domingo, 12 de janeiro de 2014

O insulto pelo verbo - DORRIT HARAZIM

O Globo 12/01/2014

“O comentário é livre mas os fatos são sagrados”, ensinou o liberal britânico C.P. Scott, homem forte do “Manchester Guardian” por mais de meio século. Embora dirigida à tribo dos jornalistas, alguma serventia genérica a frase deveria ter para outros bípedes. Até mesmo para políticos.

Não foi o que norteou a governadora Roseana Sarney ao finalmente apresentar-se em público e dar sua primeira entrevista coletiva desde a exposição do Maranhão brutal. O país jamais havia visto imagens como as do açougue humano no qual se transformara o Complexo Penitenciário de Pedrinhas antes do Natal.

E São Luís ainda não desmobilizara de todo o temor de novo surto de violência comandada pelos detentos. O enterro da menina Ana Clara no início da semana, queimada no incêndio ao ônibus em que viajava com a mãe, servia de lembrete.

A entrevista da primeira mandatária do estado poderia ter tido função múltipla. Em primeiro lugar, dirigir-se à sua gente, aos maranhenses — sem esquecer de manifestar pesar público à família da menina incendiada. E por que não lamentar a morte dos detentos mortos sob a custódia do estado? Depois, responder às perguntas da mídia. Com fatos.

Roseana Sarney preferiu outro caminho. Se é verdade que a coragem pode ser contagiosa em determinadas circunstâncias, a tibiez certamente contagia o homem bem mais. Prova disso é a própria falência endêmica do sistema prisional brasileiro — com raras exceções, demandas são respondidas pelo poder público com empenho semelhante ao de atendentes de telemarketing.

A governadora inovou. Conseguiu ofender a razão ao alinhavar uma sucessão de frases que não fazem nexo nem soltas nem em conjunto. Vejamos:

Após passar à vol d’oiseau pelo choque que sentiu com a matança de presos em outubro, ressalvou que “até setembro, Pedrinhas tinha 39 mortes, estava portanto dentro do limite que se esperava”. Caso ela tenha se expressado bem, isso significa que apesar de estar no comando do estado há cinco anos a governadora opera com a expectativa de uma taxa anual de 39 presos chacinados em seus presídios.

“O Maranhão está indo muito bem. Talvez seja o único estado do Brasil que vai ter todas as suas estradas interligadas por asfalto.” Antes de asfaltar também os Lençóis Maranhenses seria bom a governadora se debruçar sobre os indicadores sociais do estado: segundo pior índice de mortalidade
infantil do Brasil, metade da população sem rede de esgoto, quase 40% da população sem acesso a água tratada, segundo pior expectativa de vida do Brasil, dez piores escolas com piores índices no Enem.

Outras afirmações dispensam comentários: “O Maranhão está atraindo empresas e investimentos. Um dos problemas que estão piorando a segurança é que o estado está mais rico, o que aumenta o número de habitantes.”

Ou ainda: “Nosso sistema de saúde é muito bom para os presos.” Curiosamente, no plano de ação anunciado conjuntamente com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, um dos onze itens é justamente “Melhoramento no atendimento à saúde”.

Dado que promessas não poderiam faltar, ouvimos que seu governo vai investir R$ 131 milhões de reaparelhamento do sistema. Em dezembro, falou-se em erguer onze presídios em seis meses.

Talvez isso explique a singular interpretação da atual crise feita pelo secretário estadual de Justiça e Administração Penitenciária, Sebastião Uchôa, a propósito da construção de presídios. “Tem até males que vêm para o bem”, declarou em entrevista à Rádio Bandeirantes. “Por causa dos acontecimentos, olha os investimentos que estão sendo feitos!”

A governadora tampouco acertou ao se insurgir contra a divulgação, pela “Folha de S.Paulo”, do vídeo em que detentos filmam a barbárie cometida com três presos decapitados. Trata-se de imagens estarrecedoras, obrigatórias para quem quer entender e encarar o problema.

“A divulgação é repudiante”, disse Roseana através de nota, “pois fere todos os preceitos de direitos humanos e as leis de proteção aos cidadãos e à família (dos detentos mortos), que se vê novamente diante de uma exposição brutal”. Cabe a pergunta se quem feriu a lei de proteção aos três presos não foi o poder público, ao não impedir que eles fossem retalhados sob sua custódia.

Domingos Pereira Coelho é vendedor de frutas em São Luís. É pai de Dyego, 21 anos, um dos decapitados. A compostura, a precisão e a honradez com que respondeu às perguntas da repórter Juliana Coissi, da “Folha”, são desconcertantes em meio a tanta verborragia oca. Sim, ele assistiu ao vídeo uma vez, era preciso e foi embalar o filho pela última vez. Contou, um a um, 180 furos na parte da frente do corpo deitado de bruços.

O entregador de frango abatido Marcio Ronny da Cruz Nunes ainda não fala. Tem 37 anos, é pai de cinco filhos e voltava para a sua Minha Casa quando o ônibus em que viajava foi parado e incendiado. Salvou duas crianças, uma delas a menina Ana Clara, que estava em chamas e não conseguia sair. Marcio retornou ao fogo para resgatá-la.

Hoje ele está num hospital de Goiânia com queimaduras em 75% do corpo enquanto campanhas se multiplicam através de redes sociais para fornecer roupas, calçados e alimentos para seus filhos. Já é chamado de “Herói do Fogo” pela população local.

Segundo “O Imparcial”, o governo do Maranhão fez doação de cesta básica.

Até a noite de sexta-feira, a governadora não teve tempo de fazer uma visita de alento à família Nunes. Nem à da menina Ana Clara. Mas fez um pronunciamento gravado no dia da morte da menina:

“Reafirmo minha determinação em combater o crime. Não seremos subjugados nem nos deixaremos amedrontar por criminosos. Não fugirei à minha responsabilidade. Peço ao povo maranhense que não dê ouvidos a essa rede de boatos que tenta tumultuar o dia a dia da cidade.”

