quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Depois daquele beijo - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 05/02/2014

Quase todas as novelas acabam virando o samba do crioulo doido da metade para o final. Os autores precisam esticar a trama e aí personagens que no início eram interessantes tornam-se patéticos e a história que fazia sentido passa a não fazer mais sentido algum, a lógica vai para o espaço. Salva-se quem tiver talento acima da média, caso de Mateus Solano, que defendeu seu Félix com bravura e humor, virando o grande destaque de Amor à Vida.

Coube a ele e a Thiago Fragoso a cena histórica da tevê brasileira: o primeiro beijo de amor entre dois homens. Quem vinha acompanhando o desenrolar do relacionamento dos personagens Félix e Niko certamente não se chocou. Se houvesse uma palavra para traduzir aquela relação, seria ternura. O oposto de depravação.

Eu não esperava que o beijo ocorresse. Pega de surpresa, meu senso crítico (bem crítico!) em relação à novela desapareceu e me vi emocionada e feliz por todos os homens e mulheres que vivem um amor homossexual, e por seus pais, e por todos nós. Uma nova sociedade começava ali a sair do armário.

Não se pode desmerecer o alcance de uma novela das nove, ainda mais em seu capítulo final. Dezenas de milhões de pessoas assistiram dentro de suas casas a uma realidade que a cada dia se torna menos secreta. Ouvi de alguém uma comparação espantosa: que assim como os telejornais não mostraram as cenas de cabeças cortadas na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, as novelas também deveriam se abster de mostrar o beijo gay, bastaria uma insinuação. Se entendi bem, o beijo estaria sendo considerado violento.

Os beijos podem ser românticos, eróticos, indecentes (os melhores), mas só são violentos quando acontecem contra a vontade. Afora isso, são detonadores de histórias de amor – ou de ilusões de amor, que seja. A partir deles, sempre começa alguma coisa (o.k., não nesta era de ficações banais, mas permita-me ser nostálgica). Assim como na vida real, os beijos do cinema, do teatro e da televisão ajudam a construir uma narrativa. E o que a história de Félix e Niko contou foi que homens enamoram-se entre si, sentem ciúme, ficam inseguros, reatam, tudo como ocorre entre héteros. Mesmo ainda não sendo considerados casais convencionais, podem ser tão amorosos quanto. Há alguma obscenidade no amor? Nenhuma. Não há obscenidade nem no sexo, não quando consentido e entre maiores de idade.

Obscenidade é quando a grosseria nos remete ao nosso estado mais primitivo, mais irracional. Não fazemos questão de ver cabeças cortadas na tevê porque nos dói admitir o quanto o ser humano é descontrolado e feroz. Em contrapartida, nunca haverá razão para cortar cenas de afeto que nos façam lembrar o quanto podemos ser doces, estejamos em cena ou simplesmente aplaudindo de fora. 

TeVê

Estado de Minas: 05/02/2014 

TV PAGA » Glauber em Roma

 (Arte 1/Divulgação)


O canal Arte 1 continua com sua programação especial de cinema, abrindo a sessão com o curta Nelson Cavaquinho, dirigido por Leon Hirzman, às 21h30. Na sequência, a emissora exibe o longa-metragem Claro, que Glauber Rocha rodou em Roma, em 1975, misturando cenas documentais e ficção, para desmistificar a imagem turística da capital italiana e explorar a periferia e suas diferenças sociais e culturais. No filme, que conta com a atriz francesa Juliet Berto (foto) no elenco, Glauber se coloca pela primeira vez diante da câmera.
Cinema brasileiro marca presença na programação
Mais cinema. Um dos destaques de hoje é a comédia dramática É proibido fumar, de Anna Muylaert, com Glória Pires e Paulo Miklos, em reprise às 19h, no FX. Coincidentemente, Pedro Cardoso está em duas outras produções nacionais: Todo mundo tem problemas sexuais, de Domingo Oliveira, às 22h, no Canal Brasil; e Redentor, de Cláudio Torres, às 21h30, na Warner. Na faixa das 22h, o assinante tem mais sete opções: A rainha do castelo de ar, no Space; A prova, no Telecine Touch; Jack Reacher – O último tiro, no Telecine Premium; Secretária, no Glitz; Rastros de violência, na HBO; Alguém tem que ceder, na HBO 2; e Segurando as pontas, no Studio Universal. Outras atrações da programação: Maridos e mulheres, às 21h, no Comedy Central; Dúvida, às 21h, no Universal; e Duro de matar – A vingança, às 21h45, no Megapix.

Meu passado me condena fecha segunda temporada
O canal GNT exibe hoje, às 22h30, o quinto episódio da série Amor veríssimo, que promete ser muito divertido, ao contar a história de um adolescente atormentado pelos pais divorciados e resolve pregar peças neles. No Multishow, às 23h35, vai ao ar o episódio final da segunda temporada de Meu passado me condena, com Miá Mello e Fabio Porchat nos papéis principais.
Série vai, série vem e tem ainda aquela que retorna

O canal BBC HD estreia hoje, às 23h, a série Orphan Black, com a atriz Tatiana Maslanay no papel de Sarah, uma garota estrangeira e órfã cuja vida muda drasticamente depois de testemunhar o suicídio de Beth e assumir sua identidade. Para piorar, Sarah descobre que é um clone, e existem outras iguais a ela por aí, e a questão agora é como resolver esse mistério. Outra novidade de hoje, às 22h, no +Globosat, é Puberty blues, ambientada nas praias australianas, com muito surfe, sexo e álcool. No AXN, às 22h, estreia a terceira temporada de Covert affairs, em que Piper Perabo faz uma agente da CIA em perigosas missões mundo afora.

Futura mostra o drama  de refugiados palestinos
Os palestinos foram o único povo reconhecido pela República Socialista do Iraque como refugiados. Logo após a queda de Saddam Hussein, perderam todos os seus direitos de permanecer no país. O Sala de notícias apresenta o casal Faez Abbas e Salha Nasser em sua edição de hoje, às 14h35, no Canal Futura. Eles tiveram de deixar o Iraque em 2003 e viveram quatro anos no campo de refugiados Al-Ruweyshed, em terra de ninguém entre o Iraque e a Jordânia. Em setembro de
2007, foram reassentados no Brasil com outros 120 refugiados palestinos.

