terça-feira, 30 de setembro de 2014

O primeiro crime no Rio - Ana Clara Brant

O primeiro crime no Rio Escritor carioca Alberto Mussa lança seu novo romance policial hoje, em Belo Horizonte, e conversa com o público. Ficção tem inspiração em um crime misterioso ocorrido em 1567


Ana Clara Brant
Estado de Minas: 30/09/2014



Vencedor de vários prêmios literários, Alberto Mussa dá sequência à série de romances policiais iniciada em 1999 (Tomas Rangel/Divulgação
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Vencedor de vários prêmios literários, Alberto Mussa dá sequência à série de romances policiais iniciada em 1999

O Rio de Janeiro tinha apenas dois anos de fundação e o serralheiro Francisco da Costa foi encontrado morto nas imediações do núcleo urbano. No corpo, oito flechas. Era 1567 e não fazia muito tempo que as últimas aldeias dos tamoios haviam sido destruídas. À primeira vista, aquele cadáver deveria sugerir um ataque furtivo do inimigo indígena. Era o primeiro registro formal de um assassinato na cidade, um crime passional, história de adultério que enredou, entre acusados e testemunhas, espantosos 15% da população carioca (que não passava de 400 habitantes). É essa a inspiração de A primeira história do mundo, mais recente livro de Alberto Mussa, convidado de hoje do projeto Sempre um papo. Ele participa de debate e lança a publicação na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes.

A obra integra série de cinco romances policiais ambientados em diferentes períodos da história do Rio. O trono da rainha Jinga, aclamada novela publicada em 1999 (com reedição em 2007), é o primeiro volume e se passa no século 17. O senhor do lado esquerdo, de 2011, é o segundo volume, ambientado no século 20. “Não sigo ordem cronológica porque pode parecer que um é continuação do outro, não é. Além do mais, acho que fica mais elegante”, comenta Mussa.

O autor, que ganhou os prêmios Casa de Las Américas, Machado de Assis e, por duas vezes, o APCA, conta que apesar de muitos críticos ainda tacharem o gênero policial de inferior, sempre se interessou pelo estilo, apesar de não se classificar como um escritor policial. Em 1998, decidiu criar esse projeto, espécie de compêndio mítico do Rio. “Percebia que a literatura brasileira regional era forte em estados como Rio Grande do Sul, com Veríssimo; Minas, com Autran Dourado; o Nordeste, com José de Alencar. E o Rio sempre foi muito machadiano, com ficção centrada no contemporâneo. Por ser carioca e gostar muito da história da cidade, decidi fazer vários romances; cada um focado em um século”, revela.

O livro que marcou a estreia da série, O trono da rainha Jinga, é passado no século 17, época em que uma onda de inexplicável violência aterrorizou a cidade – sequestros, mutilações, assassinatos. A irmandade secreta de escravos africanos levou pânico ao Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, na África, eventos surpreendentes que parecem evocar os crimes no Brasil estão ocorrendo em torno da enigmática rainha reinante Jinga.

Amores clandestinos O senhor do lado esquerdo tem como cenário o Rio de Janeiro de 1913. O secretário da presidência da República do governo Hermes da Fonseca é encontrado morto num dos quartos da antiga casa da Marquesa de Santos, então conhecida como Casa das Trocas – luxuoso bordel e também esconderijo de amores clandestinos, que funcionava sob a fachada de uma clínica ginecológica, cujo proprietário era um médico polonês, obcecado pelas fantasias sexuais femininas.

Durante as investigações, um perito da polícia científica, frequentador da casa, depara-se com um malandro do cais do porto, possivelmente envolvido no crime, com quem começa longo embate para saber qual dos dois é o maior sedutor. “Todos os livros têm temas de que gosto, unem romances históricos, policiais e de aventura, todos de alto nível. E ainda trago muito da mitologia indígena, africana e popular, assuntos pelos quais me interesso demais”, destaca o escritor.

Alberto Mussa não costuma se concentrar muito em documentos históricos; diz que quanto mais consulta, mais complicado fica, já que é, antes de tudo, um ficcionista. “Acabo me confundido. Não sou historiador. Meus livros são ficção, apesar de serem baseados em fatos reais. Em A primeira história do mundo, encontrei poucos dados sobre o crime. Sei do básico, que um homem foi morto a flechadas.; que o crime foi motivado pela esposa dele; que na cidade havia muito mais homens do que mulheres e que existiu um condenado. Mas a construção da maioria dos personagens, dos suspeitos, foi criação minha. Busquei elementos da história, mas não segui à risca”, frisa.
Apesar de ainda estar divulgando A primeira história do mundo, o escritor já pensa no próximo livro, que deve se passar no século 19. “Ainda não tenho muito claro o será, mas estou pensando em retratar as camadas inferiores da sociedade, os escravos, a capoeira, o submundo mesmo, porque sempre que a gente pensa em século 19, pensamos logo nas sinhazinhas”, diz.

Lançamento
 A primeira história do mundo
(Editora Record, 240 páginas,
R$ 35).Bate-papo com Alberto Mussa, hoje, às 19h30. Sala Juvenal Dias, Palácio das Artes, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro. Entrada franca. Informações:
(31) 3261-1501.

A vida não para - Carolina Braga

Guilherme Leme muda o sobrenome, enfrenta o câncer e celebra 30 anos de carreira. Ator de sucesso na TV, ele se destaca no teatro e dirige a 18ª peça, que chega a BH na sexta-feira


Carolina Braga
Estado de Minas: 30/09/2014



Guilherme Leme Garcia ensaia com Miwa Yanagizawa, atriz de Trágica.3

 (Victor Hugo Ceccato/divulgação)
Guilherme Leme Garcia ensaia com Miwa Yanagizawa, atriz de Trágica.3


Guilherme Leme Garcia tem motivos de sobra para celebrar seus 30 anos de carreira – e não só pela data redonda. A inquietação que marca a trajetória desse paulista, principalmente nos palcos, merece ser comemorada. No Rio de Janeiro, o ator acaba de estrear Uma relação pornográfica, sua 16ª peça, ao lado da atriz Ana Beatriz Nogueira. No fim de semana, chega a BH Trágica.3, a 18ª montagem dirigida por ele. Guilherme nunca parou, mas este momento é especial: a volta à ativa se dá depois de muitos desafios.

É curioso que a essa altura, aos 52 anos e com carreira consolidada, o sobrenome Garcia passe a fazer parte do nome artístico dele. “Meu pai tem uma doença degenerativa e, em curto espaço de tempo, não vai mais saber quem eu sou. Quis fazer a homenagem em vida”, explica Guilherme. O artista nem sabe se o pai se deu conta disso, mas o gesto é importante. Marca uma retomada.

Em 2013, o ator descobriu um câncer na garganta. Houve complicações durante o tratamento e ele chegou a passar 40 dias no hospital – 20 na UTI. “Você fica à mercê da vida”, resume. “Sempre fui muito reflexivo sobre a minha profissão, discuto os rumos dela, o que quero falar da arte, como quero lidar com ela. Sou muito exigente, então não houve nada especial naquele momento”, conta.

A Guilherme interessa lidar com o ofício como uma pessoa de seu tempo. Suas preocupações relacionadas estão muito mais ligadas ao entendimento do papel da arte no processo civilizatório do que a qualquer outra coisa. É isso que ele procura passar ao público; foi isso que o fez se descobrir.

“Chega uma hora em que você tem a necessidade de fazer os seus projetos, ser dono da sua carreira, de seus sonhos e desejos. Só se produzindo isso é possível”, explica. Foram 20 anos só como intérprete – Guilherme integrou o elenco de 27 novelas, entre elas tramas marcantes nas décadas de 1980 e 1990 como Bebê a bordo, Que rei sou eu? e Vamp. Há 10 anos, ele se deu conta de que era preciso avançar. Experimentou as artes plásticas. Pintou, desenhou e hoje incorpora tudo isso às escolhas como diretor.

Trágica.3, que chega sexta-feira ao Centro Cultural Banco do Brasil, é a 18ª montagem dirigida por ele. Trata-se de uma leitura contemporânea de três potentes heroínas gregas: Antígona e Electra, de Sófocles, e Medeia, de Eurípedes, papéis de Letícia Sabatella, Miwa Yanagizawa e Denise Del Vecchio, respectivamente. Fernando Alves Pinto e Marcello H também integram o elenco.

Tragédia

Mergulhos no universo dos clássicos gregos foram recorrentes na carreira de Guilherme Leme Garcia. Com Vera Holtz ele fez Medeia material, na década de 1990. Como diretor, há cerca de quatro anos encenou RockAntygona, com Luis Melo, Miwa Yanagizawa e Armando Babaioff. “Sempre fui apaixonado por tragédia. Fiz como ator, depois dirigi uma leitura contemporânea e fiquei muito instigado com a pesquisa. Pensei: quero voltar”, conta.

Naquela época, Guilherme viva uma experiência totalmente diferente no palco: atuava em Rock in Rio – o musical. Ao fim da temporada, foi diagnosticado o câncer e ele parou tudo para se tratar em São Paulo. Como o projeto de Trágica.3 acabara de ser aprovado pelo CCBB, pensar soluções para a peça se transformou em válvula de escape. Porém, o que o diretor pensou no hospital não está na peça. “Foi bom, porque ela passou por um processo. O resultado foi uma coisa nova”, constata.

Artes visuais

O processo criativo de Guilherme Leme Garcia está diretamente ligado à paixão pelas artes plásticas. Antes de começar uma peça, ele busca conexões entre as duas linguagens. O norte-americano James Turrell, papa de light art, é a inspiração para Trágica.3, enquanto Rockantígona bebeu na fonte do movimento neoconcreto. “Reúno a equipe e falo: gente. a nossa pesquisa é essa. E a peça vai acontecendo a partir daquele rumo”, explica.

No caso de Turrell, as referências estão claras na iluminação e na cenografia: “Ele foi o norte da concepção estética, assim como a eletrônica foi o norte para a trilha”. Composta por Letícia Sabatella, Fernando Alves Pinto e Marcelo H, a música carrega lamentos em vários idiomas. O espetáculo reúne fragmentos das três obras gregas. As adaptações ficaram a cargo de Heiner Müller (Medeia), Caio de Andrade (Antígona) e Francisco Carlos (Electra).

O espetáculo foi indicado a cinco categorias do 27º Prêmio Shell de Teatro de São Paulo: direção (Guilherme Leme), atriz (Denise Del Vecchio), figurino (Glória Coelho), iluminação (Tomás Ribas) e música (Fernando Alves Pinto, Letícia Sabatella e Marcello H).

NA DIREÇÃO

Os adoráveis sem-vergonhas
Felizes da vida
A idade da ameixa
A forma das coisas
Produtor
Eduardo II
Sem-vergonhas
Decadência
Trindade
Quarttet
RockAntygona
Laranja azul
O matador de santas
Shirley Valentine
Filha, mãe, avó e p...
Billdog
O nó do coração
Trágica.3

EM MINAS

Guilherme Leme dirigiu peças em Minas Gerais. Ele comandou A idade da ameixa – incursão de Ilvio Amaral e Maurício Canguçu no drama, espetáculo sensível e marcante na carreira da dupla, conhecida por comédias de sucesso. A parceria deu tão certo que Leme repetiu a dose em Sem-vergonhas.

