sábado, 4 de janeiro de 2014

ENTREVISTA Adélia Prado, poeta e escritora

A Tarde/BA 04/01/2014


“O que não
pode ser dito
é aquilo que
exige palavras
que nos faltam
e só os ouvidos
de Deus escutam
e entendem
e podem
responder
da forma que
nos liberte”


“BELEZA, PARA MIM, É A FACE DIVINA”




MARCOS DIAS

Desde que lançou Bagagem, em 1976, Adélia Prado, 78, marcou
sua presença na literatura brasileira de forma ímpar. Questões
como a religiosidade, o feminino e o cotidiano são tecidos em
linguagem poética única em sete livros de poesia e nove de prosa.
No mais recente, Miserere (Record), a escritora mineira traduzida
para o inglês, espanhol e italiano, expressa a força de quem sabe
quem é e como existe. É como se transcendência e imanência se
fundissem, num transe movido pelo desejo da escritora. "É escruciante
o amor, mas por nada no mundo trocarei sua pena", diz
ela, num verso do poema A Sempre-viva. A autora também celebra
uma nova inocência nesta fase da vida e, como raramente fez, se
autodefine: "Sou uma vestal sem mágoas". Nesta entrevista,
versos de poemas do novo livro revelam uma compreensão ampliada
de aspectos tratados em suas obras. Ela é alguém que pode
dizer: “Sentimos que fomos ouvidos porque a libertação é possível
e acontece. Estou no caminho. É como trocar o DNA que possuo pelo
verdadeiro”.

Há algum método que a leva a conceber as unidades que compõem seus livros? No caso de Miserere (Sarau, Miserere, Pomar e Aluvião), o que lhe orientou?

O que me orienta é ficar atenta
ao espírito, à unidade do
livro. É o que me fez descobrir
o lugar dos poemas,as partes
do organismo que ordeno segundo
os ‘temas’, os ‘climas’
dos grupos de poesia aos
quais sempre dou uma epígrafe.

A senhora também intitulou um poema como Miserere (no esplêndido Terra de Santa Cruz,
de 1988). Lá, havia um tom político (“vingança contra os donos do mundo”, “desejo que se fodam bem determinadas pessoas em suas empresas”), que está ausente no novo livro. O que mudou em sua relação com a dimensão social, já que ainda vivemos um tempo “cinzento e pegajoso”?

A arte, no caso a poesia, não
pode intencionar um resultado
político no sentido imediato.
Nada mudou desde
meu primeiro livro. A conotação
política de qualquer arte
nunca pode ser alvo ou
pretensão do autor. A casuística
deumpoema tanto pode
ser do cotidiano mais corriqueiro,
pode ser religiosa ou
política, mas só será suportável
se for rigorosamente
necessáriaàexpressão. Etem
que ser bela. Poesia, arte,
não tratam de enredos ou assuntos.
Arte é forma pura.

Miserere é um livro vigoroso, em que a senhora afirma: “Sou inocente, pois nem este grito é meu” (Pontuação). Passa pela coragem metafórica advinda de furar orelhas para usar brincos (Pingentes de Citrino), à afirmação de que “É Deus a poderosa morte” (O Hospedeiro). Chama o que vive agora de uma “nova inocência” (Aluvião). Como transformou o medo da morte (às vezes, “trinta vezes aumentado”) e a culpa?

O medo continua, de certa
forma mitigado, com mais
consciência, o que nos permite
também uma fé com
uma qualidade mais profunda,
aliviada de cadeias adquiridas
e herdadas. Quando
digo nova inocência não significa
ausência de culpa, mas
como no caso do medo, uma
culpa real mais fácil de ser
encarada e também redimida,
se temos fé.

Em O Que Pode Ser Dito há um profundo reconhecimento: “Ó Vós que me fizestes;/ Bendigo- Vos pela cruz/ da qual ainda viva me desprendes”. Sente-se liberta? O que não pode ser dito?

O que não pode ser dito é
aquilo que exige palavras
que nos faltam e só os ouvidos
de Deus escutam e entendem
e podem responder
da forma que nos liberte. Isto
acontece no âmago da consciência
individual. Sentimos
que fomos ouvidos porque a
libertação é possível e acontece.
Estou no caminho. É como
trocar o DNA que possuo
pelo verdadeiro.

O que lhe parece mais divino: mandamentos escritos na pedra ou uma página em branco na alma?

Os mandamentos de pedra
são apenas o registro do que
já está impresso na alma, o
que chamamos lei natural.Os
mandamentos são lembretes
e auxílio à nossa fraqueza.

Se Miserere fosse seu último livro (desejo que haja infinitos outros), pensa que tudo o que escreveu tendia para a compreensão e o sentido da vida que ele revela?

Na arte tudo é expressão do
que se vive, se experimenta,
se deseja, se busca. É sentimento
puro. E como arte é
Beleza e Beleza para mim é a
Face Divina, é natural que
uma obra de arte me dê pistas
do sentido da vida e me
leve a experiências mais profundas
de uma outra dimensão,
a dimensão da fé.

Num texto seu sobre poesia e filosofia (Observando as Formigas), a senhora entende que essas expressões são “como braços de um mesmo rio de nascente profunda”. E lastimava o horror de “todas, absolutamente todas” nossas faculdades não serem de filosofia. Em que conta tem a racionalidade e o inconsciente?

Talvez tenha dito que a filosofia
deve ser uma disciplina
que acompanhe a formação
acadêmica e isto desde o ensino fundamental.
Razão e inconsciente
são faces do Eu,
cara e coroa. Superestimá-los
ou subestimá-los será sempre
desastroso. O culto à razão como supremo recurso e
poder do homem nos dão as
guerras, as armas químicas,
as atômicas, a desatenção, a
indiferença, o egoísmo mais
atroz, os preconceitos. A balança
está desequilibrada. O
inconsciente, a alma, o espiritual
estão sinalizando perigo.

O que lhe impressionou na humanidade de Steve Jobs, eternizada no poema Lápide Para Steve Jobs?

Steve Jobs? Ele próprio, sua
vida. Fiquei tocada por ele e
sofri com sua morte. Não sei
muito porque amo Steve
Jobs.

A poesia contemporânea se expressa em muitos suportes que não apenas o livro. E como nas
artes visuais, muitos colocam determinadas obras em questão. Assim como a senhora sabe quando fez um poema (como diz em A Criatura, movida pela força do verso “dormir na própria cruz sem sobressaltos como um bebê brincando com suas fezes”), o que lhe diz o que não é um poema?

Há poemas que não têm poesia.
Quando ele causa estranhamento,
susto, beleza,
sensação de estar vendo algo
novo, a poesia está ali. Isto
vale para absolutamente
qualquer forma de arte.

Em A Paciência e Seus Limites e outros poemas do livro, é como se a senhora voltasse a tratar do desejo como algo que não está sujeito ao tempo. Com os anos, o que mudou na sua forma de entender o amor e o corpo?

Melhorei demais quanto à
forma de entender o corpo e
espero aprender muito mesmo,
se Deus quiser, porque
continuo com dezoito anos
incompletos.



PENTECOSTES

Moro em casa de
herança,
uma edificação com
aposento que evito
paralisada por seu
ar gelado.
Ocupo pequeno
cômodo
onde até virtudes,
algum riso
e sementes de
alegria, ainda
intactos,
guardam alguma
vida.
Olho o grande
portão sem me
mover,
o medo me tem ao
colo, o sorridente
demônio:
‘Você está muito
doente,
deixa que te cuido,
filhinha,
com os unguentos
do sono.’
Como um bicho
respirando perigo,
às profundezas de
que sou feita
rezo como quem vai
morrer,
salva-me, salva-me.
O zelo de um
espírito
até então duro e
sem meiguice
vem em meu
socorro e vem
amoroso.
Convalescente de
mim,
faço um carinho no
meu próprio sexo
e o nome desse
espírito é coragem.

MISERERE / ADÉLIA PRADO
Record
96 páginas / R$ 25 / www.record.
com.br

Ainda sobre judeus na Bahia - Antonio Risério

A Tarde/BA  04/01/2014

Antonio Risério
Escritor
ariserio@terra.com.br


Entre as décadas
de 1930 e 1960,
os judeus se
concentravam
na região do
bairro de Nazaré.
Moravam todos
ou quase todos
por ali, ou em
suas cercanias

Sabemos que judeus nunca deixaram de continuar migrando para terras baianas. No século 19, por sinal, Castro Alves escreveria o poema Hebreia, dedicado a umas moças judias que moravam em frente à sua casa, no velho e belo Sodré, ali perto da igreja e convento de Santa Teresa, uma das mais lindas edificações de toda a história da arquitetura na Bahia (obra de Frei Macário de São João, arquiteto também do Mosteiro de São Bento), com seu jeitão clássico, seus altares desbragadamente barrocos e uma vista deslumbrante para a baía.

Bem. Não sei se Castro Alves conseguiu faturar a hebreia que desejava (desejei duas, por falar nisso, ali pelo final da puberdade, quando morava perto do Jardim de Nazaré, num edifício com nome judaico: Yaffa). O que sei é que, no século 20, a imigração judaica para a Bahia se acentuou, em consequência de diversos fatores, entre os quais, claro, estiveram a projeção do nazismo no continente europeu e a explosão da II Guerra Mundial.

