisabeth, a mater dolorosa. Não obstante, o tempo baixará como um manto inexorável sobre a cena, quem sabe, para preservar até um dia a memória dela.

Vladimir Carvalho é cineasta e documentarista, diretor de O país de São Saruê, O homem de areia e Rock Brasília: a era de ouro, entre outros.

João Paulo - O tempo e a eternidade‏

O tempo e a eternidade 
 
João Paulo
Estado de Minas: 08/02/2014


O jesuíta João Batista Libanio integrou em sua vida a dimensão da fé, do saber e da ação transformadora   (Beto Noves/EM/D.A Press  )
O jesuíta João Batista Libanio integrou em sua vida a dimensão da fé, do saber e da ação transformadora

Crer para libertar. Em poucas palavras, talvez essa seja uma maneira digna de expressar o itinerário de João Batista Libanio, teólogo jesuíta que morreu na semana passada, deixando em obra e ações um testamento para os homens do nosso tempo. Com mais de 100 livros publicados, a maior parte em conjunto com outros pensadores – inclinação de um homem que sempre quis estar ao lado dos irmãos –, Libanio foi também uma fonte pessoal de exemplos, em ações e militância. Com a profundidade de um erudito e a inspiração de um pastor, estendeu sua existência entre os pilares do tempo presente e da eternidade.

A tensão entre as grandes questões contemporâneas, sendo a injustiça social a mais candente entre elas, e a busca de uma teologia fundamental alimentaram uma vida plena, que foi ainda colorida por características humanas exemplares. João Batista Libanio tinha vivo senso de humor, era humilde, enfrentava com a mesma dedicação tarefas intelectuais e organizativas. Doutor pela Universidade Gregoriana de Roma, com estudos na Alemanha com o teólogo Karl Rhaner, diretor do Colégio Pio Brasileiro em Roma durante o Concílio Vaticano II, Libanio não ficou encastelado na tentadora carreira de intelectual no seio da Igreja. Foi sempre um pensador da vida.

Além da ação pastoral e de assessoria a movimentos internos da instituição, ele foi um dos animadores do projeto de criação das comunidades eclesiais de base, um dos pilares da Teologia da Libertação, que ele ajudou a formular. Sua obra, de certa forma, mimetiza a riqueza da vida. Ao lado de livros de teologia sistemática, escreveu ensaios de análise de conjuntura, textos sobre a questão urbana, estudos sobre a fé, livros de metodologia do pensamento e de filosofia. Em muitos de seus trabalhos se encontrava ainda a vocação didática, o convite para o diálogo, o esforço em formar cidadãos na seara do pensamento. Libanio não era homem de sermões, na acepção popular do termo, mas de diálogo, sempre ancorado no sentido transcendente da realidade. Era amigo de Platão, mas era ainda mais amigo da verdade.

A Teologia da Libertação é um dos grandes projetos de emancipação humana do século 20. Além de sua dimensão política, com a opção pelos pobres e abertura aos problemas sociais da América Latina, onde surgiu, a Teologia da Libertação traz nova dimensão intelectual e cria um plano original de reflexão. O teólogo passa a ter sua tarefa teórica condicionada pela fé do povo. “Não há oposição entre fé e política, entre fé e luta libertadora, entre fé e compromisso social”, sintetizou Libanio no livro Igreja contemporânea – Encontro com a modernidade. Além do movimento interno, a Teologia da Libertação marca uma inclinação prática da Igreja em direção aos pobres, deslocando ainda os paradigmas da contemporaneidade, como a relação com a natureza, a valorização das mulheres e das etnias, e a dinâmica em direção ao ecumenismo.

A religião é uma dimensão marcante do jeito de ser do brasileiro. No entanto, por motivos diversos, nem sempre ela é considerada uma via importante para o conhecimento do país e da realidade social. Com teólogos como João Batista Libanio e Leonardo Boff, com pensadores como Henrique Cláudio de Lima Vaz, entre outros, pode ser que estejamos perdendo uma via fundamental para a compreensão de nossa realidade, que poderia se somar ao trabalho de sociólogos, cientistas políticos, economistas e antropólogos. A distância que grande parte dos intelectuais mantém da teologia – empurrando-a para o campo estrito da religião ou da psicologia individual, quando não do pensamento mágico e antípoda à ciência – é sinal de uma miopia voluntária e pouco produtiva. Não apenas pelo volume da obra, mas por sua consistência e pluralidade, o trabalho de Libanio pode ser um guia precioso para nosso tempo e para a nossa realidade.

Cenários e fé

Para o leitor leigo em questões teológicas e para aquele que não tem fé, mesmo assim a obra de Libanio traz contribuições fundamentais. Em dois pequenos livros em que analisa a conjuntura da Igreja, o autor organiza de forma inteligente e articulada o contexto da instituição em nosso tempo. Cenários da Igreja, como o título indica, faz uso da categoria de cenário (em vez de modelo) para propor uma visão prospectiva da Igreja. O livro procura descrever os cenários existentes hoje, sempre a partir de um duplo movimento: um que impulsiona a Igreja a dar conta de suas questões internas; e outro que estabelece ligação com o mundo social, político e econômico.

Nessa chave, Libanio passa então a examinar os diferentes cenários: a Igreja instituição, a Igreja carismática, a Igreja pregação e a Igreja da práxis libertadora. Em cada uma dessas possibilidades, o teólogo trata de temas que dizem respeito a questões morais, litúrgicas, doutrinais e filosóficas, com o cuidado de resgatar em cada cenário os aspectos positivos e problemáticos. Dialético, Libanio não cai em momento algum na tentação positivista de ver um caminho único e mecânico, destacando sempre a presença da consciência humana nas escolhas.

Em outra obra que também parte da análise de conjuntura, Igreja contemporânea – Encontro com a modernidade, Libanio parte de uma questão mais abrangente: de que maneira o embate com o projeto da modernidade (a ciência aí incluída) alterou as perspectivas da Igreja e que novas questões estão postas para a renovação da instituição?. O teólogo passa em revista o clima anterior ao Concílio Vaticano II, analisa os movimentos que prepararam o encontro e seu desenrolar, estuda os anos pós-conciliares para concluir com a caminhada da Igreja na América Latina e com o movimento da nova evangelização, no contexto da globalização e do neoliberalismo.

Outra questão sempre presente na obra do teólogo é o tema da fé. Libanio, com argúcia, separa religião de fé, trazendo o debate para a situação de orfandade sentida pelo homem contemporâneo. “Por escolha, fé constitui o substantivo de nossa reflexão. A religião se transformará num dos adjetivos da fé: a fé religiosa.” Com isso, o teólogo se aproxima de um universo que ele, no título de um de seus livros, faz questão de nomear: um mundo de muitas crenças e pouca libertação. O desafio é conjugar os impulsos das muitas formas religiosas (inclusive com suas estéticas e festas), com o compromisso social sério, que obriga a conjugar a crença com responsabilidade acerca dos problemas sociais, de modo a evitar tanto a alienação como as os esquematismos reducionistas de algumas ideologias.

Crer num mundo de muitas crenças e pouca libertação é um livro que percorre um caminho complexo, que se equilibra entre questões de natureza teológica, histórica e, por fim, políticas. Libanio analisa as tensões internas na formulação da fé, com suas variantes históricas; reflete sobre a articulação da fé com a subjetividade e o desafio de se abrir para o mundo e o cosmos; e aborda o difícil tema da articulação entre fé e razão (apontando o quanto são interdependentes e não opostas). O teólogo mostra ainda como o coração da fé cristã gira em torno de Jesus para, por fim, debater sobre o que significa “crer na América Latina”, um tema caro ao autor e à Teologia da Libertação. Em síntese, a fé cristã se revela “pessoal, eclesial-comunitária e histórica”.

Ensinar a pensar

João Batista Libanio ajudou a formar muitos religiosos e cidadãos. Professor em várias universidades, sendo a última delas a Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), no Bairro Planalto, em BH, o teólogo deixava claras as marcas de sua própria formação rigorosa. Seus livros são vazados por um estilo sempre dialógico, perpassado de instrumentos pedagógicos e sugestões de aprofundamento. Como Libanio certamente se deparou com a dificuldade em trabalhar conceitos e análises mais exigentes no terreno de superficialidade vigente na sociedade de consumo, dedicou parte de sua obra ao incentivo ao trabalho intelectual e à oferta de ferramentas metodológicas para quem quer aprender a aprender.