CARAS E BOCAS » EM OUTRO RITMO



Laerte (Guilherme Leicam) e Helena (Bruna Marquezine): amor conturbado na novela Em família (João Miguel Júnior/TV Globo)
Laerte (Guilherme Leicam) e Helena (Bruna Marquezine): amor conturbado na novela Em família

Depois do batizado da bebê Helena, no fim dos anos 1970, que acabou em barraco na porta da igreja, cenas cortaram para o quarto dos pais da menina, agora já na década de 1980. Eles discutem e a irmã da mulher entra, sem cerimônia. Não só não bate na porta como puxa uma cadeira para perto da cama, se senta e começa a conversar tranquilamente com o casal. O homem, personagem de Oscar Magrini, naturalmente salta de debaixo dos lençóis, nu, e caminha diante da cunhada rumo ao banheiro. A mulher, a esposa e o telespectador veem o bumbum do ator. A esposa reclama, mas a irmã, também na maior naturalidade, diz que ali foi de menos, pois ele já havia proporcionado a ela um nu frontal no clube da cidade.

Assim foram os primeiros momentos de Em família (Globo), nova novela das 21h, assinada por Manoel Carlos, que estreou anteontem. A trama que, ao contrário de outras do autor não teve o Bairro Leblon, no Rio de Janeiro, como cenário principal na estreia, passou todo o primeiro capítulo dividido nas duas primeiras fases da história. Desta vez ele escolheu Goiás, a capital Goiânia e a fictícia Esperança, também no estado, para dar início à saga de sua última Helena, como ele afirma, destacando, ainda, que esta será sua última novela.

Para viver a personagem nas três fases foram escaladas, respectivamente, Júlia Dalavia, Bruna Marquezine e Júlia Lemmertz. Com Lemmertz, Maneco quer fazer uma homenagem à primeira que deu vida à sua famosa personagem, a atriz Lílian Lemmertz, mãe de Júlia, já falecida, e que a interpretou na novela Baila comigo (Globo), em 1981. No primeiro capítulo, apesar de cenas movimentadas, o desenrolar da trama foi lento, mostrando uma das principais características do autor: o de destrinchar o cotidiano dos personagens sem pressa. O principal era delinear a família, aparentemente liberada, que conta com três irmãs, seus maridos, também irmãos, e quatro sobrinhos, dois deles, Helena e Laerte, envolvidos amorosamente. Entre juras de amor e pacto de sangue, os primos trouxeram à tona uma paixão que surgiu ainda criança e que os juntou na adolescência. Também foram destacadas as crises de ciúme doentio de Laerte e a disputa, ao mesmo tempo velada e à flor da pele, com um amigo próximo do casal, que também nutre paixão, secreta, por Helena. Tudo para, agora na segunda fase, mostrar a tragédia em que se transformará o amor dos jovens.

Um dos destaques do capítulo foi o elenco de caras pouco conhecidas. O que, convenhamos, é um refresco. As atrizes Juliana Araripe e Camila Raffanti, que interpretam, respectivamente, as irmãs Chica e Selma, mães de Helena e Laerte, demonstraram um feliz encontro. Jovens atores – como Eike Duarte (Laerte, primeira fase), Guilherme Leicam (Laerte, segunda fase), Arthur Aguiar (Virgílio, primeira fase), Fernando Rodrigues (Virgílio, segunda fase), Giovanna Rispoli (Shirley, primeira fase), Alice Wegmann (Shirley, segunda fase), Júlia Dalavia e Bruna Marquezine – também marcaram boa presença e seguraram bem a longa estreia em que eram protagonistas.

Com abertura bem casada com a trama, as imagens de fotos presas como numa árvore genealógica e outras esvoaçantes, embaladas por Eu sei que vou te amar, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, na voz de Ana Carolina, foi, ao que pareceu, a única trilha sonora do primeiro capítulo. E quanta preciosidade de época poderiam ter dado o tom das primeiras fases! O que soou dispensável e até estranho demais, sem lugar, foi o Laerte, ainda adolescente, e seu sonho com a ave fênix. Uma cena direta de um dos livros de Harry Potter, né? Será o autor fã do bruxinho? Em compensação, o casamento budista de outra tia de Helena, Juliana (Gabriela Carneiro da Cunha, nas duas primeiras fases), foi um belo momento. No mais, uma estreia sem sobressaltos e grandes arroubos, já que todo mundo sabia que a protagonista Helena não morreria afogada. E, para aguçar um pouco mais o apetite, depois do bumbum de Magrini só a nudez simulada da personagem de Bruna.

A temática de amor entre primos não é inédita na dramaturgia de Manoel Carlos. Em Laços de família (Globo), por exemplo, sua novela exibida em 2000, os primos eram Helena (Vera Fischer) e Pedro (José Mayer), de quem ela engravidava. Disputa pelo mesmo homem entre mãe e filha também não é novidade. Na mesma trama, Helena perdeu Edu (Reynaldo Gianecchini) para a filha Camila (Carolina Dieckmann). Na terceira e última fase de Em família, Laerte (Gabriel Braga Nunes) ficará entre mãe e filha, a Helena de Júlia Lemmertz, e Maria Luísa, a filha vivida por Bruna Marquezine.

Uma coisa não se discute: as tramas de Manoel Carlos são reconhecidas e quase nunca se comparam às de outros autores. A lentidão em contar a história, às vezes nos mínimos detalhes, é marca de Maneco, que, por isso mesmo, já colecionou sucessos como Por amor (Globo, 1997) e Mulheres apaixonadas (Globo, 2003), e um fracasso, como Viver a vida (Globo, 2009). Mas talvez um ritmo mais cadenciado seja do que o telespectador precise depois da sempre eletrizante Avenida Brasil (Globo, 2012), de João Emanuel Carneiro, e da montanha-russa, com final feliz, de Amor à vida, de Walcyr Carrasco. A audiência ainda não correspondeu: o primeiro capítulo de Em família cravou 31 pontos e é o pior registro entre todas exibidas, nos últimos anos, no horário. O telespectador precisa de tempo para se acostumar. E ter a certeza de que o primeiro capítulo renderá uma boa história.



