segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Palco de reflexões

Palco de reflexões
 
Encontro Mundial de Artes Cênicas volta a ser realizado em BH no mês que vem. Em novo formato, o CIT-Ecum vai mesclar espetáculos com discussões sobre o teatro e a sociedade

Carolina Braga
Estado de Minas: 25/08/2014


Espetáculo Recusa, com Cia. Balagan de São Paulo, que aborda o universo indígena, vai inspirar debate sobre arte e cosmopolítica (Ernesto Vasconcelos/Divulgação)
Espetáculo Recusa, com Cia. Balagan de São Paulo, que aborda o universo indígena, vai inspirar debate sobre arte e cosmopolítica


Os prazos nem sempre são aqueles desejados. Como persistência é característica fundamental para quem vive a labuta da cultura, finalmente o Ecum, o saudoso Encontro Mundial de Artes Cênicas, rebatizado como CIT-Ecum, vai se reencontrar com o público de BH, cidade onde nasceu. Entre 13 e 21 de setembro, o projeto atualmente radicado em São Paulo realiza nos teatros Francisco Nunes e Marília e na sede da Funarte-MG uma mostra artística com cinco espetáculos e três mesas-redondas.

Quem acompanhou o surgimento da iniciativa na cidade, nos idos de 1998, pode estranhar o formato proposto para o reencontro. O Ecum sempre foi espaço em que a experiência prática dava lugar à discussão. Nomes de peso internacional também costumavam ser peças-chave na programação, mais centrada em palestras e workshops do que propriamente nas apresentações. Pensar o fazer teatral continua, mas com uma dinâmica diferente. A cena e os temas propostos nela ganham um relevo maior.

“Experimentamos um novo formato”, anuncia Guilherme Marques, diretor artístico e idealizador do Ecum. Agora, os espetáculos funcionarão como ponto de partida para um debate mais amplo, que inclui tanto o fazer artístico como as reverberações na sociedade. Como explica Fernando Mencarelli, curador do fórum, o objetivo é propor uma nova relação entre as práticas criativas levadas para o palco e as pautas emergentes da sociedade.

“Entendemos que, por meio das mesas-redondas, poderíamos refletir sobre questões que nos parecem articuladas na prática: a emergência de uma perspectiva nova sobre o político que surgiu nos últimos anos. Temos novos olhares e sujeitos para serem considerados nas discussões das questões públicas. E o teatro é um espaço político por excelência”, reforça Mencarelli.

É por isso que Recusa, montagem do grupo Balagan, de São Paulo, dirigida por Maria Thaís, sobre o universo indígena, inspira debate sobre as artes e a cosmopolítica. O mesmo ocorre com Conselho de classe, dos cariocas da Cia. dos Atores, em relação à crise da instituição escolar. Entrevista com Stella do Patrocínio, protagonizado por Georgette Fadel, discutirá a voz poética dos sujeitos à margem da ordem e da norma. “A ideia é refletir por meio do teatro sobre outros modos de ser e de ver o mundo. Algo que emergiu recentemente é a necessidade de se observar a realidade por novos ângulos e encontrar maneiras diferentes de pensar as práticas sociais”, continua Fernando Mencarelli.

Embora não seja nada novo, o modelo de debate a partir de uma apresentação sintetiza o modo de trabalho do CIT-Ecum desde que a sede em São Paulo entrou em funcionamento, em 2012. Entre 1998 e 2011, o evento foi realizado em edições bienais em Belo Horizonte. Isso fez com que pensadores e pesquisadores do mundo inteiro se encontrassem na cidade para conhecer diferentes abordagens sobre o fazer teatral. Ariane Mnouchkine, Eugênio Barba e Yoshito Ohno foram alguns dos nomes que participaram.

O fato é que, desde 2012, quando o CIT-Ecum viveu a experiência de fomentar uma programação, formada principalmente por grupos dedicados à pesquisa, dentro da antiga sede mantida na Rua da Consolação, em São Paulo, o formato do projeto vem se tornando cada vez menos cristalizado. Mesmo enfrentando as dificuldades burocráticas com o espaço, para Guilherme Marques, não se pode negar o quanto a mudança do Ecum para São Paulo garantiu uma visibilidade nunca antes experimentada. “São Paulo é um polo irradiador, concentra muitos artistas, tem um movimento consistente e vibrante e acho que isso reverberou. Demos um salto enorme tanto em visibilidade quanto artisticamente.”