O livro A arte de formar-se, por exemplo, é uma espécie de manual de sobrevivência na selva da informação. Numa sociedade que se vangloria de ser chamada de “sociedade do conhecimento”, muito se perde pela aposta no acúmulo de informação, pela superficialidade do dado, pelo prazer de manipular centenas de fontes. Para Libânio, a tarefa é exatamente ensinar a pensar em meio a tanta informação. Mais que isso, substituir a técnica da formação pela arte de formar-se.

O livro propõe um caminho rigoroso, mas também prazeroso, para quem busca o conhecimento. Dividido em pequenas seções, com temas para reflexão e diálogo, A arte de formar-se  tem oito capítulos, cada um deles atento a um pilar que sustenta o edifício do conhecimento: aprender a conhecer e a pensar; aprender a fazer; aprender a viver juntos; aprender a viver com os outros; aprender a ser; aprender a discernir a vontade de Deus; aprender a amar; aprender a ser lúcido: exercício de pensar; e aprender a cuidar da Terra.

Amparado em muitos pensadores laicos, como Paulo Freire e Edgar Morin, e ainda na tradição da filosofia católica, de Santo Inácio à Teologia da Libertação, o autor propõe um programa de formação pessoal que é ao mesmo tempo ligado ao saber e à ação. Trata-se não apenas de ampliar as possibilidade de conhecimento, mas também de compromisso ético com mundo e com os problemas de nosso tempo. Para quem – e são muitos – sente vontade de estudar frente à banalidade do que é vendido hoje como saber, mas não sabe por onde começar, A arte de formar-se pode ser um instrumento fundamental.

Na mesma linha, Libanio publicou o livro Introdução à vida intelectual. Logo na abertura, referindo-se ao fundador de sua ordem, Inácio de Loyola, criador dos exercícios espirituais, o autor lembra que o próprio santo pedia moderação aos estudantes em suas penitências, de modo a reservar energia para o estudo. Os jesuítas sabem que é preciso fé, mas que não se avança nas sendas da verdade sem a operosa dedicação ao saber. Trata-se de livro que se desdobra a partir das atitudes mais simples às tarefas mais complexas da vida intelectual.

João Batista Libanio deixou obra e exemplo. Não seria exagerado dizer que cumpriu sem esperar reconhecimento o mais difícil e bem-aventurado dos destinos: contribuir na tarefa da libertação. Como ainda há muito o que fazer, deixou, junto com a herança, um compromisso.


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O trauma e o pânico

Só Freud explica as raízes psicológicas da derrota do Atlético em Marrakesh. Para o psicanalista, o futebol não se limita ao jogo e é preciso estar atento a todas as dimensões do homem
 

Arlindo Carlos Pimenta
Estado de Minas: 08/02/2014



A torcida atleticana no Marrocos viu fugir o sonho com a crise de liderança e coesão do grupo   (Alexandre Guzanche/EM/D.A Press)
A torcida atleticana no Marrocos viu fugir o sonho com a crise de liderança e coesão do grupo

A psicanálise, criada por Freud, tem por base o conceito de inconsciente como sistema de funcionamento mental que influi, queiramos ou não, em todos os atos da vida. Sendo assim, esse ramo do saber humano se divide grosso modo em psicanálise em intenção, a clínica psicanalítica por excelência, e a psicanálise em extensão, que contribui com sua visão para a compreensão dos diversos acontecimentos da vida cotidiana em toda a sua amplitude.

Sendo eu atleticano desde 1947, e como tal carregando na bandeira preta e branca, como bem assinala Roberto Drummond, os odores de suor, lágrimas, perfume da mulher amada, mas nunca o de naftalina, e como psicanalista, me senti no direito e, por que não, no dever de apresentar meu ponto de vista do que foi vivido pela minha família e por mim em Marrakesh.

Dizem que o brasileiro, e em particular o torcedor, tem memória curta e logo esquecerá as decepções e conquistas. Não sei se é bem assim. Nestes 66 anos em que acompanho nosso galo carijó, dois traumas maiores se tornaram muito difíceis de elaborar. Refiro-me primeiramente à final de 1977 contra o São Paulo, naquela tarde chuvosa, quando, emudecido, assisti ao choro de meus garotões. A outra, agora no Marrocos, com meus garotões já crescidos, onde junto com minha mulher e nora vivenciamos o trauma de Marrakesh.

Por que trauma? O que é um trauma para a psicanálise? Para não me alongar muito, podemos dizer que o trauma é uma vivência psíquica, que invade a mente e a desorganiza e paralisa. De imediato não se consegue elaborar aquela vivência, significá-la e integrá-la. O nível de angústia é altíssimo e invasivo. O que acontece juntamente com a perplexidade é a repetição incessante da vivência traumática, que teima em se manter em sua mente apesar dos esforços conscientes que fazemos para nos afastarmos delas.

Isso se dá, segundo Freud, por dois fatores em especial, a saber: ou a vivência é muito intensa, ou estamos despreparados para ela, ou os dois fatores conjugados. Marrakesh foi antes de tudo um grande trauma. Quem se desloca para aquela distância enfrenta as vicissitudes de chegar àquele estádio. Anda três quilômetros a pé, praticamente no escuro, em meio à multidão ululante. Não esperava nunca o acontecido.

Onde estava aquele time da Libertadores, raçudo, confiante, entusiasmado, que respondia em campo ao “eu acredito” das arquibancadas? Algo sério aconteceu. Para um torcedor que recebe informações às vezes truncadas e parciais fica difícil entender. Mas, à medida que o impacto foi se distanciando, pude me lembrar da Psicologia das massas, de Freud, texto no qual ele elabora a teoria do pânico. Para Freud, a estabilização de um grupo se deve a dois tipos de ligação emocional. O primeiro tipo de ligação, chamado ligação vertical, é estabelecido entre os componentes do grupo com um lugar do ideal, geralmente ocupado pelo líder ou líderes. Em razão dessa ligação vertical em comum, é estabelecida uma ligação horizontal entre os membros desse grupo, ligação que dá coesão e estabilidade ao grupo.

O pânico se daria, segundo Freud, quando fica vago o lugar do ideal, da liderança. A ligação vertical não se sustenta e, como consequência, a ligação horizontal se desfaz. Desaparece o grupo como tal, e o pânico leva ao “cada um por si”. Freud, nesse texto, lembra o evento bíblico em que os exércitos assírios comandados pelo general Holofernes dizimavam o exército de Israel. Judite, bela e sedutora, passa pelo exército assírio e vai até a tenda de Holofernes, com o qual passa uma noite de sexo e vinho. Ao amanhecer, tendo o general adormecido, extenuado, Judite corta-lhe a cabeça, sai da tenda e mostra-a aos exércitos, que em pânico se dispersam.

Perplexidade O que assistimos em Marrakesh foi algo aterrador. À algazarra marroquina, ao final da partida, víamos estampada a perplexidade emudecida dos milhares de atleticanos que se entreolhavam estarrecidos. Certamente um pesadelo. Como explicar? De volta ao hotel, mais seis quilômetros aturdidos aos gritos marroquinos dos quais só entendíamos: mineiro, mineiro. E como não entendo árabe, graças a Deus, ficava por isso.

No dia seguinte ao conversar com alguns árbitros da Fifa que se hospedavam no mesmo hotel, tentei diminuir a dor traumática alegando que não fora pênalti e que o Marrocos tão vizinho da Espanha poderia ter influenciado o árbitro. Argumento e contra-argumentos entre esprit de corps e paixão de torcedor, o árbitro encerrou a conversa dizendo: “Meu amigo, o Atlético Mineiro perdeu de si próprio”. Emudeci e tive de concordar. Infelizmente é verdade.

Mas por quê? Os rumores da imprensa davam conta de que Cuca não era mais efetivamente o treinador do Galo. Aquele Cuca do “Yes we CAM” desapareceu. O lugar vago certamente levou o elenco carijó ao pânico e à desestruturação. É como se Judite em chinês mostrasse a cabeça decepada de Cuca aos jogadores. Salto alto diziam alguns, mais provavelmente o pânico que se apossou do grupo.