VIVA
 Troca de casais m Além do horizonte (Globo) põe tempero na trama.


VAIA
 O sofrível som de A teia (Globo), que compromete bastante a minissérie.

FERNANDO BRANT » Dilma em Lisboa‏

FERNANDO BRANT » Dilma em Lisboa
Tá na chuva é pra se molhar, tá no sol é pra se queimar

Estado de Minas: 05/02/2014


A Dilma foi a Lisboa e não queria que ninguém soubesse. Se ela não fosse a presidente de nosso país seria natural e mesmo compreensível. Mas ela, quando admitiu exercer esse tipo de função política e burocrática, aceitou se expor à visitação pública. Qualquer coisica que é normal na vida dos cidadãos comuns não o é para os chamados altos mandatários. Vejam que estou utilizando vocabulário bastante politiquês e advoguês. São os ossos do ofício, minha nega. Tá na chuva é pra se molhar, tá no sol é pra se queimar.

Afinal, quem mandou você assumir o cargo? Pensava que era só o bem-bom das mordomias, o mandar em todo mundo que está à sua volta, viver de suas vontades? Nem tudo é perfeito. Existem os repórteres de todos os cantos do país, entrincheirados para flagrar qualquer deslize seu. Curiosos e bem-informados, eles ficam sabendo de tudo. Até das coisas íntimas. Não adianta fechar as portas, trancá-las. Todas as suas atitudes serão conhecidas. E publicadas.

Você confia mesmo nos ministros e auxiliares puxa-sacos, acha que eles não revelarão os segredos que prometeram ocultar? Mas se você acha de verdade que vale a pena, tanto que pretende concorrer à reeleição, pare de reclamar. A vida não é só doce, rosas e vinhos. Ela cobra sacrifícios e só porque você é a presidente não está livre dos desconfortos.

Também já fui a Lisboa, percorri a terra de Camões e Fernando Pessoa, admirando a gente amiga, irmã na língua e muitos costumes e cultura que cresci observando em minhas Minas Gerais. Não deveria ter de informar nada às autoridades sobre minhas andanças, não tenho as suas responsabilidades públicas. Mas a burocracia, esse mal maior da vida social, bisbilhota tudo. Não tem nenhum problema, pois sou cidadão acima de qualquer suspeita e cumpridor de minhas obrigações cívicas. O problema é que sou também ciente de meus direitos. Assim, não gosto nada de ter de passar pelos olhares da Polícia Federal, mostrando passaporte e destino de viagens. O que eles têm a ver com a minha vida particular?

Tá bom, como diria o meu neto Lucas. Mas se até esse simples escritor de canções tem de informar a quem de direito por onde deseja perambular, mesmo que seja, com mais tempo do que você, pelas ruas lisboetas, pelos restaurantes, pelo Tejo, sem se irritar muito com a interferência em sua vida, por que a maior autoridade do país se irrita quando descobrem que ela se escondeu? Não duvido que você tenha pago a conta, mas estamos de olho em você.
Transparência é a palavra da moda.

Frei Betto - Desafios à Celac‏

Desafios à Celac 

 
Não basta ter discursos e políticas progressistas se eles não encontram correspondência e adequação nos programas econômicos


Frei Betto

Estado de Minas: 05/02/2014


Em nenhuma outra região há, nas últimas três décadas, mudanças tão significativas quanto na América Latina e no Caribe. A II Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac), reunida em Havana, em 28 e 29 de janeiro, refletiu esse processo renovador e os desafios que se apresentam aos 33 países – com 600 milhões de habitantes – que integram o organismo criado, oficialmente, em Caracas, em 3 de dezembro de 2011.

Cuba propôs fortalecer a luta contra a pobreza, a fome e a desigualdade, e declarar o continente “zona de paz”, livre sobretudo de armas nucleares. A Celac condenou o criminoso bloqueio dos EUA a Cuba; apoiou a soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas; e respaldou a independência de Porto Rico e seu posterior ingresso no organismo.

Como instituição de articulação política, a Celac tem o mérito de excluir a participação dos EUA e do Canadá, que sempre trataram a América Latina e o Caribe como seu quintal. Após o fracasso do Tratado de Livre Comércio entre os EUA e o México (Nafta), e o Chile como associado, e a rejeição da proposta da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) pela maioria dos países do continente, este iniciou seu percurso por um caminho próprio. A América Latina e o Caribe atingiram, enfim, a sua maioridade.

Muitos fatores contribuíram para esse avanço. Primeiro, a resistência, a persistência e a permanência da revolução cubana, que não sucumbiu frente às agressões dos EUA nem em consequência da queda do Muro de Berlim e do esfacelamento da União Soviética. Vieram, em seguida, a rejeição eleitoral aos candidatos que encarnavam a proposta neoliberal e a vitória daqueles identificados com as demandas populares, em especial dos mais pobres: Chávez, Daniel Ortega, Lula, Bachelet, Kirchner, Mujica, Correa, Morales etc.

Vários organismos foram criados para fortalecer a integração continental: Alba, Unasul, Caricom, Aladi, Parlatino, Sica etc. Muitas dificuldades, entretanto, se configuram no horizonte. Nessa economia globalizada e hegemonizada pelo capitalismo neoliberal, a crise de moedas fortes, como o dólar e o euro, afeta negativamente os países do continente. Embora haja avanços no combate à extrema pobreza, ainda hoje a região abriga 50 milhões de miseráveis; os salários pagos aos trabalhadores são baixos frente aos custos inflacionados das necessidades vitais; a desigualdade social cresce vertiginosamente (dos 15 países mais desiguais do mundo, 10 se encontram no continente).

Na Europa, onde a crise econômica desemprega 30 milhões de pessoas, a maioria jovens, já não há uma esquerda capaz de propor alternativas. O Muro de Berlim desabou sobre a cabeça de partidos e militantes de esquerda, quase todos cooptados pelo neoliberalismo. Nos países da Celac, a histórica dependência de suas economias ao mercado externo dá indícios de uma crise que tende a se agravar. Os índices de crescimento do PIB caem; a inflação ressurge; e se agravam a desindustrialização e o êxodo rural com a consequente expansão do latifúndio.