Roseana Sarney legítimo.

Dorrit Harazim é jornalista

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Uma guerra há 100 anos‏

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Uma guerra há 100 anos 
 
Estado de Minas: 12/01/2014




Não tenho memórias da Primeira Guerra Mundial, embora mentisse para minhas filhas dizendo que uma cicatriz que possuo na perna direita surgiu numa daquelas trincheiras. Elas acreditavam. Acreditavam tanto quanto a criançada de uma escola onde disse que tinha 110 anos.

Embora tenha sobrevivido a outros tipos de guerras, tenha visto coisas de que o diabo até duvida, aquela guerra de 1914-18, cujo centenário amargamente comemoramos, me traz algumas lembranças. É como se eu a tivesse vivido e ali tivesse também morrido.

Mr. Moore, na assembleia no Colégio Granbery, em Juiz de Fora, narrava para nós, adolescentes, que toda uma companhia de soldados formada por seus colegas da universidade foi dizimada num ataque alemão. Por ser pastor evangélico e não ter ido à guerra, escapou. Mas parte dele morreu lá. Ele falava disso emocionado. Olhava-o perplexo.

Tão perplexo quanto maravilhado, ouvindo o carismático professor Irineu Guimarães contar, noutra assembleia, algo inacreditável: naquela guerra (estúpida como qualquer outra), os soldados que até então se defrontavam suspenderam o combate para celebrar o Natal juntos. Saíram de suas trincheiras, comeram, cantaram, celebraram. E voltaram depois para seus abrigos, atirando naqueles que momentos antes abraçavam.

Com o tempo, pensei que isso fosse folclore urbano. Mais uma lenda da fraternidade humana.

Mas a realidade nos dá lições diárias de ficção. Leio agora o diário de guerra de Ernst Junger. E isto me faz lembrar que o vi. Nos anos 90, estava eu num seminário no Escorial (Espanha) e alguém disse: “Aquele ali é o Ernst Junger”. Mal sabia quem ele era. Estava ali num seminário com diretores nacionais de bibliotecas e olhava aquele alemão com distante curiosidade. Diziam que ele havia estado na Primeira Guerra Mundial. Estava eu, portanto, diante da história. Contavam que ele recusou muitos cargos durante o nazismo. Era escritor e pensador. Especializou-se em entomologia. Serviu ao Exército imperial alemão, foi ferido várias vezes. E viveu 113 anos, morreu em 1998.

Acho que ele tinha ido lá para dar um curso nos Seminários de Verão no Escodrial. Um herói da Primeira Guerra Mundial tomava vinho numa das mesas daquele imenso refeitório.

E agora lendo uma reportagem sobre a guerra de 1914-18 vejo uma foto dele no fundo de uma trincheira, em 1915. Falam do seu livro Sobre as falésias de mármore, recontam sua trajetória. Mais: transcrevem parte de seu célebre diário de guerra. E é aqui que a narrativa que ouvi no colégio, que achava puro romantismo do meu professor, transforma-se em realidade.

Era o dia 12 de dezembro de 1915 e ele escreve o seguinte: “Quando eu saí do abrigo esta manhã, um surpreendente espetáculo se ofereceu aos meus olhos. Nossos homens havia escalado os parapeitos e falavam com os ingleses por entre o arame farpado (...). Um jovem oficial mostrou sua face, reconhecível por seu elegante casquete. Discutíamos em inglês, depois em francês enquanto em torno os outros homens escutavam. Eu lhe gritei que um dos nossos tinha sido morto por eles. Ele respondeu que não havia sido alguém de sua companhia. Nos contamos uma porção de coisas de maneira amigável, era uma conversa estranha. Manifestamos o desejo de trocar lembranças, embora isso fosse um mau exemplo para nossos soldados. Nos despedimos prometendo ir, após a guerra, ele a Uner den Linde e eu, em troca, a Londres. Uma solene declaracão de guerra se seguiu. Ele ordenou a seus homens que entrassem no abrigo e o mesmo fiz eu.. Um ‘Guten aben’ de sua parte e um ‘au revoi” que lhe dei em resposta, e recomeçou a guerra, embora meus comandados preferissem o que ocorrera antes. Dois minutos mais tarde, e depois de avisos dirigidos aos ingleses, eu descarreguei meu fuzil na direção deles”.

“Assim caminha a humanidade”, já dizia James Dean. E eu nem falei dos presos decapitados no Maranhão.

TeVê

TV paga


Estado de Minas: 12/01/2014



 (Miryam Villas Boas/Divulgação )

Música Dori Caymmi (foto) é o artista da vez no SescTV, que hoje apresenta dois especiais com o filho de Dorival. Às 21h, em Passagem de som, Dori fala de suas influências musicais, muitas delas herdadas do pai. Às 21h30 é a vez do Instrumental Sesc Brasil, com a íntegra de um show gravado no Teatro Anchieta, em São Paulo.

O acumulador O Discovery Home & Health anuncia para hoje, às 21h30, o documentário O pior acumulador, que conta a história de Richard Wallace. Morador de um vilarejo na Inglaterra, ele abre sua casa para mostrar três quartos e duas garagens entulhadas de tralhas e jornais até o teto. Muita coisa sem qualquer utilidade, o que evidencia um sério distúrbio mental. No domingo que vem vai ao ar a segunda parte, com os vizinhos ajudando a retirar mais de 60 toneladas de entulho do jardim e do quintal, antes mesmo de entrar na casa de Wallace.