Mas pelo resultado podemos deduzir que deve ter faltado habilidade naquele momento. Não era hora de desestabilizar a equipe. Falta de tato ou conhecimento mínimo de psicologia (psicanálise)? Ganância do treinador? Só podemos neste momento exercer essa função importante do ser humano, que é o fantasiar. O presidente Kalil não compareceu à cerimônia de entrega de medalhas. Por quê? Mais um sinal de vácuo?

Certamente as questões financeiras, os centros de treinamento, a parte administrativa são extremamente importantes na administração de um clube. Mas para usar o jargão do futebol uma “pixotada” psicológica ou o desconhecimento da psicologia dos grupos, a que o Departamento Médico deveria ser sensível, além de entender evidentemente de ossos, músculos e tendões. Mas o ser humano é muito mais que isso.

E o preço é alto. Sei que a questão é complexa. Este que abordamos é apenas um deles. Nem por isso menos importante. E nele Freud explica.

Arlindo Carlos Pimenta é psiquiatra e psicanalista.

Orelha

Orelha

Estado de Minas: 08/02/2014


Allen Ginsberg, Richard e Jeannette Seaver, Jean Genet e William Burroughs (Editora Globo/Reprodução)
Allen Ginsberg, Richard e Jeannette Seaver, Jean Genet e William Burroughs
Homem de letras

O editor Richard Seaver, como se pode ver pela foto acima, estava sempre bem acompanhado. Sem querer aparecer – virtude pouco comum no mercado de vaidade humana –, seu negócio era fazer os outros brilharem. O livro A hora terna do crepúsculo, que está sendo lançado no Brasil pela Globo Livros, é um passeio por Nova York e Paris do pós-guerra, tendo como personagens principais os escritores que revolucionaram a sensibilidade moderna. Richard Seaver apresentou Paris aos americanos e depois desvendou Nova York para os franceses. Como editor de casas como Grove Press, Viking e Holt, editou autores como Samuel Beckett, Ionesco, Henry Miller, William Burroughs, Jean Genet e D. H. Lawrence, enfrentando muitas vezes a censura e os tribunais. Defensor da liberdade de expressão e sensível aos novos valores estéticos, tendo ajudado a dar feição à literatura contemporânea, Richard Seaver foi também o cronista do tempo em que Paris era uma festa. E, na verdade, em boa parte por causa dele, com sua antena para publicar novos autores e desafiar as convenções e moralismo. A hora terna do crepúsculo mostra, ainda, que o exigente editor era um escritor de classe, que tinha o que dizer.


Mais ditadura

Dois livros chegam em breve às livrarias tendo como tema os 50 anos do golpe militar brasileiro. Pela Editora da Universidade de São Carlos o período é retratado no livro  O golpe de 1964 e o regime militar, coletânea de artigos organizados por João Roberto Martins Filho, que teve a primeira edição em 2006. Outra publicação, esta inédita, é Ditadura à brasileira – 1964-1985 – A democracia golpeada à esquerda e à direita, do historiador Marco Antonio Villa, que sai pela Leya ainda este mês.


Prosa de praia

A Edições Chão da Feira vem criando uma ponte delicada e sutil entre Portugal e o Brasil. Além dos livros de seu catálogo enxuto, ela divulga de tempos em tempos seu Caderno de leituras  pela internet, com textos preciosos. O mais recente, de número 23, é dedicado a um ensaio da poeta mineira Ana Martins Marques, “A praia, a pele, a página”, sobre o romance A vida descalço, do argentino Alan Pauls. O endereço é: www.chaodafeira.com.

 (Camila Rodrigues/Divulgação)

Memória da infância

Cronista, poeta e um dos mais animados agitadores da literatura brasileira, Fabrício Carpinejar (foto), aos 41 anos, resolveu escrever suas memórias da infância e adolescência. O resultado são os quatro volumes da coleção Vida em Pedaços. Os dois primeiros volumes da autobiografia, Te pego na saída e Não atravesso a rua sozinho, estão sendo lançados pela Editora Edelbra, com ilustrações de Eloar Guazzelli. Na sequência, Carpinejar completa suas memórias juvenis em mais quatro livros, que vão integrar a série Pedaços da Vida.


Lobo em livros

Na linha “veja o filme, leia o livro”, a Editora Planeta traz para as livrarias os dois volumes de Jordan Belfort que deram origem à produção O lobo de Wall Street, dirigido por Martin Scorsese, com Leonardo DiCaprio no papel principal. O primeiro livro, com o mesmo título do filme, descreve a história de ascensão, excessos e queda de Belfort. Já o segundo volume, A caçada do lobo de Wall Street, revela os bastidores da prisão e do acordo de delação premiada que permitiu que o escroque, depois de entregar quase 100 amigos, se livrasse de três décadas de prisão.


Lição de vida

O mundo se emocionou – o Brasil incluído – com o romance A culpa é das estrelas, de John Green, um dos maiores best-sellers dos últimos tempos. Chega agora ao país, em lançamento simultâneo com os EUA, A estrela que nunca vai se apagar (Editora Intrínseca), um diário com ilustrações e fotos, escrito por Esther Earl, inspiradora do romance, e completado por seus pais, Lory e Wayne. O final, como se sabe, é muito triste, mas o livro ajuda a conhecer a menina diagnosticada com câncer de tireoide aos 12 anos, que dá uma lição de vida tocante. O prefácio é de John Green.

 (Record/Reprodução)

Jackie no batente

Uma das mulheres mais destacadas de seu tempo, Jacqueline Onassis Kennedy não era propriamente uma trabalhadora, tendo pouco tempo para se dedicar a algo além de ser a primeira-dama dos EUA ou mulher do magnata Onassis. No entanto, aos 46 anos, ela começou a trabalhar no ramo editorial, tendo desenvolvido uma carreira de respeito. É o que garante Greg Lawrence no livro Jackie editora (Record). Representando grandes editoras, Jackie publicou nomes como Louis Auchincloss Nagib Mahfuz, Diana Vreeland e até mesmo Michael J

Para decifrar o Brasil

Coletânea de estudos organizada pelos historiadores Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco incorpora autores ao grupo de intérpretes clássicos da formação nacional, entre eles pensadores heterodoxos


Carlos Guilherme Mota
Estado de Minas: 08/02/2014



Com sua obra sobre o território brasileiro em suas múltiplas dimensões, o geógrafo Milton Santos ampliou o campo de saber sobre o Brasil   (Kathia Tamanaha/AE)
Com sua obra sobre o território brasileiro em suas múltiplas dimensões, o geógrafo Milton Santos ampliou o campo de saber sobre o Brasil


Em Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados (Boitempo Editorial), organizada pelos historiadores Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, reúnem-se estudos e ensaios sobre alguns dos principais intérpretes da história e da cultura no Brasil, escritos por reconhecidos especialistas, em geral professores de universidades como USP, Unicamp, Unesp e UFRJ, ao lado de estudiosos como o argentino Guillermo Almeyra, da Universidade de Buenos Aires e da Clacso, e o mexicano Carlos Mallorquín (o prinicipal estudioso da obra de Celso Furtado fora do Brasil, segundo o próprio Furtado), atualmente professor na Universidade de Zacatecas. E ainda outros críticos conhecidos no meio acadêmico brasileiro, como Ricardo Bielschowsky, Marcelo Ridenti e Marcos Del Roio.

O leitor poderá notar que, tanto na seleção dos autores como dos comentaristas críticos, os organizadores desta obra fugiram bastante das linhas de publicações que vêm se dedicando ao estudo dos “explicadores” do país. Nada obstante, eles consideram relevante, é claro, a contribuição decisiva de vários escritores e pensadores anteriores, já clássicos, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Florestan Fernandes, Celso Furtado e Antonio Candido, autores de obras seminais, aqui revisitados em abordagens inovadoras.