Não basta ter discursos e políticas progressistas se não encontram correspondência e adequação nos programas econômicos. E nossas economias continuam sob pressão de países metropolitanos; de organismos inteiramente controlados pelos donos do sistema (FMI, Banco Mundial, OCDE etc.); de um sistema de tarifas, em especial do preço de alimentos, intrinsecamente injusto, e segundo o qual os lucros privados do mercado têm mais importância que a vida das pessoas. Este dado da Oxfam, divulgado em 16 de janeiro, retrata bem o mundo em que vivemos: 85 pessoas no planeta possuem, juntas, uma fortuna de US$ 1,7 trilhão, a mesma renda de 3,5 bilhões de pessoas – metade da população mundial.

Todos os governos progressistas que, hoje, se congregam na Celac sabem que foram eleitos pelos movimentos sociais e pelos segmentos mais pobres que constituem a maioria da população. No entanto, será que há um efetivo trabalho de organizar os segmentos populares? Há uma metodologia que vá além de meras “palavras de ordem” (consignas) e que imprima senso revolucionário nos cidadãos? Os movimentos sociais são protagonistas de políticas de governos ou meros beneficiários de programas de caráter assistencialista e não emancipatório de combate à pobreza?

A cabeça pensa onde os pés pisam. Nossos governos progressistas correm o sério risco de se verem sucumbidos pela contradição entre política de esquerda e economia de direita, caso não mobilizem o povo para implementar reformas estruturais.

Como dizia Onelio Cardozo, as pessoas têm “fome de pão e de beleza”. A primeira é saciável; a segunda, infindável. Isso significa que o desejo humano, que é infinito, só deixará de ser refém do consumismo e do hedonismo – tentáculos do neoliberalismo – se tiver saciado sua fome de beleza, ou seja, de sentido à existência, de emulação moral, de valores éticos capazes de moldar o homem e a mulher novos.

Isso não se alcança apenas com mais feijão no prato e mais dinheiro no bolso. E sim com uma formação capaz de imprimir em cada cidadão e cidadã a convicção de que vale a pena viver e morrer para que todos tenham vida, e vida em abundância, como disse Jesus (João 10, 10).

Retornamos, assim, à questão da educação política. Por natureza, o ser humano é egoísta. Porém, ninguém nasce reacionário, preconceituoso, machista ou racista. Tudo depende da educação recebida. É a educação que desperta em nós o altruísmo, a solidariedade, o amor, o senso de partilha e a disposição de sacrifícios em função dos outros.

À proposta de Raúl Castro de combater a miséria, a fome e a desigualdade, eu acrescentaria a urgência de também combater a “pobreza de espírito” e saciar a “fome de beleza”, cultivando metodologicamente nas novas gerações e nos movimentos sociais o anseio de construção de um mundo de homens e mulheres novos.

Cabra marcado para viver‏ - Carolina Braga

Cabra marcado para viver
Filmes pouco conhecidos de Eduardo Coutinho revelam artista obcecado em questionar limites de seu ofício. Longa traz o diretor no papel de entrevistado e até "proibidão" circula na internet 

 
Carolina Braga
Estado de Minas: 05/02/2014


Eduardo Coutinho assume a %u2018justa distância%u2019 como o entrevistado do filme dirigido por Carlos Nader (Sesc TV/divulgação)
Eduardo Coutinho assume a %u2018justa distância%u2019 como o entrevistado do filme dirigido por Carlos Nader


Foi apenas uma exibição, no início de dezembro, no Sesc São Paulo. Mas diante da tragédia que marcou o fim da trajetória de um dos cineastas mais brilhantes do Brasil, o documentário Eduardo Coutinho, 7 de outubro não pode ficar restrito àquela sessão. Dirigido por Carlos Nader e rodado em apenas uma tarde, o longa inverte o jogo: o documentarista surge na posição de entrevistado diante de sua própria equipe. Coutinho ocupa a posição que ele próprio chamou de “justa distância”. 

Também pouquíssimo visto, Um dia na vida, o penúltimo documentário de Eduardo Coutinho, está disponível apenas em sites para downloads piratas. Realizado em 2010, ele nunca chegou a entrar no circuito comercial. O longa traz uma seleção de imagens da TV aberta gravadas por 24 horas. Como reúne cenas captadas em muitos canais, a exibição, por envolver direitos autorais, foi autorizada apenas em festivais – mesmo assim, com a presença do diretor. Por causa disso, o filme vem sendo chamado de “o proibidão do Coutinho”.
Outro projeto que já estava previsto antes da morte do diretor – assassinado a facadas pelo filho, no domingo – é o lançamento do DVD Cabra marcado para morrer (1984). Atualmente, podem ser encontrados nesse formato os longas Edifício Master (2002), O fim e o princípio (2006), Jogo de cena (2007), Moscou (2009), em parceria com o Grupo Galpão, e As canções (2011).

A nova cópia de Cabra... foi recentemente restaurada pela Cinemateca Brasileira. Nas últimas semanas, Coutinho tratou de detalhes dos extras. O lançamento, previsto para o mês que vem, será acompanhado de mostra dedicada à obra dele.

Cabra marcado para morrer projetou a carreira de Eduardo Coutinho no cinema. Nos anos 1960, ele começou a filmar ficção baseada na história de João Pedro Teixeira, líder nordestino das Ligas Camponesas, com elenco formado por pequenos agricultores. O trabalho foi interrompido pelo golpe militar de 1964 – trabalhadores rurais e a equipe do cineasta se viram perseguidos pela ditadura. Negativos foram escondidos.

Coutinho passou a trabalhar no Globo repórter, na TV Globo. Na década de 1980, ele resgatou as cenas, voltou ao Nordeste e retomou o contato com os antigos entrevistados – entre eles a viúva de Teixeira, obrigada a se esconder no sertão com nome falso. Obra-prima do diretor, o filme conta tanto a história da perseguição a líderes camponeses quanto a saga de sua própria produção. O documentário foi premiado no Festival de Berlim, além de mostras brasileiras e latino-americanas.

