domingo, 31 de agosto de 2014

Nas localidades mais pobres, eleitores demonstram desconfiança e até raiva de políticos‏

Eleitores de localidades pobres demonstram desconfiança dos políticos As regiões viram ponto de romaria em época de campanha e são esquecidas logo após o fim da disputa nas urnas

Renata Mariz
Estado de MInas: 31/08/2014 08:02


Onde asfalto, rede de esgoto, ônibus e segurança não chegam, sobram santinhos, faixas fincadas no chão, carros de som e visita de políticos. Às vésperas das eleições, bairros pobres se transformam em verdadeiros pontos de romaria de candidatos em busca de votos. O Sol Nascente, apontado como a maior favela do Brasil, localizada a 35km do Palácio do Planalto, em Ceilândia, é exemplo. Lugar onde Marina Silva (PSB), ainda ao lado de Eduardo Campos, deu a largada na campanha. E que deve entrar na agenda de outros presidenciáveis. Por lá, também já passaram os três principais concorrentes ao governo do Distrito Federal, além de aspirantes a deputado e a senador. Entre os eleitores, um misto de desinteresse, desconfiança e até raiva. “Gente que nunca apareceu por aqui, agora vem querer abraçar, botar criança no colo, tirar foto. Eu não acredito. Depois que eles ganham, nunca mais voltam”, reclama Thays Sthefany Silva Sousa. O sentimento da piauiense de 20 anos, que mora e trabalha vendendo verduras no Sol Nascente, repete-se em locais carentes visitados pelo Correio em São Paulo, em Minas Gerais, em Goiás e em Pernambuco. Não importam a região, faixa etária e experiência com as urnas, o sentimento da população é o mesmo: todos são vítimas do oportunismo eleitoral que só aproxima os políticos da pobreza em período de campanha.



 (Janine Moraes/CB/D.A Press)


Terra fértil para a caça aos votos
Brasília – Onde asfalto, rede de esgoto, ônibus e segurança não chegam, sobram santinhos, faixas fincadas no chão, carros de som e visita de políticos. Às vésperas das eleições, bairros pobres se transformam em verdadeiros pontos de romaria de candidatos em busca de votos. O Sol Nascente, apontado como a maior favela do Brasil, localizado a 35 quilômetros do Palácio do Planalto, em Ceilândia, é exemplo. Lugar onde Marina Silva (PSB), ainda ao lado de Eduardo Campos, deu a largada na campanha. E que deve entrar na agenda de outros presidenciáveis. Por lá também já passaram os três principais concorrentes ao governo do Distrito Federal, além de aspirantes a deputado e senador. Entre os eleitores, um misto de desinteresse, desconfiança e até raiva.

“Gente que nunca apareceu por aqui agora vem querer abraçar, botar criança no colo, tirar foto. Eu não acredito. Depois que eles ganham, nunca mais voltam”, reclama Thays Sthefany Silva Sousa. O sentimento da piauiense de 20 anos, que mora e trabalha vendendo verduras no Sol Nascente, repete-se em locais carentes visitados pelo Estado de Minas em São Paulo, Minas Gerais, Goiás e  Pernambuco. Não importa a região, faixa etária ou experiência com as urnas, o sentimento da população é o mesmo: todos são vítimas do oportunismo eleitoral que só aproxima os políticos da pobreza em período de campanha.

Caça aos votos  Encravada em Ceilândia, a região do Sol Nascente, que tem como extensão o loteamento denominado Pôr do Sol, abriga quase 80 mil pessoas, de acordo com levantamento mais recente da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan). Desse total, 50 mil votam. Número mais do que suficiente para eleger um deputado distrital. O de melhor performance, nas eleições de 2010, teve 37 mil votos. A matemática atrai dezenas de candidatos ao local, onde a irregularidade da ocupação impulsionada desde os anos 2000 – 79% dos domicílios são próprios, mas não há documentação válida – acompanha a precariedade dos serviços básicos.