A novidade da publicação é que os coordenadores trouxeram para o debate de ideias sobre o Brasil figuras que estavam um tanto à sombra, como, a despeito de seu papel histórico, o venerando Astrojildo Pereira, mas também do crítico da conciliação José Honório Rodrigues (neste ano do centenário de seu nascimento), Heitor Ferreira Lima, Octavio Brandão, Luís da Câmara Cascudo, Leôncio Basbaum, os inquietos Mário Pedrosa e Darcy Ribeiro, além de Everardo Dias, Rômulo Almeida, Nelson Werneck Sodré, Rui Facó. E, dos mais “novos” e menos compendiados, os heterodoxos e brilhantes Maurício Tragtenberg (“no Brasil não há cidadãos, mas súditos-contribuintes”, ironizava), Jacob Gorender, Rui Mauro Marini e Milton Santos (“não se deve confundir a moda com o modo”, alertava), o laborioso Edgard Carone, e ainda personalidades da importância histórica de Paulo Freire e Ignácio Rangel.

Verifica-se nesta obra uma significativa ampliação do foco nos estudos sobre o pensamento brasileiro, não apenas em termos geracionais como também na variedade de visões teóricas e abordagens pronunciadamente ideológicas. Câmara Cascudo e Werneck Sodré não estão, positivamente, na mesma chave ideológico-cultural, assim como Rômulo Almeida e Maurício Tragtenberg produziram ensaios em diferentes quadrantes.

Sabe-se que cada geração analisa e “redescobre” o Brasil e interpreta o processo de nossa formação dentro das condições e debates de suas épocas. Poucos vão além. É necessário lembrar, entretanto, que já assistimos desde o século 19 a diversas tentativas de interpretação de nossos caminhos enquanto sociedade e cultura, considerando inclusive as conjunturas político-ideológicas específicas em que surgiram. Claro que anacronismos sempre existiram, mas as dificuldades em “pensar o pensamento”, como alertara Machado de Assis, estiveram presentes em todas as tentativas, até hoje. E que Mário de Andrade sempre se inquietou com a dificuldade em saber o que somos e valemos enquanto povo…

Mais recentemente, vale recordar algumas tentativas importantes, como a de Dante Moreira Leite, autor do Caráter nacional brasileiro. Tese muito polêmica, apresentada à antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em 1954, quase lhe custou uma reprovação, por tratar de modo menos convencional características do “brasileiro” por meio de ideologias e estereótipos. Valorizando historiadores como Caio Prado Júnior e João Cruz Costa, suas observações sobre as abordagens de Sérgio Buarque e Gilberto Freyre sobre nossa formação não agradaram de todo a banca examinadora… Na nova edição revista e ampliada da tese de Dante, com o subtítulo de História de uma ideologia, Alfredo Bosi expõe em 1983 o significado da obra e mapeia as linhas gerais da produção intelectual do país, do mesmo modo que o fez no longo prefácio crítico e generoso ao nosso livro Ideologia da cultura brasileira (1977), brotado na mesma vertente de Caráter nacional brasileiro, embora com crítica à sua visão por assim dizer liberal.

À época da publicação do livro de Dante, o cearense Djacir Menezes publicava O Brasil no pensamento brasileiro (1957 e, revisto,1972, pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais), com seleção de trechos de obras de vários intérpretes significativos, com exclusão porém de importantes intelectuais de esquerda. Desse mesmo momento, é a obra fundamental de João Cruz Costa Contribuição à história das ideias no Brasil (primeira edição 1957 e 2ª edição em 1967), que aguarda melhor e mais justa avaliação.

Em 1966, eis que vem à luz o livro de Fábio Lucas Intérpretes da vida social, conjunto de estudos e ensaios bem escritos, com observações agudas sobre a imagem do Brasil, a América Latina e nós, o culto do herói, e sobre o padre Antônio Vieira, Euclides da Cunha, Rui Barbosa e o mineiríssimo Afrânio de Melo Franco.

Nos anos 1960 e 70, abriram-se muitas novas veredas na história e crítica da produção político-cultural entre nós, tanto no campo da historiografia como nos da crítica literária e da sociologia da cultura e, de modo geral, na área das ciências humanas. A temática da “formação”, das “raízes” e da liquidação da “herança colonial” (incompleta até hoje) passava a estar presente nas melhores tentativas de explicação do Brasil, no embalo, primeiro, das obras clássicas de Freyre, Buarque e Caio Prado Júnior, e depois da viragem dos anos 50 para 60, no clima respirado e crítico criado com os livros referenciais de “formação” de Antonio Candido, Raymundo Faoro, Celso Furtado, Nelson Werneck Sodré, Wanderley Guilherme e outros. Tempos de descolonização, de descoberta do subdesenvolvimento e do terceiro-mundismo, de abertura mental, de reforma e revolução e… de repressão sistemática, sobretudo após o golpe de 1964.

Ciências sociais


O impacto dos novos métodos e técnicas das ciências sociais, da crítica literária e da historiografia pode ser apreciado nas obras de um Florestan Fernandes, em que o formulador de ideias e teses sobre nossa história começa a se preocupar crescentemente em esclarecer a localização de sua própria metodologia e perspectiva histórico-historiográfica. Preocupado com o sentido de nossa história, trafega ele pela ampla e densa bibliografia dos intérpretes que o antecederam, como se pode constatar em seu livro esclarecedor A condição do sociólogo (1977), obra prefaciada por Antonio Candido, em que situa seu grupo-geração e sua visão de história. Na mesma perspectiva, em Florestan Fernandes, Sociologia crítica e militante, coleção de textos do sociólogo-historiador paulistano organizada por Octavio Ianni, publicada em 2004, tem-se um marco do moderno pensamento de esquerda (no e) sobre o Brasil. A apresentação de Ianni, “Florestan Fernandes e a formação da sociologia brasileira”, sinaliza com precisão os novos tempos do pensamento sobre as ambiguidades e desafios enfrentados ao longo de nosso percurso histórico enquanto povo-nação. Uma vanguarda neste país da “miséria farta” (Anísio Teixeira).

Registre-se a atenção de Florestan para com a divulgação dos clássicos, nacionais e estrangeiros, como se constata na Coleção Grandes Cientistas Sociais, editada pela Editora Ática, publicando autores como Nabuco, Furtado, Bastide, Caio Prado, Euclides, Sérgio Buarque, ele próprio; e dentre os estrangeiros, Mannheim, Febvre, Marx, Weber, Adorno, Benjamin, Bourdieu, Habermas… Um marco editorial sem precedentes.

Finalmente, diga-se que por volta do ano 2000 surgiram muitos projetos para repensar nossa história. Nesse clima de reencontro do Brasil com sua história publicou-se Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico (dois volumes), obra coordenada por Lourenço Dantas Mota, trazendo substanciosos estudos de vários especialistas sobre os principais “intérpretes”, desde Vieira, Antonil e José Bonifácio a Euclides, Manoel Bonfim, Vitor Nunes Leal, Faoro, José Honório, Darcy e Antonio Candido, além de Furtado e Florestan. A Folha de S. Paulo, em projeto com a Editora Nova Fronteira, levou às bancas de jornal alguns desses clássicos, a preço baixo. A Comissão para as Comemorações dos Quinhentos anos do Descobrimento também publicou, com a Editora Aguilar, três volumes com vários desses estudiosos sobre nossa formação.

Mais recente é o conjunto de ensaios de Fernando Henrique Cardoso Pensadores que inventaram o Brasil (2013), obra modulada pelo diapasão de Joaquim Nabuco. Tais ensaios permitem, mais do que os autores escolhidos, compreender a própria visão de país e cultura do ex-presidente.

Muito haveria a acrescentar neste breve balanço, visto que a produção só fez aumentar nas últimas duas décadas, nessa seara. É o caso, por exemplo, da pequena e estimulante obra de Sérgio Buarque de Holanda A contribuição italiana para a formação do Brasil (Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, 2002, edição bilíngue, organização e tradução de Andréia Guerini). Também em italiano, registre-se a edição crítica organizada por Nello Avella da obra de Paulo Prado Retrato do Brasil (Bulzoni Editore, 1995, con un saggio di Carlos Guilherme Mota), e assim por diante.

Enfim, esta nova obra vem ampliar de modo crítico os horizontes e o debate histórico-historiográfico nesta quadra difícil de nossa história, tão marcada por ambiguidades, desacertos e, já agora, também por profundas revisões para uma retomada rumo a um futuro melhor.

Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados
. Organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco
. Boitempo Editorial, 416 páginas, R$ 68

. Carlos Guilherme Mota é historiador, autor de Ideologia da cultura brasileira (1933-1974), entre outros livros.

Paisagens da solidão

Paisagens da solidão
Em Ex Isto, filme baseado em romance do poeta curitibano Paulo Leminski, o cineasta Cao Guimarães envereda pelos trópicos selvagens e contemporâneos


Leca Kangussu
Estado de Minas: 08/02/2014


João Miguel em cena de Ex Isto, de Cao Guimarães: filosofia na tela e na vida         (Indie/Divulgação)
João Miguel em cena de Ex Isto, de Cao Guimarães: filosofia na tela e na vida


Por uma feliz coincidência, na mesma época em que o festival de cinema do Urso de Ouro de Berlim anunciou a seleção do filme O homem da multidão, do cineasta mineiro Cao Guimarães, para ser exibido na edição de 2014, pudemos assistir em Belo Horizonte, na Mostra Iconoclássicos, realizada na primeira semana deste mês, a outro fabuloso filme do mesmo cineasta, Ex Isto, livremente inspirado no livro Catatau, de Paulo Leminski. Neste romance experimental, lançado em 1975 e republicado em 1989, o poeta parte da seguinte pergunta hipotética: “E se René Descartes tivesse vindo ao Brasil com Mauricio de Nassau?”.

Sobre a própria obra, que leva adiante a renovação da linguagem realizada por James Joyce e Guimarães Rosa, o escritor polonês curitibano afirmou: “Eu mesmo não consigo lê-lo de uma assentada, porque lá pela página 60 estou desvairado e com a lógica em farrapos”. Catatau, ainda nas palavras de Leminski, “é uma obra feita com carinho” e, ao mesmo tempo que pode ser considerado como um termo relativo a livros longos (segundo o autor “o calhamaço catatau é sinônimo de monstro na Bahia”), catatau pode também ser considerado como um carinhoso apelido brasileiro para Cartesius, versão latina do nome do filósofo.

Encontrei as citações que fiz de Leminski na coletânea póstuma de seus poemas, organizada por Alice Ruiz e Áurea Leminski, O ex-estranho, cujo título ressoa no do filme Ex Isto – estranha apropriação do famoso cogito, “penso, logo existo”. A apresentação visual, tão clara e distinta, do filósofo matemático, vista no filme, parece ressoar ainda o curso de filosofia moderna do notável professor José Henrique Santos, que o cineasta acompanhou no século passado, na Fafich.

Conforme o catálogo (sem autoria declarada) generosamente distribuído na mostra do Cine Sesc Palladium, Descartes, no filme, “envereda pelos trópicos, selvagens e contemporâneos [...] investigando questões da geometria e da ótica diante de um mundo absolutamente estranho”. Estranhamento é uma palavra adequada para descrever a fictícia relação do personagem com o Brasil. Na primeira tomada, vemos o filósofo, interpretado por João Miguel, sozinho em uma canoa em plena floresta amazônica. A semelhança do ator com o retrato do jovem Descartes, que pode ser visto no museu de Toulouse, realizado por um pintor anônimo, fica ainda mais potencializada pelo figurino perfeitamente fiel aos trajes do Descartes maduro retratado por grandes mestres, Frans Hal entre eles.

A certeza de que quem navega na canoa é um europeu bem vestido do século 17 impõe-se sensivelmente. A frágil embarcação desliza através da massa verde, imponente, viva, com seu solitário ocupante vestido de preto, chapéu emplumado da mesma cor, golas e punhos de delicados drapeados brancos, criando um contraste que acentua a distinção entre a natureza e o homem assim chamado “civilizado”. O diálogo entre ambos, visualmente configurado como impossível, é lindo de se ver. Tanto quando a canoa aparece de comprido, com a imensidão da floresta atrás, como um enigmático pano de fundo; como quando a canoa aparece de frente, refletida nas águas cuja luminosidade prolonga-se na do céu, emoldurada dos dois lados pelos mistérios da floresta compacta.

Filósofo na selva

Formalmente, as imagens de abertura do filme Ex Isto remetem aos maravilhosos pintores paisagistas do século 17 e 18 (Lorrain e Poussin, entre os franceses) e, se não na forma, certamente no sentimento, às paisagens de solidão pintadas pelos românticos, às de Caspar David Friedrich em particular, que mereceram o comentário de Rilke: “Graças a estes solitários, toda a humanidade pode aproximar-se da natureza”. O filme coloca-nos no coração da floresta e, através da figura engalanada do filósofo, com o olhar já distante do ser humano “civilizado”, onde medo e fascínio são a mesma coisa.

Descartes vai também às cidades e no caminho o precário CD player, do não menos precário barco que o conduz, toca a canção Verde: “De repente me lembro do verde, a cor verde é a mais verde que existe, a cor mais alegre, a cor mais triste, o verde que vestes, o verde que vestistes”. Muito apropriada à paisagem, pode-se ouvir a música inteira de Leminski, na voz de Caetano Veloso.

Durante a viagem, o filósofo (e a equipe de filmagem, claro) chama atenção de quem vai passando, o estranhamento provocando diversão. Nas tomadas feitas em uma feira popular, acentua-se a impressão de distância entre Descartes e o contexto local, mesmo quando o filósofo francês parece achar gostoso dançar colado e quando prova uma enorme abóbora, em uma cena cuja composição – e golas, punhos e cor – parece ter sido diretamente inspirada pela famosa Lição de anatomia de Rembrandt.

Em Brasília, a mais cartesiana das cidades brasileiras (“Construção com espaço calculado para as nuvens”, escreveu sobre ela Clarice Lispector), o estranhamento surge nas imagens do cineasta que desfocam as figuras e reduzem a cor, transformando o rigor plástico das formas em fotogramas evanescentes. E quando Descartes vai à praia, suas últimas certezas desaparecem em um magnífico delírio entre terra e água.

Junto com a poderosa poesia de Leminski, o filme de Cao Guimarães provoca intuições e sentimentos dos quais nem me julgava capaz, e estica tanto as cordas do sentido que é quase um alívio quando a cena muda. A beleza dói. A vibração que o filme produz parece dizer: “Eis o sentido da arte”.

Então, pensei: se a última publicação – com capa de cor vibrante – de Leminski vendeu mais do que os trocentos tons de cinza, porque não exibir para um público mais amplo certos filmes que realizam a herança poética do cinema brasileiro (vinda do mineiro Humberto Mauro e de Glauber Rocha, entre outros), como os do próprio Cao Guimarães? Belo Horizonte merece ver o que se vê em Berlim...

. Leca Kangussu é professora de Filosofia na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

TeVê

Estado de Minas: 08/02/2014

TV paga



 (TriStar Pictures/Divulgação)

Sessão do medo


É suspense ou terror, não tem como escapar. No Telecine Premium, às 22h, a novidade é Mama. No mesmo horário, a HBO estreia A morte do demônio (foto). O primeiro filme conta a história de duas meninas que reaparecem depois de cinco anos vivendo em uma floresta, onde se esconderam quando a mãe foi assassinada, e logicamente esse retorno não é lá muito tranquilo. O segundo é o remake de um clássico do gênero, em que cinco amigos presos em uma cabana descobrem o Livro da morte e acabam despertando os demônios que habitam o bosque ao redor.

Muitas alternativas na  programação de filmes


No aquecimento para o Oscar, o Telecine Touch exibe mais dois filmes indicados ou vencedores do prêmio, ambos com George Clooney, na direção ou no elenco: Tudo pelo poder (15h30) e Os descendentes (17h20). No Telecine Action, sessão dupla com Matt Damon em A identidade Bourne (19h40) e A supremacia Bourne (22h). No FX, a novidade é um pacote de comédias, com Quanto mais idiota, melhor (16h20), Os vampiros que se mordam (18h), Não é mais um besteirol americano (19h25) e Espartalhões (21h). Na faixa das 22h, o assinante tem nada menos que 10 boas opções: A ilha da morte, no Canal Brasil; As loucuras de Dick e Jane, no Comedy Central; Cartas insignificantes e crimes de amor, no Futura; Guerra dos mundos, na MGM; Ponto final – Match point, no TCM; A última casa da rua, na HBO 2; O aprendiz de feiticeiro, no Megapix; Um sonho possível, na Warner; 007 – Operação Skyfall, no Telecine Pipoca; e Coriolano, no Telecine Cult. Outras atrações da programação: Corpos celestes, às 21h, no AXN; e Dragão vermelho, às 21h25, no Universal.