Entre as décadas de 1930 e 1960, de um modo geral, os judeus, aqui em Salvador, se concentravam na região do bairro de Nazaré. Moravam todos ou quase todos por ali, no coração do bairro ou em suas cercanias (chegando, às vezes, à Saúde, onde morou a família de Jacob Gorender, que então teve Rubem Valentim como seu vizinho, indo ambos a festas de candomblé), com a sinagoga plantada no Campo da Pólvora. Certa vez, numa conversa, Mário Kertész me disse que, naquela época, os judeus tratavam Nazaré como “o gueto”.

Num depoimento que gravei, aliás, Kertész narrou: “A gente vivia em torno daquilo. Os amigos de papai e mamãe eram quase todos judeus. A grande maioria deles vivia junto praticamente o tempo todo. Andavam juntos, passeavam juntos, viajavam juntos. Faziam muitas festas nas casas uns dos outros”. E ainda havia a escola israelita, onde a garotada podia aprender iídiche, a “língua dos judeus”, palavra vinda do alemão jüdisch (judeu), que chegou ao português através do inglês yiddish. O próprio Mário, aliás, fez o curso primário nessa escola israelita, com professores judeus e crianças judias, respirando tradições hebraicas.

Mas logo a comunidade se dividiu, rachou mesmo, depois da criação do Estado de Israel, em 1948. Alguns judeus se sentiam mais ligados a Israel do que a qualquer outra coisa e defendiam inclusive o envio de recursos financeiros para o novo país. Eram os chamados “sionistas”. Acontece que a comunidade judaica apresentava, também, uma forte tendência ou coloração comunista. E fornecia quadros para o alto escalão da esquerda, como o já citado Gorender, filho de judeus da Bessarábia, ou o menos conhecido Boris Tabacof, que foi secretário-geral do velho PCB. Eram os judeus “progressistas”, mais interessados em subverter o Brasil do que em financiar Israel. E o racha se deu justamente aí, na briga entre sionistas e progressistas.


Diz Mário que, depois dessa divisão, a comunidade judaica baiana nunca mais foi a mesma. Não sei, mas acho que ele está certo. Até onde posso ver, ela se enfraqueceu, se esvaziou, perdeu muito de sua visibilidade. Mas eu precisaria examinar melhor o assunto, mapeando as coisas. A comunidade judaica baiana perdeu mesmo o seu vigor antigo, a sua antiga força e coesão? Encolheu-se realmente, em comparação com o seu próprio passado?

Pode ser. Na verdade, penso que sim. Ao mesmo tempo, noto outra coisa. O preconceito que havia contra os judeus, ali entre as décadas de 1950 e 1960, foi desaparecendo até sumir. Só passou a restar, no final do século 20, entre pessoas mais velhas. Afinal, não nos esqueçamos de que, diante de uma ruptura política, Antonio Carlos Magalhães xingou o então prefeito de Salvador, nosso amigo Kertész, de “judeu fedorento”. E este era, de fato, um dos estereótipos racistas do judeu entre nós. Dizia-se que os judeus não tomavam banho, que fediam, e que as judias davam fácil, fácil. E o que posso dizer é que não conheci nenhum judeu fedorento. Nem uma só judia que alargasse as pernas com mais facilidade do que as outras baianas.

Ficção e ciência - JOSÉ CASTELLO

O Globo 04/01/2014

ANA MIRANDA NÃO PRECISA “FAZER POESIA” PORQUE SABE QUE A POESIA É UM ELEMENTO ESSENCIAL DA REALIDADE

A articulação entre ficção e ciência
— o que é muito diferente de “ficção
cientifica” — tem um exemplo
valioso em “O peso da luz/ Einstein
no Ceará”, novo romance de
Ana Miranda (Armazém da Cultura,
Fortaleza). Não me refiro apenas aos conteúdos,
embora o livro de Ana tenha um forte fundo
científico. Tratam-se das memórias de Roselano
Rolim, personagem no qual a autora se inspira
em um tio apaixonado pela ciência. Inventor de
um moto-contínuo estelar, Roselano, no dia 29
de maio de 1919, teria acompanhado uma comissão
de cientistas que foi ao Ceará para observar
um eclipse total solar e, com isso, comprovar
a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein.

Uma dedicada pesquisa — o que não é novidade
nas narrativas de Ana Miranda — sustenta
sua ficção. A ciência, em particular a física abstrata,
estão no centro da cena. O esforço da pesquisadora,
rigoroso e constante, se assemelha
ao do cientista. Mas tento falar de outra coisa. O
que mais impressiona em “O peso da luz” é o
modo como Ana mostra a aventura de Einstein
como uma verdadeira aventura poética. Já a epígrafe
do livro, assinada pelo próprio cientista,
resume esse vínculo: “A imaginação é mais importante
que o conhecimento”, nos diz Albert
Einstein. Eu ousaria reformulá-la assim: não
existe conhecimento sem imaginação, e tanto
Einstein, cientista de carne e osso, como o fictício
Roselano Rolim, são provas radicais disso.

Em uma entrevista sobre seu livro, Ana Miranda
o define: “É uma homenagem aos inventores em
todas as áreas, às utopias e às quimeras”. Um tributo
ao sonho, sem o qual o real não avança. Inspirou-
se em um tio, Inácio Nóbrega, inventor na década
de 1930 de um controle remoto. Cedeu o projeto
a um suposto cientista alemão, que prometeu
consagrá-lo, mas desapareceu. É também uma
homenagem ao Ceará, estado em que a escritora
nasceu, já que trata da comprovação da Teoria da
Relatividade realizada durante um eclipse do sol
observado, em 1919, por um cientista britânico e
outro alemão, na cidade de Sobral, interior do estado.
Desse modo, a ficção de Ana arranca grandes
nacos do real, sem pretender em qualquer momento
equiparar-se a um relato científico, ou fazer “ficção
científica”. É da fantasia na qual o real se encharca
que ela se alimenta. O mundo — mesmo suas
partes mais duras — também é feito de sonhos e
Ana sabe disso.

São capítulos curtos, bem a seu
estilo, e numa linguagem — apesar
das referências constantes à
ciência — bastante simples. Ana
é uma autora substantiva. Não
precisa “fazer poesia” porque sabe
que a poesia é um elemento
essencial da realidade. A poesia
está presente em um poeta amigo
do narrador, que o escolta como
um anjo e que o ajuda a aproximar
fantasia e descoberta. Aparece
ainda no papagaio Galileu, que viaja com Roselano,
e que é capaz de reproduzir não apenas suas palavras,
mas seus sentimentos mais secretos.

Mesmo para um sonhador como Roselano, mesmo
para um homem apaixonado pela ciência como
ele, os cientistas parecem, muitas vezes, um
bando de bruxos a remexer nos fundamentos do
real. Ele mesmo nos diz: “O que era o mundo da
ciência? Provavelmente uma comunidade de sujeitos
meio loucos, (...), ciumentos de seus avanços,
(...), movidos por uma vaidade incontrolável,
em jogos de ressentimentos, falando mal uns dos
outros, divididos em confrarias inabaláveis, discutindo
como nas reuniões de bruxas”. Essa visão
imaginária e mal-humorada da
ciência não só guarda sua parte
de verdade, como também nos
leva a pensar no lado fantasioso
que envolve as mais importantes
descobertas científicas. A
fantasia pode aparecer como inveja,
como ressentimento, como
competição desenfreada, mas
nada disso importa: ela está ali.

Para escrever seu romance,
Ana se baseou na visita real ao
Ceará de uma comissão composta
pelos cientistas Andrew Cromelin e Charles
Davidson que, no ano de 1919, comprovaram, observando
um eclipse solar, a célebre teoria de
Einstein. Inspira-se na realidade não para se conformar
com ela, ou para repeti-la, mas para dela
arrancar o que tem de ímpeto e risco. Cientistas
necessitam tanto da imaginação quanto ficcionistas.
Sem imaginação, não conseguiriam construir
suas hipóteses e sistemas — não conseguiriam
inventar. Sem ela, não poderiam de fato dar
saltos à frente. Desse modo, Ana nos mostra uma
surpreendente aproximação entre ficção — entre
poesia — e ciência. Poeta e cientista parecem andar
em extremos opostos. Parecem viver em
mundos distintos. De certo modo, isso é verdade.
Porém, sem a força da imaginação, sem o impulso
para a invenção, nenhum dos dois conseguiria
dar um só passo à frente.

Tal qual a fantasia, a realidade também é instável
e traiçoeira. No dia do célebre eclipse de
1919, relata Roselano, “para desespero de todos,
o céu se mantinha coberto de nuvens cúmulos,
cúmulos-nimbos e cirros-cúmulos. Não havia
uma só brecha em que se avistasse o azul celeste.
Senti-me envergonhado, como se eu mesmo fosse
um traidor”. Os observadores se acomodaram
no hipódromo. Instabilidade do real: às 7h10m, o
céu começou a abrir do lado nordeste, mas às
7h40m estava novamente “denso e escurecido”.
Às 8h25m, abriu-se uma brecha entre as nuvens,
mas logo o sol desapareceu, “reaparecendo por
alguns segundos às 8h38m”. Enfim, às 8h55m,
com o céu aberto, todos puderam observar sem
dificuldades o eclipse solar.

Também a ciência exige paciência — a mesma
exigida do escritor, que nunca sabe ao certo em
que momento a palavra adequada lhe surgirá.
Exige perseverança e disposição para a surpresa:
tanto na ficção, como na ciência, as coisas surgem
quando menos as esperamos. “Algumas
pessoas acenderam velas. Outras correram, dando
gritos de pavor. Nenhum pássaro cantava, revoadas
de morcegos surgiram de seus esconderijos,
como se fosse noite, dando rasantes sobre a
multidão”. É uma cena mágica, que envolve susto
e beleza. Que inclui encanto e atordoamento.
Também as descobertas da ciência estão envoltas
em beleza e surpresa. Também elas levam os
espíritos a se elevar, como se conectados com
um moto-contínuo que os ligasse às origens
mais remotas do próprio homem.