Enlatados

Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br


Elenco de peso

Matthew McConaughey e Woody Harrelson juntos e na TV. Esse é um dos trunfos da série True detective, que a HBO estreia hoje simultaneamente no Brasil e nos Estados Unidos (por aqui, à meia-noite). Eles interpretam dois detetives cujas vidas se cruzam durante a perseguição a um criminoso que se estende por 17 anos – desde o início das investigações do assassinato de uma prostituta, em 1995, supostamente cometido por um psicopata, até a reabertura do caso em 2012. Na sequência, entra no ar a terceira temporada de Girls, com a exibição de dois episódios em sequência. Nesse ano, Hannah Horvath (Lena Dunham), próxima de completar 25 anos, vive todas as ansiedades e incertezas de sua idade.

Aberta e paga –Um mês após o término nos EUA, chega ao Brasil a terceira temporada de Homeland (hoje, às 23h, no FX). Se achar o primeiro episódio ruim, insista nas próximas semanas. Somente a partir do quarto é que a série mostra o fôlego dos dois anos anteriores. O final é chocante, só para dizer o mínimo (e não entregar nada). Para os atrasados, vale lembrar que a Globo começa a exibir a série na terça-feira, desde o primeiro episódio. Será depois do Jornal da Globo, ou seja, bem tarde. Dublado, tanto na TV aberta quanto na paga.

Versão comentada
– Grande surpresa de 2013, House of cards, a bem-sucedida empreitada da Netflix em séries originais, estreia sua segunda temporada em 14 de fevereiro. Enquanto a data não chega, o site de streaming disponibilizou a temporada inicial comentada por seus seis diretores (aí incluídos David Fincher e Joel Schumacher).

Maratonas –O Universal está dedicando boa parte de sua programação às reprises. De amanhã a sexta-feira, às 22h, rolam episódios de Chicago fire. Nos mesmos dias, só que às 23h, maratona de Grimm e, à meia-noite, Beauty and the Beast – essa última tem exibição também hoje, a partir das 15h.



Caras & Bocas
Interino

 (Roberto Nemanis/SBT)

Diversão garantida
Depois da estreia de ontem a noite, a turminha da Patrulha Salvadora volta hoje no Programa Silvio Santos (foto), às 20h, no SBT/Alterosa. Jaime, Alicia, Cirilo, Maria Joaquina, Daniel e Carmen participam do quadro “Não erre a letra” e falam sobre os superpoderes de cada personagem na nova série infantil da emissora. Sílvio recebe também os cantores Quelynah Simão e Raphael Leandro, além da filha Patricia Abravanel, Carlinhos Aguiar, Flor, Livia Andrade, Cabrito Tevéz e Helen Ganzarolli no “Jogo dos pontinhos”.

Andressa Urach abre o  coração para Portiolli


Ainda no SBT/Alterosa, às 11h, no Domingo legal, Celso Portiolli entrevista a modelo Andressa Urach. Ex-dançarina do grupo do cantor Latino e vice-campeã do Concurso
Miss Bumbum, ela é a convidada do quadro
“Afunda ou boia”, aproveitando para relembrar o dia em que virou vítima do “Telegrama legal” e protagonizou uma grande confusão.

Marília Gabriela faz  hora extra na telinha
Marília Gabriela entrevista esta noite a apresentadora Sarah Oliveira, que trabalhou como repórter e VJ na MTV e no Vídeoshow da Globo. Atualmente Sarah comanda o programa Viva voz no GNT. No bate-papo com a colega de emissora, Gabi quer saber da liberdade de opinião de Sarah, seus planos, seus questionamentos e suas observações. No canal GNT, às 22h. Em tempo: no SBT/Alterosa, à meia-noite, o De frente com Gabi reprisa a conversa da jornalista com a cantora Anitta.

Rede Minas dá uma  aula de brasilidade


A Rede Minas dá continuidade hoje à série Bem cultural sobre os vapores do Rio São Francisco, exibindo o episódio “Benjamim Guimarães”, às 19h. É uma aula sobre o patrimônio imaterial das comunidades de Pirapora, Januária e mais seis municípios do Norte de Minas Gerais.

BBB 14 vai vir agora com 20 participantes

Terça-feira, Pedro Bial vai voltar mais uma vez no comando do Big brother Brasil, na Globo. Dessa vez são 20 confinados, que vão disputar o prêmio de R$ 1,5 milhão. Para esta edição, nada de veteranos. Apenas novatos entram na casa, que, no primeiro momento, não terá cama para nenhum participante. Outra novidade na semana de estreia é a participação de Valdirene, personagem de Tatá Werneck em Amor à vida. O reality vai ao ar logo após a novela.

Entre as novelas, só  dá Walcyr Carrasco

Por falar em Globo, a novela Caras e bocas também está de volta, a partir de amanhã e ao longo da semana em edição compacta, logo depois dos últimos cinco capítulos de O cravo e a rosa, à tardinha. Misturando humor e romance, o folhetim passará a ocupar todo o horário do Vale a pena ver de novo a partir do dia 20, tentando segurar o sucesso da antecessora. Exibida originalmente em 2009, Caras e bocas tem como protagonistas Malvino Salvador e Flávia Alessandra, à frente de um elenco que conta ainda com Marcos Pasquim, Ingrid Guimarães Deborah Evelyn e Isabelle Drummond, entre outros. Uma curiosidade: de amanhã a sexta-feira, Walcyr Carrasco estará no ar com três novelas: estas duas da tarde e mais Amor à vida.

Maria Flor dirige novo  seriado do Multishow

 (Juliana Coutinho/Divulgação )

Maria Flor prepara um novo projeto para o canal Multishow (TV paga). Na foto, ela posa com o elenco de Só garotas, com estreia prevista para abril. A série vai tratar de questões amorosas, profissionais e cômicas das amigas Clara (Flora Diegues), Fernanda (Vitória Frate), Mel (Julia Stockler) e Olívia (Liliana Castro).