Crianças fazem cinema  na tela do Canal Brasil

O que a mente de uma criança é capaz de produzir para o cinema? O que uma criança é capaz de fazer com uma câmera na mão? Essas questões levaram a atriz e produtora Daniela Gracindo a criar a oficina do Pequeno cineasta, que estreia hoje, às 18h30, no Canal Brasil. Com direção de Walter Lima Jr. e apresentação da própria Daniela, cada episódio vai exibir curtas-metragens produzidos por crianças e com os comentários delas sobre a produção dos filmes.

Gordo tem que perder  peso; o magro, ganhar

No Discovery Home & Health, estreia hoje, às 21h30, a quarta temporada de Trocando os pratos, em que uma dupla de participantes, um deles acima do peso e o outro abaixo, decide tratar seus problemas alimentares com a ajuda do dr. Christian Jessen. Na clínica, os dois trocarão de dieta por cinco dias sob a supervisão do médico, que os ajudará a entender a origem da relação desequilibrada
com os alimentos.

Pacotão musical tem  para tudo que é gosto


Dudu Nobre é o convidado de hoje da série Viva o sucesso, que já está fazendo um “esquenta” para o carnaval, no ar às 21h30, no canal Viva. Na Cultura, a programação musical é farta e variada: o grupo paulistano Versão Popular vai ao Manos e minas, às 17h; o compositor, cantor e cineasta Péricles Cavalcante é o convidado do Cultura livre, às 18h; tem  concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira com o músico pernambucano Lenine, às 21h30; e o documentário Maria Bethânia: música é perfume fecha a lista, às 23h. No Multishow, a transmissão do festival Planeta Atlântida continua às 19h, com Gabriel, o Pensador, Raimundos e Comunidade Nin-jitsu, Skank, Jorge & Mateus e Só Pra Contrariar.


Papo de criança - Simone Castro
Raul Gil recebe o cantor Gusttavo Lima para uma rodada de perguntas em seu programa (SBT/Divulgação)
Raul Gil recebe o cantor Gusttavo Lima para uma rodada de perguntas em seu programa

Gusttavo Lima que se prepare. Ele é o convidado do Programa Raul Gil, hoje, às 14h15, no SBT/Alterosa. Vai participar do quadro “Crianças curiosas”. Responde às perguntas dos pequenos e ainda solta a voz, cantando seus principais sucessos. Já no quadro “Jovens talentos”, meninos e meninas com idades entre 15 e 20 anos podem mostrar suas habilidades. Estarão em cena Augusto César e Gustavo, Bianca Malfatti, Davi Lukato, Elias Lima, Ramon Rodrigues, Paulinha Vasconcelos, Juliana Silva, Carol Cabrino e Hugo Rafael. Eles serão avaliados pelos jurados Caio Mesquita, Amanda Neves, Jamily e Régis Tadeu. A garotada continua tomando conta da atração no quadro “Jovens dançarinos kids”, com destaque para Dance Team, Ballet Ana Rennó e Hip Hop XStyle. E ainda tem os musicais com Maite Perroni, Maurício Manieri, Gui e Rafa e Magno Malta.

NUDEZ FOI SÓ SUGERIDA,  MAS DEU O QUE FALAR

Estrela da segunda fase de Em família (Globo) como a jovem Helena, Bruna Marquezine, de 18 anos, virou notícia em vários sites esportivos espanhóis. Obviamente, por ser namorada de Neymar, jogador do Barcelona. Tudo por causa da nudez sugerida da personagem em cena da trama de Manoel Carlos. Helena sai do banho e, descuidada, deixa a toalha cair bem na hora em que Fernando (Antônio Sabóia), o marido de uma de suas tias, aparece. A garota morre de rir e o cara fica constrangido. “Bruna Marquezine tem chamado a atenção da mídia e de curiosos por sua profissão”, destacou o Mundo deportivo. “No primeiro capítulo da novela Em família, do canal brasileiro Globo, onde participa como atriz, ela aparece sem roupa em uma cena, e está previsto que, na segunda fase da trama, ela protagonize uma cena de sexo.” Na terça-feira, Helena e o namorado Laerte (Guilherme Leicam) tiveram sua primeira vez.

BIOGRAFIA DE JENNIFER  LAWRENCE SAIRÁ EM HQ

Premiada com o Oscar de melhor atriz no ano passado pelo filme O lado bom da vida, Jennifer Lawrence, de 23 anos, vai ganhar biografia no formato em quadrinhos. A moça será tema da próxima edição de Fame, que já documentou vida e obra dos artistas David Beckham, Justin Bieber, Beyoncé, Britney Spears e Lady Gaga. Jennifer Lawrence é considerada hoje a namoradinha da América e uma das maiores estrelas de Hollywood. Em tempo: ela recebeu duas indicações ao Oscar deste ano pela atuação nos filmes Inverno da alma e Trapaça.

VÍDEO SHOW ACENDEU O SEU SINAL DE ALERTA


Tudo por causa da péssima audiência registrada pelo novo formato, o Vídeo show (Globo) já recebeu o sinal vermelho. Ricardo Waddington, diretor da atração, quer mais matérias externas do que as de estúdio com o apresentador Zeca Camargo. Nos bastidores, fala-se que não será surpresa se o antigo programa voltar à cena. E aí, para onde será que vão mandar o Zeca?

MEIO PICARETA

O ator Alexandre Nero, o vilão Hermes de Além do horizonte (Globo), comentou em entrevista à revista Status deste mês que não tem objetivo em posar de bonzinho para garantir contratos para comerciais. “Querem sempre aquela caricatura: um pai de família com pinta de bonzinho”, comentou. “Nunca quis essa imagem porque não sou essa pessoa.” E afirma: “Tem muita picaretagem nesse meio artístico”. O ator acrescenta: “Aposto na publicidade autêntica. Se for chamado para anunciar uma bebida, pode ter certeza de que eu bebo de verdade”. Depois de seis novelas no currículo, ele desdenha a fama. “Não vejo parte boa. Se tem alguma, o preço que se paga é maior”, avalia. E com nove discos lançados na carreira de cantor, já deixou a modéstia de lado. “Sou um puta sucesso como cantor. Tenho nove discos, quer sucesso maior do que esse?”, provoca. E explica: “Parece que ter orgulho do que se faz é prepotência e arrogância. Tudo que eu faço tem pretensão, que nada mais é do que pretender alguma coisa”.

VIVA
A atriz Fernanda Montenegro em Doce de mãe (Globo): dona Picucha é simplesmente maravilhosa!

VAIA
Atrações vespertinas na telinha de uma forma geral. Além da falta de conteúdo, pecam pelo repeteco. 

MEMÓRIA » Nico Nicolaiewsky dá adeus a Sbórnia‏

MEMÓRIA » Nico Nicolaiewsky dá adeus a Sbórnia
Estado de Minas: 08/02/2014


Os atores e músicos gaúchos Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez divertiram o Brasil com Tangos e tragédias   (Nó de Rosa/divulgação)
Os atores e músicos gaúchos Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez divertiram o Brasil com Tangos e tragédias

A alegria está de luto. Morreu ontem o ator, músico, compositor e humorista Nico Nicolaiewsky, de 56 anos. Ele estava internado no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, para tratar de uma leucemia. O artista se tornou conhecido em todo o Brasil por sua atuação em Tangos e tragédias, no qual contracenava com Hique Gomez.

Criada em 1984, a montagem reunia música, humor e teatro, apostando na interação com o público. Com quase 30 anos de carreira, Tangos e tragédias foi apresentado várias vezes em Belo Horizonte. Devido à internação de Nicolaiewsky, a temporada de verão no Theatro São Pedro, na capital gaúcha, teve de ser cancelada.