João Paulo - Será que dá para conversar?‏

Será que dá para conversar? 
 
João Paulo
Estado de Minas: 04/01/2014


Manifestantes exigem mudanças e fazem das ruas palco de cidadania (Nacho Doce/ Reuters)
Manifestantes exigem mudanças e fazem das ruas palco de cidadania
 Só a conversa salva o mundo em 2014. Sob qualquer aspecto que se decida enfrentar os dias que chegam, parece que a mais vitoriosa das estratégias do ano passado foi separar o mundo em fatias. A polarização, com seu hábil e discreto empenho valorativo, dividiu tudo em blocos antagônicos. O início do jogo eleitoral, com sua violência simbólica e antipatia indisfarçáveis, talvez seja o mais explícito desses desvios, mas não é o único. A mesma disposição pode ser percebida em todos os outros segmentos que envolvem divergência: a Copa do Mundo (é bom lembrar que a Fifa ganhou, esta semana, o diploma de dona de parte de Belo Horizonte, com direito a descumprir as leis votadas democraticamente pela cidade e dominar espaços de comércio reais e virtuais, além de exigir segurança reforçada bancada pelo imposto do cidadão sem pagar nada por isso), as manifestações sociais, a economia, a reforma política.

Tomados separadamente, cada um desses momentos exibe um par de opções que se contradizem e se isolam na vida da sociedade. A possibilidade de conversa está anulada pela escolha prévia do lugar do qual se fala. Essa vontade de cisão vem dominando o horizonte. E é por isso que precisamos nos entender melhor – não para anular as distâncias, mas para esclarecer as diferenças.

Não deixa de ser curioso que, nas últimas semanas, tenha surgido em diferentes campos dos meios de comunicação um debate sobre a antiga polaridade entre esquerda e direita, que até pouco tempo atrás era tida como uma espécie de celacanto. Um site que se identifica com a esquerda, Carta Maior (cartamaior.com.br), criou uma seção especial que leva como título uma pergunta: “O que é ser de esquerda?”. O canal de notícias Globonews, da TV por assinatura, dedicou um programa inteiro, Globonews painel, a defender o espaço da direita na política brasileira, dando voz a estrelas assumidas do conservadorismo, homens ligados a outros veículos da imprensa (Veja e Folha de S. Paulo) e à universidade. Cada espaço – o site e o programa de TV – criou as próprias regras e, por isso, os dois conteúdos não se contrapõem, antes exercitam um diálogo de surdos. Na realidade, a inspiração de ambos os propósitos não atendia ao mesmo problema. Com isso, cada lado tratou de se defender e propor a partir de seu próprio diagnóstico. A esquerda, mais segura eticamente de seu projeto, parece preocupada em aprofundar suas diretrizes em termos de ação prática. Já a direita, de certa forma insatisfeita com o monopólio que parece tomar conta do pensamento progressista na academia, insiste em voltar a questão ao debate conceitual, procurando espaço para propostas que defendam ideias liberais que não se identifiquem com o autoritarismo. A esquerda defende a eficiência de propostas sociais; a direita a moralidade das soluções autonomistas.

Há um jogo em que a agulha do equilíbrio pende ora para a arrogância ora para a autocomiseração. Em vez do diálogo, cada lado se encastela em suas certezas mancas. A esquerda esqueceu a dialética e a direita a racionalidade: a primeira ficou menos inteligente e a outra mais infantil. O melhor exemplo, no entanto, são as eleições. A disputa vem se dando exatamente nos mesmos moldes maniqueístas, sem a contribuição do debate responsável sobre as questões fundamentais do país. O governo se esmera em mostrar o que faz e a oposição em criticar o que está sendo feito. O que pode parecer lógico, no entanto, é apenas a confirmação de uma regressão política: o país e as pessoas ficam em segundo plano.

Assim, se a autoridade visita uma área inundada por enchentes, o que é parte de seu trabalho, vai ser considerada um sensível ou oportunista eleitoreiro, dependendo de onde parte o julgamento. A situação em si, para a qual os dois lados colaboraram de forma negativa (seja nos diferentes níveis de governo ou em gestões anteriores, pois se trata de problemas de longo curso administrativo e que certamente alcançaram diferentes grupos de poder responsáveis pelas áreas inundadas), fica em segundo plano. As pessoas viram números, como baixas em uma guerra.

Se isso se dá no momento da tragédia, vai se tornar ainda mais presente nos debates em torno de outras questões menos sensíveis ao apelo emocional. Não por acaso a substituição do responsável pelo marketing de Aécio Neves é mais notícia que a identificação clara dos responsáveis por seu plano de governo em áreas como saúde e educação, por exemplo. A lógica da eleição, a princípio, não é a da política, mas a do jogo, da estratégia, do combate ao oponente.

Assim, a permanecer o vezo irresponsável de fugir ao debate em razão das primícias do marketing, o ano eleitoral vai ser um período rejeitado pela população. O cidadão já mostrou que, quando se sente alijado da política, encontra sua forma própria de participar. As manifestações de junho do ano passado foram postas a rodar pela recusa da política tradicional; este ano, chegam marcadas pelo mais institucional dos momentos formais da democracia. Se tudo der certo, tem tudo para dar errado.

OUVIR E ESCUTAR

 Será que é possível conciliar opostos tão radicais? Ou melhor, será que isso é desejável? É claro que não. As diferenças entre projetos sociais e econômicos precisam ficar cada vez mais explícitas e verdadeiras. Em nome desses projetos distintos (e até mesmo de sua alternância na história), a democracia se justifica como regime viável. O que está ficando de fora do jogo é o saudável espírito de diálogo maduro e responsável.

Nossa tradição nunca foi a da conversa, mas da imposição; poucas vezes do convencimento, muito mais da petição de princípios; raramente da escuta, já que prezamos mais a retórica. Nunca fomos bons ouvintes. Somos, como definiu em outro contexto o filósofo Bernard Williams, adoradores do “fetiche da afirmação”. Gostamos de fórmulas e de palavras de ordem, falamos para nos deliciarmos com o som da própria voz. Em vez de combater com argumentos, ofendemos as pessoas.

Há uma distância entre ouvir e escutar. O primeiro ato é fisiológico, o segundo filosófico. Para escutar é preciso se inclinar ao outro, pesar seu argumento, reavaliar as próprias verdades, dispor-se ao reconhecimento do erro. Numa disputa em que se entra com o ferrenho propósito de discordar, não se passa da audição para a escuta. O meio de debate eletrônico potencializou ainda mais essa surdez argumentativa. Como naqueles eventos comentados acima, só quem se acha de esquerda acessa o portal; só quem se identifica com os convidados do debate assiste ao programa conservador. Não se estabelece a conversa. Além disso, um lado não se lembrou de chamar o outro.

Um dos maiores filósofos de todos os tempos, Platão, desde o século 4 a. C., sabia que dialogar não é apenas confrontar verdades ancestrais, mas construir conhecimento novo. Ele só se expressou em suas obras por meio de diálogos, nos quais os participantes precisam usar toda a inteligência para entender o que o outro tinha a dizer. O mais importante não é ser dono da verdade, mas ajudar a construí-la.

Pode parecer ingênuo defender a conversa no meio do ringue eleitoral. Mas é a única saída. Sem escuta, todos os projetos coletivos tendem a ser marcados por uma visão míope de solidariedade apenas entre os “mais iguais”. É o campo do nós contra eles. Quem ganha leva tudo. No terreno onde a fraqueza é tão universal quanto a força, não interessa que apenas um lado vença, mas que a coletividade saia ganhando, mesmo que um pouco de cada vez. É a diferença entre os conflitos grandiloquentes de Shakespeare e a melancolia sutil das derrotas inevitáveis das tramas de Tchekov. No primeiro caso, contam-se os mortos num cenário de terra arrasada; no segundo, convive-se com a infelicidade entre os vivos que precisam seguir adiante. Sempre é melhor estar vivo. Sempre é preciso seguir adiante.

Temos problemas sérios demais para resolver e não vamos dar conta deles sozinhos. A política deveria ser um eterno lembrete de nossa incapacidade de fazer as coisas de forma isolada e um estímulo para procurar nossa turma. O passo seguinte é menos prazeroso e igualmente necessário: escutar o outro. Nossos iguais nos sustentam, mas é a diferença que nos faz pessoas melhores. 

Repertório coletivo

Repertório coletivo 
 
O crescente diálogo da história pública com a literatura, o cinema e com a canção popular traz novas formas de pensar o mundo. Parceria entre acadêmicos e artistas reeduca a sociedade 
 
Adriane Vidal Costa, Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira
Estado de Minas: 04/01/2014


As relações entre a história e as diferentes linguagens de produção cultural, como a literatura, o cinema e a canção popular, não são nenhuma novidade, porém têm se estreitado e se diversificado sobremaneira nas últimas décadas. No campo da história pública (que é, por natureza, de interseções), as vinculações com as linguagens artísticas têm tido lugar significativo e podem ser analisadas, no mínimo, em duas dimensões: pensar a literatura, o cinema e a canção popular como meios de veicular a história, tornando-a acessível a públicos diversos; e produzir conhecimento histórico, estrito senso, a partir das linguagens específicas de cada arte, rompendo o primado da narrativa historiográfica escrita.