TRÁGICA.3
CCBB Belo Horizonte, Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. Estreia sexta-feira, às 20h. Sessões até 26 de outubro, de sexta-feira a domingo, às 20h. Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada). 

Superconectados nas redes sociais

Pesquisa mostra que mais de 80% de brasileiros que têm smartphone usam plataformas como Facebook, Instagram, Twitter e Reddit


Zulmira Furbino
Estado de Minas: 30/09/2014



A designer Samanta Jozana passa a maior parte do tempo em que está acordada usando redes sociais como Twitter, Instagram, Facebook e Reddit. Só no Twitter tem mais de 2,5 mil seguidores. Ela usa o Reddit, uma rede norte-americana que divulga conteúdos que podem ser votados na internet, para se inteirar sobre o que está sendo discutido no mundo. Além de usar as redes para se informar, mostrar suas ideias e se relacionar com amigos, Samanta aproveita para divulgar os trabalhos que mais gostou de fazer e isso traz resultados positivos para sua vida profissional.

O uso das redes sociais no Brasil está crescendo na velocidade da chegada dos computadores nas casas do interior do país e também em lares mais pobres, mas principalmente pelo aumento do uso dos smartphones. Dados da Nielsen Ibope de agosto mostraram que 82% dos brasileiros que têm smartphones navegam em redes como Facebook, Twitter, WhatsApp, entre outras. Segundo a consultoria IDC, no primeiro semestre deste ano, 4,2 milhões de tablets foram comercializados no Brasil, contra 3,4 milhões em igual período de 2013.

Já a venda de smartphones bateu recorde no segundo trimestre deste ano em comparação com abril, maio e junho de 2013, avançando para 13,3 milhões de unidades um avanço de 22% no período. “O resultado do segundo trimestre para smartphones representa recorde de vendas não só no Brasil, mas no mundo inteiro. É a primeira vez que o país entra nesse patamar de 13 milhões e o mundo ultrapassa a marca de 300 milhões de smartphones vendidos”, afirma Leonardo Munin, analista de mercado da IDC Brasil.

Para o diretor de Criação da agência de comunicação Plan B, Daniel Negreiros, o crescimento do uso da internet móvel é o principal responsável pela expansão da presença dos brasileiros nas redes porque esses aparelhos funcionam como se fossem um computador à mão em qualquer hora e em quase todo lugar. “Os brasileiros são muito sociáveis e isso faz com que abracem as redes sociais. Aqui as pessoas contam para os amigos pelo Facebook o que viram no próprio Facebook ou no YouTube e isso começa a pautar o assunto das pessoas.”

“Pessoalmente, uso as redes para tudo, principalmente o YouTube e o Facebook. Como trabalho com isso preciso acompanhar o que está acontecendo”, diz Negreiros. O passeio pelas redes inclui o Spotfy, site que dá acesso a músicas e que permite que uma pessoa que está registrada saiba o que os amigos estão ouvindo. José Calazans, analista de mercado da Nielsen Ibope, explica que o acesso às redes sociais via internet móvel pode ser considerado uma grande novidade no Brasil. “As pessoas estão passando a trocar mensagens e a postar nas redes e no celular dá para fazer as duas coisas”, explica. De acordo com levantamento da empresa, 74% das pessoas que navegam na internet o fazem em casa e no trabalho.

Pesquisa feita pela Desenvolvimento e Envolvimento Estratégico de Pessoas e Clientes (Deep) em 2014 aponta que, em média, as pessoas gastam até uma hora e 16 minutos por dia no acesso às plataformas quando estão trabalhando. Levando em conta uma carga de trabalho de oito horas por dia, seria como se o funcionário deixasse de trabalhar três dias a cada mês. Segundo o relatório da Pew Research, entre os brasileiros que têm acesso à internet, 73% usam redes sociais como Facebook e Twitter. O maior número de usuários é jovem, entre 18 e 29 anos, como a designer Samanta Jozana.

“O Reddit é a pagina mais relevante da internet. Tudo que vai ser assunto nos outros lugares aparece lá primeiro. As pessoas categorizam se gostaram ou não das publicações, que em seguida são publicadas nas páginas mais populares. De repente, o assunto vai para o Facebook e todos estão discutindo.” Ela também explica por que gosta do Twitter. “No Twitter você pode conversar sozinho sem estar conversando sozinho. Tenho um pensamento muito fragmentado e quando vejo já construí um raciocínio no Twitter. Enquanto isso, outras pessoas dão opinião sobre o que estou falando. É bacana”, justifica.

Contra ponto
Andréia Salvador de Castro, dentista
Usuária seletiva
A dentista Andréia Salvador de Castro está nas redes sociais, mas raramente faz uso delas. Prefere o WhatsApp ao Facebook, porque as mensagens são curtas. “Todo mundo reclama que não entro no Facebook. Só faço isso quando tenho tempo nos fins de semana. No WhatsApp, seleciono os grupos dos quais quero participar. Abro sempre no final do dia e geralmente só respondo quando se trata de assunto profissional. Já ouvi falar do Instagram, mas para mim, Facebook e WhatsApp já são coisas demais.” 

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Um livro - Eduardo Almeida Reis

 O resto, só lendo o livro interessantíssimo para conhecer de perto o deus de tanta gente no governo e nas redações brasileiras

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 29/09/2014

Encomendei à jovem secretária o livro de Juan Reinaldo Sánchez. Se o tivesse visto numa livraria não teria comprado, porque impliquei com a capa da Editora Paralela: A vida secreta de Fidel – as revelações de seu guarda-costas pessoal. Ora, bolas: se era seu guarda-costas, só podia ser pessoal. Quando acaba, no texto descobri a explicação: o comandante em chefe tem dezenas de guardaespaldas, um dos quais, o tenente-coronel Sánchez, era o pessoal, o mais próximo de Fidel. No grupo havia dois guardaespaldas de sangue idêntico ao do comandante, grupo sanguíneo raro para permitir eventuais transfusões diretas.

O cubano Juan Reinaldo Sánchez perdeu os pais muito cedo e foi criado por um tio. Atleta, faixa preta de caratê e outras artes marciais, campeão de tiro de pistola, comunista convicto e admirador do comandante Fidel Alejandro Castro Ruz, fez carreira militar e chegou a tenente-coronel trabalhando durante 17 anos como guardaespaldas de seu ídolo. Diversas fotos coloridas mostram Sánchez colado a Fidel em Cuba e no resto do planeta.

Filhos, mulheres e namoradas, residências, irmãos, parentes, assessores, 200 mil cubanos enviados para guerrear em Angola comandados pelo general Ochoa, tudo contado no livro. Arnaldo T. Ochoa Sánchez foi o militar mais condecorado na Cuba fidelista antes de ser fuzilado por traficar cocaína para os EUA, tráfico e fuzilamento ordenados pelo próprio Fidel – conta o tenente-coronel guardaespaldas, que se desiludiu com o seu ídolo, foi preso, condenado a dois anos de cadeia, cumpriu a pena e conseguiu fugir para os Estados Unidos. O resto, só lendo o livro interessantíssimo para conhecer de perto o deus de tanta gente no governo e nas redações brasileiras.
Outro livro

Em mãos do philosopho outro livro – Brasil: potência alimentar – edição da Sociedade Nacional de Agricultura, coordenadores Antonio Mello Alvarenga Neto e Milton Thiago de Mello, esse último da Academia Brasileira de Medicina Veterinária. O Dr. Milton, que não é parente do poeta Thiago de Mello, tem exatos 98 aninhos e continua atuante na profissão.
Não sou crítico literário. Leio, anoto os dados interessantes e boto os livros nas estantes do tugúrio, no sentido de abrigo, refúgio do philosopho. Sim, porque tugúrio também é choupana, choça, casebre, que não congeminam com o bom apê em que me escondo.

No artigo “Papel da mídia na segurança alimentar”, do médico-veterinário Luiz Octávio Pires Leal, meu colega na fundação da Associação Brasileira de Informação Rural (Abir), cavalheiro respeitável que conhece o mundo inteiro geralmente viajando em trailers, recolho o seguinte: “E há outros enganos e mal-entendidos cabendo à comunicação social a responsabilidade de esclarecer. O risco dos transgênicos, dos clones e do uso de hormônios para engordar frangos são bons exemplos. Quanto aos primeiros, todo o Primeiro Mundo já aceitou, há anos, esses modernos recursos que aumentam geometricamente os índices de produtividade, o que tem importância relevante no combate à fome. Quanto ao último, trata-se de um engano. Dado pela boca, o hormônio seria destruído pelo estômago do frango e por via injetável seria tanto econômica como praticamente inviável”.

Bem feito!
Divertidíssima a notícia de que o FBI e a Apple andam à procura do hacker que pegou fotos íntimas de “celebridades” num negócio chamado iCloud e anda espalhando as peladas pela internet. Se cloud é nuvem e aquele i é coisa da Apple, como no iPhone, iCloud deve ser uma nuvem em que a Apple guarda as fotos que lhe são confiadas pelos utentes de seus aparelhos. Não sei se cobra por isso, mas deve cobrar. E o sistema é falho, como prova o feito do hacker que pegou as fotos.

Duvido, mas duvi-de-ó-dó, que o leitor e a leitora do grande jornal dos mineiros tenham fotos íntimas. Já a selfie é um negócio intolerável, mas amar, ser amado e fotografar ou filmar o ato amoroso é vontade de ser visto pelos outros, é vocação artística para filme pornô, que as celebridades fazem e depois se queixam: bem feito!

O mundo é uma bola
29 de setembro de 522 a.C., Dario I mata o usurpador magiar Guamâta e assume a condição de imperador do Império Aquemênida, primeiro império persa, fundado no século 6 a.C. por Ciro, o Grande. Em 61 a.C., Pompeu, o Grande, aos 45 anos, celebra o seu terceiro triunfo por suas vitórias sobre os piratas e pelo fim das Guerras Mitridáticas. Em 1066, Guilherme, o Conquistador, invade a Inglaterra. Aliás, vinha invadindo desde a véspera, quando começou a desembarcar suas forças de 7.000 homens.

Em 1829, fundação em Londres da Metropolitan Police Service, MPS ou Met, cujo quartel central é a Scotland Yard. Em 1850, a hierarquia Católica Apostólica Romana é restabelecida na Inglaterra e em Gales pelo papa Pio IX. Em 1911, a Itália declara guerra ao Império Otomano. Em 1938, Adolf Hitler, Neville Chamberlain, Edouard Deladier e Benito Mussoline assinaram o Acordo de Munique, permitindo que a Alemanha ocupasse a região da Sudentenland na Tchecoslováquia.

Ruminanças
“Aprende-se facilmente a dominar, dificilmente a governar” (Goethe, 1749-1832).

Roteiro para o voto - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 29/09/2014
Um roteiro prático para escolher o candidato a presidente mais adequado a suas convicções

Pensei num pequeno roteiro para o voto no primeiro turno da eleição presidencial. O ideal seria desenhar um fluxograma mas, não tendo eu esta habilidade, vai em texto mesmo.