Sem casa

Quando recebeu o convite para mudar-se para São Paulo, Guilherme Marques vislumbrou a possibilidade de ter uma sede e, nela, dar continuidade a todos os projetos pedagógicos incubados no Ecum. Assim foi feito durante os 16 meses em que a sede do CIT-Ecum esteve em funcionamento na Rua da Consolação. No prédio com três espaços distintos para apresentações passaram 90 espetáculos, além do fórum internacional, realizado em 2012.

No primeiro semestre deste ano, o CIT-Ecum precisou fazer as malas por causa da especulação imobiliária. O edifício ocupado pelo centro cultural foi pedido pelo proprietário, o que deu origem a protestos e um movimento pelo tombamento do projeto como bem cultural imaterial, assim como do imóvel. Se o imbróglio significou paralisação das atividades em São Paulo, abriu espaço para a circulação por outras praças.

Por motivos óbvios, Belo Horizonte é a primeira parada. Embora não estejam definidas datas, também estão em planejamento passagens pelo Rio de Janeiro e alguma cidade do Nordeste. A expectativa é de que em no máximo 30 dias saia o resultado do tombamento da sede paulista, e aí a equipe poderá dar continuidade ao planejamento das ações para a sede do CIT-Ecum.

Conselho de classe, do grupo carioca Cia. dos Atores, coloca em cena o tema da crise da educação na sociedade contemporânea   (Dalton Valério/Divulgação )
Conselho de classe, do grupo carioca Cia. dos Atores, coloca em cena o tema da crise da educação na sociedade contemporânea


CIT-Ecum BH

. Espetáculos

Recusa (Cia. Balagan/SP) – 13 e 14 de setembro, Funarte, às 19h
Conselho de classe (Companhia dos Atores/RJ) – 16 de setembro, Teatro Francisco Nunes, às 19h e às 21h
Stella do Patrocínio (Georgette Fadel e Lincoln Antonio/SP) – 18 e 19 de setembro, Funarte, às 19h
Árvores abatidas ou Para Luís Melo (Marcos Damaceno Cia. de Teatro, com Rosana Stavis) – 19 e 20 de setembro, no Teatro Marília
Cais ou Da indiferença das embarcações (Velha Companhia/Texto e direção Kiko Marques) – 20 e 21 de setembro, Teatro Francisco Nunes

. Fórum

.Artes e cosmopolítica, com Leda Martins (Fale/UFMG), Ana Gomes (FAE/UFMG) e Maria Thais (Cia. Balagan) – 13 de setembro, Funarte, às 20h
.A escola em crise, com Shirley Miranda (FAE/UFMG), Juarez Dayrell (FAE/UFMG) e Bel Garcia (Companhia dos Atores) – 16 de setembro, no Teatro Francisco Nunes, às 20h
.Nas margens da cidade, com Antonio Hildebrando (EBA/UFMG), Manu Pessoa e Rafael Bottaro (Espaço Comum Luiz Estrela) e Georgette Fadel – 18 de setembro, Funarte, às 20h

Depoimento

Rita Clemente
Diretora de teatro


“Quando era um evento, o Ecum motivou toda uma geração ao diálogo, à pesquisa e à realização apurada da obra de arte cênica. Quando um evento como este, com esta força transformadora, estende seu conceito sem perda de critério e deixa de ser sazonal, ele amplia a sua abrangência e passa a ser parte efetiva de um mercado que de maneira alguma pode prescindir da pesquisa e de sua ligação direta com o fazer artístico. O Ecum, e tudo que se originou dele, mostra a necessidade imperiosa de que haja dispositivos contínuos que promovam a difusão, pesquisa e profundamento da arte cênica de forma permanente. Além disso, o Ecum é único. Único no conceito e na efetividade. Não há outro semelhante no país. Sua permanência sequer deveria ser discutida, tamanhas as importância e efetividade de suas ações.”



"Não podemos ficar à mercê de leis de incentivo, ter que desenvolver uma pesquisa em três meses para cumprir prazos e mostrar resultados. Isso acaba comprometendo a qualidade artística do projeto. Temos de fortalecer o investimento direto" .Guilherme Marques, criador do CIT-Ecum

Nenhum comentário:

Postar um comentário