Cada tipo de narrador – o cancionista, o literato, o cineasta, o historiador – apresenta o material histórico de maneira diferente, pois cada forma discursiva tem identidade e função social próprias. Reconhecer suas especificidades não impede a percepção de que as narrativas podem ser construídas nas fronteiras, concebidas como espaços privilegiados para estabelecer laços, trocas, intercâmbios – e não como um dado rígido e intransponível.

Socialmente, uma das formas usuais de atribuir legitimidade ao discurso historiográfico é seu enquadramento na categoria de “histórico” em oposição à categoria “ficcional”. Embora partilhem de recursos discursivos comuns, é fato que a história e a ficção têm metas distintas, com diferentes resultados. O discurso ficcional põe a verdade entre parênteses, enquanto a história procura fixá-la como conhecimento sobre o passado, ou seja, prima pela busca da condição de veracidade. Luiz Costa Lima sustenta que ambas as modalidades discursivas “mantêm circuitos dialógicos diferenciados com a realidade”. A ficção tem fronteiras muito mais fluidas que a história e não há limite para a imaginação. Porém, as relações entre história e ficção são mais complexas do que, à primeira vista, o binômio verdadeiro/ falso sugere.

A literatura, mesmo sendo formação discursiva diferenciada da história, nutre-se recorrentemente dessa última. É notório que grandes mudanças históricas provocam inovações na literatura e que os momentos de maior fecundidade literária coincidem com períodos de maior intensidade histórica. Desde a epopeia antiga, a história tem servido frequentemente de inspiração para as mais diferentes formas de produção literária – do poema épico às canções de gesta, do romance medieval ao romance moderno. Podemos, portanto, considerar a apropriação pela literatura (ou pelo literato) da temática da história como aproximação entre essas duas formas discursivas. Outro exercício possível é a assimilação da obra literária pelo contexto histórico em que foi produzida: uma interação do texto ficcional com o contexto no qual se insere, criando novas formas de pensar o mundo.

INSPIRAÇÃO Também o cinema, desde seu surgimento, no fim do século 19, encontra nos acontecimentos históricos uma fonte de inspiração. Os incontáveis títulos de filmes permitem entender – respeitadas as restrições de categorizações – o campo como gênero histórico. Essa categoria costuma ser subdividida em três: ficção que procura recriar o fato histórico; ficção ambientada em momentos passados; e documentário que objetiva o testemunho histórico. Considerando que a história pública prima por ampliar a divulgação da história, reconhece-se o cinema de gênero histórico como um dos seus vetores.

Ao se voltar para o passado, a sétima arte oferece dupla contribuição para o conhecimento histórico: resgata fatos e aspectos menos conhecidos ou de circulação local restrita, além de o impacto de sua narrativa, em decorrência da linguagem audiovisual, ter reconhecido poder de alcance e assimilação. Nesse sentido, considera-se pertinente a observação do historiador Robert Rosenstone de que grande parte do conhecimento histórico se consolida para além do espaço escolar a partir das produções cinematográficas.

No entanto, a relação entre o filme de gênero histórico e a história pública não se restringe a recriar o passado por meio da linguagem audiovisual. A fita inspirada na história dialoga com outras fontes narrativas, como a tradição oral, a literatura, a música, a iconografia, o carnaval e, claro, a historiografia. O fundamental é, portanto, problematizar a produção das narrativas históricas realizadas por acadêmicos e não acadêmicos, além de sua relação com a educação histórica, sobretudo não escolar.

Se ao menos em alguns gêneros do cinema e da literatura são explícitos os laços com a produção do conhecimento histórico, no campo da canção popular brasileira essa relações não costumam ser reconhecidas de forma direta, tampouco legítima. Talvez isso se dê por não serem tantas as canções com temáticas socialmente reconhecidas como “históricas”. Talvez, ainda, porque a produção da canção popular, como o próprio adjetivo que compõe o nome denuncia, não pareça ter suficiente viés de erudição, característica que se costuma atribuir como condição necessária à produção do conhecimento histórico.

CANÇÃO Também nesse caso as imbricações entre história e ficção, arte e ciência são mais complexas do que se pode supor. No Brasil, país de forte tradição oral, a canção popular é parte essencial do repertório da memória coletiva. A “canção crítica” se transformou em forma hegemônica, especialmente a partir da segunda metade do século 20, como salientam, respectivamente, o historiador Marcos Napolitano e a socióloga Santuza Naves. É preciso, portanto, compreender a canção popular como produtora e veiculadora de representações sociais fundamentais na formação da cultura histórica de um tempo.

Ao compreendermos as representações como formas de produzir a vida em sociedade em suas diferentes esferas, há que se considerar a canção popular como uma narrativa que interpreta e constrói o mundo, bem como a existência humana. Deve-se considerar a historicidade das diferentes formas de representação social que essa linguagem constrói, reunindo melodia, texto, ritmo e harmonia: as crônicas do cotidiano e críticas de costumes; as tentativas de trazer para o presente realidades de tempos passados; as expressões de utopias e propostas de novas realidades. Com ampla divulgação de diferentes gêneros musicais, elas expressam valores do tempo em que foram produzidas e as concepções sobre o passado expressam valores históricos, as formas de pensamento e ação humanas na sociedade.

Enfim, podem-se sintetizar questões emblemáticas dessa discussão em três pontos:

Como e por que um artista/escritor (cancionista, cineasta ou literato) transforma a história em seu próprio tema, ou seja, em parte integrante da sua linguagem, fazendo dela matéria estética?

Quais são os meios ou técnicas próprios de cada linguagem que se pode usar para transformar a história em narrativa artística – ou a arte em narrativa histórica?

Como historiadores e professores de história lidam com a produção artística ficcional para compreender as representações sociais e a cultura histórica de determinado tempo e construir suas narrativas?

Essas três questões – que, aliás, se misturam – são problemáticas centrais para a compreensão das relações e articulações entre diferentes linguagens e sua interface com a história pública. Para respondê-las, devemos recorrer às mais diversificadas narrativas históricas, produzidas em diferentes tempos e linguagens.

JANELA Para potencializar essa reflexão, é essencial que o cineasta, o literato, o cancionista, o historiador, o professor e o espectador/leitor reconheçam a natureza de cada produção. Não se deve esperar que um filme, romance ou canção com temática histórica abra a janela pela qual se recupere o passado. Deve-se aproveitar e problematizar as tensões inerentes às representações históricas construídas por um filme, um romance ou uma canção, pois, quando a obra de arte é o artefato em que se desenvolve o processo de história pública, ela não apenas retomará o conhecimento já circulante, mas produzirá uma versão narrativa sobre os acontecimentos passados que poderá se prestar a educação/reeducação histórica da sociedade.

Não se trata de brincar de jogo dos sete erros, mas de evitar a negligência com equívocos históricos representados. A história (ou a sua escritura) não é monopólio dos historiadores, mas está presente em outras linguagens e formas narrativas e pode ser produzida por outros sujeitos. A questão está na atenção ao processo de produção da narrativa e ao resultado: como se escreve (e como se lê) a história e os seus significados.

Adriane Vidal Costa e Miriam Hermeto são professoras-adjuntas da Universidade Federal de Minas Gerais. Rodrigo de Almeida Ferreira é professor do Centro Universitário UNA 

A voz humana - Walter Sebastião

A voz humana
 
Traduzidos por Júlio Castañon Guimarães, poemas de Paul Valéry exibem força e beleza em sua busca pela perfeição. Edição brasileira reúne versos de Album de vers Anciens e Charmes


Walter Sebastião
Estado de Minas: 04/01/2014


Paul Valéry diz que o ato de escrever exige reflexão, e não a inscrição maquinal de palavras (Artspecialday/reprodução)
Paul Valéry diz que o ato de escrever exige reflexão, e não a inscrição maquinal de palavras


Os poemas de Paul Valéry (1871-1945) são, digamos, bifrontes. Às vezes, parecem antiquados bibelôs – charmosos, mas de afetado preciosismo formal e com excessivo apego a motivos convencionais. Ao mesmo tempo, revelam um pensar que dialoga sibilinamente com estéticas modernas, em especial aquelas ligadas ao planejamento – seja da composição, de efeitos ou de versos. De um lado está a busca obsessiva, e algo monótona, pela perfeição; de outro a materialidade do poema, da palavra e das estruturas literárias, com singular e fascinante compreensão do fazer poético. As duas faces, indissociáveis, estão em qualquer texto de Valéry, oscilando para um ou outro aspecto de acordo com a tradução.

Esse perfil – desenhado com alguma implicância deste articulista com o poeta (talvez por não lê-lo em outra língua que não o português) – faz com que textos do autor francês ganhem beleza e força em leituras guiadas por intérpretes sensíveis. Um exemplo: Fragmentos do Narciso e outros poemas (Ateliê Editorial), traduzido e organizado por Júlio Castañon Guimarães.

O volume traz versos de dois livros: Album de vers Anciens (1920) e Charmes (1922). Castañon explica que os textos são bastante diversos entre si, embora vindos de volumes que têm o mesmo caráter. A reunião busca uma forma inicial de leitura da poesia de Valéry que dê margem a outras, sobretudo a partir da criação de um contexto que articule os poemas e sua história.

As transformações desses poemas se deram pela busca da perfeição, mas também revelam percurso tumultuado (escrita, reescrita, montagem e remontagens). Tal situação ganha leitura atenta e minuciosa, usada para abordar a poesia e a poética de Valéry. De modo suave, mineiro, Castañon não entra em aspectos que, de acordo com estudiosos, são mitos sobre o francês, tachado como poeta difícil, neoclássico e formalista (o que ele é mesmo). Em vez de polemizar, o tradutor procura entender esses aspectos na obra do autor. E não deixa de registrar a dica de Judith Robison-Valéry para que os poemas sejam lidos sem atentar para o que se diz deles, descobrindo-se “a voz humana, vibrante, próxima”.