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Castelos de areia‏

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Castelos de areia 


Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 12/01/2014


A insegurança é um dos males mais constantes da vida de qualquer ser humano. Ela tem uma causa bastante conhecida: nossa dependência infantil. Nascemos mal-acabados, se é que posso dizer isso! Nascemos prematuros seria o mais correto.

Nossa prematuridade nos faz absolutamente dependentes de cuidados alheios até muitos anos depois de nascidos. Se não houver boa vontade dos que cuidam de nós, estaremos em maus lençóis. Aliás, se não formos cuidados, morreremos.

Se formos malcuidados, sobreviveremos com as marcas dessa história. Se formos bem cuidados teremos chances melhores. Se formos muito paparicados, as marcas também estarão impressas em nós. Superproteção pode ser tão ruim ou pior que rejeição.

De qualquer jeito, o que importa além das marcas será o que fizemos e ainda faremos delas. Como interpretamos nossas histórias, as coisas que vivemos e os efeitos dessa nossa interpretação fizeram e farão de nós mais ou menos bem-sucedidos, felizes, seguros e de bem com a vida. Ou não.

Os fantasmas que criamos na subjetividade para entender ou explicar nossos medos e/ou talvez causá-los se tornam quase reais. Eles nos assombram constantemente apontando para uma ruína possível, para a arquitetura da destruição com requintes de detalhes.

Nos perdemos no labirinto onde a saída parece improvável de ser encontrada. Trombamos em paredes, assustados, vendo nelas muito mais que paredes; vemos quimeras criadas pela imaginação a partir de nossos maiores medos e atendendo a nossos piores temores, oferecendo uma consistência real a eles. Às vezes surreal.

Somos todos artistas, criacionistas no quesito fantasmas. Bem se vê que filmes de ficção contam com grande público, pois eles realizam nossos medos e nos oferecem saídas heroicas que na vida real nem sempre alcançamos.

As pessoas passam toda a vida girando em torno dos mesmos problemas, geralmente aqueles criados e estruturados dentro da nossa interpretação da família. Essas angústias se repetirão por toda a vida, em qualquer contexto em que estivermos inseridos.

Por isso, somos inseguros, temos medo do futuro, do prazer, de superar nossos pais, de ser melhores que o outro, de ir além dos que amamos e até de amar. Vivemos cheios de amarrações que não nos permitem desfrutar grande parte do que nos é oferecido.

Nem sempre temos liberdade de escolha, pois algumas de nossas escolhas foram feitas fora da nossa consciência e num tempo antigo. Foram escolhas forçadas e inconscientes. Algumas não podemos mudar. A sexualidade, por exemplo: quando escolhemos ser hétero ou homossexuais nem sabíamos que fazíamos tal escolha nem as consequências dela.

Se pudéssemos de fato escolher, sempre pegaríamos o caminho mais simples e fácil, que nos daria a felicidade sem conflitos. Nem por isso precisamos permanecer para sempre sem condições de que pelo menos algumas escolhas sejam por nossa decisão. E o futuro pode ser decidido a partir do desejo.

Isso não anula o fato de que nossa insegurança seja também por construirmos nossos castelos sobre a areia. A realidade não é como queremos. Nada nos garante a posse dos nossos amores para sempre. Não podemos prever o futuro. Podemos passar por adversidades e perder nossas posses. Perder a saúde. Ser vítimas de acidentes naturais. Nem sabemos por quanto tempo estaremos vivendo!

Tudo isso é verdade. Mesmo assim, temos de apostar no melhor, embora as chances de perder ou ganhar sejam idênticas. Mas como disse nosso querido Freud, em nosso socorro, “caso estejamos vivos, com saúde e nenhuma tragédia da natureza nos abata... podemos nos considerar felizes”, e é isso aí. Agora é viver! 

Editoras brasileiras apostam no segmento infantojuvenil, seguindo a tendência do mercado mundial

LITERATURA » Força jovem
 
Editoras brasileiras apostam no segmento infantojuvenil, seguindo a tendência do mercado mundial. Reforçada por compras do governo federal, a estratégia beneficia autores nacionais



Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 12/01/2014



À frente da Editora Autêntica, Rejane Dias revela que jovens brasileiros estão se interessando por literatura policial (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press %u2013 29/9/12  )
À frente da Editora Autêntica, Rejane Dias revela que jovens brasileiros estão se interessando por literatura policial

Não é só no Brasil que a literatura infantil e infantojuvenil vem ganhando cada vez mais força, com milhares de títulos lançados no mercado. Tem-se consumido de tudo: de série de aventuras à fantasia, passando por romances para garotas e histórias de terror e vampiros. A garotada devora livros com a avidez própria da idade, ajudando a gerar receitas da ordem de milhões de reais.

O gênero infantojuvenil veio para ficar, pelo menos durante um bom tempo – isso é consenso entre editores, livreiros e agentes literários. A carioca Lúcia Riff, por exemplo, tem negociado muitos títulos de autores brasileiros e estrangeiros dedicados ao segmento. “O sucesso da literatura infantojuvenil não ocorre apenas no Brasil, mas em vários países. Tenho observado o fenômeno durante minhas viagens para participar de feiras e eventos”, informa.

A carioca Ana Lima concorda com Lúcia. Ela é responsável pelo selo Galera, voltado exclusivamente para o público juvenil, que representa cerca de 30% do faturamento da Record, uma das maiores editoras da América Latina. Lançado em 2007, o selo emplacou diversos títulos na lista dos mais vendidos. Alguns autores ultrapassaram a marca de 1 milhão de exemplares, caso das nortes-americanas Meg Cabot e Lauren Kate e do britânico Oliver Bowden. “A tendência é o segmento continuar forte e o mercado cada vez mais competitivo”, aposta Ana.