Nico e Hique interpretavam o maestro Plestkaya e o violinista Kraunus Sang, cidadãos de um país imaginário chamado Sbórnia. O duo conquistou os brasileiros ao brincar com dramas do dia a dia, dores de cotovelo e a conjuntura política do país. Tangos e tragédias deu origem ao longa-metragem de animação Até que a Sbórnia nos separe, dirigido por Otto Guerra, que está sendo editado em 3D – a primeira produção gaúcha nesse formato. O filme deve ser lançado no circuito comercial este ano.

O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), lamentou a morte do artista nas redes sociais, assim como vários artistas, como o compositor e cantor gaúcho Humberto Gessinger, a banda Nenhum de Nós, a cantora Fernanda Takai, o humorista Rafinha Bastos e os músicos Lucas Lima e Duca Leindecker.

Saracura Nascido em Porto Alegre, Nico Nicolaiewsky construiu sólida carreira, que não se limitou a Tangos e tragédias. Na década de 1970, ele participou do musical Saracura, que mesclava o cancioneiro regional gaúcho à MPB, ao legado tropicalista e ao rock. Em 2002, integrou o elenco da ópera cômica As sete caras da verdade.

O gaúcho morou 10 anos no Rio de Janeiro, onde estudou com o maestro Hans-Joachim Köellreuter. Deixou dois discos solo: Nico Nicolaiewsky (1996), com valsas e canções líricas, e Onde está o amor? (2007), produzido pelo mineiro John Ulhôa, guitarrista da banda Pato Fu.

Casado com a atriz Márcia do Canto, o ator e músico deixa uma filha, Nina, de 20 anos.

Até que a Sbórnia nos separe: do palco para as telas de cinema (Mostra SP/divulgação)
Até que a Sbórnia nos separe: do palco para as telas de cinema


Versão em espanhol

Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez se preparavam para comemorar os 30 anos de Tangos e tragédias, que estreou em 1984. Desde 1987, a montagem fazia temporada de verão em Porto Alegre, sempre com sessões lotadas. A dupla classificava seu trabalho como “um espetáculo cult, uma espécie de vale a pena ver de novo do teatro brasileiro”. Além das principais casas do país, as turnês de Tangos... chegaram ao exterior. A dupla gaúcha criou versão em espanhol que circulou por Argentina, Equador, Colômbia e Espanha, entre outros países. Hique e Nico fizeram muito sucesso também em Portugal.

CINEMA » Humor e requinte‏

CINEMA » Humor e requinte 
 
Dirigido por Wes Anderson, filme inspirado no escritor Stefan Zweig encanta na abertura da Berlinale. Ralph Fiennes e Tom Wilkinson são protagonistas de The Grand Budapeste Hotel 


Pablo Gonçalo/Especial para o EM
Estado de Minas: 08/02/2014


Ralph Fiennes e Tony Revolori interpretam o mordomo e o boy do charmoso hotel de um país imaginário chamado Zuborwska  (Berlinale/divulgação)
Ralph Fiennes e Tony Revolori interpretam o mordomo e o boy do charmoso hotel de um país imaginário chamado Zuborwska

Berlim – Com céu límpido e pouca neve, Berlim abrigou a paleta de cores de The Grand Budapeste Hotel (2014), de Wes Anderson, filme de abertura da 64ª Berlinale. Fruto de uma coprodução entre a Alemanha e a Fox, o longa foi rodado nos estúdios de Babelsberg, em Potsdam. Lendário, esse estúdio se transformou na sede da UFA, onde alguns dos filmes de Fritz Lang e Friedrich Murnau foram feitos. Durante o governo nazista, Goebbels interferiu estrategicamente na UFA e dali coordenou a produção de películas antissemitas. Vieram a Segunda Guerra Mundial, o muro, décadas de abandono. Desde 1992, Babelsberg voltou a receber investimentos maiores, o que permitiu coproduzir obras como Bastardos inglórios (2009), de Quentin Tarantino.

De forma sutil, a história da UFA reverbera entre o glamour e os galpões vazios que rondam The Grand Hotel, situado no país imaginário de Zuborwska. Dali, Wes Anderson narra o auge e o declínio do hotel de luxo que hospedou aristocratas, novos-ricos e soldados fascistas. É lá que reina monsieur Gustav H. (Ralph Fiennes), um charmoso e sofisticado mordomo, cuja presença é reconhecida de longe pelo olfato característico do perfume L’air de Panache.

O cerne da trama se concentra nos ensinamentos de hábitos requintados, confissões, segredos e decoro com a aristocracia que monsiuer Gustav passa a Zero Moustafa (Tony Revolori), um simples lobby-boy em início de carreira. Com química própria, a dupla de personagens funciona de forma ímpar, envolve-se na briga pela herança de família que vive no castelo Lutz e retrata a cultura de solidariedade hoteleira que se alastra por vários continentes.

Aristocracia  Com planos dinâmicos e versáteis, Wes Anderson atinge o cerne do imaginário aristocrático da Europa Oriental do início do século 20. Como quadros dentro de quadros, o filme conta as narrativas do livro The Grand Budapeste Hotel, sobre história de um escritor de meia-idade (Tom Wilkinson) que encontra o personagem Zero Moustafa já velho e milionário. É nessa sobreposição de tempos distintos que se alcança o encanto de monsieur Gustav. Anderson, habilmente, sintetiza esse universo em seu trabalho coreográfico, prenhe de detalhes, que narram a caixa rosa dos doces Muld’s, as cores renascentistas de um quadro roubado, os bigodes dos personagens.

No ambiente de abertura do festival, The Grand Budapeste Hotel soava como uma escolha certeira e os gracejos de Wes Anderson assumiam explicitamente as referências às antigas comédias da UFA. Empolgado, o cineasta citou influências de divertidas obras de Ernst Lubitsch, outro diretor que se formou em Babelsberg, como Ser ou não ser (1942) e A loja da esquina (1940).

Durante entrevista coletiva, Wes Anderson enfatizou sua admiração pelo escritor Stefan Zweig, cujas histórias lhe foram inspiradoras. Como bem diz o personagem do filme, cujo semblante lembra Zweig, a um escritor cabe apenas o papel de recolher, organizar e escutar as histórias prontas que as outras pessoas procuram compartilhar. The Grand Budapeste Hotel seduz o espectador por envolvê-lo nessa fascinante teia que remete ao prazer, singelo, de contar e ouvir uma boa história.
 (TV Brasil/divulgação)

Saiba mais

STEFAN ZWEIG

Austríaco de origem judaica, Stefan Zweig (1881-1942) é um dos nomes mais importantes da literatura mundial. Romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo, ele escreveu Amok, Angústia e Confusão de sentimentos, entre vários outros livros. Deixou uma obra-prima: a biografia de Maria Antonieta. Com a eclosão da 2ª Guerra Mundial, ele e a mulher, Lotte, abandonaram a Europa. Depois de morar nos EUA, o casal decidiu se radicar em Petrópolis (RJ). Zweig (foto) é autor do ensaio Brasil, país do futuro. Inconformado com a propagação do autoritarismo e descrente do futuro da humanidade, o casal se suicidou em 1942. Stefan e Lotte estão enterrados em Petrópolis.

ARNALDO VIANA-Bom dia, cavalo (2)‏

Bom dia, cavalo (2)
ARNALDO VIANA
Estado de Minas: 08/02/2014


 (Arnaldo Viana/divulgação)

Continuo no meu posto avançado, na Avenida Cristiano Machado, ruminando o comportamento humano. Não me recriminem pelo uso do verbo ruminar, que significa remoer o alimento que volta do estômago à boca – ou mastigar de novo. Estou ruminando meus pensamentos. O “ruminando” pode ser interpretado como uma espécie de metonímia. É que os pensamentos vêm e voltam, como o capim no aparelho digestório do boi.

Como eles vêm e voltam, lembro-me de reportagem publicada neste jornal, feita por meninos e meninas do caderno Gerais, sobre a presença de animais nas ruas. Um cidadão, se não me engano do Bairro Buritis, exclama com todos os verbos, adjetivos, substantivos e afins: “Como podem deixar esses bichos à solta? E se eles atacarem a gente?”. Olhe aqui, mano, ou melhor, olhe à sua volta. Veja exatamente quem o ameaça. É alguém à sua imagem e semelhança, meu caro. Ninguém bota cerca elétrica no muro nem câmera na porta de casa por causa de cavalo, jumento ou cachorro à deriva urbana. Eu nem deveria usar a locução “por causa”. A moda agora, na contradição humana, é usar “por conta”, que significa outra coisa.