 Os artigos de Júlio Castañon conduzem o leitor a observações arrojadas – entre elas a de que Paul Valéry é um poeta experimental ou de que, para ele, traduzir e escrever um poema é a mesma coisa. Mais até, segundo o próprio poeta: “Escrever o que quer que seja, na medida em que o ato de escrever exige reflexão, e não inscrição maquinal e sem parar de uma palavra interior inteiramente espontânea, é um trabalho de tradução exatamente comparável ao que opera a transmutação de um texto de uma língua para a outra”.

Pode-se discordar das opiniões de Paul Valéry. Ou não entendê-las inteiramente. Mas é impossível resistir à presença quase hipnótica que tais comentários criam. As reflexões do escritor em Fragmentos do Narciso… deixam a vontade de ler em português pelo menos uma antologia da obra que é fonte de muitas dessas considerações: os cadernos do poeta, cerca de 250 deles escritos entre 1894 e 1945.

Para quem quiser conhecer a prosa crítica de Valéry, vale lembrar: a Editora 34 lançou no Brasil o livro Introdução ao método de Leonardo da Vinci. O assunto é Leonardo, mas o texto é puro Valéry.


FRAGMENTOS DO NARCISO E OUTROS POEMAS
. De Paul Valéry
. Tradução: Júlio Castañon Guimarães
. Ateliê Editorial, 128 páginas, R$ 40

A musa de Maracangalha - Walter Sebastião

A musa de Maracangalha 
 
Livro resgata a obra da pintora Sylvia de Leon Chalreo, que retratou os morros cariocas e a gente simples do Brasil. Feminista, ela cultivou a arte e a democracia 
 
Walter Sebastião
Estado de Minas: 04/01/2014


Já passou da hora de o Brasil redescobrir a obra da artista plástica Sylvia de Leon Chalreo (1905-1991). A pintura dessa carioca merece voltar às salas de exposições. “Sylvia foi vanguarda desde que abriu os olhos”, afirma Ana Lúcia Queiroz, autora do livro Maracangalha em parceria com a fotógrafa Márcia Zoet.

Inicialmente, o projeto se limitava a apresentar a obra da pintora. Entretanto, Ana Lúcia e Márcia se encantaram ao descobrir as várias facetas de Sylvia Chalreo: escritora, feminista, jornalista, poeta, militante política e ilustradora. Nos anos 1920, ela passou a assinar seus quadros apenas como Silvia, abandonando deliberadamente o aristocrático y.

O título Maracangalha alude ao apelido, inspirado na marchinha de Dorival Caymmi, dado ao apartamento no Bairro Flamengo comprado pela pintora. Esse “batismo”, aliás, ficou gravado na caixa de luz do imóvel. A partir de 1956, aquele lar abrigaria uma família nada convencional, formada por Sylvia e dois amigos: o ator João Ângelo Labanca e o militar Pedro Weiss Xavier. Ela teve amores, mas não se casou nem deixou filhos. Naquelas salas se cultivava a arte. O trio fez um pacto, devidamente cumprido: quem morresse primeiro deixaria tudo de herança para os outros.

Ana Lúcia Queiroz chama a atenção para a simplicidade e o colorido das obras de Sylvia. “É visão leve da vida”, observa. Trata-se do trabalho de uma autora que encontrou na pintura sua verdadeira forma de expressão. “Um dia, acordei pintora. Foi algo que surgiu inesperadamente”, contou a artista. Autodidata, ela estudou estética e se dedicou a escritos sobre arte.

“As imagens retratam os morros cariocas e a população pobre. É intenção declarada dela mostrar o que o Brasil é”, avisa Ana Lúcia Queiroz. As obras trazem a visão social da arte, algo comum aos autores dos anos 1930, observa a pesquisadora.

Crítico respeitado, Sérgio Milliet escreveu: “Silvia sente-se sobretudo atraída pela poesia da ingenuidade. Dir-se-ia que ela procura despojar-se de toda sabença escolar para chegar a uma expressão sintética limpa de literatura”.

O interesse pela dimensão social cruzou toda a vida de Sylvia de Leon Chalreo. Ana Lúcia suspeita que essa característica venha da adolescência. Depois da separação dos pais, ela passou por dificuldades econômicas, conscientizando-se, já no início do século 20, da situação da mulher brasileira.

Aos 19 anos, a jovem carioca foi à luta para se sustentar – algo impensável para moças bem-nascidas da época. Falava fluentemente francês, estudou na Escola Normal do Distrito Federal e foi aprovada em concurso para o cargo de amanuense municipal.

Campeã de braço de ferro, Sylvia desafiava homens e moças a disputar a brincadeira com ela. Exímia nadadora, chegou a atravessar a Baía de Guanabara. Poeta, fez versos apaixonados para o português Afonso Castro Senda. Noiva de um rapaz chamado Murilo, viajava com ele. Transgressora, posava para fotos abraçada com o amado – ambos em roupas de banho. Não há pistas sobre a identidade de Murilo e sobre os motivos do rompimento.

Em 1931, Sylvia Chalreo criou um clube feminista em Niterói. Sete anos mais tarde, fundou a revista Esfera, dedicada às artes e às ciências. Entre os colaboradores da publicação estavam Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado e Graciliano Ramos. Incentivada pelo Partido Comunista Brasileiro, a revista mandou 24 edições para as bancas entre 1938 e 1950. Sua fundadora militava em comícios e sindicatos.

LIBERDADE “O livro é sobre uma personalidade das artes, mas mostra também um pouco da história da mulher e da intelectualidade no Brasil”, explica Ana Lúcia Queiroz. O apartamento Maracangalha expressa isso. Espaço com espírito comunitário, ele abrigou a prática e a difusão da arte numa época em que tais atividades ocorriam em universos de âmbito privado. “Aquele grupo de pessoas viveu um momento de esperança de mais liberdade e de melhoria de vida para todos”, afirma a historiadora, referindo-se ao período pós-2ª Guerra Mundial e aos anos JK.

Responsável pelo projeto iconográfico do livro, a fotógrafa Márcia Zoet é sobrinha de Pedro Xavier, um dos moradores do Maracangalha, “lugar de visita obrigatória quando eu ia ao Rio de Janeiro”. Márcia jamais se esqueceu dos quadros, fotos, biblioteca e do ateliê frequentado por artistas e intelectuais. A alma daquele espaço e o entusiasmo pela cultura que se respirava por lá a influenciaram a cursar jornalismo. A decisão da então adolescente veio depois de ela entrevistar frequentadores da casa do tio para um jornalzinho.

“Sylvia era mulher aberta, que instigava as pessoas tanto para ver quanto para praticar arte”, conta Márcia Zoet. O trio Sylvia, João e Pedro, que viveu junto por quase 40 anos, despertava muita curiosidade. “São casados? Quem é esse meu tio? O arranjo familiar deles era diferente”, relembra a fotógrafa, seduzida, ainda hoje, por tudo que viu e viveu naquele apartamento do Flamengo.


ISTO É SYLVIA
» A pintora declarou à Revista do Rádio, em 1965: “Já pintei todos os morros cariocas”. Fez questão de informar que nascera num deles – o do Barro Vermelho, em São Cristóvão. Isso se deu antes de morro urbano virar sinônimo de favela.

» A artista ingressou no Partido Comunista Brasileiro nos anos 1930. Presa em 1936, foi liberada logo depois de ouvida pela polícia.
» A primeira individual da pintora foi realizada em 1945, na Livraria Brasiliense, em São Paulo.
» Jornalista, Sylvia escreveu para as revistas Rio e Rio Social, além dos jornais O Movimento Feminino e Tribuna Popular (importante publicação da esquerda brasileira). Foi crítica de teatro da revista Fon-Fon.
» Na década de 1950, Sylvia Chalreo liderou a Greve das Cores, contra altas taxas de importação de tintas impostas pelo governo federal. Participantes do 3º Salão de Arte Moderna do Rio de Janeiro apoiaram o protesto: todas as obras exibidas foram realizadas em preto e branco.
» O apartamento Maracangalha era abrigo de intelectuais, assim como a mitológica residência de Aníbal Machado, em Ipanema. Frequentavam as salas do Flamengo Carlos Drummond de Andrade, o artista plástico Santa Rosa e os atores Sérgio Britto, Fernando Torres e Paschoal Carlos Magno, entre outros.