A primeira pergunta é: você vai votar para seu candidato vencer, ou para marcar posição? Se aposta na vitória dele, como a maior parte provavelmente faz, leia este parágrafo e o seguinte, mas só para sua reflexão. Agora, se para você o principal é afirmar uma ideia ou ideal, sem se preocupar com a vitória imediata mas querendo transmitir um recado forte aos políticos e à sociedade, este é o seu lugar. Sua posição é plenamente legítima, ainda mais num sistema de dois turnos, porque poderá, no segundo, votar "útil". E a pergunta será: você é um firme defensor das liberdades pessoais? Se sim, seu candidato é Eduardo Jorge. Ele está a favor de tudo o que é liberdade individual. É o mais moderno dos postulantes, deste ponto de vista. É uma Marina sem religião ou religiosos, mas com muita natureza. Dos candidatos, é o mais cool - e, brinde, o mais bem humorado. Um tuíte seu é antológico. Uma admiradora lhe escreveu: "Como você é lindo!"; ele respondeu: "Você está louca querida". Imbatível.

Mas há também outro nome, se sua questão for afirmar um ideal. Para você, o mais importante são os direitos sociais? Se sim, sua candidata é Luciana Genro. Apesar da retórica marxista, seu partido, o PSOL, não é tão radical. Em vários pontos, quer apenas aplicar a Constituição. Muitos direitos ainda não foram consagrados em lei. Assim como Eduardo Jorge, ela tem a sinceridade de quem não disputa a eleição para ganhar a curto prazo, fazendo concessões em prol da governabilidade, mas para firmar posições que, a médio ou longo termo, mudem o mundo.

E não esqueça o nome do deputado em quem votou

Sem esses dois, a campanha teria um teor elevado de tédio.
Agora, se você quer a vitória de seu candidato, a coisa muda de figura. Comecemos pela pergunta: os programas sociais são prioridade zero para você? a ponto de não se importar muito se a economia vai bem ou mal? Se sim, sua candidata é Dilma Rousseff. Vejam, não estou dizendo que ela - ou você - é economicamente irresponsável. É questão de prioridade. Se para você conta, acima de tudo, a inclusão social - e se não dá crédito ou relevância aos rumores de uma iminente catástrofe na economia, sua posição é essa.

Vamos à pergunta seguinte. Para você, uma economia saudável é a chave de tudo o mais? Você pode ser contra os programas sociais, ou a favor deles, mas acreditar que sem uma boa economia eles não terão dinheiro. Neste caso, você não vota no PT - mas já sabia disso. Não estou dizendo nada de novo... Sua próxima etapa é decidir entre Aécio Neves e Marina Silva.

Aqui temos um primeiro conjunto de questões. Você considera a privatização uma das principais iniciativas que foram tomadas na economia brasileira, e que talvez deva ser retomada? E dá importância crucial a uma gestão responsável, testada, da economia? Receia imaginação demais e eficiência de menos? Um "sim" a este conjunto de perguntas leva a um voto em Aécio. Por um lado, porque no atual discurso tucano a defesa da economia privada é central. Segundo, porque o PSDB tem o melhor nome que a oposição possa colocar na Fazenda, a saber, Arminio Fraga. E, sobretudo, porque o núcleo duro dos que votam em Aécio não quer correr riscos com a economia.

Quem votará, então, em Marina? Não é tão fácil formular a pergunta agora. Você não gosta da economia petista, mas aceita uma dose de risco maior do que os votantes de Aécio, na economia e no pacote completo? Pensa que a sociedade deva substituir um modelo predatório de desenvolvimento por um sustentável? Acredita que os recursos naturais devam ser explorados com parcimônia e critério? Crê que o que retiramos da natureza - por exemplo, ar e água - deve ser devolvido a ela com a mesma qualidade que tinha antes da utilização? Isso significa que a água que esfriou as turbinas da fábrica volte ao rio despoluída, que o carbono gerado por uma viagem de carro ou avião seja compensado pelo plantio de árvores. Se concordar com isso, você vota em Marina porque acredita num mundo melhor. Sua opção não é prudente e conservadora como a do parágrafo anterior, é conservacionista e em alguma medida utópica - embora um dos principais conselheiros da candidata diga ter horror desta palavra, "utopia".

Há outras possibilidades, neste G3 + 2? (G3 são os três principais candidatos, 2 são os do voto idealista, que mencionei no começo). Há. Certamente muitos votarão em Marina sem concordar com seus ideais, apenas por acreditar que ela tem mais chances de derrotar o PT. Será um voto útil. E haverá quem vote em Aécio, mesmo receando que num segundo turno ele seja derrotado por Dilma, por prudência, por convicção de que sua equipe é a melhor. Mas procurei percorrer as opções principais.

Em tempo: o segundo turno é outra coisa. Se o seu candidato ficar fora, você não precisa seguir o que ele recomendar. A decisão é sua. Mas não desvalorize o voto do primeiro turno. Ele não elege, mas é precioso, porque é sua voz.
Uma última sugestão: anote no computador os nomes em quem votar para deputado, federal e estadual. Se forem eleitos, passe os próximos anos acompanhando, por algum site (há vários), o que cada um faz e não faz. Mande e-mails a eles com frequência, apoiando ou reclamando. Dispender uns minutos por mês nisso não tem preço. Ajudará a mudar, para melhor, a representação nos legislativos - que hoje é bastante ruim. Isso depende de você e de seus amigos. E não importa em quem vote, faça isso.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br


domingo, 28 de setembro de 2014

Nós, os primogênitos - Martha Medeiros

O Globo 28/09/2014

“O mais velho cresce focado, maduro, bom exemplo, enquanto que o que veio atrás não se obriga a ser exemplo de coisa nenhuma”


Certamente há dúzias de estudos, ensaios, pesquisas e teses sobre as características do primeiro filho da família, porém, nunca me aprofundei a respeito. Ainda assim, sempre estico os ouvidos quando o assunto entra na roda, só para ver se confirmo as conclusões que extraio da minha simples observação.

Nós, os filhos mais velhos, somos os causadores de uma emoção colossal, já que a experiência inédita de tornar-se mãe e pai se dá através do nosso nascimento. Esse exagero de amor e de expectativa deles em relação a nós há de surtir algum efeito positivo em nossa formação. O primeiro parto, o primeiro choro, o primeiro sorriso, as primeiras mil fotos postadas no Instagram — não é possível que a gente não se sinta um astro de cinema. É muito fanatismo por uma criatura de cerca de 50cm e pouco mais de três quilos.


Dizem que a saúde emocional de cada ser humano é proporcional aos cuidados que recebeu nos primeiros dois anos de vida. Sobre isso já li. Então, se nesse curto período tudo transcorreu como nos comerciais da Johnson & Johnson, o primogênito se tornará um cidadão seguro e confiante. Pois é.

Só que logo depois vem outro filho. Os pais, já tarimbados, se permitem relaxar um pouco. Se antes a chupeta caía no chão e eles lavavam em água fervente, agora o bico cai, eles dão uma assoprada e recolocam na boca do segundinho, que sobrevive. Se foram quase xiitas com o primeiro filho, tal era o medo que ele quebrasse, com o tempo descobrem que existe algo chamado anticorpo, e, afinal, para que tanto estresse? Sem falar que o irmão mais velho já ajuda a cuidar do menorzinho. Pois é, pois é. Os pais ofertam ao primogênito um amor absoluto, o tratam como rei e têm medo que ele quebre: nada mais justo que a criança retribua, não quebrando mesmo. Nem fisicamente, nem moralmente. E assim o filho mais velho cresce focado, maduro, responsável, bom exemplo, enquanto que o que veio atrás não se obriga a ser exemplo de coisa nenhuma, faz o que bem entende e sente zero culpa — não raro dá problema de montão, mas acaba sempre perdoado. É o famoso “queridinho da mamãe”. Se não é sempre assim, é quase.


Muito já acusei minha mãe de proteger meu irmão caçula, e ela sempre gargalha diante dessa queixa clássica — simplesmente diz que sou louca. E como aqui se faz, aqui se paga, minha filha mais velha me acusa da mesma coisa, diz que protejo sua irmã mais moça, e claro que me defendo dizendo que ela está maluca, para manter o ciclo ativo. E assim a vida se repete através das gerações, restando apenas nossa torcida para que no final o amor justifique tudo, inclusive as consequências emocionais das responsabilidades e mimos que impomos a cada filho. Lembrando sempre que o primogênito cedo ou tarde também se dará o direito de pirar. Com toda razão.      

EM DIA COM A PSICANáLISE » A boca da urna

Estado de Minas: 28/09/2014


Vem chegando a hora em que cada um, eleitor e eleitora, terá seu momento de depositar na urna o seu voto. Este ato confere ao cidadão poder para eleger, segundo sua vontade e decisão íntima, aquele candidato que mais se aproxima de seu ideal.

Uma amiga disse com muita propriedade que, em um primeiro momento, poderíamos dizer ser impossível ter o desejo de votar em um país em que o voto é obrigatório e pune os que se negam a acatar a lei. E, como se trata de uma obrigação, o espaço do desejo ficaria eliminado, já que não se pode obrigar uma pessoa a desejar.

É na campanha política que os candidatos, com sua imagem, propostas e apresentação, podem capturar o interesse e despertar o desejo do cidadão de votar.

Nos dias de hoje, com tantos recursos, cada eleitor pode acessar a internet e as redes sociais para ler textos de comentaristas políticos mais experientes, entre outros recursos midiáticos, para se informar melhor sobre cada candidato. Pode ainda assistir aos debates e à propaganda eleitoral, igualmente obrigatória.

E, por ser obrigatória, cada político, de acordo com suas condições, ocupa mais ou menos tempo desse horário para dizer o que quiser. Cabe a eles disputar uma posição com a qual o telespectador se identifique, e uma identificação com algum traço do candidato basta para que o eleitor passe a desejar elegê-lo.

Nem todos farão esforço para obter informações mais detalhadas de fontes confiáveis. Muitos votarão pela simpatia e pelo que foi construído em seu imaginário sobre este ou aquele, bastando isso para dar suporte à identificação. E por ser dono de seu voto, ninguém pode impedir que você faça assim.

Também o trabalho feito pela mídia, por marqueteiros e pesquisadores poderá conduzir a opinião de cada eleitor para o resultado que o candidato pretende alcançar na batalha pelo voto. Aquele que melhor fizer seu trabalho possivelmente terá maior chance de eleger seu candidato, pois como se diz nos dias de hoje, não basta ser, tem que parecer.

Se a verdade verdadeira não se vê tão claramente, pois se esconde em cada um de nós, que somos dotados de um inconsciente e não sabemos nem sequer tudo sobre nós, só nos resta supor o melhor a partir do pouco que sabemos do outro. E é baseado nesse pouco de verdade suposta que escolheremos nosso candidato.

Se acertamos ou erramos só depois de votar poderemos saber se nosso ato foi bem ou mal-sucedido, pois serão os resultados futuros e as consequências que nos permitirão deduzir sobre a aposta feita. Toda aposta é sem garantias, e ainda assim não fazê-la, neste caso se votamos em branco ou anulamos o voto, haverá consequências.

Como nascemos prematuros e dependendo do amor e da boa vontade do outro para sobreviver, podemos entender a importância desempenhada pelo papel do líder e pelas relações de amor dele com os integrantes do grupo e destes entre si. Sendo capaz de acolher, suportar e responder de boa forma à demanda de amor será um líder amado e respeitado. Mas quem será digno desse amor?