Vamos voltar ao que interessa. Não preciso ir longe para comprovar a irracionalidade entre humanos. Vejo exemplos claros disso nas pistas da tal Linha Verde, que não tem nem sequer um tufo de capim ou de grama fofa para um rápido lanche. O trânsito, na lentidão ou na velocidade, carrega mazelas, mas tem uma face reveladora. É aqui no alfalto que cai a máscara da hipocrisia. Aquele negócio de social e politicamante correto funciona muito bem na mídia ou quando o cidadão está de cara com o outro. Aí, mano, rola o medo de ação na Justiça, de processo. Mas quando o cidadão pode se esconder, como ocorre nas redes sociais ou a 80km/h atrás de um volante, a gentileza some.

Na hora do pico, por uma fechadinha de nada, uma buzina mal tocada, uma freada no lugar e na hora errados, negro vira “'crioulo safado”, senhora de bom trato é chamada de “vaca tonta”, idoso recebe a alcunha de “velho roda-dura”, o branco branquinho não escapa de ser chamado de “picolé de queijo derretido”. Xingamentos de horrorizar o mais dos experientes cavalos. Não vou aqui declinar os nomes que a galera ao volante dão a meu dono, quando estamos na avenida transportando areia, tijolo ou mudança de pobre, porque o respeito muito. A mim cabe no mínimo o “pangaré faminto”. Certo dia, um malcriado gritou: “Quem está puxando a carroça?”.

Falta de educação e avessidade andam à solta, mano. E elas não vêm da boca de cavalo, de jumento ou de cachorro. Li também nos jornais que Belo Horizonte é considerada ótima cidade para crianças e adolescentes. Sei... Provem que quero ver! Adoro crianças. Não fiz filhos. Não tenho capacidade para fazê-los. Por decisão unilateral do meu dono, caí nas mãos de um sádico indivíduo num muquifo de curral lá pelas bandas de Venda Nova. Ele fez o serviço. Doeu, mano, como doeu! O cara ainda jogou creolina em cima da ferida, mal costurada, para evitar infecção. Dói só de pensar. Mas isso é coisa minha, só minha. Vou ver se acho um tufinho que seja de grama por aí. Deu fome. A gente conversa mais depois.

Eduardo Almeida Reis - Ainda hoje...‏

Ainda hoje...
 
Divertia-me assistindo ao telejornal nipônico, que me deixava informado das últimas notícias sem entender absolutamente nada


Eduardo Almeida Rei
Estadode Minas: 08/02/2014

Adoro quando a GloboNews anuncia: “Ainda hoje, 21h30, Navegador”. É sinal de que terei meia hora para escrever aqui no computador. Tentei assistir ao programa duas vezes: não entendi absolutamente nada. É programa feito para telespectador inteligente, o que me exclui da lista. Vi que é feito por quatro cavalheiros, uns mais, outros menos cabeludos, todos com dentes muito brancos, que se divertem sobre uma tela que faz as vezes de mesa, passam a mão na mesa-tela e aparecem números, fatos, figuras, lembrando vagamente certas mesas do kardecismo, doutrina reencarnacionista formulada por Allan Kardec (pseudônimo de Hippolyte Léon DenizardRivail, escritor francês, 1804-1869), que pretende explicar, segundo uma perspectiva cristã, o movimento cíclico pelo qual um espírito retorna à existência material após a morte do antigo corpo em que habitava, o período intermediário em que se mantém desencarnado, e a evolução ou regressão de caráter moral e intelectual que experimenta na continuidade deste processo. Navegador me lembra, também, a tevê a cabo decente que tive em BH. Havia telejornal de emissora japonesa, em japonês, com os japonismos próprios daquele povo. Divertia-me assistindo ao telejornal nipônico, que me deixava informado das últimas notícias sem entender absolutamente nada. Muito melhor do que os nossos telejornais, que nos entopem de mortes e tragédias no mundo inteiro, sem exclusão do Paquistão e do Afeganistão.

Esporte
Que é esporte? Temos o Ministério do Esporte, jornalistas esportivos, editorias de esportes, mas implico solenemente com o fato de o pôquer ser considerado esporte. Vejamos a definição de esporte no Houaiss: “Prática metódica, individual ou coletiva, de jogo ou qualquer atividade que demande exercício físico e destreza, com fins de recreação, manutenção do condicionamento corporal e da saúde e/ou competição”. Será que o pôquer está incluído em “recreação”? Soube que foi incluído como “esporte mental” pela Federação Internacional dos Esportes da Mente (Imsa), que já tem xadrez, bridge, damas, go e outros “esportes” mentais de estratégia e habilidade. José Damiani, presidente da Imsa, disse que ficou muito feliz com a inclusão do pôquer nessa lista. Quanto ao go, que ninguém conhece, é jogo nacional japonês de origem chinesa em que dois contendores dispõem alternadamente 180 pedras cada um, pretas e brancas, sobre um tabuleiro dividido em quadrados por 19 linhas horizontais e 19 verticais, procurando conquistar território. Se é assim, acho que escrever é esporte e o sujeito que escreve deve ser considerado esportista, sobretudo o cronista, que vive na corda bamba, porque desempenha função remunerada quando há milhares, milhões de candidatos dispostos a escrever de graça. Que me diz o leitor do sexo? Exige exercício físico e destreza, além de contribuir para o condicionamento corporal e a saúde. Só aí temos a inclusão de todos os meus amigos, maiores de 60, na lista dos atletas olímpicos, se fazem a milionésima parte do que dizem fazer. Tiro é considerado esporte olímpico e o Brasil teve um medalhista há muitos anos. Cá entre nós: é esporte? Sempre atirei razoavelmente e tive companheira que não errava um tiro: mosquetão, fuzil, revólver 357 magnum. Serpentes rastejando no terreiro ou no alto de uma jabuticabeira eram abatidas com um tirinho nas respectivas cabecinhas. Um dom, aptidão natural sem qualquer treinamento – e os treinos são pressupostos das atividades esportivas.

Cheiro de charuto
Afamanado jornalista festejou a redução do número de fumantes de charutos no Brasil. De repente, não gosta de cheiro de charuto e arrumou um namorado que charuteia. É verdade que o cheiro varia bastante, considerando que há charutos vendidos a R$ 1 e outros que custam mais que R$ 100 cada um. Importantes jornais têm publicado artigos com mapas coloridos mostrando que vem diminuindo o número de fumantes de cigarros neste país grande e bobo. Ótimo! Dia virá, e não deve estar distante, em que o Piscinão de Ramos, com hino, bandeira e constituição, imitará o estado norte-americano do Colorado, permitindo a venda de cigarros para “uso recreativo”. E a gente se diverte, até porque de amargo já basta o noticiário televisivo.

O mundo é uma bola
8 de fevereiro de 1314: Ismail I ibnFaraj torna-se o quinto rei nasrida de Granada, sucedendo ao seu tio Abu al-JuyuchNasr, deposto por uma rebelião. Ismail reinará até 1325 e o vosso philosopho, do tanto que tem falado da dinastia nasrida, não aguenta mais copiar o que diz a Wikipédia, mesmo porque ninguém se interessa pelos nasridas. Em 1725, com a morte de Pedro, o Grande, Catarina I assume o trono da Rússia, hoje ocupado por Vladimir Putin, que está fazendo história. Em 1919, primeira viagem aérea turística. Um avião adaptado com assentos voa de Paris para Londres levando 12 malucos novidadeiros. Em 1953, criação do Exército Popular da Coreia do Norte, que tem prestado bons serviços à família que comanda aquele país. Em 1957, o rei Saud, da Arábia Saudita, visita os Estados Unidos e obtém do governo norte-americano promessa de ajuda militar. Ainda bem que os EUA não sugeriram que as mulheres sauditas pudessem conduzir veículos automotores.

Ruminanças
“O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato” (Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o barão de Itararé, 1895-1971).