Responsável pela produção dos documentários de Coutinho, a empresa Videofilmes, de João Moreira Salles, ainda não divulgou planos relacionados à obra dele. Sabe-se que o novo trabalho já estava em andamento. Coutinho entrevistou adolescentes de escolas públicas para o projeto Palavra. As cenas foram finalizadas em dezembro e ele se preparava para iniciar a montagem.


O PROIBIDÃO

Segunda-feira, internautas começaram a compartilhar o link do que chamam de Um dia na vida, o proibidão do Coutinho. O filme foi postado na íntegra no YouTube. Usando trechos de programas e intervalos comerciais da TV, ele revela o imaginário nacional – da propaganda de brinquedos e cenas do programa de Ana Maria Braga a atrações de auditórios, cenas de violência urbana e novelas. Coutinho inova na pesquisa de linguagem, oferecendo uma das críticas mais contundentes à sociedade brasileira contemporânea.


confira

  NO YOUTUBE

l O homem que comprou o mundo (1968)
l Cabra marcado para morrer (1984)
l Santo forte (1999)
l Babilônia 2000 (1999)
l Edifício Master (2002)
l Peões (2004)
l O fim e o princípio (2006)
l Jogo de cena (2007)
l Moscou (2009)

  EM DVD

l Edifício Master
l O fim e o princípio
l Jogo de cena
l Moscou
l As canções

  SESC TV

Sala de cinema: Eduardo Coutinho
. Sexta-feira, às 16h; sábado, às 20h; domingo, às 16h
Contraplano: O operário
de ontem e hoje
. Hoje, às 23h; domingo, às 19h
Contraplano: A era do híbrido
. Hoje, às 20h; segunda-feira, à 1h

Ele fez comédia



Quem quiser conhecer melhor a obra de Eduardo Coutinho encontra praticamente todos os filmes dele no YouTube. Entre eles está O homem que comprou o mundo – curiosamente, uma comédia dirigida por Coutinho (conhecido por seu folclórico mau humor) e produzida por Zelito Viana. Com Flavio Migliaccio e Marília Pêra como protagonistas, o longa foi rodado em 1968. É o único trabalho de ficção do documentarista.

Além de Cabra marcado para morrer, é possível ver on-line Santo forte, sobre a religião, e Babilônia 2000, que acompanhou os preparativos para o réveillon em duas favelas cariocas, além de trabalhos mais recentes. Os vídeos chegam a ter mais de 15 mil visualizações – caso de Edifício Master e de Jogo de cena – e são publicados por usuários sem aparente ligação com produtoras de cinema. Há, inclusive, um canal batizado Documentários Coutinho, que reúne 11 deles.

Desde segunda-feira, a emissora Sesc TV presta homenagem ao cineasta. Serão exibidos em horários alternados os programas Salas de cinema: Eduardo Coutinho; Contraplano: o operário de ontem e de hoje e Contraplano: a era do híbrido. O primeiro é uma entrevista do diretor a Miguel de Almeida sobre o início da carreira, o início das filmagens de Cabra... e a forma como concebe seus documentários.

Em O operário de ontem..., Coutinho revê os processos de criação de Santo forte, Edifício Master, Peões, O fim e o princípio, Jogo de cena e Moscou, além de comentar o período em que trabalhou no Globo repórter, suas escolhas estéticas e o profundo respeito pelos entrevistados. Em A era do híbrido, o filósofo Celso Favaretto e o poeta Geraldo Carneiro comentam Jogo de cena. 

Eduardo Almeida Reis - Human rights‏

Human rights

No Ceará, o verbo humanizar também significa amansar animais

Eduardo Almeida Reis

Estado de Minas: 05/02/2014

Direitos humanos foram pensados para humanos, coisa que muita gente da espécie Homo sapiens não é. No Ceará, o verbo humanizar também significa amansar animais, coitados, que muitas vezes são muito mais humanos que a maioria dos chamados humanos. Maioria esmagadora – é bom que se diga. Quando juiz da Infância e da Juventude em Montes Claros, em 1993, o hoje desembargador Rogério Medeiros constatou que não havia naquela cidade norte-mineira instituição adequada para acolher menores infratores. Um grupo de três adolescentes praticava reiterados assaltos. “Apreendidos” pela polícia, o juiz tinha de soltá-los. Depois da enésima reincidência, valendo-se de um precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o juiz determinou o recolhimento dos “pequenos” assaltantes à cadeia pública em cela separada dos outros presos. Foi o bastante para receber a visita de um grupo de defensores dos direitos humanos, por coincidência três ativistas, exigindo que o magistrado liberasse os menores. Em face da negativa do juiz, ameaçaram denunciá-lo à imprensa, à corregedoria de Justiça e até mesmo à Organização das Nações Unidas (ONU). Diante disso, o juiz chamou o escrivão e ordenou a lavratura de três termos de guarda: cada ativista levaria um dos menores para casa, com toda a responsabilidade delegada pelo magistrado. Sabe o leitor qual foi a reação dos três? Se despediram e saíram correndo do fórum. Não denunciaram o dr. Rogério a entidade alguma, não ficaram com os menores, nunca mais honraram o juiz com suas visitas e os bandidinhos continuaram presos.


Palavras
O árabe hispânico tem alqawwád, derivado do árabe clássico qawwãd, que foi parar no espanhol como alcahuete,ta e resultou no português alcaguete. Em espanhol significa pessoa que encobre ou facilita uma relação amorosa geralmente ilícita; pessoa que serve para encobrir o que se quer ocultar; pessoa que leva ou traz notícias falsas ou verdadeiras, e mais duas acepções relacionadas com o teatro. Do espanhol chegou-nos alcaguete, homem que intermedeia encontros com prostitutas (cáften) e o substantivo de dois gêneros alcaguete: “pessoa que denuncia ou delata outrem, informante da polícia, dedo-duro”. É muito de desejar que as comissões da Verdade empenhadas no esclarecimento dos crimes praticados pelo regime militar de 1964, em que o cálculo do número de mortos oscila de 126 a 32.411.057, dos quais já foram perfeitamente identificados 57 – comissões constituídas até na Câmara Municipal de São Paulo, como se vereador paulistano tivesse competência para investigar qualquer coisa – é muito de desejar que as comissões se debrucem sobre a lista dos alcaguetes do Dops paulista no tempo em que foi dirigido pelo delegado Romeu Tuma (1977-1982).