Sucesso no país, a americana Meg Cabot bateu a marca de 1 milhão de livros vendidos no planeta (Ali Smith/divulgação)
Sucesso no país, a americana Meg Cabot bateu a marca de 1 milhão de livros vendidos no planeta


Destaque

De acordo com a editora, brasileiros têm se destacado no mercado infantojuvenil, inclusive fechando contratos fora do país. “A mineira Paula Pimenta, autora de Fazendo meu filme, que integra nossa coletânea de releituras de contos de fadas, é um bom exemplo. Carina Rissi, que escreveu Perdida, vendido para o cinema recentemente, é outro. Temos projetos com ambas para este ano”, informa Ana Lima.

Rejane Dias, responsável pelo Grupo Autêntica, afirma que o crescimento da literatura infantil e infantojuvenil se deve à ampliação das compras do governo, sobretudo de programas do Ministério da Educação.

“Em 2013, quase 300 editoras inscreveram livros no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), contra cerca de 140 em 2012. Para continuarmos com bons resultados relativos às compras governamentais, mantivemos a regularidade de nossas publicações. Em média, a Autêntica lança de 20 a 25 títulos por ano nesses gêneros”, diz a reponsável pela editora mineira.

Rejane observa que os leitores têm dado preferência a livros de personagens, como Diário de um banana e Capitão Cueca. O público juvenil, especificamente, procura títulos de sucesso no mercado internacional, como histórias voltadas para a fantasia, chick lit (preferido das garotas) e, recentemente, obras com temáticas vinculadas a problemas da vida real. “No momento, há a sinalização de que o público teen está se interessando por literatura policial e thrillers”, revela.

De acordo com Rejane, embora o estrangeiro faça sucesso no Brasil, os selos vêm dando preferência ao autor brasileiro. “Isso ocorre, sobretudo, pela disponibilidade deles para se envolver na divulgação dos livros, principalmente via mídias sociais. A temática abordada favorece a identificação com os leitores de nosso país”, analisa Rejane. Ela cita a belo-horizontina Paula Pimenta, um dos destaques da Autêntica, que a lançou nacionalmente. Ano passado, a autora vendeu 230 mil exemplares.

Romance de Carina Rissi, Perdida é um dos destaques do mercado brasileiro (C. Rissi/divulgação)
Romance de Carina Rissi, Perdida é um dos destaques do mercado brasileiro

Copa  

Lourdinha Mendes é editora das mineiras Lê, Abacate e Compor, que mandam para as lojas livros voltados para o público infantil e infantojuvenil. Apesar das boas perspectivas, ela prefere a cautela. “Estou um pouco apreensiva, principalmente devido à realização da Copa do Mundo e das eleições. É um ano atípico”, pondera. As três empresas programaram 16 lançamentos para 2014.

Lourdinha aposta nas compras do governo. “Além de possibilitar o investimento em novas publicações, o programa proporciona o acesso à literatura em lugares onde isso dificilmente ocorreria sem a ação institucional”, conclui.

Lúcia Riff adverte:
Lúcia Riff adverte: "Publicar pensando só no governo é um perigo"

Três perguntas para…

Lúcia Riff
Agente literária

Por que as editoras apostam as fichas na literatura infantojuvenil?

A aposta não é apenas para este ano, veio para ficar. A literatura infantojuvenil vem ganhando força em todo o mundo, assim como no Brasil. Isso se dá especialmente no segmento crossover. Ou seja, o livro para o jovem adulto pode ser lido tanto por adolescentes e jovens quanto por adultos. Eles agradam a públicos de todas as idades.

Diante da sedução das mídias eletrônicas, o livro impresso seduz os jovens?

De modo geral, ainda se leem mais livros de papel. Não sei a proporção de jovens que já passaram para o e-book. As redes sociais têm papel importantíssimo entre essa turma, pois elas divulgam livros, estimulam a troca de informações sobre autores e sobre as obras, além de facilitar conversas diretas do público com o escritor. Mas daí à adesão ao e-book como leitura preferencial... Não sei dizer. De minha parte, posso responder: já aderi ao iPad. Atualmente, quase todas as minhas leituras se dão em via eletrônica.

Ao apostar no segmento infantojuvenil, as editoras se tornam dependentes dos programas do governo?

Publicar pensando só no governo é um perigo. As vendas passam a ser esporádicas e podem não ocorrer. A obra morre. O certo é trabalhar pensando nas vendas escolares e nas adoções por colégios, mas sem esquecer as livrarias. Deve-se fazer um trabalho de aproveitamento das vendas de governo possíveis, mas sem basear o trabalho editorial apenas nessa possibilidade.


SAIBA MAIS

Com açúcar e com afeto

 (Ben Stansall/AFP  )
Voltado para o público feminino, o gênero chick-lit fala da garota contemporânea. Com enredos ágeis e destinados ao entretenimento, a chamada “literatura para mulherzinha” compartilha anseios de jovens ligadas em blogs, marcas fashion e nas inovações do universo virtual. A matéria-prima dessas histórias, porém, é o amor. As protagonistas sempre estão às voltas com romances e corações partidos. Não é à toa que o ícone do gênero é Bridget Jones, “heroína” da série escrita pela inglesa Helen Fielding (foto), que se transformou em fenômeno cinematográfico na pele da atriz Renée Zellweger – eternamente apaixonada por Mark Darcy, interpretado por Colin Firth.

Cine resistência

Cine resistência
 
Mostra Aurora do Festival de Tiradentes destaca nova safra do cinema autoral feito em Minas. Produções selecionadas têm fronteiras com as artes visuais e mesclam influências estéticas


Carolina Braga
Estado de Minas: 12/01/2014



A mulher que amou o vento, de Ana Moravi, é filme experimental com trama baseada em um mito (Maria Caram/Divulgação)
A mulher que amou o vento, de Ana Moravi, é filme experimental com trama baseada em um mito


É notório o quanto a Mostra de Cinema de Tiradentes tem se empenhado nos últimos anos para revelar o que de mais novo e arriscado há na produção audiovisual contemporânea. E se há um segmento dentro dela que se dedica especialmente à tarefa de apostar é a Mostra Aurora. Sabe o que ela nos sinaliza este ano? Mesmo que ainda haja espaço para crescimento, o cinema produzido pela nova geração de diretores em Minas anda muito bem na fita.