Wiliane Carmo dos Santos, de 30 anos, quatro filhos e o quinto na barriga, vive em uma das 94% de moradias do Sol Nascente sem rede de esgoto. Para ela, que faz uso de uma fossa no quintal, o serviço melhoraria a saúde dos quatro meninos, que também sofrem com bicho de pé. Funcionária de um lavajato no Setor de Indústrias Gráficas, Wiliane demonstra total desinteresse pelo processo político e se aborrece com os santinhos de candidatos que sujam a frente do portão da casa humilde, onde mora com o marido, a mãe, um tio e as crianças. “Eles falam, falam e não fazem nada.”

Segundo a vendedora de verduras Thays Sthefany Silva Sousa, de 20, além da falta de infraestrutura, um problema crucial que aflige a população é a falta de segurança. “Depois das oito da noite aqui, a gente não sai mais, só por necessidade mesmo”, conta.

O desemprego no Sol Nascente, em torno de 5,6%, não chega a ser um problema. A proximidade com Brasília, Taguatinga e a própria Ceilândia, onde há oportunidades de trabalho, facilita a ocupação. Mas a taxa de pessoas com carteira assinada, entre as que têm emprego remunerado, é baixa: 54,1%. O rendimento familiar médio é de R$ 1.833,25 – menos de 20% do registrado no Plano Piloto (cerca de R$ 10 mil).

A miséria como combustível eleitoral

Felipe Seffrin

São Paulo – Poucas comunidades em São Paulo apresentam condições tão subumanas de vida como a Ocupação Futuro Melhor, loteamento irregular no Jardim Peri Alto, Zona Norte, que, segundo moradores, concentra 5 mil famílias. No pé do Parque Estadual da Cantareira, o que deveria ser área de conservação ambiental transformou-se, a partir de 1996, em uma favela onde a sobrevivência é precária.

Barracos circundam o turvo e fétido Córrego do Bispo, verdadeiro esgoto a céu aberto, rodeado por um pequeno lixão. Cães, baratas, ratos e, eventualmente, até cobras, perambulam pelo lixo. Crianças descalças também. O cheiro é insuportável. Saneamento básico e água encanada são um luxo que jamais chegou ali. A luz elétrica é irregular. Durante a época das chuvas, no verão, é comum as moradias tombarem com a cheia do córrego. Não há qualquer posto de saúde ou base policial próxima. À noite, traficantes e viciados, muitos deles menores de idade, tomam conta das ruas. É esse ambiente que, a cada dois anos, vira cenário para campanhas políticas dos mais variados partidos.

Deise Monteiro, de 28 anos, já perdeu as contas de quantos candidatos passaram por lá em busca de votos. “Eles chegam, falam bonito, prometem o céu e a Terra, a população fica na esperança de que vai ganhar moradia digna e vota neles. Mas, quando passam as eleições, eles se esquecem de que a gente existe. Ficamos sempre ao deus-dará.” Desempregada, ela mora com o marido e os seis filhos em um barraco minúsculo no alto do córrego transformado em esgoto. A criança mais nova é recém-nascida. O mais velho tem 11 anos. “Já prometeram tanta coisa que a gente já perdeu a esperança”, lamenta. Há 14 anos ela sonha em sair dali.

Presidente da Associação Futuro Melhor, a varredora Cremildes Jesus da Silva, de 50, conta que o assédio é grande em época de eleições. “Muitos assessores nos procuram para fazermos campanha. Oferecem R$ 700 para a gente trabalhar na área, distribuir panfleto e convencer a comunidade a votar nos políticos deles”, revela Cremildes, que recusa a renda extra, apesar da necessidade. “Não faço mais campanha. Eles vêm aqui, prometem moradia e urbanização, mas não cumprem. É só promessa e mais promessa.”

