sábado, 27 de dezembro de 2014

RETROSPECTIVA 2014 CINEMA » O Brasil indie

O país teve boas produções fora do circuito comercial, que circularam por festivais brasileiros e estrangeiros com repercussão na internet. Destaque para Hoje eu quero voltar sozinho


Gracie Santos
Estado de Minas: 27/12/2014



Hoje eu quero voltar sozinho foi o filme brasileiro de maior repercussão internacional, sucesso no segmento independente (Lacuan Filmes/Divulgação)
Hoje eu quero voltar sozinho foi o filme brasileiro de maior repercussão internacional, sucesso no segmento independente

Simples e potente. Duas palavras traduzem bem a grande surpresa do cinema brasileiro em 2014: Hoje eu quero voltar sozinho, do paulista Daniel Ribeiro, versão longa de Eu não quero voltar sozinho, lançado em 2010. O primeiro mérito do filme é tratar de um tema universal: a descoberta da sexualidade por um adolescente. Cego, Leonardo (Guilherme Lobo) tem que driblar a mãe superprotetora e lutar por sua independência. Tudo muda quando Gabriel (Fabio Audi) chega à cidade e eles se tornam amigos. A abordagem delicada, a boa interpretação dos jovens atores e a direção naturalista de Daniel tornam o filme único, capaz de surfar em outros mares – longe das comédias nacionais, apostas fáceis de boas bilheterias.

Exibido na Mostra Panorama, evento paralelo do Festival de Berlim em fevereiro, o longa brasuca iniciou assim sua profícua carreira por festivais. Chegou a ser exibido em Pequim, durante a quinta edição do Festival do Cinema Brasileiro na China, encerrado no dia 7. Incursões de sucesso e elogios da crítica culminaram com a indicação do longa a candidato a candidato a uma vaga na disputa pelo Oscar 2015 de filme em língua estrangeira. O filme passou por várias etapas, mas não está mais no páreo. Os indicados serão conhecidos em 15 de janeiro. Quem não teve oportunidade de assistir à produção cult brasileira mais badalada deste ano pode adquirir o DVD, à venda no site da produtora Laguna Filmes (www.lagunafilmes.com.br) por R$ 10. O custo baixo se deve à oportuna campanha de combate à pirataria.


 (Trem Chic/Divulgação)

Mineiros em ação
Em Berlim, Hoje eu quero voltar sozinho dividiu os holofotes com outro longa, O homem das multidões, dirigido a quatro mãos pelo mineiro Cao Guimarães e o pernambucano Marcelo Gomes. Rodado em BH, o filme tem o ator Paulo André (do Galpão) no papel do solitário Juvenal, que sente necessidade de trafegar entre a multidão. A obra baseada em conto de Edgar Allan Poe circulou por festivais dentro e fora do país e chamou a atenção por sua estética diferenciada, exibido em aspect ratio de 3x3, proporção quadrada (e reduzida) da imagem. Estética diferenciada é a marca de outro longa mineiro lançado este ano em festivais (ainda não entrou em circuito comercial): O deserto azul, de Éder Santos. A ficção científica retrô tem como cenário obras de arte de dezenas de artistas plásticos, além de Brasília e do Deserto do Atacama. Os efeitos especiais foram criados na Alemanha. Destaque para a interpretação impecável do ator Odilon Esteves, da Cia. Luna Lunera (foto). E, para fechar o ano mineiro no cinema, Helvécio Ratton lançou sua aventura infantojuvenil O segredo dos diamantes, sobre três amigos em busca de um tesouro. Grande mérito é fazer “desfilar” na tela belezas naturais de Minas raramente mostradas no cinema. (GS)