A igualdade como estratégia - Paloma Oliveto

Pesquisadores encontram evidências de que a indignação com a injustiça praticada contra desconhecidos é uma característica evolutiva, que ajudou símios e humanos a viverem coletivamente e, assim, aumentar suas chances de sobrevivência

Paloma Oliveto
Estado de Minas: 28/09/2014


Os macacos-capuchinhos (E) protestam quando têm recompensas menores que outros animais. Já os chimpanzés, como os humanos, se incomodam também quando outros são injustiçados (Sia Kambou/AFP)
Os macacos-capuchinhos (E) protestam quando têm recompensas menores que outros animais. Já os chimpanzés, como os humanos, se incomodam também quando outros são injustiçados

 (Frans de Waal/Divulgação)


No quebra-cabeça da evolução humana, há uma peça de difícil encaixe. Trata-se do senso de justiça, aquele sentimento que faz com que uma pessoa tome as dores de um desconhecido sem, aparentemente, tirar vantagem disso. Se o objetivo é garantir a manutenção dos próprios genes, parece pouco inteligente agir de forma altruísta em situações envolvendo estranhos. Como, por exemplo, dar uma bronca no filho porque ele pisou no pé da criança do vizinho. Essa, contudo, pode ser uma sofisticada estratégia de convivência adquirida pelos primatas para ganhar benefícios sociais.

Há tempos, cientistas debatem se a preocupação com a equidade é uma característica inata ou se emergiu como fruto da convivência em sociedade. Para Sarah Brosnan, pesquisadora dos departamentos de Psicologia e Filosofia do Instituto de Neurociência e do Centro de Pesquisa da Linguagem da Universidade Estadual da Geórgia, nos Estados Unidos, o senso de justiça evoluiu em resposta à necessidade de cooperar com outros indivíduos. Não porque homens e demais primatas sejam simplesmente “bonzinhos”. Mas porque eles “sabem” que, em algum momento, poderão tirar proveito disso.

“A sensibilidade à equidade e à iniquidade oferece muitos benefícios evolutivos”, afirma Brosnan. “Em primeiro lugar, os animais precisam reconhecer quando recebem menos que o outro, porque esse é um indicativo de que o sistema de cooperação social, do qual todos tiram vantagem, pode estar em risco”, diz a psicóloga, que investiga o tema desde 2003. Da mesma forma, ao receber mais que o parceiro, o homem ou o primata percebem que o sistema cooperativo do qual participam pode ir por água abaixo e, por isso, protestam em uma resposta convencionalmente chamada de aversão à iniquidade. “As evidências indicam que, à medida que a confiança na cooperação aumenta, os indivíduos também se beneficiam da sensibilidade de receber mais que os outros”, conta Brosnan.

Contudo, para que essa situação ocorra, é preciso um refinamento cognitivo até agora não verificado em outras espécies além dos primatas. Enquanto os cães e os pássaros demonstram insatisfação ao se sentir “passados para trás”, apenas humanos, macacos e símios protestam contra a injustiça praticada com outros, mesmo que a situação não os afete diretamente. Isso porque eles conseguem antecipar a reação alheia e sabem que a consequência pode ser um abalo no sistema de cooperação. “Essa pressão pelo aumento da cooperação combinada com habilidades cognitivas avançadas e controle emocional permitiram aos humanos desenvolver um senso completo de justiça”, define Frans de Waal, cientista do Centro Nacional de Pesquisa Primata Yerkes e da Universidade de Emory. Ele assina, com Sarah Brosan, um artigo sobre a percepção da equidade na revista Science.

“O senso de justiça é a base de muitas coisas na sociedade humana, de discriminação salarial a política internacional”, comenta Brosnan. “O que nos interessa é por que nós, humanos, não somos felizes com o que temos se o outro tem mais, mesmo que tenhamos o bastante. Minha hipótese é que isso importa porque a evolução é relativa. Se você coopera com alguém que recebe mais do benefício ofertado, então essa pessoa vai se sair melhor que você, à sua custa”, afirma. Para testar essa teoria, há uma década a psicóloga e o colega Frans de Waal investigam, em outras espécies de primatas, as bases do senso de justiça.

Sofisticação O primeiro estudo da dupla foi com macacos-capuchinho, que se recusavam a executar uma tarefa quando percebiam que o colega havia recebido uma recompensa melhor que eles para fazer a mesma coisa. Desde então, eles testaram a resposta à iniquidade em outras nove espécies de primatas — incluindo humanos. Brosan e De Waal constataram que os homens e os símios (gorilas, chimpanzés, bonobos, e orangotangos, primatas mais próximos do Homo sapiens) são os únicos que protestam também quando levam vantagem em relação aos outros. “Esse é o verdadeiro senso de justiça, é quando você se importa também quando ganha mais”, observa de Waal.

De acordo com os cientistas, para que isso ocorra é preciso pensar no futuro e não apenas na recompensa imediata, pois abre-se mão de algo no momento em prol do sistema cooperativo a longo prazo. O altruísmo nesses casos também exige autocontrole para abrir mão de algo vantajoso. As duas características dependem de uma sofisticação cognitiva, percebida em apenas algumas espécies, que têm história evolutiva semelhante. Por isso, Brosan e De Wall acreditam que não há dúvidas de que o senso de justiça, antes de ter nascido com o próprio homem e seus semelhantes, é, de fato, um traço que surgiu para beneficiá-los.

Para Nick Wright, psicólogo e pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles, estudos sobre o senso de justiça estão ajudando a compreender traços mais subjetivos do comportamento humano, o que tem aplicações práticas. “Esses resultados são muito interessantes para compreendermos como sentimentos subjetivos de justiça e interesse próprio impactam na tomada de decisões, sejam elas corriqueiras, do dia a dia, sejam em um âmbito social maior”, acredita. 

Eduardo Almeida Reis - Despertador

Aceitei um café no botequim da praça, agradeci a todos, porque sou muito educado, e peguei a estrada para o Rio


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 28/09/2014



Todo o município paulista de Araras tem hoje 112 mil habitantes. Há 40 anos, presumo que sua parte central, a cidade de Araras, tivesse uns 30 mil. Voltando de uma fazenda quase na divisa com o MS e sabendo que o grande escritor Nelson Palma Travassos desenvolvia um método de cria e recria de bovinos no interior de São Paulo, resolvi conhecer sua fazenda. Seriam duas horas da tarde quando me identifiquei como repórter do Globo e perguntei a um motorista de táxi, na praça principal de Araras, onde ficava a fazenda de Travassos. O paulista não sabia e foi perguntar aos colegas, que dormiam em seus táxis. Desconhecimento geral, quando alguém se lembrou do presidente da Câmara Municipal, que morava ali perto.

Acordado, o vereador veio ter à praça com a notícia de que jamais ouvira falar de Travassos e da fazenda de Travassos, mas o prefeito, que era do seu partido, naturalmente conheceria a famosa propriedade rural. Prefeito que demorou um pouco para chegar, porque também dormia e sua casa ficava mais longe da praça. Tinha vaga notícia de um escritor chamado Travassos, mas nunca soube que ele tivesse fazenda em Araras, fato confirmado pelo tabelião, que também fora acordado.

Não seria exagero dizer que meia cidade girava em torno do meu fusca: ararenses educadíssimos, ninguém conhecia a fazenda. Aceitei um café no botequim da praça, agradeci a todos, porque sou muito educado, e peguei a estrada para o Rio, aonde cheguei antes da meia-noite. Manhã seguinte fui aos alfarrábios e constatei que a fazenda de Travassos ficava em Araraquara, a centenas de quilômetros de Araras.

Cidades históricas
Escritor e juiz de Direito na comarca do Araxá, o mineiro Renato Zupo voltou a visitar Diamantina, cidade que fala ao coração da mineiridade. Deu notícia da visita numa revista em que escreve regularmente e contou que ao voltar do Arraial do Tejuco esteve com sua amiga chinesa, a sra. Huang, residente no Brasil há muitos anos.

Mostrou as fotos diamantinenses e perguntou à chinesa se conhecia Diamantina e as outras cidades históricas brasileiras, bem como se gostava de cidades e coisas antigas. Com aquele sorriso tímido das orientais, a senhora Huang respondeu: “Renato, nós chineses temos cinco mil anos de história. Isso para nós não é antigo”.

Ao ler a crônica escrita pelo magistrado, lembrei-me do dia em que fui conhecer Ouro Preto, em outubro de 1971, estreando um dos piores carros que já tive, talvez o pior, uma Rural Willys 4x4. Oficialmente fundada dia 8 de julho de 1711, Ouro Preto andaria na flor dos seus 260 aninhos. Circulando de carro no final da tarde, pude ver alguma coisa do Centro Histórico com seus prédios muito bonitos.

Recolhendo ao hotel em companhia da santa que me aturava, liguei o televisor no momento em que exibia o saudoso xá Mohammad Reza Pahlavi recebendo seus convidados pelos festejos comemorativos dos 2.500 anos da cidade de Persépolis. O espetáculo persa meio que anulou meu entusiasmo pela historicidade ouro-pretana, que hoje reconheço importantíssima em Minas e no Brasil, sobretudo por ter sido o berço de Ariane Silva de Oliveira Maia, mineirinha que trabalhou lá em casa mais de cinco anos e até hoje é minha amiga e leitora.

O mundo é uma bola

28 de setembro de 1066, início da Conquista Normanda da Inglaterra: Guilherme desembarca em solo inglês com 7.000 homens. Na verdade, se chamava Guillaume II de Normandie. Pelas costas era Guillaume, le Bâtard, filho ilegítimo de Roberto I da Normandia. Le Bâtard morreu em 1087, deixando nove filhos.

Em 1106, Henrique I da Inglaterra derrota seu irmão mais velho, Roberto II da Normandia, forçando-o a abdicar do seu ducado, que é incorporado à coroa inglesa. Então como sempre, o pessoal não alisava: onde já se viu derrotar irmão mais velho?.

Em 1394, eleição do antipapa Bento XIII, nascido Pedro Martinez de Luna (1328-1423), mais conhecido como papa Luna, antipapa de origem aragonesa eleito pelos cardeais de Avignon para suceder ao antipapa Clemente VII, durante o Grande Cisma do Ocidente.

Em 1524, João Rodrigues Caprilho é o primeiro europeu a desembarcar naquele que é atualmente o estado norte-americano da Califórnia. Em 1871, no Brasil, entra em vigor a Lei do Ventre Livre; em 1885, a Lei dos Sexagenários, com a libertação de todos os escravos maiores de 60 anos. Em 1905, publicada no Annalen der Physik a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein. Em 1958, Karol Wojtyla, futuro papa João Paulo II, é nomeado bispo de Cracóvia. Em 1988, a China explode sua primeira bomba de nêutrons. Em 1992, aberto na Câmara dos Deputados o processo de impeachment de Fernando Affonso Collor de Mello, então casado com Rosane, a princesa do Canapi, expressão máxima da aristocracia canapiense, primeira-dama que deixou saudades até o dia 1º de janeiro de 2003, quando surgiu outra melhor. Em 1895, falecia o cientista francês Louis Pasteur. Hoje é o Dia Mundial Contra a Raiva.

Ruminanças

“Depois dos 40 anos a vida é um réquiem” (Melo Morais Filho, 1844-1919). 

MARTHA MEDEIROS - Diga-me o que vestes

Zero Hora 28/09/2014

Lembro-me de uma matéria interessante que li anos atrás na revista Elle: convidaram uma estudante e uma executiva para passar 24 horas com a roupa uma da outra. Explico: a estudante, que costumava se vestir de uma maneira sexy e irreverente, teve de se vestir com o que encontrou no closet da executiva, e esta, por sua vez, teve de abandonar seu estilo sóbrio e conservador para escolher peças no closet da estudante. Resultado: viraram outra mulher por um dia.