Roceiras
Lembrei-me de um caso acontecido no Rio de Janeiro há muitos anos – e bota anos nisso, diante da matéria publicada no caderno Agropecuário do EM, de 13 de janeiro. Nela, cuidaram dos brasileiros que preferem trabalhar na roça, onde têm casa, luz, água, salário, horta, pomar da sede e leite, quando a fazenda é leiteira, além dos remédios pagos pelo patrão, como sempre paguei, distância dos trens e ônibus urbanos, bem como dos barracos das “comunidades”. Antônio Eugênio Basílio, coronel-aviador, tinha casa na Urca e uma fazenda no Pantanal do Mato Grosso do Sul. Certa feita, levou um peão pantaneiro ao Rio de Janeiro para acompanhar uma tropa de cavalos crioulos remetida do Rio Grande do Sul. Do Rio de Janeiro, os cavalos seguiriam de trem até Corumbá (MS) e de lá até a fazenda, numa balsa própria para transporte de gado. Enquanto aguardava a chegada da tropa, o peão de 23 anos não arredou pé da casa da Urca. Passava os dias inteiros debruçado ao muro espiando a rua, que não tinha muito movimento. O coronel lhe deu bom dinheiro para conhecer o Rio, mas o peão fincou os cotovelos no muro e não saiu da casa. Perguntado por que não ia à praia ou à zona, o rapaz explicou que sentia saudades do Pantanal: “Lá é mais alegre”.


O mundo é uma bola
5 de fevereiro de 176: término da Terceira Guerra Púnica, que culminou com a destruição de Cartago. Depois dessa batalha, parece que Cartago desandou a prosperar. Vai daí que M. Pórcio Catão terminava todas as suas intervenções no Senado romano com a seguinte recomendação: Cetero censeo Carthaginem esse delendam. Os senadores que entendiam latim sabiam que Catão tinha dito: “Aliás, sou de opinião que Cartago deve ser destruída”. Sim, porque é de se presumir que o Senado romano tivesse muitos senadores fracos em latim, assim como há inúmeros senadores quase analfabetos na Câmara Alta de um país grande e bobo. Falei “quase”? Esquece. Bota analfabetos de pai e mãe. Em 1597, crucificação dos 26 mártires do Japão, um dos vários grupos de cristãos mortos na cidade de Nagasaki por determinação de Toyotomi Hideyoshi durante a perseguição ao cristianismo promovida pelo Xogunado de Tokugawa. Os 26 foram beatificados em 1627 e canonizados em 1862. Há 28 santos na lista da Wikipédia, não me perguntem por quê. Em 1915, Pancho Villa assume o poder militar e civil do México. Nascido José Doroteo Arango, o general Pancho Villa era um bandido para ninguém botar defeito, casou-se várias vezes, teve filhos com inúmeras mexicanas, foi morto numa emboscada em 1923. Em 1985 nasceu Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro, o Bola de Ouro da Fifa 2014. Hoje é o Dia do Datiloscopista.


Ruminanças

“Nunca desista do seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra” (Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o Barão de Itararé, 1895-1971).

Governo reconhece dificuldade para fiscalizar coleta e destino de fósseis

Site de leilões francês vende a R$ 600 mil restos de um pterossauro que viveu há 120 milhões de anos na Região Nordeste


Paloma Oliveto
Estado de Minas: 05/02/2014



Fóssil do pterossauro brasileiro Anhanguera santanae, de 120 milhões de anos, que está sendo oferecido ilegalmente para venda no site de leilões ebay
 (Reprodução/Internet)
Fóssil do pterossauro brasileiro Anhanguera santanae, de 120 milhões de anos, que está sendo oferecido ilegalmente para venda no site de leilões ebay
O pterossauro brasileiro de 120 milhões de anos anunciado no site de leilões ebay pertence a um colecionador particular. De acordo com o proprietário da loja francesa que colocou o fóssil à venda, o espécime teria sido adquirido por essa pessoa há cerca de 30 anos, na Alemanha. "O pterossauro está em consignação para um dos meus clientes", contou David Guery, dono da Geofossils. Desde 1942, a legislação brasileira proíbe a venda e a exportação comercial de fósseis, considerados patrimônio da nação. Ainda assim, a peça já recebeu quatro lances e alcançou, por enquanto, US$ 262 mil (mais de R$ 600 mil) em ofertas. Ao mesmo tempo, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) reconhece a dificuldade para fiscalizar a coleta de fósseis em áreas de mineração intensa, como a Chapada do Araripe, de onde saiu o pterossauro.

“O controle ainda é deficiente e falta pessoal técnico qualificado”, constata Felipe Barbi Chaves, chefe da Divisão de Proteção de Depósitos Fossilíferos do DNPM. "Infelizmente, fósseis como esse são extremamente atrativos no exterior. O problema de descaminho lá (na Chapada do Araripe) é muito grande. O poder público não tem perna para fazer um acompanhamento rotineiro, 24 horas por dia", afirma. Ele diz que, desde 2006, o órgão intensificou a atuação, mas faltam funcionários para coibir o roubo de fósseis. No escritório do DNPM no Crato (CE), há apenas dois geólogos especializados em paleontologia. Lotado em Brasília, Chaves faz visitas constantes ao local, assim como três pesquisadores que ficam no Rio de Janeiro.

Quando um fóssil é encontrado nas placas de calcário, os trabalhadores das frentes de lavra os separam e entregam os objetos ao DNPM ou a pesquisadores das universidades que fazem estudos na região, em particular, as federais do Ceará, de Pernambuco, do Piauí e a Universidade do Cariri. “Recebemos muito material, mas um como esse do pterossauro desperta muito interesse econômico e, às vezes, é escondido”, conta. Do Brasil, os fósseis partem para o exterior por via aérea, marítima ou terrestre, podendo ser disfarçados para facilitar o envio. Em Goiânia, por exemplo, o Ministério Público Federal apreendeu uma carga de peças artesanais que vinham do Tocantins, feitas com plantas fossilizadas. As investigações apontam que o fabricante dos objetos conhecia a origem da matéria-prima e usava o artesanato apenas para tentar exportar os fósseis sem levantar suspeita.