Praia brasuca
Aguardada espera do ano, Praia do Futuro, longa de Karin Aïnouz, teve o mérito de estrear no Festival de Berlim, concorrendo ao Urso de Ouro. A coprodução Brasil e Alemanha morreu na praia e teve recepção morna durante o evento. O que, certamente, não reduz os méritos da trama sobre Donato, salva-vidas da praia homônima de Fortaleza, papel de Wagner Moura, que tem problemas existenciais quando não consegue cumprir seu papel e “perde” um turista afogado. O longa confirmou o ator Jesuíta Barbosa (na foto, à direita) como um dos novos talentos do cinema brasileiro. Vida longa a Jesuíta e, claro, a Aïnouz. (GS)

Festivais de peso

A divisão do principal prêmio do Festival de Brasília entre todos os diretores concorrentes acentuou o tom político de um dos eventos mais tradicionais do audiovisual brasileiro. Foi um protesto contra a destinação de R$ 250 mil apenas ao vencedor na categoria longa-metragem – Branco sai, preto fica, de Adirley Queirós. O segundo maior prêmio foi de R$ 50 mil, para o melhor longa segundo o júri popular. O ano também foi marcado pela volta do Festival de Paulínia e pela consolidação da Mostra de Cinema de Tiradentes como o principal evento do país dedicado ao arriscado cinema de autor. (Carolina Braga)

 (Universal Pictures/Divulgação)

Experiência única
O filme-sensação Boyhood (foto) só existe graças à engenhosidade, sensibilidade e perseverança do diretor Richard Linklater, à competência do elenco e a uma enorme dose de sorte. A narrativa retrata a trajetória de seu protagonista, o garoto Mason, seus pais e irmã durante 12 anos. O elenco foi filmado ao longo desse período em poucos dias a cada ano. Toda a narrativa se construiu por meio do cotidiano, de ações comuns (até mesmo banais) que constituem o universo de uma pessoa qualquer. Em foco, a vida de Mason da infância à juventude. Bons ou maus, os momentos é que nos formam. E eles, na maior parte das vezes, ocorrem no tempo comum e sem fogos de artifício, é o que Linklater nos prova. (Mariana Peixoto)

Viagens espaciais

Ficções científicas ocuparam as telas com força total. Impactantes, chamaram a atenção de público e crítica o incrível Gravidade, com Sandra Bullock (foto), em sua melhor interpretação, e George Clooney. Premiadíssimo, o filme dirigido por Alfonso Cuarón faturou merecidamente sete Oscars. Melhor em resolução 3D, ganhou elogios inflamados dos diretores James Cameron e Quentin Tarantino. Hermético, o filme centrou-se na atuação de Bullock e nos efeitos visuais para levar o espectador a “boiar” sem gravidade na sala de exibição. Mais pretensioso, o também hermético Interestelar vai além das histórias de heróis do espaço. Tem momentos e teses interessantes sobre o futuro da humanidade, mas a longa e muitas vezes confusa trama exige paciência e interesse do espectador por temas pouco conhecidos da física quântica. O filme de Christopher Nolan tem elenco de peso: Matthew McConaughey e Anne Hathaway em boas atuações, mas quem se destaca é Jessica Chastain. A trilha sonora do compositor Hans Zimmer é deslumbrante. (GS)

Em dois volumes
Nada no cinema do dinamarquês Lars von Trier é obra do ocaso. Cineasta cuja trajetória se confunde com as polêmicas, seu Ninfomaníaca (foto) virou assunto da hora ao longo do primeiro semestre porque no Brasil a empresa responsável pela produção do DVD e blu-ray se recusou a fazê-lo, alegando se tratar de uma obra de sexo explícito. Com o debate na ordem do dia, o cineasta fez uma de suas melhores bilheterias no país. O filme, que como toda a filmografia de Von Trier não permite os comentários reducionistas “gostei” ou “não gostei”, leva para o centro da narrativa uma ninfomaníaca na meia-idade que despeja, sem meias palavras, um cotidiano de múltiplos parceiros. Repleto de metáforas – da pescaria à religião –, o longa mostra a personagem cortando, pouco a pouco, os laços com o mundo convencional. (MP)

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