A estudante, que adorava decote, barriga de fora e sandália de salto alto, colocou pela primeira vez um terno escuro com camisa para dentro da calça e sapato fechado. A executiva, habituada aos tailleurs bem-comportados, encarou uma saia acima do joelho, top de alcinhas, sandália gladiadora e gargantilha com crucifixo. Conclusão delas: não dá para mudar nosso jeito de ser simplesmente trocando de roupa.

Em termos, em termos. As próprias protagonistas da reportagem adotaram uma postura completamente diferente na hora de se deixar fotografar e, mesmo que tenham sido orientadas pela produtora de moda, a verdade é que a roupa conduz nossa atitude, sim. A estudante, uma clone de Miley Cyrus sempre de mãos na cintura e ar provocante, cruzou os braços docemente quando colocou o terno. A executiva, que costumava ficar encolhida em seu trajes pastéis, jogou os cabelos para trás e encarou as lentes com um olhar sedutor, digno de quem se veste para matar. Lógico que a roupa pode despertar novas facetas de nossa personalidade.

Dormir com um pijamão apeluciado e dormir com uma lingerie de renda vermelha: tanto faz? Você de legging e tênis pela manhã, de jeans e jaqueta de couro à tarde, e à noite com um vestido justo decotado nas costas. Sim, é a mesma mulher, mas são três estados de espírito diferentes.

A roupa, subliminarmente, autoriza um determinado tipo de comportamento. Os homens se sentem mais confiantes quando estão de gravata, até seu jeito de caminhar se transforma. Já as mulheres sentem-se mais joviais quando estão de camiseta e mais sensuais quando estão de preto. Coloque um longo Versace numa freira e ela subitamente esquecerá da oração da Ave-Maria, empacará em “o Senhor é convosco” e, dali em diante se pegará, cantarolando algo da Beyoncé.

Cada pessoa deve vestir-se de acordo com o que é, e não com o que que gostaria de aparentar, mas não é pecado experimentar um personagem fora do habitual: desejar ser menos tímida, ou mais séria, ou um pouco excêntrica. É uma transformação que deve vir de dentro, mas o visual ajuda. Um botão a mais aberto na camisa pode operar milagres numa alma introvertida.

sábado, 27 de setembro de 2014

Sem aviso prévio - José Manoel Bertolote

Estado de Minas: 27/09/2014

O ator norte-americano Robin Williams sofria de depressão e tinha diagnóstico de mal de Parkinson, duas das grandes causas de suicídio no mundo, segundo estudo da OMS
 (MAJ. ENRIQUE VASQUES - 19/12/07)
O ator norte-americano Robin Williams sofria de depressão e tinha diagnóstico de mal de Parkinson, duas das grandes causas de suicídio no mundo, segundo estudo da OMS


A recente morte do ator norte-americano Robin Williams lança uma luz sobre o suicídio. Trata-se, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), de uma das quatro principais causas de morte no mundo. Existe uma crença de que há uma relação profunda entre suicídio e depressão, como parece ter sido o caso de Williams, segundo o que foi divulgado pela imprensa. Há, mas a depressão não é a única causa. O psiquiatra José Manoel Bertolote, autor do livro O suicídio e sua prevenção, traça um retrato do que é o suicídio e aponta as alternativas de tratamento para evitar o desfecho fatal.

A relação entre o suicídio e a depressão é, para muita gente, inclusive profissionais da saúde e da psicologia, de estreita correlação, quase sinônimos. Entretanto, na suicidologia, essa relação é conhecida como "paradoxo da depressão e suicídio". O que significa isso? Em primeiro lugar, temos que saber do que estamos falando. O que é depressão? O que é suicídio? Depressão é um termo ambíguo, que pode designar desde um estado emocional momentâneo e passageiro (a "fossa", uma "deprê", "dor de cotovelo") até doenças graves (como a melancolia, caracterizada por angústia e tristeza profundas), doenças estas que podem ter causas biológicas (como alterações hormonais ou de neurotransmissores), psicológicas (frustrações, decepções ou a "raiva dirigida a si mesmo") ou sociais (situações de humilhação, de desonra). Há casos em que as três ordens de fatores atuam, obviamente aumentado a gravidade do caso. Já o suicídio é uma das quatro principais formas de óbito (as demais são as causas naturais, os acidentes e os homicídios), definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma morte resultante de um ato executado voluntariamente por um indivíduo com a intenção de pôr fim à sua existência. E como se formula esse paradoxo? Segundo ele, há uma fortíssima correlação com a depressão, a qual, contudo não se verifica na realidade.

De onde vem esse paradoxo?

Podemos atribuir a origem desse paradoxo à diferença dos pontos de partida da clínica e da epidemiologia. Psiquiatras e psicólogos clínicos partem de populações de pessoas enfermas que chegaram aos seus cuidados, grande parte dos quais portadores de depressão. Já os epidemiologistas, bem como psiquiatras, psicólogos sociais e suicidólogos, partem da população geral. De qualquer modo, seja qual for a origem desse paradoxo, ele pode ser demonstrado a partir de algumas constatações.

O primeiro aspecto desse "paradoxo da depressão e suicídio" diz respeito à frequência desse dois fenômenos. As depressões constituem uma das mais frequentes formas de transtorno mental nos países industrializados, de alta ou média renda (entre os quais se encontra o Brasil). Um importante estudo recente (São Paulo Megacity, 2011) indicou que, dos entrevistados de uma amostra representativa dos adultos residentes na Região Metropolitana de São Paulo, 10% admitiram ter estado deprimidos no ano anterior. Não temos estudos comparativos realizados em outras cidades ou regiões do Brasil, porém, se projetarmos essa porcentagem para a população brasileira, teremos no mínimo uns 10 milhões de brasileiros deprimidos.

Já o suicídio, embora seja uma das principais causas de morte em todo o mundo, é um evento relativamente raro, medido não em termos de porcentagem (número de ocorrências por 100 pessoas), como a depressão, mas em número de casos por 100 mil pessoas. Em todo caso, o suicídio é um evento muito mais raro do que a depressão. Como comparação, no mesmo ano de 2011 houve, em todo o Brasil, pouco menos de 10 mil (9.852) casos de suicídio.

O segundo aspecto se refere ao sexo, ou gênero. Praticamente em todos os estudos epidemiológicos sobre transtornos mentais, realizados no Brasil ou no exterior, os transtornos depressivos são mais frequentes em mulheres do que em homens, numa proporção que varia de duas a quatro vezes, conforme o estudo. Ora, exatamente o contrário é revelado também pela maioria dos estudos epidemiológicos sobre o suicídio: em todas as partes do mundo onde isso foi estudado, o suicídio predomina em homens, também numa proporção de duas a cinco; a única exceção conhecida vem de certas regiões rurais da China, onde a taxa de suicídio feminina é levemente superior à masculina.
 
A realidade
Todavia, onde há fumaça deve haver (ou ter havido) fogo. E, se tanto se fala em associação entre suicídio e depressão, algo deve haver. E há. A maioria dos estudos científicos sobre a relação entre o suicídio e a depressão empregou e emprega o método da autópsia psicológica, que é um tipo de estudo retrospectivo que investiga, através de registros médicos e hospitalares do falecido e de entrevistas com seus familiares, amigos e colegas, a presença nele de algum tipo de transtorno ou doença mental. Trata-se de um método que, embora não totalmente isento de possíveis falhas, tem alta validade e fidedignidade, quando bem planejado e aplicado. É um tipo de estudo delicado, caro e que exige cuidadoso preparo de seus pesquisadores entrevistadores. Ademais, para que os dados de um mesmo estudo sejam comparáveis entre si, é preciso que o tempo entre o óbito e as entrevistas seja mais ou mesmo o mesmo. Em locais com baixa frequência de suicídio, isso se torna um óbice.

Em parte por esse motivo, os primeiros estudos que investigaram a relação entre suicídio e doenças mentais foram realizados na Europa, mais particularmente no Reino Unido, com poucos casos, e encontraram uma alta proporção (até 80%) de depressão nas populações estudadas. Esses dados confirmaram a impressão prévia dos psiquiatras clínicos e consolidaram a ideia de que realmente havia uma forte associação entre depressão e suicídio.

Contudo, à medida que o número de casos estudados aumentou e pesquisadores de outros países passaram a fazer mais estudos de autópsia psicológica, a proporção de casos de depressão entre pessoas que haviam se suicidado foi diminuindo. Em 2005 a OMS compilou todos os estudos de autópsia psicológica publicados em todo o mundo (mais de 16 mil casos) e constatou que, efetivamente, a depressão era o diagnóstico psiquiátrico mais frequentemente identificado em pessoas que haviam se suicidado. Não obstante, estava longe de ser encontrado na maioria dos casos: em pouco menos de apenas um terço (30%) das pessoas que haviam falecido por suicídio podia-se fazer o diagnóstico de alguma forma de depressão.

E o diagnóstico dos outros dois terços? Para surpresa de muitos (e satisfação de outros), o diagnóstico de alcoolismo foi o segundo mais frequentemente encontrado (em 18% dos casos), seguido pelo diagnóstico de esquizofrenia (em 14% dos casos). Juntos, a depressão, o alcoolismo e a esquizofrenia respondem por mais de 60% dos casos de suicídio.

Resta ainda quase um terço dos casos cujo diagnóstico se distribui entre diversas categorias, das quais a mais frequente é a de certos transtornos de personalidade que, embora sejam considerados transtornos mentais, não constituem exatamente uma doença mental.

É importante assinalar que em apenas cerca de 5% dos casos não foi possível fazer-se um diagnóstico retrospectivo de alguma forma de doença mental. Importante assinalar, ainda, que esse quadro geral foi observado tanto em estudos com populações de adultos e idosos quanto em estudos com suicídio de crianças e adolescentes.

Outras doenças

Além do peso da comorbidade - que, em medicina, designa a ocorrência concomitante de duas ou mais doenças na mesma pessoa, como hipertensão e diabetes em idosos, ou desnutrição e infecções em crianças -, existe a comorbidade com doenças físicas. Destas, as mais frequentemente associadas ao suicídio são aquelas crônicas, incuráveis, incapacitantes ou dolorosas, como certos cânceres, epilepsia, doença de Parkinson e doença de Alzheimer, em suas fases iniciais.

Voltando à questão do "paradoxo da depressão e suicídio", há outro elemento que contribui para mantê-lo, e que diz respeito ao fenômeno da comorbidade. Ocorre que depressão e alcoolismo têm uma elevada comorbidade e, quando as duas doenças estão presentes, o mais provável é que o diagnóstico de depressão seja registrado, em detrimento daquele do alcoolismo, o que inflaciona proporcionalmente o primeiro diagnóstico, reforçando, assim, a impressão inexata de uma associação mais forte entre depressão e suicídio.

Outro fator que contribui para dar a impressão de validade ao paradoxo decorre das tentativas de suicídio. Embora tanto o suicídio (óbito, logo mortalidade), quanto a tentativa de suicídio (morbidade) façam parte do processo suicida, são fenômenos bastante distintos em vários aspectos, não apenas em relação ao desfecho: morte no primeiro (logo, do campo da mortalidade) e sobrevivência no segundo (logo, da morbidade). O que acontece aqui é que as tentativas de suicídio - também associadas a quadros depressivos - são mais frequentes em mulheres jovens, que têm mais depressões que os homens.