Banners em meio a esgoto

Júlia Schiaffarino


Olinda (PE) – Há menos de dois anos, a dona de casa Adilma José Gomes vendeu o voto para um candidato a vereador diante da promessa de que um muro seria construído na casa dela. Uma moradia humilde, cercada de mato e de frente para uma canaleta de esgoto a céu aberto no Bairro de Sapucaia, em Olinda, Região Metropolitana do Recife. O vereador foi eleito, mas nenhum tijolo chegou. “Fiz toda a minha família votar nele. Agora, vou ganhar um salário mínimo e usar esse dinheiro para construir meu muro”, contou, reclamando que os problemas da localidade são esquecidos. “Se não fosse a eleição, a gente nem via esse povo.”

Desiludida com a política, Adilma enumera os problemas do bairro com a mesma facilidade que cita os políticos que já passaram por lá. Neste período de campanha, caminharam pelo bairro o candidato ao governo do estado Paulo Câmara (PSB), a candidata à reeleição para deputada federal Luciana Santos (PCdoB), que já foi prefeita de Olinda, e a candidata a deputada federal Izabel Urquiza (PMDB), filha da ex-prefeita da cidade Jacilda Urquiza. Ela reclama, porém, que as visitas sempre ficam restritas à parte calçada. “Eles chegam ali na Associação de Moradores e voltam. Ninguém entra lá pra dentro nem sobe”, disse apontando para uma região de morros onde são frequentes os deslizamentos de terra.

Apenas 15,33% dos domicílios de Sapucaia têm saneamento básico, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O esgoto que corre pelas ruas contrasta com o colorido vivo dos banners, cavaletes e muros pintados com propaganda de candidatos. Outro problema que assola os moradores é a violência. De acordo com a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, de janeiro a 24 de agosto haviam sido registrados 97 homicídios em Olinda e, sem precisar os dados, policiais afirmam que muitos deles foram em Sapucaia, principalmente por causa do tráfico de drogas.

A comunidade tem 13.856 moradores, de acordo com o IBGE. Não tem creche e a região é assistida por uma escola estadual e uma municipal, Professora Joana Sena. A instituição não atingiu a meta do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Na última prova, teve nota mais baixa do que na medição de 2009: caiu de 3,4 para 3,1. Ela funciona em diversos anexos. Um deles fica na Associação de Moradores. Na casa, que tem apenas um vão e um banheiro, são atendidas 50 crianças de 4 a 6 anos. Ali é até onde chegam os políticos em campanha. Fora de ano eleitoral, eles não passam nem perto.

Alvo de candidatos do DF e de Goiás

Nem os políticos ousam sujar os sapatos onde Luzia Almeida da Silva mora, no fim de Águas Lindas, com vista para um imenso descampado. Mas cartazes, adesivos e muros pintados já podem ser vistos em meio à poeira que acentua o estado de abandono do lugar. Mãe de três meninas, a baiana de Irecê, beneficiária do Bolsa-Família, elenca queixas sobre as condições em que vive, ao mesmo tempo em que mostra desprezo em relação ao ato de votar. “Falta asfalto, colégio, creche, posto de saúde, ônibus…”, diz. “Então, não sei pra que votar. A gente vota e não vê melhora nenhuma. Bom é para eles, mas pra gente…”

No caminho em direção a áreas mais centrais do lugar, que se tornou município em 1995 e hoje tem quase 200 mil habitantes, o lixo acumulado chama a atenção. Para 93,4% das moradias há coleta de resíduos, mas ela é feita uma vez por semana. “Dá bicho, rato. Sem falar no entulho”, diz Maria Rosemary Pereira. A dona de casa de 45 anos, moradora há 15 de Águas Lindas, elege a saúde como problema número um.

Todas essas queixas foram ouvidas por políticos no passado e são repetidas agora.  Muitos moradores mantêm o título na capital federal, onde trabalham 63% das pessoas ocupadas de Águas Lindas. O município passou, então, a ser alvo de políticos tanto de Goiás quanto do DF. “Dia de domingo, a gente nem consegue dormir até mais tarde com essas propagandas, gente na porta”, irrita-se. (Com Renata Mariz e Aline Moura)

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