DE CARLOS DRUMMOND...
...para Sylvia

“As pequeninas casas multicores
e a gente humilde que pintaste a esmo
serão signos de amor, por entre flores,
quando o homem se liberta de si mesmo”

...para Maracangalha
“Lá em Marquês de Abrantes,
onze, mil cento e um,
as cores mais flamantes
e o perfeito e comum
prazer de abrir os olhos
à vida e refleti-la
(os trevos quatrifólios
existem na tranquila
esperança latente)
se entrelacem num véu
que envolva docemente
Silvia Leon Chalreo”


MARACANGALHA
Vida e obra de Sylvia de Leon Chalreo
. De Ana Lúcia Queiroz e Márcia Zoet
. Editora Ilumina, 120 páginas, R$ 45

ENTREVISTA/LILIANE PRATA » Operária da ficção‏

ENTREVISTA/LILIANE PRATA » Operária da ficção Autora transita entre a literatura infantojuvenil e romances para adultos. Sua paixão é mergulhar no universo dos personagens 
 
Carlos Herculano Lopes
Estado e Minas: 04/01/2014



"Escrever ficção é um pouco como atuar: posso ser psicopata ou dondoca, um ser tenso e problemático ou uma garota absolutamente normal"

Nascida em Formiga, no Centro-Oeste de Minas Gerais, e criada em Belo Horizonte, onde se formou em comunicação social na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Liliane Prata começou a ficar conhecida como escritora com a série infantojuvenil O diário de Débora, que está chegando à casa dos 100 mil exemplares vendidos. Com igual sucesso, a mineira lançou O novo mundo de Muriel, voltado para o mesmo público. Radicada em São Paulo, a jornalista estreia na literatura adulta com o romance Três viúvas. Em linguagem simples e carregada de emoção, Liliane conta a história de três mulheres que se aproximam depois de perderem os maridos. Escrever para jovens ou adultos lhe dá o mesmo prazer. “Sou uma operária a serviço da história e dos personagens”, resume Liliane. Feliz com a experiência proporcionada por As três viúvas, ela já está concluindo outro romance, que será lançado em fevereiro. “A nova história envolve um personagem central bem problemático, garotas de programa e assassinatos”, adianta.


Como começou o seu envolvimento com a literatura?
Penso que já era escritora antes mesmo de começar a escrever – talvez seja um pouco assim com todos os que escrevem. Imaginar narrativas em detalhes era uma de minhas brincadeiras preferidas: numa visita a uma tia, quando tinha uns 4 ou 5 anos, todos conversavam na sala enquanto fiquei deitada em um dos quartos, de olhos fechados, criando histórias enormes com diálogos, cenas e pontos de virada. Cresci e comecei a escrever essas tramas que imaginava. Trocava meus livrinhos por figurinhas ou papéis de carta no colégio – estudei no Santo Agostinho, em Belo Horizonte. Fui uma dessas estudantes que preferem português a qualquer outra matéria e passam o tempo livre na biblioteca do colégio. Meu pai, professor de literatura, sempre me indicou livros e me contou muitas histórias. Por outro lado, quando perguntavam o que queria ser quando crescesse, costumava responder: escritora. Lá pelos 12 anos, quando descobri que não existia faculdade para escritor, decidi cursar comunicação. De fato, aos 19, entrei para o curso de comunicação social na UFMG. Mas logo fiquei preocupada, porque notava que tinha muito mais prazer criando e escrevendo histórias fictícias do que reportagens. Trabalhei como jornalista por alguns anos, sempre procurando buscar pautas mais lúcidas ou autorais, mais palatáveis para mim. Crônica e romance são terrenos em que me sinto mais à vontade, onde saboreio mais sentido em minha existência.

Foi dessa forma que nasceu a série O diário de Débora?
Uma das coisas que mais me dão prazer em meu ofício é mergulhar na cabeça dos personagens. Escrever ficção é um pouco como atuar: posso ser psicopata ou dondoca, um ser tenso e problemático ou uma garota absolutamente normal – enquanto escrevo, sou todos os personagens. Quando fiz O diário de Débora, tinha acabado de escrever um livro juvenil muito pesado sobre uma atiradora adolescente. Ele acabou não sendo publicado – na época, mandei-o para três editoras, recebi três recusas e não pensei mais nele. Então, a faculdade entrou em greve e me veio à cabeça um personagem muito mais leve, com história despretensiosa: a Débora. Foi maravilhoso me doar àquela personagem e ao seu dia a dia, e me soltar da trama pesada e desgastante em que estava imersa antes. Até hoje procuro variar muito o estilo de meus textos: mesmo se estiver publicando crônicas de um mesmo tema ou dois livros leves seguidamente, pode ter certeza: no meu computador, estou trabalhando em dois estilos variados. Gosto de variar – é bem uma opção, além de característica da minha escrita.

Antes de mergulhar na literatura infantojuvenil, você deve ter lido muita coisa no gênero. Sofreu alguma influência de autores dedicados a ele?
As influências vêm de todos os lugares, num processo contínuo e ininterrupto: textos, conversas, situações que presencio na rua, nos filmes a que assisto. Quando falo que meu maior prazer está em escrever textos da minha cabeça, ou que saem de mim, tenho em mente que esse mim só existe porque está fincado em um exterior variado e interessante, que carrega beleza e tristeza, como o título do romance de Kawabata. Quando era adolescente, lia tudo – de Clarice Lispector, Fernando Sabino e Rubem Fonseca a tirinhas da Mafalda e gibis da Mônica. Minhas obras preferidas naquela época eram O diário de Anne Frank, Minha vida de menina, de Helena Morley, Volta ao mundo em 80 dias, de Júlio Verne, e toda a coleção Vagalume. Hoje, um autor que escreve para o público young adult e tem estilo que me agrada muito é David Nicolls, mas acabo lendo mais literatura adulta.

Como se deu a sua passagem da literatura infantojuvenil para o romance destinado a adultos?
Muitas pessoas já vieram me falar que a mudança de O diário de Débora para Três viúvas representa um crescimento, o amadurecimento da minha literatura. Entendo que vejam dessa maneira e que Três viúvas seja considerado um romance, enquanto O diário de Débora, não – afinal, essas classificações existem e não tenho como fugir delas. E, é claro, concordo que, apesar de Três viúvas não ter me dado mais trabalho que O diário de Débora, foi um livro que saiu de mim quase visceralmente; há nele muito mais profundidade e sofisticação literária. Mas confesso: no meu íntimo, não há muita diferença. Os personagens são partes de mim, por mais diferentes um do outro que possam parecer à primeira vista. Trato da mesma forma todas as histórias que pretendo escrever, todos universos em que quero adentrar, não importa se trazem personagens doces ou amargos, adolescentes ou adultos, leves ou densos, mais comerciais ou literários.

Você pode dar um exemplo de personagens assim?
Meu novo livro, que sai em fevereiro, traz um personagem central bem problemático, além de passagens com garotas de programa e assassinatos. Anotei essa história em meu computador antes de escrever O diário de Débora 2, em 2004. Registrei a ideia, mas só sentei para escrevê-la anos depois. Se as frases são mais “valiosas” literariamente ou completamente despretensiosas, se estou escrevendo mais na linha do entretenimento ou da reflexão, isso não me demanda decisão racional ou esforço – simplesmente tento dar àquela história a tonalidade que vai ficar bem para ela. Sou uma operária a serviço da história e dos personagens. O texto mais difícil é o que requer mais pesquisa e mais revisões, como esse que vou lançar em fevereiro. Como a história se passa em 1984, o que demandou muita pesquisa, e como o protagonista é muito distinto de mim e a trama mais complexa do que as que costumo escrever, esse livro me tomou muito mais. Para se ter uma ideia, escrevi Três viúvas em quatro ou cinco meses, enquanto me debrucei sobre o novo romance por cinco anos.

Os personagens de seus livros vêm da vida real?
No limite, todo personagem tem muito do autor, até porque as histórias saem de dentro da gente, passam pelo filtro como vemos o mundo, trazem nossas referências. Mas há, claro, figuras que se distanciam mais ou menos daquele que escreve. O universo da Débora, seu jeito de falar, as situações vividas por ela – tudo era familiar à minha adolescência, por mais fictícias que fossem as situações. Já o novo livro passa pelo outro extremo: o protagonista é um ex-dependente de crack. Ele me levou a visitar clínicas de reabilitação, fazer entrevistas e ler muito a respeito, tudo isso para me enfiar num universo muito distante do meu.

Como é a experiência de viver só de literatura?
Trabalhei durante três anos na revista Capricho como editora de comportamento, gostava muito da convivência com os colegas, do dia a dia tumultuado da redação. Fiz faculdade de filosofia na Universidade de São Paulo (USP) e também me agradava muito aquele ambiente oposto: a atmosfera austera, as aulas densas que alimentavam minha mente com reflexões interessantes. Como me formei há três anos e há cinco saí da Capricho, nada me deixa mais feliz do que ficar em casa, pegar minha xícara de chá e ir para o computador escrever, revisar, cortar, anotar ideias, reescrever. Sou extrovertida e gosto de gente, até porque isso alimenta a minha criação. Gosto demais de dar palestras, conversar com os leitores, ir a feiras de livros. Sem contar que é fundamental diversificar a atividade de escrever para que se possa viver só de literatura, como tenho conseguido até agora. É um privilégio saber que depois dessas atividades no mundo lá fora vou voltar para o meu computador com minha xícara de chá. Isso é um desafio constante e uma grande alegria.


TRÊS VIÚVAS
. De Liliane Prata
. Editora Planeta, 144 páginas, R$ 24,90

Longa jornada sertão adentro - Carlos Herculano Lopes

Longa jornada sertão adentro 
 
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 04/01/2014


O romancista Marcelino Freire volta ao Nordeste em Nossos ossos (Edson Kumasaka/divulgação)
O romancista Marcelino Freire volta ao Nordeste em Nossos ossos

Depois de lançar livros de contos – entre eles Racif e Contos negreiros, vencedor do Prêmio Jabuti em 2006 –, Marcelino Freire estreia como romancista com Nossos ossos, que saiu pela Editora Record, consequência natural para quem, desde o início de sua escrita, revelou-se um grande contador de histórias. Talvez isso venha de herança antiga, adquirida na infância passada em Sertânia, no sertão de Pernambuco. Desde 1991, o escritor vive em São Paulo, onde trabalha como publicitário. Há algum tempo, ele organiza um dos mais charmosos encontros literários do país: a Balada Literária, realizada em livrarias e bares da Vila Madalena.