A depressão está presente em cerca de 30% dos casos de suicídio. Recomendação da OMS é que pacientes com esse distúrbio sejam tratados pela rede básica de saúde e pelo Programa de Saúde da Família 


 (MARCOS SANTOS/USP IMAGENS
)
A depressão está presente em cerca de 30% dos casos de suicídio. Recomendação da OMS é que pacientes com esse distúrbio sejam tratados pela rede básica de saúde e pelo Programa de Saúde da Família


O que fazer?

Confirmada por inúmeros estudos e análises estatísticas, resta a evidência de que os transtornos mentais, em geral, e a depressão, o alcoolismo e a esquizofrenia, em particular, são dos mais importantes fatores de risco para o suicídio. Isso não que dizer, em absoluto, que o suicídio seja uma doença; é, tão somente, um desfecho possível de determinadas doenças, particularmente se estas não forem bem tratadas. Tampouco quer dizer que a depressão (ou o alcoolismo, ou a esquizofrenia) cause o suicídio; tão somente que é um fator predisponente ao suicídio.

Independentemente da magnitude e da robustez da associação entre depressão e suicídio, permanece o fato de que a depressão pode ser uma doença grave o suficiente para merecer atendimento médico e psicológico. A mais recente recomendação da OMS a esse respeito afirma que a depressão (assim como outros nove transtornos psiquiátricos, entre os quais o alcoolismo e a esquizofrenia) pode ser tratada em locais de cuidados não especializados, o que, no Brasil, corresponde à rede básica de saúde e ao Programa de Saúde da Família.
A população espera que as autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais tomem as providências necessárias para que isso se torne uma realidade acessível a todos e a todas. Os benefícios serão notados não apenas na melhoria do estado da saúde, mas também na redução das taxas de suicídio.

Depois da depressão, o alcoolismo aparece em estudo da OMS como a segunda maior causa de suicídios. É preciso que as autoridades federais, estaduais e municipais de saúde estejam mais atentas aos fatores que levam uma pessoa a tirar a própria vida

 (MARCOS SANTOS/USP IMAGENS)
Depois da depressão, o alcoolismo aparece em estudo da OMS como a segunda maior causa de suicídios. É preciso que as autoridades federais, estaduais e municipais de saúde estejam mais atentas aos fatores que levam uma pessoa a tirar a própria vida


. José Manoel Bertolote é professor voluntário da Faculdade de Medicina de Botucatu, da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e professor visitante do Instituto Australiano de Pesquisa e Prevenção do Suicídio - Griffith University, Brisbane, Austrália   

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Eduardo Almeida Reis - Arte fotográfica II

Cabeça inteira de peixe 'báltico', com olho e tudo%u2026 'Delicioso, incrível', informa o gourmet brasileiro. Sou mais o torresminho mineiro com cerveja belga


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas : 26/09/2014



Na edição de ontem, falei das mais de mil fotos que recebi de um casamento em castelo francês. Casamento em castelo francês varia do suprassumo do ridículo ao suprassumo do chiquê. Bom exemplo do primeiro foi o matrimônio do craque Ronaldo Fenômeno com La Cicarelli, união que durou dois meses. O casamento das mil e tantas fotos foi original, porque sacramentou união estável de mais de 15 anos, com direito a um filho de cinco aninhos presente à cerimônia, e teve por lá diversos parentes e amigos do philosopho.

Na falta de dinheiro para me casar em França, exigi no Rio cerimônia oficiada por um bispo. A recepção foi num bom apartamento, vizinho do Copacabana Palace, mais de 500 convidados obliterando os diversos cômodos com direito a padrinhos de fraque bebendo champanha sentados na mesa de pingue-pongue. O noivo de 28 anos, sem fraque, metido num peço a palavra cortado pelo Victor. Não é nada, não é nada, o peço a palavra pega bem à beça e à bessa. Fugi das latas amarradas ao para-choque traseiro, deixando o fusca de segunda mão estacionado na rua mais próxima. Lua de mel num alto de serra em Lambari, frio inenarrável, sexo de cabaninha, aquele em que o herói namora debaixo de quatro cobertores e um edredom.

Se entendi alguma coisa, o dispositivo que transmite mil fotos num átimo tem relação com um negócio chamado Rods via Dropbox. Você abre o treco e tem centenas, milhares de fotos do matrimônio na Borgonha, vê os vinhos, os queijos e só bota um defeito na cerimônia: o de não ter sido convidado. Se fosse, agradeceria e não iria: já passei da idade de andar de avião. Estou mais para sítio arqueológico do que para cidadão. No dia em que os arqueólogos me descobrirem, era uma vez um philosopho.

Ingesta
Texto chique é outro departamento. Escritores de meia-tigela recorreriam a outros títulos para este suelto em que trato do que foi ingerido e consumido pelo organismo. Prefiro ingesta, que é puro latim e pega bem à beça.

Linguicinhas, pururuquinhas, torresminhos, caldinhos – estes festivais de gastronomia são muito bonitos para movimentar o turismo em certas cidades, sem que tenham relação com a arte de bem comer. Comilão ou gourmand, aquele que come em quantidade, glutão, guloso, frequenta festivais; o verdadeiro gourmet, que aprecia e entende de boas mesas, de bons vinhos, que se regala com finos acepipes, vai ao melhor restaurante do mundo.

Ao contrário de Angra dos Reis, que tem 156 melhores casas, o planeta só tem um melhor restaurante, que no momento é o Noma. William Shakespeare, que morreu em abril de 1616 – por incrível coincidência um dia depois de Cervantes, mas há quem diga que foi no mesmo dia o passamento das duas expressões máximas das respectivas línguas – Shakespeare escreveu que havia algo de podre no Reino da Dinamarca. Claro que não se referia ao restaurante Noma, situado em Copenhague.

Você precisa fazer a reserva com cinco ou seis semanas, especificando cartões de crédito, garantias e confirmação 15 dias antes. No verão, quando o sol na Dinamarca se esconde por volta das 11 da noite, você vai jantar com dia claro encantado com a brigada e o passadio, antes de confirmar que o preço é salgado, mas não destoa dos cobrados pelos bons restaurantes da Europa e dos Estados Unidos.

O resto só vendo e comendo em Copenhague, como fez um empresário e gourmet brasileiro, velho amigo meu. Impressionou-me vivamente um dos pratos, que não como nem que me paguem 40 milhões de reais: cabeça inteira de peixe “báltico”, com olho e tudo, defumado na área externa do restaurante para ser destrinchado com as mãos. “Delicioso, incrível”, informa o gourmet brasileiro. Sou mais o torresminho mineiro com cerveja belga, mesmo sabendo que gosto não se discute.

O mundo é uma bola

26 de setembro de 1633: fundação da colônia inglesa de Windsor, o primeiro assentamento do estado americano de Connecticut, sinal de que o dia 26 de setembro foi pobre de eventos antes de 1633, pois a Wikipédia não fala de batalhas, eleições de papas e outros fatos de importância histórica.

Em 1907, independência da Nova Zelândia, país que estudei à beça e à bessa quando andei lendo sobre pecuária leiteira. Em 1909 – atenção, cinéfilos – fundação do Kino Pionier (Cine Pioneiro), por Albert Pitzke, na cidade alemã de Stettin, atualmente Szczcin, na Polônia, o mais antigo cinema do mundo. Em 1993, data gloriosa para a luso-brasilidade: entra em órbita o PoSAT-1, primeiro satélite português. Mais dia, menos dia, lançaremos o nosso da Base Aérea de Alcântara, no Maranhão, hoje como sempre brilhantemente administrado pelo clã Sarney.
Em 2005, Plínio de Arruda Sampaio, Hélio Bicudo e Chico Alencar, lideranças petistas, abandonam o Partido dos Trabalhadores. Em 1945 nasceu Maria da Graça Costa Penna Burgos, que você talvez conheça como Gal Costa. Hoje é o Dia Interamericano do Profissional de Relações Públicas.

Ruminanças
“Eu vou gritando: paz, paz, paz!” (Petrarca, 1304-1374). 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Arte fotográfica - Eduardo Almeida Reis

 Logo de saída, o fotógrafo da NatGeo impressionou o fazendeiro tirando 72 fotos, dois filmes inteiros, de um besouro


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 25/09/2014







No Rio de antigamente, o dentista Chaffic Jabor, tio deste menino Arnaldo, foi meu professor de arte fotográfica. Pois é: tive professores de canto lírico e arte fotográfica. Deixei o canto por minha tessitura de baixo-cantante, que só tem papéis ridículos em todas as óperas. Quanto à arte fotográfica, aprendi alguma coisa no campo técnico – produtos químicos, revelações, ampliações, tive laboratório doméstico – mas me faltava a arte. Em séculos, devo ter conseguido três ou quatro fotos decentes. Releva notar que havia o problema do preço dos filmes.

Certa feita, um fotógrafo da National Geographic baixou de teco-teco na fazenda pantaneira de amigo meu querendo fotografar um bull selvagem, um daqueles chamados touros-orelhas pelo fato de não ter nas orelhas as marcas da fazenda em que são criados. Quando a gente reúne o gado para castrar, vacinar, selecionar, o orelha foge para o mato.

Logo de saída, o fotógrafo NatGeo impressionou o fazendeiro tirando 72 fotos, dois filmes inteiros, de um besouro. Com flash, dois flashes, rebatedores, guarda-sol, diversas lentes, filtros variados. Entardecia. Meu amigo sentou o fotógrafo, com as pernas para fora, na traseira de sua picape e saiu em busca de algo impossível: encontrar um touro-orelha. Por coincidência, logo na primeira invernada do Pantanal transitável, teve a sorte de encontrar o wild bull, que honrou sua selvageria investindo contra a picape Willys. Resultado: lá se foi o equipment da NatGeo e o fotógrafo só escapou porque recolheu as pernas. Dois peões, que os acompanhavam a cavalo, distraíram o touro enquanto o profissional resgatava seu equipamento empoeirado.

Com a fotografia digital, o preço do filme deixou de ser problema, daí o número espantoso de belas fotos que recebo pela internet. Surpresa tive com um novo dispositivo que permite botar 500 fotos, 1 mil fotos num e-mail de 20 KB. Se o e-mail é de 20 MP demora um tempão para baixar; em 20 KB baixa num átimo e a gente leva horas vendo mil fotografias em cores. No caso em tela, casamento realizado num castelo da Borgonha, França. Amanhã termino a história, falou?


Gases

Com evidente desconforto olfativo para William Bonner e Patrícia Poeta, corre na internet a cena em que um candidato à Presidência da República, pastor de alevantadas qualidades pastorais, solta um traque ao ser entrevistado durante o Jornal Nacional. Patrícia vira o lindo rosto, Bonner coça o nariz e o candidato solta o sorriso de homem traquejado em difíceis misteres, o primeiro dos quais é convencer suas ovelhas da obrigação de pagar o dízimo garantidor do Reino dos Céus.