Entre os sete filmes que concorrerão ao Troféu Barroco e ao Prêmio Itamaraty, no valor de R$ 50 mil, quatro são realizações do estado. O que têm em comum é a faixa etária dos realizadores, ao redor dos 30 anos. Fora isso, são longas experimentais, fantásticos, comédias e documentários sobre temas variados. Os modos de fazer também são muito distintos.

Se durante algum tempo o cinema feito em Minas tornou explícita a influência das artes plásticas – vide trabalhos de Éder Santos e Cao Guimarães –, a nova safra, sem perder essa característica, avança em busca de novos caminhos. “É uma tentativa de encontrar algo além da fisicalidade de imagens. O pessoal está em busca de novas narrativas, outras formas de contar história”, resume a diretora Ana Moravi. Ela faz parte do grupo.

Aos 33 anos, estreará nas telas de Tiradentes com o longa-metragem A mulher que amou o vento. Classificado como experimental, o filme nasce de um estudo a respeito da imagem. Ao narrar uma trama inspirada no mito de Flora e Zéfico, Moravi nos diz que toda imagem carrega em si algo de invisível. Em busca de outros sentidos para o que não é visto, conta a história de uma mulher que se apaixona pelo vento. “Ele tem uma composição bem pictórica e flerta muito com essa coisa das artes plásticas”, adianta.

Já os diretores do coletivo Filmes de Plástico, de Contagem, exibirão em Tiradentes algo totalmente distinto até mesmo do que já foi apresentado em outras edições da mostra. Aliança, dirigido por Gabriel Martins, João Toledo e Leonardo Amaral, é uma comédia. Os três também são os protagonistas do longa, Pilo, Panda e Isaac, amigos de infância. Quando um deles é promovido e resolve se casar, os outros dois descobrem que a namorada dele o trai com o instrutor de ginástica.

“O filme todo se passa durante um dia, quando eles rodam Belo Horizonte tentando comprar o par de alianças. Nesse percurso, encontramos situações cômicas. A gente reflete sobre tudo: por que casar, a questão da traição e como cada um encara isso”, conta Gabriel Martins. O restante do elenco também é formado por amigos da galera da Filmes de Plástico.

Como Gabriel comenta, neste caso, não há qualquer aproximação com as artes plásticas, mas sim um interesse em descobrir outros modos de narrar. “Tem uma história que está sendo contada, com influências do cinema americano, da sessão da tarde, no bom sentido”, frisa.

Os outros dois concorrentes na Aurora são documentários. O bagre africano da Ataleia é descrito pelos realizadores Aline X e Gustavo Jardim como um roteiro de um filme de caça. O elemento central da narrativa é a existência de um peixe invasor, que afeta o imaginário da cidade. Segundo eles, o resultado reflete a criação contemporânea.

“Vivemos tempos de hibridez de linguagens e dissolução de fronteiras. Na feitura de O bagre africano de Ataleia, articulamos recursos próprios da literatura fantástica, do cinema documental, do cinema de gênero (terror e faroeste), em uma montagem rigorosa das imagens e sons captados em três etapas de filmagem”, detalham. Ao articular vários elementos, o objetivo era compor uma estrutura inusitada.

A vizinhança do tigre, de Affonso Uchoa, é um documentário sobre quatro jovens moradores do Bairro Nacional, na periferia de Contagem.

O bagre africano de Ataleia, de Aline X e Gustavo Jardim, traz referências do gênero fantástico (Bernard Machado/Divulgação)
O bagre africano de Ataleia, de Aline X e Gustavo Jardim, traz referências do gênero fantástico


Amadorismo e liberdade


Além de diretora, Ana Moravi é pesquisadora de cinema há cinco anos. Na dissertação de mestrado, que foi publicada como livro, analisou o cinema mineiro feito entre 2000 e 2010. Como observou, além das influências de outras artes e da busca por novas narrativas, trata-se de safra feita por gente que se interessa em estudar a linguagem e tem muitas referências. A cinefilia contribui para a construção de algo diferente.

“Acho que a gente vive uma profusão muito grande na produção de imagens. A primeira sensação que dá é um mito contemporâneo: se A mais B é igual a C, o negócio é misturar o que já foi feito, o que vai dar uma coisa nova”, acredita a jovem cineasta. Como ela ressalta, passada a época em que a escolha de um determinado negativo influenciava o resultado do filme, hoje a autoria se volta para outras questões.

 “Vira um desafio para quem é pesquisador e realizador fugir dos padrões. O cinema mineiro sempre buscou isso”, afirma. “As produções mineiras são viabilizadas de forma independente, com recursos próprios ou com baixos orçamentos dos editais governamentais. Fazer filmes em Minas é uma forma de resistência. Há uma liberdade que vem deste amadorismo, não há necessidade de concessões de nenhum tipo, não se busca o mercado, se faz arte como necessidade expressiva e com os recursos disponíveis”, resumem Aline X e Gustavo Jardim.

Mostra de cinema de Tiradentes 

De 24 de janeiro a 1º de fevereiro, em Tiradentes. Entrada franca. Informações: www.mostratiradentes.com.br

A comédia Aliança é dirigida e estrelada por Gabriel Martins, João Toledo e Leonardo Amaral (Filmes de Plástico/Divulgação)
A comédia Aliança é dirigida e estrelada por Gabriel Martins, João Toledo e Leonardo Amaral


Mostra Aurora

» A mulher que amou o vento, de Ana Moravi
» A vizinhança do tigre, de Affonso Uchoa
» Aliança, de Gabriel Martins, João Toledo e Leonardo Amaral
» O bagre africano de Ataleia, de Aline X e Gustavo Jardim

Mostra Autorias


» O homem das multidões, de Cao Guimarães e Marcelo Gomes


Meu cinema é...

