segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Arte de bamba - Ailton Magioli

Novo trabalho de Arlindo Cruz confirma o artista, revelado com o Fundo de Quintal e a turma de Cacique de Ramos, no grupo dos grandes nomes do samba na atualidade

Ailton Magioli
Estado de Minas: 08/09/2014



O pagodeiro carioca Arlindo Cruz comemora a força demonstrada pelo mais legítimo dos ritmos brasileiros. O disco Herança popular será lançado dia 4, no Rio de Janeiro (Washington Possato/Divulgação)
O pagodeiro carioca Arlindo Cruz comemora a força demonstrada pelo mais legítimo dos ritmos brasileiros. O disco Herança popular será lançado dia 4, no Rio de Janeiro

Nasce mais um clássico da discografia do samba, diriam os mais empolgados, depois da primeira audição de Herança popular, CD que o cantor, compositor e instrumentista carioca Arlindo Cruz está lançando pela Sony Music. Primeiro disco integralmente autoral do ex-integrante do Fundo de Quintal, que também fez carreira em dupla com o parceiro Sombrinha, o novo trabalho do companheiro de Regina Casé no dominical Esquenta! tem tudo para se tornar uma pérola do gênero, com direito a participações pra lá de especiais de Hamilton de Holanda, Marcelo D2, Pedro Scooby, Maria Rita, Zeca Pagodinho e Mr. Catra.

“É um disco para ser ouvido inteirinho. As músicas estão bem entrelaçadas, com uma sequência que vai de Ilicitação (faixa 4) a Jogador (faixa 7), na qual há algo entremeado. Depois que fiz foi que percebi”, revela Arlindo Cruz, salientando a coerência temática das quatro canções, que abordam da corrupção política ao sonho de todo garoto de se tornar jogador de futebol, passando pelo orgulho do cidadão brasileiro, que faz da fé e do trabalho a salvação do seu dia a dia, com direito à citação do Salmo 91 (“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo”). O lançamento está agendado para 4 de outubro, no Citibank Hall, no Rio de Janeiro.

Professor Enquanto isso, Arlindo Cruz promete parar Madureira, capital do subúrbio carioca, onde vai gravar nos próximos dias o clipe da música Não penso em mais nada. Como faz questão de dizer, onde houver um compasso dois por quatro, pandeiro e repique, tem samba e Brasil. Do partido-alto romântico ao recém-incorporado samba-funk, o bom e velho samba – que, com a chegada do Fundo de Quintal, nos anos 1980, passou a ser chamado de pagode – faz escola com o professor Arlindo Cruz. Ele diz ter superado preconceitos graças ao programa Esquenta!, exibido pela Globo, onde, além do sertanejo e do axé, ele passou a conviver com o funk.

De acordo com o mestre, o samba atual “vai daquele com sotaque mais de raiz ao mais radiofônico”. “Todas as grandes emissoras de rádio, atualmente, têm o samba em sua programação”, aposta Arlindo, lembrando que o gênero vai muito bem, pois quase todas as grandes cidades têm rodas de sambistas e muitos grupos dedicados ao ritmo.

Hamilton de Holanda, que participa da faixa-título Herança popular, elogia a produção musical de seu vizinho de prédio, no Rio de Janeiro. Diz que ela é completa em termos de melodia, harmonia e letra. Para o bandolinista, a principal contribuição de Arlindo e de sua geração para o samba – Sombrinha, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão e Almir Guineto, entre outros – reside no Bairro Cacique de Ramos.

“Trata-se de um movimento tão importante quanto a bossa nova, Clube da Esquina e, mesmo, a Tropicália”, afirma. Hamilton ressalta a qualidade da música feita pela turma do bloco que resultou no Fundo de Quintal, responsável por verdadeira revolução no samba ao introduzir instrumentos como banjo, tantã e repique de mão nas rodas.


Palavra de sambista


Aline Calixto
cantora

Fã de carteirinha

“Apropriando-me do nome de um de seus CDs, considero Arlindo Cruz um verdadeiro ‘sambista perfeito’. Ele faz samba pro povo, independentemente de classe social, cor, gênero. Suas composições tratam dos mais diversos temas, sempre com a mesma qualidade e competência. Sua generosidade é reconhecida em qualquer canto, sempre disposto a ajudar a nova safra do samba, que o vê como uma das maiores referências desse segmento. Arlindo é um exemplo a ser seguido, meu grande amigo e conselheiro. A gratidão que tenho por ele é imensurável. Que ele possa nos presentear, mais uma vez, com sua Herança popular.”


Três perguntas para...

NEI LOPES
compositor e pesquisador

Qual é a contribuição do Arlindo Cruz para o samba?
A principal contribuição do Arlindo é ser compositor em tempo integral, com obra vastíssima (são 700 composições), que vai do samba romântico ao samba-enredo, gênero no qual tem aparecido em várias escolas de samba ao mesmo tempo. Trata-se, sem dúvida, de um dos compositores mais profissionais da música brasileira.

Até que ponto o Cacique de Ramos e, consequentemente, o Fundo de Quintal fizeram dele um sambista original?
Os pagodes do Cacique de Ramos e o Grupo Fundo de Quintal – que se confundem – foram uma grande escola para muitos sambistas da geração de 1980. Os pagodes criaram e difundiram um estilo de samba, que acabou sendo rotulado como “pagode”, que, além de incorporar novos instrumentos ou modos de executá-los, servia-se das infindáveis possibilidades harmônicas popularizadas através da bossa nova. Além disso, o estilo redesenhou a polirritmia; e o cavaquinho saiu da limitação dos acordes fundamentais para experimentar as infinitas possibilidades e alterações das “sétimas” e “diminutas”. O Arlindo, filho de violonista e cavaquinista, se formou aí. E hoje é professor, influenciando a garotada que veio depois.

Pode-se dizer que Arlindo Cruz é herdeiro de que escola de samba?
Como no Sambista perfeito, um samba que me deu pra botar letra na segunda parte, ele é “cativante do jeito Martinho” e “malandro e contagiante do jeito Zeca Pagodinho”. Essas são suas escolas, além de Candeia, evidentemente, e, falando de agremiações, do eixo Oswaldo Cruz-Serrinha.

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