Atire a primeira pedra aquele que nunca emitiu ventosidades com estrépito, não digo no Jornal Nacional, mas no dia a dia em que as soltamos involuntariamente. Lembro-me de uma, de terno e gravata, remando no Lago Guanabara, de Lambari (MG). As fontes das águas virtuosas lambarienses são naturalmente gasosas e o então jovem philosopho trazia d’olho uma veranista. Engravatado para o jantar, convidei-a para passear de barco ao cair da tarde, assumi os remos e a conduzi com uma amiga e outro veranista para a Ilha dos Amores. Em defesa do meu traque, seja dito que foi demorado, ribombante, fenomenal na quietação das águas do lago. Negócio de tal magnitude, que todos caímos na gargalhada. Mas é a tal história: nunca me candidatei a presidente deste país grande e bobo, nem fui fotografado, trêbado, no exercício da presidência, com as calças encharcadas pela incontinência urinária.

Em favor de sua excelência, diga-se que muitos idiotas o consideram carismático, que na rubrica sociologia significa autoridade, fascinação irresistível exercida sobre um grupo de pessoas, supostamente proveniente de poderes sobrenaturais. Pois é: o Brasil conseguiu desmoralizar o carisma.

O mundo é uma bola

25 de setembro de 233: Alexandre Severo é derrotado pelos persas durante a reconquista de uma província romana na Mesopotâmia. Marcus Aurelius Severus Alexandrus (208-235) foi o último dos imperadores da Dinastia dos Severos. Hoje, todos os conflitos naquela região têm como desculpa o petróleo, mas no ano 233 o petróleo não valia absolutamente nada e o pessoal já se matava no maior entusiasmo.

Em 1066: Batalha de Stamford Bridge, que nos deixa, a mim e ao leitor, rigorosamente na mesma. Vamos à Wikipédia: batalha que ocorreu próxima da vila de Stamford Bridge, a leste de Yorkshire, Inglaterra, entre o Exército inglês comandado pelo rei anglo-saxão Haroldo II Godwinson e a força invasora norueguesa liderada por Haroldo Manto Cinzendo e o irmão do rei inglês, Tostig Godwinson. Manto Cinzendo, Tostig e milhares de soldados noruegueses foram mortos. Menos de três semanas depois, Haroldo II Godwinson seria derrotado e morto pelos invasores normandos na Batalha de Hastings. Acho que foi nessa batalha que os meus antepassados normandos entraram na Inglaterra.

Em 1349, Inglaterra e França assinam um tratado de desarmamento, um dos muitos que continuam assinando até hoje, porque esses tratados só funcionam quando há interesses dos “tratantes”.


Ruminanças

“Se já nem se pode trapacear com os amigos, não vale mais a pena jogar cartas” (Marcel Pagnol, 1895-1974).

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

MARTHA MEDEIROS - George

Zero Hora - 24/09/2014

Há muitos e muitos anos, em um reino distante, eu fiquei com um garoto chamado George, assim mesmo, com G, mesmo ele sendo do bairro Auxiliadora. Foi o mais perto que cheguei de um americano, ainda que falsificado. Nunca mais nenhum George habitaria minha realidade – em compensação, um deles fixou residência em minhas fantasias.

Eu não costumava assistir ao seriado Plantão Médico, então fica difícil dizer em que momento George Clooney entrou na minha vida, só sei que foi pela porta dos fundos e se instalou no sótão do meu imaginário. Não vi tantos filmes dele como gostaria. Aliás, nunca o considerei fabuloso como ator. Se dependesse de mim, ele tomando Nespresso já seria suficiente para levar um Oscar.

O que, afinal, fez de George Clooney o Clark Gable da nossa geração? O rostinho bonito ajudou, sem dúvida, mas é hora de darmos o devido valor a um atributo mais importante do que beleza: carisma. Sem carisma, você até faz filmes, fotos e publicidade, mas não faz história.

George Clooney virou um ícone porque parece ter nascido com mais de 30 anos e já com alguns fios prateados no cabelo – não passou pela desengonçada e petulante adolescência, ou passou tão discretamente que ninguém viu. Jamais foi capa da Capricho. Se foi, não me contem, não estraguem este meu obituário.

Maduro, sim, mas nada emburrado. Inteligente, divertido e independente, nunca foi de levar Hollywood muito a sério. Gosta de trabalhar com os amigos (ele, Matt Damon e Brad Pitt não se desgrudam), de se aventurar como diretor e produtor (sem fazer feio), de ser ativista em causas humanitárias e sempre que pode se refugia em sua residência às margens do lago de Como, e não numa cobertura em Los Angeles, o que diz muito sobre seu refinamento. A única coisa que me parecia cafona em seu histórico era aquela insistência em se manter solteirão.

Um homem precisa se garantir, mesmo diante de um desafio intimidador.

Feito, George. Você já era chique, agora é perfeito. Aos 53 anos, escolheu uma linda e discreta advogada libanesa com o seu mesmo coeficiente de classe. Se serão felizes para sempre é um assunto que não nos diz respeito e talvez nem a vocês – coisa mais antiga assinar compromisso com a eternidade. O que importa é que a partir de sábado você deixará de vez a turma mal-afamada dos galinhas.

Eu falei obituário alguns parágrafos atrás? Agora é que percebi. Ato falho. George Clooney não morreu, está apenas casando, o que não muda nada no universo das fantasias femininas, onde todos entram sem aliança.

Mas, para quem não se conforma e acredita em milagres, não custa rezar. Ainda faltam três dias.

Eduardo Almeida Reis - Bidu

No reino animal, o racismo é biológico: as espécies procuram as parecidas e evitam as diferentes. Na espécie humana, é uma tolice, considerando que não existem raças geneticamente puras


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 24/09/2014






A secura do Rio Grande deixa à mostra embarcações naufragadas há mais de 70 anos, o Tietê exibe seu leito de pedras (e lixo...) que ninguém tinha visto, o Lago de Furnas quase transformado num riacho, o Velho Chico vazio, Três Marias, além de exibir um erro de engenharia, rivalizando em secura com o sistema Cantareira, que bate recordes diários de falta de água, rivalizando com muitas cidades do Triângulo Mineiro e com uma porção de municípios paulistas. Resumindo: grande parte do Sudeste, reunindo os estados mais ricos do Brasil, tem falta de água parecida com a tradicional secura do Nordeste.

As diversas explicações – aquecimento global, aumento populacional, desperdício, poucas chuvas, El Niño etc. – se esquecem da causa principal, não por acaso chamada Operação Lava a Jato: do tanto que determinado partido político, administrando a Petrobras, tem roubado, lá se foi toda a água brasileira na lavagem do dinheiro depositado nos paraísos fiscais. Um bilhão aqui, 10 bilhões mais adiante, 5 bilhões anteontem, é lavagem que não acaba mais, e a limpeza do dinheiro pela ação de líquido, especialmente água, gastou nossa água: bidu.

Racismo à brasileira

Nos últimos dias de agosto, este imenso e futuroso país quase parou com as ofensas racistas de alguns torcedores do Grêmio ao senhor Aranha, goalkeeper do Santos. Racismo à brasileira: entre os poucos torcedores perfeitamente identificados pelas câmeras do estádio gaúcho, pelo menos dois são muito mais escuros de pele que o guarda-valas supostamente ofendido. Na condição de ex-cronista-Fifa, atesto que o senhor Aranha, se é aquele que atuou no futebol mineiro, merece apupos por seu desempenho enquanto quíper. Era fracote e continua fraquíssimo como profissional, posto que fisicamente reforçado. Seu time, naquela noite, ganhou por 2 x 0, mas é preciso notar que a equipa derrotada tem hoje a condução técnica do professor Scolari, pessoalmente muito rico, fisicamente muito saudável, chefe de linda família e detentor do recorde mundial entre as seleções de ponta nas Copas do Mundo com os 7 a 1 que levou dos alemães.

No reino animal, o racismo é biológico: as espécies procuram as parecidas e evitam as diferentes. Na espécie humana, racismo é uma tolice, considerando que não existem raças geneticamente puras. Louríssimo de lindos olhos azuis e de pele incomparavelmente branca, vosso philosopho tem uma pontinha de sangue angolano. Não faço à inteligência do leitor a descortesia de informar que a juba loura grisalhou com o passar dos anos, talvez em consequência deste primoroso philosophar.


Fortunas

Comigo acontece um fenômeno jamais visto entre os cronistas bons e ruins: excesso de assunto. Aquela conversa da folha em branco, recentemente acrescida pela “falta de desejo”, por aqui não cola. No dia em que escrevo estas bem traçadas linhas são tantos os assuntos, que não sei por onde começar. E aí me chega um texto, enviado por bom amigo, em que um ator idoso, muito conhecido, escreve sobre sua vida após a vida, isto é, ao se dar conta de que vive depois de certa idade. Por mal dos pecados, começa: “Quando vi-me...”. Pronto, parei por ali. Por que vime em lugar de plástico, bambu, madeira, couro? Custava escrever “quando me vi”?

Isto posto, vamos aos fatos que abundam como abunda a pita, grande erva rosulada da família das agaváceas. Nosso Eike, tadinho, investiu na Marina da Glória quando teria sido mais inteligente investir na Marina da Silva. Enquanto isso, Jorge Paulo Lemann (Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1939) já passou dos US$ 25 bilhões. Com os seus dois sócios, a fortuna passa dos US$ 50 bilhões, dinheirinho razoável pelos padrões internacionais. Um deles, Carlos Alberto da Veiga Sicupira (Rio de Janeiro, 11 de maio de 1948), enriquece o gênero até então composto de sicupira-branca, sicupira-amarela e sicupira-do-cerrado com o sicupira-rico, que deu ao mundo Helena Sicupira, Heloísa Sicupira e Pedro Sicupira. Marcel Hermann Telles (Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1950) compõe a trinca. Pelo visto, três cariocas, enquanto os paulistanos vivem enchendo as bocas com as suas fortuninhas de meia-tigela.


O mundo é uma bola

24 de setembro de 622: o profeta Maomé completa sua hégira de Meca para Medina. Considerando que ninguém, a começar pelo philosopho, sabe o que seja hégira, devo informar que fui ao Houaiss para aprender que é fuga, longa viagem ou travessia, especialmente quando realizada para escapar de um perigo ou de uma situação indesejável. O início da era maometana é assinalado por essa data.

Em 787, início do Segundo Concílio de Niceia. O finado Celso Pitta casou-se com uma Niceia e viu o que era bom para a tosse. Em 1890, os mórmons abandonam o hábito da poligamia. Pois sim! Ainda outro dia, os jornais nos falavam de um mórmon sul-americano que ganhou na Justiça o direito de continuar casado com duas santas. Hoje em São Paulo é o Dia do Mototaxista e na Catalunha, onde joga Neymar, a maior festa de Barcelona: Dia de Mare de Déu de La Mercê.


Ruminanças

“Não gostamos tanto das pessoas pelo bem que nos fizeram quanto pelo bem que lhes fizemos” (Laurence Sterne, 1713-1768).