“Experimental, independente e poético”
Ana Moravi
diretora de A mulher que amou o vento

“Diversão, em todos os sentidos possíveis”
Gabriel Martins
diretor de Aliança

“Caça”
Aline X e Gustavo Jardim


Curtas mineiros marcam presença



Curta Nossa pintura, de Fábio Nascimento, se aproxima da cultura indígena de forma direta e sem clichês

A programação de curtas-metragens da Mostra de Cinema de Tiradentes terá 98 trabalhos este ano. Destes, 25 são filmes produzidos em Minas Gerais. O cinema assinado por novos diretores do interior do estado também mostra a cara em Tiradentes. Natural de Ipatinga, ex-aluno da Universidade Federal de Juiz de Fora, com formação na França, Fábio Nascimento mostrará Nossa pintura na competitiva Foco. Rodado no Sul do Pará, o filme de 24 minutos mostra a tradição da pintura dos corpos dos índios mebêngôkre-kayapó.

Pela segunda vez entre os selecionados para Tiradentes, Fábio, atualmente radicado em São Paulo, acredita que as diferenças de produzir cinema na capital ou no interior são cada vez menores. “Comecei trabalhando quando estava no interior. Isso não seria uma peculiaridade, porque não é um mercado muito fácil”, diz. Para Fábio, Nossa pintura é uma tentativa de filmar o povo indígena sem clichês. “A gente tentou de alguma maneira documentar como qualquer pessoa”, explica.

Mineiro de Cruzeiro da Fortaleza, mas radicado em Uberlândia, Cássio Pereira dos Santos terá seu quinto trabalho, Marina não vai à praia, exibido em Tiradentes. Ele, que já morou em Brasília, é realizador resistente no interior de Minas. “Quando voltei para o interior, já tinha algumas portas abertas em diversas cidades, por já ter trabalhado com audiovisual por alguns anos. Mas na hora de filmar as coisas se complicam um pouco, porque a logística fica mais cara e complicada, pois há longos deslocamentos de equipamento e equipe”, conta.

O negócio de Cássio é essencial: contar uma história simples. “No meu primeiro curta, que passou em Tiradentes nove anos atrás, lembro que a primeira conversa que tive com o fotógrafo foi que não usaríamos plano e contraplano, porque achava isso muito careta, com cara de televisão. Neste novo projeto trabalhei com o mesmo fotógrafo, meu amigo Leonardo Feliciano, e o que o filme mais tem é plano e contraplano. Esse negócio de pesquisa de linguagem às vezes vira um tédio e aí dá uma vontade de contar uma história simples, sem ficar preocupado com inovação”, completa. (CB)

Eduardo Almeida Reis - Amigos‏

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 12/01/2014 


Amigos

Guilherme de Figueiredo, saudoso amigo, escreveu o Tratado geral dos chatos, obra impossível de ser completada, como pedem os tratados, pela inimaginável quantidade de chatos que surgem no pedaço. Ando pensando escrever um Tratado geral dos amigos para falar dos muitos que tive e ainda tenho, com as suas diversas especialidades. Cícero disse que “o amigo certo se reconhece numa hora incerta”. Como não escrevia em português, língua que só passaria a existir 14 séculos depois de sua morte, caprichou no latim que manejava muitíssimo bem: Amicus certus in re incerta cernitur. Soares da Cunha, também saudoso amigo e confrade na Academia Mineira de Letras, definiu à maravilha certos amigos da onça: “Amigos são todos eles/ Como aves de arribação/ Se faz bom tempo eles vêm/ Se faz mau tempo eles vão”. Há milhares, milhões deles rodeando as pessoas que ocupam altos cargos. Lauro Müller (1863–1926), meses depois de deixar o ministério, encontrou no bonde um sujeito que vivia frequentando seu gabinete e nunca mais o procurou. O sujeito se desculpou pelo sumiço, mas foi tranquilizado pelo engenheiro, militar, político e diplomata nascido em Santa Catarina: “Não se preocupe, meu caro. Quando passei a pasta, passei com você dentro”. Vivenciei casos muito parecidos com parentes meus, que deixaram de ocupar altos cargos e foram abandonados pelos “amigos” que não saíam lá de casa, com exceção de uns poucos amigos de fatos. E os há, podem crer no anoso philosopho. Nas muitas vezes em que andei apertado, nunca me faltaram amigos que ofereciam empréstimos sem juros e sem prazo. 

Felizmente, em pouco tempo pude devolver o dinheiro emprestado. Claro que não vou revelar, aqui e agora, os tipos amigos que pretendo listar no tratado. Limito-me a um só deles: o amigo eficiente. É utilíssimo. Aparece nas horas complicadas, não necessariamente pela falta de dinheiro, mas nas doenças, nas complicações familiares, em todas as complicações – e resolve, porque é eficiente, descobre o caminho das pedras, parece ter nascido para isso. Os dicionários de citações incluem milhares nos verbetes amigo e amizade, que gosto de transcrever nas ruminanças de Tiro e Queda. Uma de cada vez, porque é humanamente impossível analisar e curtir, ou não, todas aquelas que certas revistas transcrevem numa página. Encerro este belo suelto com Shakespeare: “No que me tenho por mais feliz / É numa alma que se lembra dos bons amigos”.