Entre boas gargalhadas, Marcelino jura: qualquer semelhança de sua própria vida com a “história autopornográfica” contada em Nossos ossos é mera coincidência. Mas, como literatura, vida e realidade se confundem, ele brinca: “Já fiz muitas loucuras por aí”.

Em ritmo frenético, esse denso romance de apenas 128 páginas fisga o leitor desde as primeiras linhas. Marcelino desenvolve um relato trágico em torno do protagonista Heleno. Ele se impõe a missão – talvez para dar vazão à culpa inconsciente – de levar o corpo de seu amante, um michê, de volta para casa em Poço do Boi, no interior de Pernambuco.

Dramaturgo que migrou para São Paulo, Heleno vai ao necrotério buscar o garoto assassinado. A tarefa não é fácil. “O moço que trabalha no IML olhou para mim sem saber como fazer para explicar, ninguém mostra um corpo morto sem autorização, é preciso um documento, o senhor sabe...”, descreve o narrador, perplexo.

Depois de cumprir todos os trâmites burocráticos, Heleno, acompanhado de um motorista de rabecão, inicia sua fantástica viagem de volta ao Nordeste com o propósito de entregar o corpo do rapaz à família. Sertanejos simples, os pais nem imaginam o que o filho fazia em São Paulo.

Como num filme, voltam à memória de Heleno as lembranças do menino pobre que foi, filho de família grande obrigada a enfrentar as dificuldades do sertão, onde a esperança, às vezes, não passa de miragem em meio ao sol de rachar.

O dramaturgo recorda sua vinda para São Paulo – assim como fizeram milhares de seus conterrâneos –, a luta para se impor na metrópole e o convívio com as pessoas que surgiram ao longo de sua aventura, à qual se lançou por não ter outra escolha. Mas agora isso pouco importa.

Por trás dessa história trágica, com a qual Marcelino Freire se firma como um dos melhores escritores de sua geração, está a mistura de amor, violência, realidade e fantasia. Assim como ocorre na vida.


nossos ossos
. De Marcelino Freire
. Editora Record, 128 páginas, R$ 28

Orelha

ORELHA
Estado de Minas: 04/01/2014


Sempre os russos
O maior contista russo, Tchekhov, em uma novela inédita no Brasil, Três anos. Um dos mais importantes romancistas russos, Ivan Turguêniev, em livro de contos, Memórias de um caçador. Os dois lançamentos da Editora 34, com traduções feitas diretamente do russo para o português, mostram que ainda falta muito para o leitor brasileiro ter acesso ao universo de uma das mais ricas literaturas do mundo. Conhecido por suas histórias curtas, Tchekhov narra, com tintas autobiográficas, o cotidiano de um casal em meio à atmosfera opressiva da Rússia marcada pela recém-abolida servidão. A tradução e o posfácio são de Denise Sales. Já a seleção de contos de Turguêniev, autor do clássico Pais e filhos, traz como personagens camponeses explorados e proprietários de dureza implacável, com tradução e estudo de Irineu Franco Perpétuo. O livro, em seu tempo, conquistou os círculos liberais russos.


Poucas palavras
Dalton Trevisan não se dá ao desfrute. Um dos maiores escritores brasileiros, ele não dá entrevista nem se deixa fotografar. Por isso o livro O silêncio do Vampiro – O discurso jornalístico sobre Dalton Trevisan, de Luiz Andrioli (Editora Kafka), vai marcar os estudos sobre o autor. Andrioli analisa de que forma a obra desse curitibano foi retratada pela imprensa desde o fim dos anos 1960, chegando aos anos 2000 num jogo de fugas e negaceios. Uma arqueologia do silêncio.


Inéditos e nem tanto
Escritor, jornalista e dramaturgo, Manoel Carlos Karam, que morreu em 2007, ainda é pouco conhecido além dos limites do Sul do país. A Editora Kafka, que vem publicando a obra do paranaense, lança Meia dúzia de criaturas gritando no palco, que reúne textos inéditos e esparsos do autor. Na introdução, Roberto Alvim o define como anarquista erudito, dono de uma “dramaturgia da digressão”.


Ciência total
O cientista brasileiro Miguel Nicolelis, autor de Muito além do nosso eu, está lançando com Giselda Laporta Nicolelis o livro O maior de todos os mistérios (Companhia das Letrinhas), feito especialmente para o público juvenil. Com muita clareza e sem abrir mão do humor, eles traduzem os mais recentes avanços da neurociência para os jovens. Em algumas passagens, parece pura ficção científica, como a descrição da comunicação direta entre cérebros e do controle de todos os tipos de máquina apenas com a força do pensamento.


Ficção
A editora Ana Luisa Escorel, autora de estudos sobre design, lança em breve seu segundo livro de ficção, Anel de vidro, que sai pelo selo Ouro sobre Azul. Ela estreou com o delicado O pai, a mãe e a filha.


Ampliado
Um dos estudos pioneiros sobre o novo cenário político brasileiro, Lulismo – Da era dos movimentos sociais à ascensão da nova classe média brasileira, de Rudá Ricci (Editora Contraponto e Fundação Astrojildo Pereira), ganha a segunda edição. O autor escreveu nova apresentação, em que dialoga com outros estudos e teses sobre o lulismo surgidos desde 2010, além de analisar o sentido do movimento que ganhou as ruas em junho do ano passado. O livro tem novo capítulo, que trata do conceito de fordismo tardio como modelo programático forjado no país nos últimos anos.


Vem aí
Entre os lançamentos da Editora Leya para este ano está História do Brasil em 50 frases, de Jaime Klintowitz. O autor explica o contexto de sentenças como “Morrer se preciso. Matar nunca” e “Independência ou morte”, entre outras. A editora programou para os primeiros meses o volume Entendendo Nietzsche, de Laurence Geane, com ilustrações de Piero. Para quem gosta de tecnologia, vem aí Conecte-se ao que importa – Um manual para a vida digital saudável, de Pedro Burgos.

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A Casa da Palavra também antecipa alguns títulos de 2014. Na ficção, Lua negra sobre Westminster, de Bem Aaronovitch, é sequência da coleção Enigmas. Dois volumes sobre o Rio de Janeiro estão no cronograma dos primeiros lançamentos da editora. O primeiro deles é Rio pitoresco, de César Barreto, com fotos em preto e branco feitas com câmeras de madeira de grande formato. O outro é Rio infravermelho, de Renan Cepeda, que busca os limites da fotografia ao utilizar, além de ângulos surpreendentes e locais inusitados, um filme especial que até 1992 era de uso exclusivo das Forças Armadas.

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Já a Arqueiro, que investe no catálogo de literatura romântica e de aventura, anuncia os lançamentos de janeiro e fevereiro:
A redenção de Gabriel, de Sylvain Reynard; A tentação do pôr do sol, de Lisa Kleypas; e Enfeitiçadas, de Jessica Spotswood. Na seara do suspense, mais um candidato a best-seller de James Paterson: 9º julgamento.

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Dois esperados romances policiais chegam às livrarias no primeiro semestre. A escritora Patrícia Melo volta a seu ambiente literário habitual, desta vez com uma protagonista feminina, em lançamento da Rocco. Outro autor que confirma sua filiação ao gênero é Raphael Montes. Depois do sucesso da estreia com Suicidas, ele anuncia o segundo romance, Dias perfeitos (Companhia das Letras).

TeVê

TV paga

Estado de Minas: 04/01/2014



Sucesso da telona, Detona Ralph estreia hoje no Telecine Premium (DISNEY/DIVULGAÇÃO)
Sucesso da telona, Detona Ralph estreia hoje no Telecine Premium
SUPERESTREIA ANIMADA

O Telecine Premium tem estreia importante hoje, às 22h: a animação Detona Ralph (2012 – foto). Indicado ao Oscar de animação, o filme conta a história de Ralph, o vilão do videogame Conserta Félix Jr. O game já tem 30 anos e Ralph está cansado de todo dia fazer a mesma coisa: destruir edifícios para que o herói Felix os reconstrua. A partir daí, o grandalhão desiste de ser mau e sai, desesperado, em busca de uma medalha de herói. Assim tem início a peregrinação de Ralph por outros jogos, em busca de prestígio entre os personagens. A direção é de Rich Moore. No elenco, John C. Reilly, Sarah Silverman e Jane Lynch.

ASSISTA À GRANDE LUTA DO
BOXEADOR MUHAMMAD ALI

Tem superestreia também no HBO, às 22h. O canal exibe Muhammad Ali's greatest fight, a grande luta do boxeador. Em 1967, Muhammad Ali se recusou, por crenças morais, alistar-se no Exército norte-americano e servir na guerra do Vietnã. A produção original da HBO mostra uma nova e fascinante luta enfrentada pelo campeão na Suprema Corte dos Estados Unidos, onde nove respeitados juízes decidem seu destino. A direção é de Stephen Frears.

PARA QUEM GOSTA DE
CARNE E CHURRASCO


Hoje tem maratona com os melhores programas de 2013 do Fox Life. No ar, a partir das 19h30, oito episódios de Man vs. Food, exibidos em sequência. O primeiro será “Bife de lombo presidencial” Adam viaja para Oklahoma para encarar um bife de lombo digno de um presidente, e em seguida vai em direção a Detroit para provar os deliciosos cachorros-quentes de Coney Island e o diabolicamente picante hambúrguer de Amarillo. Depois seguem: “Churrasco e sanduíche porto-riquenho”; “Salsicha escandinava e pizza”; “Hambúrguer, polish boy e costelas”; “Churrasco criativo e cachorro-quente”; “Exagero de hambúrguer”; “Churrasco em Kansas City”; e “As melhores costelas de St. Louis”.