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Eduardo Almeida Reis - Preços

Há quatro anos, um filé dos mais simples, só ele, filé, custava 40 dólares%u2026 Convenhamos em que para ver mulher feia um filé por dois dólares já seria muito caro


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 22/09/2014


Preços

Famoso restaurante belo-horizontino fechou as portas depois de alguns anos de bons e caríssimos serviços prestados à gastronomia mineira. Lá, estive algumas vezes a convite de amigos ricos. Preços estratosféricos, maiores ainda que os restaurantes Ducasse, de Londres e Nova York, com a seguinte agravante: conseguia reunir em seu belo salão as senhoras mais feias de Minas. Há quatro anos, um filé dos mais simples, só ele, filé, custava 40 dólares, fora serviço, bebidas, sobremesa & companhia. Convenhamos em que para ver mulher feia um filé por dois dólares já seria muito caro.
Bem instalado em ótimo ponto, o restaurante pregou-me uma peça na tarde em que fui ao banheiro depois de me exceder nos vinhos sugeridos pelo amigo que nos havia convidado. Era sexta-feira e os demais convidados tinham encerrado os respectivos expedientes, daí a comezaina e a vinhaça.
O banheiro masculino, como descobri naquela tarde, ficava à esquerda no final de pequeno corredor. Ao entrar na estreita passagem, vi que lá do fundo vinha figura conhecidíssima, que cumprimentei com o afeto entusiasmado dos bêbados e fui correspondido na mesma moeda, porque a figura conhecida era a minha refletida no espelho do final do corredor.

Faz tempo que não como fora de casa, entre outros motivos porque tenho a melhor das cozinheiras, criatura que vi nascer e parece ter nascido para cozinhar. Pelo meu aniversário jantei num restaurante, que já elogiei muitas vezes nesta coluna imaculada de nossa mídia impressa: era ótimo e barato. Continua barato, mas deu uma piorada que vou te contar. Fio que o cozinheiro estivesse gripado ou de férias. Caso contrário, sei não. Gosto muito do verbo fiar, datado de 1009, no sentido de ter fé, acreditar, confiar. Latim *fidare por fído,is,físus sum,ère 'fiar-se, confiar'. Certa feita, Abgar Renault usou fio num discurso, gozado na mídia pelo jornalista Artur Xexéo. Comentei a gozação com o genial barbacenense, que retrucou: “Que se pode esperar de um sujeito chamado Xexéo?”.

Linguística 

Contei-lhes de um empregado que tive na roça fluminense, brasileiro fortíssimo, de letras nenhumas, que falava dificulidade. Realmente, a qualidade ou caráter do que é difícil fica muito mais forte quando transformada em dificulidade.

Ligar a tevê matinal está ficando uma dificulidade. O noticiário das 10 horas já começa com um tiroteio numa comunidade pacificada filmada ao vivo e em cores, na véspera, por um morador. Três ônibus queimados, um rapaz de 18 anos ferido na perna. Levado para o hospital, não corre o risco de morrer.

Pois sim! No Rio atual, o risco de morrer é eminente, com tem dito o moderno jornalismo: “muito acima do que o que está em volta; proeminente, alto, elevado”. Na confusão com iminente “que ameaça se concretizar, que está a ponto de acontecer; próximo, imediato”, a rapaziada acerta por tabela. Além de “próximo, imediato”, o risco é “alto, elevado”.

Fugindo dos tiroteios nas comunidades “pacificadas”, você muda para o canal de esportes e tem a fortuna de encontrar dois comentaristas inteligentes e alfabetizados, Artur Dapieve e Ruy Castro, falando sobre o insuportável Dunga. Aí, entra um jornalista de outro estado, ao vivo e em cores, pronunciando “tàrdiamente”. Não é o primeiro e não será o último a pronunciar “tàrdiamente”. Tenho visto vários com essa estranha pronúncia, que transforma tardio e tardia em tárdio e tárdia. Considerando que tardio é serôdio, já podemos pensar em seródia, tão grave quanto o reconcávo baiano inventado pela nova moça do tempo.

Que fazer? No caso em tela, desliguei o televisor e fugi para o computador, passa das 11 horas e continuo sem internet. Vou parando por aqui antes de dizer o que penso da empresa contratada (e paga) para me fornecer 10 megas, que vive enguiçando. Tenho por lá bons amigos ganhando bem, que devem sofrer na administração de uma das maiores bagunças do Hemisfério Sul. 

O mundo é uma bola 

22 de setembro: faltam 100 dias para acabar o ano. Em 490 a.C. Dário, rei dos Persas, é derrotado em Maratona pelos exércitos gregos. Deve-se a essa batalha, presumo, a mania mundial de maratonas, meias-maratonas e corridas do gênero, que fazem muito bem à saúde dos maratonistas, mas não conseguiram impedir, até 22 de setembro de 2014, data em que esta bela coluna está sendo publicada, que todos os maratonistas, mais dia, menos dia, passem desta para a pior.

Em 1762, coroamento de Catarina, a Grande, imperatriz e déspota russa nascida Sophie Friederike Auguste von Anhalt-Zerbst, na Alemanha, dia 2 de maio de 1729. Durante o seu reinado, expandiu o Império Russo e o modernizou, melhorou a administração, tornando-o uma das maiores potências do mundo, sem prejuízo do seu entusiasmo libidinoso.

Teve uma porção de namorados, que nomeava para altas posições no governo enquanto lhe davam prazer sexual, enviando-os para longe com grandes propriedades, pensões e empregados quando seu tesão acabava. Terminou seu caso com o love e conselheiro Gregório Alexandrovich Potemkin, em 1776, quando ele começou a escolher namorados para a imperatriz que tivessem beleza física e inteligência. Catarina sempre foi muito generosa com os rapazes. Um dos seus últimos, o príncipe Zubov, era 40 anos mais moço que ela.

Hoje é o Dia do Contador. Palmas para a contadora do Beto Youssef, Meire Bonfim Poza, que cuspiu tudo.

Ruminanças
“Raposa velha não cai no laço” (Erasmo, 1469-1536). 

Pesquisadores descobrem que remédio para colesterol pode inibir nanismo

A estatina recuperou o crescimento ósseo em ratos com a alteração genética que causa baixa estatura. Segundo autores do estudo, existe a possibilidade de o efeito ser repetido em bebês


Bruna Sensêve
Estado de Minas: 18/09/2014



Clique na imagem para ampliar (Arte/CB/D.A Press)

Um tratamento inusitado para uma condição sem cura e tratamento. Um dos tipos mais comuns de nanismo, a acondroplasia foi revertida em ratinhos de laboratório com a administração de medicação amplamente usada para reduzir os níveis de colesterol: a estatina. A incrível descoberta vem da Universidade de Kyoto, no Japão, e poderá resultar na primeira terapia efetiva para a recuperação do crescimento ósseo em bebês diagnosticados precocemente com a alteração genética que leva à deficiência de desenvolvimento dos ossos dos braços e das pernas. A nova aplicação da droga, porém, deverá enfrentar grandes desafios para a definição da dosagem — uma vez que, em alta quantidade, essa substância é tóxica ao organismo — e do momento exato de início da intervenção.

O estudo, publicado na edição de hoje da revista científica Nature, descreve uma série de experimentos com células humanas in vitro e camundongos. Os cientistas partiram de um dilema primordial e que há muito tempo ronda as pesquisas sobre a acondroplasia: a falta de modelos para a doença — formas da enfermidade criadas em laboratório que ajudem no estudo e no teste de novos tratamentos. Para superar esse problema, a equipe liderada por Noriyuki Tsumaki recolheu células-tronco pluripotentes adultas de pessoas com displasia tanatofórica e acondroplasia, tipos recorrentes de nanismo.



As células foram reprogramadas para um estado embrionário e, ao se tornarem ósseas, produziram cartilagem degradada. O resultado era esperado, e o modelo estava pronto para ser testado. Na etapa seguinte, as células que receberam as estatinas tiveram um desenvolvimento normal. Depois, a terapia foi testada em camundongos, que receberam injeção com o equivalente a 1mg por quilo de rosuvastatina, um tipo de estatina. O crescimento ósseo foi mais uma vez restaurado. Os pesquisadores explicam que a ideia de usar a droga contra o colesterol alto veio de uma observação clínica em pacientes que são tratados com ela de forma crônica: eles apresentam uma alteração na cartilagem.

A dose usada nos animais equivale a 70mg por dia em um humano de 70kg. O valor é quase liminar, uma vez que os ensaios clínicos indicam que uma dose de 80mg por dia pode provocar efeitos tóxicos. Dessa forma, apesar de as estatinas representarem um tratamento promissor para doenças ósseas e de cartilagem, a dosagem pode ser um desafio. “Como têm sido administradas a um grande número de pacientes por muitos anos, há abundante informação disponível sobre a segurança delas, apesar de seus efeitos sobre bebês, crianças e adolescentes ainda serem em grande parte desconhecidos”, afirma Tsumaki. Para ele, o importante, nesse estágio do estudo, é que o tratamento salvou ambos os modelos da doença em células humanas e em camundongos, sugerindo que as estatinas podem ser eficazes e aplicáveis em pacientes com displasia tanatofórica e acondroplasia.

Modificação celular Segundo o chefe do Serviço de Genética Médica do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, Roberto Giugliani, os testes feitos pelos pesquisadores do Japão apostaram em duas formas de nanismo causadas por uma alteração genética em um receptor celular ligado ao fator de crescimento existente nas células. “A medicação tem um efeito inusitado de promover o crescimento nos camundongos que têm esse defeito genético, como se ela fosse um tipo de tratamento para essa condição.”
Giugliani lembra que não se trata de uma terapia gênica. “Não há modificação genética. Em função desse defeito, os camundongos não crescem. Essa medicação causa alguma modificação celular no organismo das cobaias que faz elas voltarem a crescer.” O médico explica que nem mesmo os pesquisadores souberam detalhar o mecanismo de ação óssea.
Uma das vantagens do uso de estatina apontada pelo geneticista é que ela vem sendo usada há anos e é comprovadamente segura, sem grandes efeitos colaterais. Se for comprovado nos humanos o mesmo que ficou descrito nos camundongos, os benefícios seriam inestimáveis. A acondroplasia é uma doença genética que acontece em um a cada 10 mil nascimentos. “Isso significa que, no Brasil, tem mais de 250 pacientes que nascem a cada ano com essa doença. Se esse medicamento for eficaz e essas pessoas, tratadas, será um ganho muito significativo.”

Expressão exagerada Na acondroplasia, o gene está mais ativo que o normal e produz proteínas de maneira excessiva. Ricardo Fernando Arrais, do Departamento de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, explica que, pela literatura médica, já se sabe que, quando o gene responsável pelo defeito não consegue se expressar, o crescimento é maior. “A ideia dos pesquisadores era encontrar uma estratégia para diminuir a expressão desse gene, e uma das possibilidades acabou sendo a estatina.” 

Arrais resume que os resultados mostraram uma resposta clara nas culturas de células: onde não havia estatinas, as estruturas humanas acometidas pela doença não se desenvolviam; e, nas que receberam medicação, houve uma replicação de cartilagem e uma resposta em termos de crescimento. Ainda assim, o especialista considera importante fazer algumas ressalvas.
 Primeiro, não é possível saber se essas drogas vão promover um crescimento adequado em humanos. “Esse é um dado preliminar. Precisamos saber como será o crescimento real do tecido, além de garantir a segurança do tratamento com estatina em indivíduos muito jovens.” Ele reforça que, atualmente, essas substâncias são prescritas apenas para pacientes com 10 anos ou mais, ainda assim de forma cuidadosa por conta da toxicidade. Um dos efeitos colaterais pode ser a lesão muscular. “Eles mesmos (os pesquisadores) levantam esses problemas. Não temos nada em humanos, apesar do indício bastante promissor e interessante.”