Maluquearam 

Com as restrições feitas às internações manicomiais, que deram de ganhar bom dinheiro a diversos conhecidos meus, os brasileiros malucos foram às compras no exercício do seu esplendoroso malucar. Fico abismado com os preços que vejo nos jornais, sinal de que há gente comprando os produtos anunciados. Vejamos: pulseira Sara Joias, R$ 54,9 mil; saia R$ 2,1 mil e cinto Anne Fontaine, R$ 1.895; brincos Luli Martins, R$ 11 mil; brincos, R$ 51 mil; pulseiras a partir de R$ 51,3 mil; e anel por R$ 33,6 mil, tudo na Sara Joias. O vestido Dolce e Gabanna é baratinho: R$ 5,9 mil, talvez porque os dois rapazes romperam casamento de 20 anos, mas continuam muito amigos e sócios, dando uma lição de civilidade aos homens e mulheres que se divorciam e saem dizendo cobras e lagartos uns dos outros. Vestido Saint Laurent Paris na NK Store: apenas R$ 27.990. Que me diz o caro, preclaro e pacientíssimo leitor de um par de tênis por R$ 2.150? Pois é, existe e tem a grife Louis Vuitton. Há outro, baratinho, da mesma marca: R$ 1.540 – e ambos são feios à beça. Sabe aqueles armários comprados e montados em sua casa? Tenho um de R$ 890, que me parece da melhor supimpitude, mas você pode encontrar outros na Florence Barra a partir de R$ 45 mil. Combinam com a geladeira Smeg amarela, uma porta, à venda na Freicon por R$ 12.569. Isso mesmo: R$ 12.569, que é para você economizar um real e sair todo satisfeito ou toda satisfeita da loja, na hipótese de ter comprado uma penteadeira horrível, também amarela, por R$ 5,5 mil na Arquivo Contemporâneo.

O mundo é uma bola 

12 de janeiro de 1431: tem início em Rouen o processo contra Joana D’Arc, acusada de bruxaria. Em 1616, Francisco Caldeira Castelo Branco, nascido no Crato, distrito de Portalegre, Portugal, funda a cidade de Belém do Pará. Em 1759, Sebastião José de Carvalho e Melo, secretário de Estado do rei dom José I, manda expulsar os jesuítas de Portugal. Em 1807, parte da cidade de Leyden, na Holanda, é destruída pela explosão de um navio mercante que transportava pólvora. Em 1816, por lei do governo francês, toda a família Bonaparte é afastada da França. Em 1865, o marquês de Caxias assume o comando supremo das forças aliadas na Guerra do Paraguai. Em 1896, o médico Henry Louis Smith faz o primeiro exame de raios X depois de dar um tiro na mão de um cadáver. A chapa mostrou a bala alojada no defunto. Em 1923, lançamento nos Estados Unidos da revista Time.

Ruminanças
“A experiência é uma escola muito cara, mas é só nela que os tolos aprendem” (Benjamin Franklin, 1706–1790).

Supremo tem função política‏ - Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.

Supremo tem função política
 
Fenômeno veio para ficar e pode contribuir para a democracia


Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.
Advogado, especialista do Instituto Millenium
Estado de Minas: 12/01/2014


É público e notório que o egrégio Supremo Tribunal Federal (STF) vem ampliando sua função política na atual quadra evolutiva da democracia brasileira. Sem cortinas, o fenômeno veio para ficar e, se bem executado, poderá contribuir em muito para o progresso institucional da Nação. Todavia, como todo fato complexo, há desafios e limites jurídicos a serem observados, sob pena de desnaturar a obrigatória legalidade da decisão jurisdicional em simples ato de discricionariedade política. Nesse contexto de transformações importantes, é oportuno indagar: por que a função política do Supremo tem se destacado no atual panorama institucional brasileiro?

Os motivos são plurais e de diversos matizes; começam por uma saudável estabilidade normativa da Constituição de 1988, passam por um necessário e contínuo aperfeiçoamento hermenêutico das regras constitucionais, chegam a uma sociedade economicamente mais organizada e potencialmente mais capaz de enxergar a vida com o auxílio de atuantes ferramentas tecnológicas, vindo, ao final, a desaguar em uma dramática apatia parlamentar do Congresso Nacional, que, por interesses pequenos, aceita, sem rodeios, os acenos fúteis de um Executivo cada vez mais ganancioso pelo poder. Na outra ponta, temos uma oposição calada, com raras lideranças eminentes, e completamente desarticulada em sua tímida ação política. Com isso, o Congresso desce e o Judiciário sobe como instância pública de dialética e solução de assuntos de interesse da coletividade. Aqui, chegamos ao coração pulsante da questão: até onde o Supremo poder ir no desempenho de sua inata função política? Bem, entramos em um território em que não há fronteiras fixas, pois cabe à técnica e à sensibilidade do juiz constitucional avaliar as circunstâncias concretas e decidir se o momento é de avanço ou de cautela. Para tanto, não será a inteligência individual, mas a sabedoria colegiada dos “11 velhinhos do Supremo Tribunal”, expressão do bom e velho Baleeiro, e de toda a comunidade jurídica do Brasil, que deverão, juntos, desenvolver os limites para a ação construtiva e vivificante da jurisprudência pátria.

Em sua dimensão constitucional, o Supremo é a ponte que liga o político ao jurídico. Nas clássicas lições de filosofia do direito de 1912, o inigualável Pedro Lessa ensina que “são de mútua dependência e subordinação as relações do direito com a política”. A justa medida está na compreensão de que a Constituição precisa da lei e a lei, para valer e ser respeitada, precisa de uma jurisdição atuante. Em outras palavras, a Constituição precisa de um Congresso e de um Judiciário que ajam com segurança e firmeza em suas respectivas e complementares áreas de atuação. O Supremo Tribunal Federal tem feito muito, talvez até demais. Por outro lado, o que tem feito o Congresso Nacional para dignificar sua alta responsabilidade política? A resposta é o começo de um ajuste institucional necessário. O Supremo pode muito, mas não pode mudar a política partidária. Que tal, então, começarmos a fazer a nossa parte?