Desconhecimento Questionado pela reportagem, David Guery disse que não sabia que fósseis brasileiros não podiam ser comercializados. “Não conheço essa lei, mas, para mim, parece que ela é recente”, afirmou. Ele disse ainda que esse é o primeiro fóssil brasileiro colocado à venda pela loja e informou que apenas 15% dos ossos são originais – o restante do esqueleto foi completado com resina, técnica de restauro bastante comum, mesmo em museus, pois dificilmente restos de um animal tão antigo são encontrados intactos. Guery disse não ter contato com vendedores de fósseis no Brasil.

O caso do pterossauro Anhanguera santanae à venda no ebay foi denunciado pelo paleontólogo Juan Carlos Cisneros, professor da Universidade Federal do Piauí, ao DNPM. De acordo com Felipe Chaves, a informação foi passada à Polícia Federal, que, com a Interpol, vai fazer a investigação. Se confirmada a procedência do Anhanguera, que foi escavado, de acordo com o anúncio, em Santana do Cariri (CE), a PF poderá solicitar a repatriação do fóssil. David Guery disse que não cabe a ele, mas a seu cliente, dizer se devolveria o animal pré-histórico ao Brasil, caso solicitado pelas autoridades brasileiras. 

Centro de excelência mineral ganha reforço‏

Centro de excelência mineral ganha reforço Parceria entre a Vale e a Universidade Federal de Ouro Preto vai criar instituto com foco em pesquisa e empreendedorismo em uma das atividades econômicas mais fortes do estado 

 
Bruno Freitas
Estado de Minas: 05/02/2014



Das lavras de minério da empresa sairão as amostras a serem avaliadas pelos pesquisadores (Agência Vale/Divulgação )
Das lavras de minério da empresa sairão as amostras a serem avaliadas pelos pesquisadores



Pioneira na formação de geólogos no Brasil desde a fundação, em outubro de 1876, a Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) volta às suas origens como grande centro de pesquisas sobre a exploração de minério de ferro com os olhos voltados para o século 21. Um acordo de cooperação científica firmado com a Vale prevê um inédito laboratório colaborativo empresa-escola voltado à pesquisa, ensino e empreendedorismo na exploração mineral a partir de 2015. Denominado Instituto Tecnológico Vale (ITV), o projeto repete iniciativa semelhante já implementada pela maior produtora de minério de ferro do mundo em Belém (PA) em 2008, mas com o diferencial de se tornar um grande legado para a primeira capital de Minas, localizada a 98 quilômetros de Belo Horizonte: depois dos primeiros cinco anos de operação, a serem contados a partir da inauguração, o laboratório e seus futuros equipamentos serão cedidos à universidade, que forma anualmente cerca de 130 novos profissionais nesse mercado.

O contrato de cooperação foi celebrado entre a Federal de Ouro Preto e a Vale no dia 31 e prevê a construção de um novo prédio localizado no câmpus Norte da Escola de Minas com investimentos de R$ 4 milhões a partir de maio ou junho, quando está prevista a abertura de licitação para o início da obra. Até lá, técnicos da Vale e a equipe da Ufop ainda discutem, ao longo deste mês, quais os projetos de pesquisa a serem desenvolvidos no local. Cerca de 20 profissionais da mineradora atuarão no laboratório, juntamente com os alunos da Escola de Minas, onde são disponibilizados oito cursos de engenharia: de minas, ambiental, geológica, metalúrgica, controle e automação, civil, de produção e mecânica.

“No século 19, o cientista francês Claude Henri Gorceix, a pedido de dom Pedro II, fundou a Escola de Minas, um dos pilares da Ufop. Ouro Preto hoje tem uma tradição importantíssima nesse setor. Definimos uma área conjunta de conhecimento e o perfil de pesquisadores. Nesse momento estamos dando uma base física para a atividade. O convênio pretende estreitar os laços e dar as bases físicas para os pesquisadores trabalharem. O laboratório pode ser a própria mina, mas é importante fazer ensaios mais restritos e controlados na própria exploração do minério de ferro”, ressalta o diretor-presidente do ITV, Luiz Mello.

Confiante de que o laboratório possa posicionar Ouro Preto como polo de empresas de alta tecnologia, Mello destaca que as pesquisas serão pensadas no desenvolvimento de soluções futuras para a mineração. Como exemplo, ele aponta a mineração subterrânea e de baixo teor (com metais mais profundos e difíceis de se achar), consumo e reaproveitamento de água. Há ainda a expectativa de cursos de pós-graduação – em janeiro foi encerrada a inscrição para o mestrado na unidade do Pará, com foco em sustentabilidade, sendo que das 20 vagas, 10 foram disponibilizadas ao público em geral. “Uma das coisas mais caras na mineração é fazer um furo na rocha, o que custa centenas de milhares de reais. Se otimizarmos a chance de encontrar minério, teremos uma vantagem competitiva. Outro ponto é o uso da água, que tende a se tornar crítico no futuro. Como beneficiar o minério na inexistência de água?, questiona Mello, na esperança de encontrar essas soluções com a parceria feita com os pesquisadores da Ufop. “Nosso acordo se aproveita de algumas novas normas do governo e que permitem ao ITV desenvolver objetivos comuns. Há cinco anos não seria possível o que estamos fazendo agora”, comenta.


Oportunidades O professor e reitor da universidade, Marcone Freitas Souza, avalia que o instituto trará benefícios não só à área acadêmica, como também abrindo oportunidades de mercado, como geração de empregos na região e a criação de start ups – como são chamadas as empresas de alta tecnologia – na região.

“A área da mineração é muito ampla, envolve questões como tratamento de minério, geotecnia, abertura de minas e logística das operações. Por meio do ITV vamos estimular o empreendedorismo em Ouro Preto e seu entorno”, diz. Além disso, a universidade poderá compartilhar recursos e equipamentos a serem fornecidos pela Vale. “Feito o plano de pesquisa, os passos seguintes são os projetos arquitetônico e executivo. A expectativa é de que até junho abriremos a licitação para obras, com o prédio inaugurado em maio de 2015”, adianta Souza.