MAT DAMON NO SEGUNDO
FILME DA TRILOGIA BOURNE


O FX apresenta na Sessão Uncut, às 22h30, A supremacia Bourne (2004), com Matt Damon. O filme de ação é baseado no livro homônimo de Robert Ludlum e dá sequência ao longa de 2002, A identidade Bourne. O agente Jason Bourne (Damon) tem que provar sua inocência, depois que um diplomata chinês é assassinado por um sujeito que também se chama Jason Bourne. Sua missão é encontrar o impostor antes que Estados Unidos e China entrem em conflito.

QUATRO FILMES DE
FASSBINDER NO FUTURA


O cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder ganha mostra no canal Futura hoje, a partir das 22h, com reprise amanhã, no mesmo horário. O primeiro filme exibido será Martha. Depois da morte do seu pai dominador, a bibliotecária Martha se casa com um rico empresário. Em pouco tempo  ela se torna vítima da personalidade fria, cruel e perversa de seu marido, que controla sua vida de maneira manipuladora e sufocante. Depois virão: O desespero de Veronika Voss (dia 11), Lili Marlene (dia 18) e Lola (dia 25).



Caras & bocas
Interino

Manu Gavassi já está gravando novela de Manoel Carlos que estreia em fevereiro (Gianfranco Briceno/Divulgação)
Manu Gavassi já está gravando novela de Manoel Carlos que estreia em fevereiro
SOM POP
A cantora pop teen Manu Gavassi, de 20 anos, jura que não caiu de paraquedas no mundo das novelas. Ela diz que tem vontade de ser atriz e que fez o curso de teatro Célia Helena durante seis anos, além do de Wolf Maya por três meses, "para ter noção de TV". Além disso, os pais dela eram atores quando se conheceram. Manu está se preparando para estrear no horário nobre da Globo como Paulinha, jovem cantora do elenco de Em família, novela das 21h de Manoel Carlos, que estreia em fevereiro e fala sobre o universo da música, erudita e pop. Manu já gravou cenas da personagem em Goiânia, mas em nenhuma delas cantou. "Ainda estamos conversando, mas a ideia é que eu interprete músicas de minha autoria mesmo", antecipa. Esta não é a primeira vez que a cantora atua na TV. Em 2011, fez uma participação no seriado infantojuvenil Julie e os fantasmas, coprodução da Band e da Nickelodeon.

MAL TERMINOU UMA NOVELA,
WALCYR CARRASCO FAZ OUTRA


Mesmo sem ter colocado um ponto final na novela Amor à vida (Globo), que termina no dia 31, o escritor Walcyr Carrasco está de olho em novos projetos. Em breve, ele deverá começar a rascunhar mais uma trama da emissora. Sua missão será criar uma novela para a faixa das 18h. Futuramente, Carrasco deverá escrever também outra trama para o horário nobre.

TONY RAMOS SE PREPARA
PARA ESTRELAR O REBU

O ator Tony Ramos também é do tipo que engatilha um projeto no outro. Em 2013, só na televisão, ele estrelou Guerra dos sexos, participou do Sai de baixo e protagonizou a série A mulher do prefeito, todas produções exibidas pela Globo. Este ano, ele estará na nova novela das 23h, O rebu, remake do sucesso de 1974. Patrícia Pillar estará ao seu lado e juntos eles vão repetir a parceria de Cabocla (2004).

O verão vai inspirar
os Programas do GNT

A telinha vai esquentar, pelo menos se depender da programação do GNT, que entra no ritmo da estação. Luana Piovani vai mostrar no Superbonita como as mulheres se cuidam nesta época do ano. O programa vai viajar por Belém, Florianópolis, Recife e Goiânia. Micaela Góes ensina como organizar eventos de verão no Santa ajuda. Para completar, tem nova temporada de Tempero de família, com Rodrigo Hilbert, gravado na praia, e de Loucuras de verão, com Marcio Atalla. Entre as estreias do canal, Saúde por aí, com Maria Paula, e Além da conta com Ingrid Guimarães.

NINFOMANÍACA NA REDE


Prestes a estrear nos cinemas brasileiros, o longa-metragem Ninfomaníaca, de Lars von Trier, o polêmico diretor de Dogville e Melancolia, outros filmes de impacto, deve ser lançado também no formato de série. Informações ainda de bastidores indicam que o cineasta pretende usar as horas extras de gravação, que não entraram na montagem final (cinco horas e meia), para produzir uma versão para a internet. Na projeção especial para os jornalistas franceses, em 12 de dezembro, em Paris, foram proibidas câmeras ou microfones e ninguém foi autorizado a falar sobre o tão esperado – e talvez mais chocante – longa do dinamarquês. Como em todas as sessões de Ninfomaníaca até o momento (mesmo na projeção que von Trier realizou para amigos íntimos), todos os espectadores são obrigados a assinar um documento, comprometendo-se a não divulgar detalhes, fazer críticas ou emitir opiniões públicas sobre o filme. O longa conta a história do percurso erótico de Joe, uma mulher que se diz ninfomaníaca, interpretada na juventude pela britânica Stacy Martin, e na vida adulta pela francesa Charlotte Gainsbourg. Ela é descoberta desmaiada em um beco por Seligman, personagem interpretado pelo ator sueco Stellan Skarsgard. Ele socorre Joe e a leva para sua casa, onde a misteriosa mulher lhe revela sua vida.

PLATEIA

VIVA

Para o Festival nacional, na faixa das 23h da Globo, que abre espaço para o cinema brasileiro, sempre massacrado por blockbusters no circuito de exibição.

VAIA

Para o mesmo Festival nacional da Globo, que apesar de abrir espaço para a produção nacional, exibe apenas filmes de mercado e não se abre a filmes alternativos.

Sonoridade pessoal [Iara Rennó] - Ana Clara Brant

Sonoridade pessoal 
 
A cantora e compositora Iara Rennó lança terceiro disco, primeiro solo de sua carreira. Com produção de Moreno Veloso, CD tem participações de Ricardo Dias Gomes e Leo Monteiro 
 
Ana Clara Brant
Estado de Minas: 04/01/2014


Visual escolhido para embalar o disco dialoga com a proposta estética e musical de Iara Rennó  (Helo Duran/Divulgação  )
Visual escolhido para embalar o disco dialoga com a proposta estética e musical de Iara Rennó

O mercado fonográfico não é novidade para a cantora e compositora Iara Rennó. Afinal, ela já lançou três álbuns ao lado de bandas e coletivos. Mas gravar um que tenha a sua cara e sozinha é a primeira vez. Não é à toa que o CD ganhou o nome de Iara e ainda tem praticamente todas as faixas assinadas pela artista. “Não deixa de ser um disco de estreia. Não tinha nada ainda só como Iara Rennó. E meu nome tem um quê de mistério, porque remete ao ser mitológico, por isso o disco tem essa arte visual diferente, revela um ser para além de mim”, filosofa.

O projeto, lançamento do selo Joia rara, conta com trio de músicos de peso que inclui Ricardo Dias Gomes, substituindo o habitual baixo por um pocket piano (um tipo de minissintetizador eletrônico que mais parece um brinquedo), além da própria Iara na guitarra e Leo Monteiro na bateria, percussão eletrônica e ruídos. Mas é a produção de Moreno Veloso que dá um brilho especial ao CD.

Iara é toda elogios ao amigo e parceiro e conta que já há algum tempo queria voltar a trabalhar com ele, que já tinha produzido os primeiros demos de Macunaíma Ópera Tupi, disco conceito inspirado na obra-prima de Mario de Andrade. “Eu já o conheço há muitos anos e como Moreno voltou a morar no Rio, a gente conseguiu conciliar. Ele sabe tirar o melhor de cada instrumento, tem um ouvido impressionante e ouve coisas que ninguém ouve. Tivemos uma conjunção perfeita nesse CD”, comemora.

Todas as músicas foram compostas por Iara Rennó, sozinha ou em parceria. A única exceção é o samba Roendo as unhas, de Paulinho da Viola, que ganhou uma roupagem moderna. Entre os destaques, a canção Arroz sem feijão, samba-canção abolerado ao melhor estilo dor de cotovelo, que ganhou um arranjo à la Kraftwerk (célebre grupo alemão, um dos precursores da música eletrônica), e Já era, que abre o disco. “Escolhi essa instrumentação mais crua e quis mostrar também minha verve de compositora, já que é um disco só meu. Todas as letras são minhas”, lembra. Iara diz que é complicado definir seu estilo. Um pouco de rock, de pop e até de eletrônico. “É difícil categorizar. Foi a sonoridade que busquei e imaginei fazer”, define.

De família musical – ela é filha da cantora Alzira Espíndola e do compositor Carlos Rennó, sobrinha de Tetê Espíndola, prima do cantor e compositor Dani Black e irmã da cantora Luz Marina –, Iara revela que até tentou não enveredar pela música e chegou a seguir a vida como atriz. No entanto, foi inevitável. “Ainda mexo com teatro. Na verdade, gosto de me envolver com todas as linguagens artísticas. Mas o fio condutor é a música e é ela que acaba sendo o elo entre a nossa família. Porém, apesar disso, ninguém interfere no trabalho do outro. Cada um tem a sua personalidade e, ao mesmo tempo em que admira, sabe respeitar a individualidade do outro”, destaca.