quinta-feira, 7 de agosto de 2014

EMPREGADA DOMÉSTICA » Porta fechada para o fiscal‏

EMPREGADA DOMÉSTICA » Porta fechada para o fiscal
Lei que determina punição para quem não assinar a carteira do funcionário entra em vigor e encontra obstáculos: Ministério do Trabalho não pode entrar nos lares e depende de denúncia
Marta Vieira e Francelle Marzano

Estado de Minas: 07/08/2014


A imposição de multa aos patrões que não assinarem a carteira de trabalho do empregado doméstico entra em vigor sem expectativa sobre seu efetivo cumprimento, já que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) não tem data definida para baixar as normas relativas à fiscalização do cumprimento da Lei 12.964, sancionada em abril. A medida não faz parte da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) das domésticas, aprovada há um ano e já parcialmente em vigor.

Os técnicos do ministério estão trabalhando na instrução normativa que vai definir a atuação dos fiscais e como será aplicada a penalidade, informou, ontem, a pasta, por meio de sua assessoria de imprensa. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relativos a 2012, há 6,355 milhões de empregados domésticos no Brasil, dos quais 4,455 milhões não têm registro formal. Especialistas estimam que desse último contingente, 2,5 milhões são domésticos sem carteira e o restante, diaristas.

O direito constitucional de inviolabilidade do lar cria obstáculo à ação fiscal, que já enfrenta dificuldades para atender toda a demanda para coibir a ausência de registro em outras categorias profissionais nas próprias empresas, avalia a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad). “Se a fiscalização já é deficiente em outras categorias nas empresas, imagine como será na casa das pessoas, onde os fiscais nem podem entrar”, disse o presidente interino da Fenatrad, Francisco Xavier de Santana.

Para a instituição, o direito só será garantido se os trabalhadores domésticos denunciarem a infração nas superintendências do  trabalho e procurarem a justiça. Ainda assim, a Fenatrad admite que será preciso vencer o medo da demissão e adquirir a consciência de que o trabalho doméstico é uma profissão como qualquer outra, para que mais uma lei brasileira não fique só no papel .

À Justiça do Trabalho cabe agir se acionada pelo empregado, determinando que o patrão assine a carteira, como também cumpra os demais direitos previstos na legislação, sob pena de multa diária determinada na sentença em prol do trabalhador. O primeiro vice-presidente do Tribunal do Trabalho da 3ª Região, em Minas Gerais, José Murilo de Morais, observa que baixada a sentença o juiz, então, terá de comunicar o caso ao Ministério do Trabalho para que a pasta aplique a multa determinada na nova lei. O ministério é que tem as competências de fiscalizar o cumprimento do direito trabalhista e de aplicar uma multa administrativa, cuja destinação fica a cargo do governo federal.

“Não acredito que a nova lei terá algum impacto, a menos que o empregado venha à Justiça e denuncie”, afirma Murilo de Morais. As denúncias mais recorrentes envolvem, hoje, o gozo de férias e a licença maternidade. Ele entende que a aplicação de multa pela ausência de registro só terá efeito significativo nos tribunais quando outros direitos que aguardam regulamentação, como o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), entrarem em vigência.

POUCO MUDA O registro dos domésticos não é novo. Consta em redação original na Lei 5.859, de 1972. Agora, o novo texto define a elevação em 100% da multa prevista em caso de falta de registro, mas não especifica como será aplicada. A penalidade poderá ser reduzida se o patrão reconhecer voluntariamente o tempo de serviço, fizer a devida anotação e recolher as contribuições previdenciárias. Há estimativas de que a multa poderá variar de R$ 805,06 a R$ 2 mil.

A professora Solange Medeiros duvida que a fiscalização funcione. “Se o próprio empregado aceita trabalhar na informalidade, ele já está desrespeitando a lei. Se um deles agir de má fé, não terá como comprovar”, afirma. Ela adotou o caderno de ponto, onde são registrados os horários de entrada e saída da funcionária. A empresária Filomena Generoso também não acredita que haverá fiscalização. “A lei é falha e vai continuar dependendo de denúncias dos próprios empregados, que não falam nada com medo de perder a colocação.”

Punição pode gerar formalização

Diante do risco de o patrão arcar com uma dívida de grande proporção na Justiça do Trabalho, a instituição da multa pelo descumprimento do registro do trabalhador doméstico deverá levar à formalização de 10% a 15% dos empregados domésticos no país, nas estimativas de Mário Avelino, especialista e consultor da empresa prestadora de serviços Doméstica Legal. “Não vale a pena querer driblar a lei. É fundamental assinar a carteira do trabalhador”, afirma. Ele recomenda que os patrões aguardem regulamentação da Lei 12.964 para acertar débitos retroativos.

Segundo Mário Avelino, existe perspectiva de que a presidente Dilma Rousseff assine projeto de lei que reduz o INSS e de que seja aprovado um programa de refinanciamento das contribuições previdenciárias. Ao mesmo tempo, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) trabalha para reforçar campanhas de orientação e conscientização dos empregados domésticos sobre os seus direitos. (MV) 

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