Palavra de especialista
Elmer Prata Salomão,
geólogo e presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABEPM)

Acordo promissor
“Ouro Preto já tem uma experiência muito bem sucedida com a Petrobras, dando suporte à pesquisa e montando bons laboratórios. Essa é um tendência mundial, mas no Brasil ainda há um divórcio entre professores universitários e a indústria: o docente não pode prestar serviço para a indústria e a indústria não financia os testes. Esse divórcio causa atraso tecnológico em várias áreas, e também na mineração. Vejo essa nova parceria como algo muito promissor. De um modo geral a indústria de mineração se desenvolve nos segmentos de exploração mineral (encontrar novas jazidas) e industrial (desenvolvimento de métodos de beneficiamento de minério, equipamentos). Minas Gerais já tem ótimos exemplos de tecnologia aplicada nas jazidas de fosfato. Até 30 anos atrás não havia tecnologia para utilizá-lo, pois não era solúvel. Foi um técnico brasileiro que desenvolveu a tecnologia e hoje somos um grande produtor mundial, abastecendo toda a agricultura. É natural que a Vale foque no minério de ferro por ser sua especialidade. Ouro Preto resgata assim sua origem, de centro de excelência em mineração e metalurgia."

Análise minuciosa do minério

O ITV da Universidade Federal de Ouro Preto dará sequência a outros dois centros de pesquisa mantidos pela Vale no desenvolvimento do minério de ferro: o Centro de Desenvolvimento Mineral (CDM), em Santa Luzia, e o Centro de Tecnologia de Ferrosos (CTF), Nova Lima, ambos na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

» CDM: é berço da maioria dos projetos minerais da empresa: a pesquisa pré-operação investiga os métodos de produção e beneficiamento dos diversos tipos de minério. Na época da criação (1965), criou a fórmula dos separadores magnéticos para auxiliar a extração e o aproveitamento do minério de alto teor, beneficiando ainda o itabirito, com baixo teor de ferro. Hoje pesquisa técnicas de biolixiviação, que usa bactérias para extrair metais como níquel e cobre (os micro-organismos são incubados) e minerais terras-raras, mais difíceis de extrair devido à composição química. Ele é considerado um dos mais completos laboratórios de pesquisa mineral da América Latina.

» CTF: criado em 2008, dedica-se exclusivamente ao estudo de tecnologias relacionadas à aplicação de minério ferro e carvão na siderurgia. Tem equipamentos de última geração para caracterização de minerais, desenvolvimento de produtos e testes, como um forno de amolecimento e fusão capaz de simular um alto-forno que pode atingir até 6 mil graus de temperatura, e o espectrômetro Mössbauer, equipamento igual ao enviado a Marte para análise do solo. Já obteve 10 patentes de inovações tecnológicas, mantendo parcerias com universidades e instituições de pesquisa da Alemanha, China, Estados Unidos e Japão.   

Abusos contra o passageiro - Clarissa Varela

Abusos contra o passageiro 
 
Taxas por cancelamento e remarcação de passagens aéreas não podem ir além de 10% 
 
Clarissa Varela
De Moura Tavares, Figueiredo, Moreira e Campos Advogados
Estado de Minas: 05/02/2014


Com a aproximação da Copa do Mundo no Brasil, as expectativas se dividem no desempenho da Seleção e em como se apresentará a infraestrutura do país nesse evento que terá como legado aos brasileiros as obras e práticas adotadas para a sua realização. As obras, como acompanhamos pela mídia, têm sido monitoradas pelos órgãos envolvidos no evento, pelo governo e pela população. No entanto, as práticas inerentes aos serviços que serão oferecidos merecem igualmente nossa atenção, para que possamos fazer valer os direitos conferidos por nossas leis, principalmente os direitos do consumidor, sem que a euforia do evento se torne uma brecha para o abuso.

Entre essas práticas está a cobrança de taxas de remarcação e multas por cancelamento de passagens aéreas em valores incompatíveis com o preço pago pelo bilhete, em manifesto desequilíbrio contratual. O tema ganhou notoriedade em 2012, após sentença em uma ação coletiva interposta pelo Ministério Público junto à 5ª Vara Federal de Belém (PA), suspendendo a cobrança por parte de várias companhias aéreas de taxas superiores a 5% e 10%, conforme houvesse ou não tempo para renegociação das passagens em caso de desistência de viagem ou de alteração de data pelo consumidor. Com eficácia em todo o território nacional, a ação ainda está em fase de recurso. Entretanto, a limitação concedida pelo juiz federal não inovou a respeito do tema, pois há diversos dispositivos legais, entre eles o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, que garantem o reembolso do valor cobrado pela passagem cancelada, bem como a cobrança de taxas e multas em valor compatível, no caso de remarcação ou cancelamento da passagem aérea, devendo ser coibidos os excessos eventualmente praticados, o que pode ser feito diretamente pela Anac, como determina a Lei 11.182/05, que a criou. Importante ressaltar que tal limitação não fere a liberdade tarifária conferida às companhias aéreas pela Portaria 447/04 do Ministério da Defesa, por uma questão de hierarquia de normas.

O percentual mínimo fixado, de 5% sobre o valor da passagem, provém do disposto no Código Civil nesses casos, ao regular o contrato de transporte de pessoas. Já o percentual máximo, de 10%, tem base em uma portaria da própria Anac, de n° 676/GC-5, de 13/11/00, que estipula tal percentual como multa aplicável, caso o reembolso decorra da vontade do passageiro, sem modificação nas condições contratadas pelo transportador. Tarifas de remarcação e multas por cancelamento que somam muitas vezes 60%, 80% e até mais do que o valor do preço da passagem adquirida são inaceitáveis, devendo ser objeto de reclamação administrativa e, se necessário, judicial, a fim de que haja reembolso de 90% a 95% do preço pago, dependendo do caso, reforçando, assim, a prática da lisura e a efetividade da legislação conquistada nesse campo.