quarta-feira, 30 de julho de 2014

Um brilho no escuro

Um brilho no escuro 
 
Dia a dia de mãe acometida pelo Alzheimer e a filha, contado em rede social, tem mais de 3 milhões de acessos. Avanços da medicina permitem melhor qualidade de vida a pacientes

Luciane Evans
Estado de Minas: 30/07/2014


Em vez de colocar a mãe num asilo, Ana Heloísa optou por enfrentar a doença a seu lado. Apesar de não a reconhecer mais, Anna Izabel recebe com alegria seus cuidados e seu carinho (Leandro Couri/EM/D.A Press  )
Em vez de colocar a mãe num asilo, Ana Heloísa optou por enfrentar a doença a seu lado. Apesar de não a reconhecer mais, Anna Izabel recebe com alegria seus cuidados e seu carinho

Ela exercitava a mente, compondo e lendo poesias. Tinha celular, alimentação saudável, era ativa e, até os 82 anos, andava de ônibus por Belo Horizonte. Mas um dia, em um dos seus caminhos de rotina, Anna Izabel Arnaut perdeu o rumo, desceu três pontos depois do seu destino final. Por sorte, um casal a ajudou a voltar para casa. Foi aí que a filha Ana Heloísa a levou a um neurologista: “Sua mãe vai lhe dar trabalho. É bom colocá-la em um lar para idosos”, decretou o médico. Indignada, Ana Heloísa procurou, então, um neurocientista, que, depois de fazer avaliação clínica e exames neurológicos, lhe deu o diagnóstico. Anna Izabel sofria da doença de Alzheimer (DA), mal que acomete mais de 1,2 milhão de brasileiros e ainda é uma incógnita na medicina.


  Em 22 de junho deste ano, depois mais de uma década convivendo com os avanços gradativos da enfermidade da sua mãe, Ana Heloísa resolveu contar o dia a dia desse desafio nas redes sociais. Ela criou a página no Facebook, Alzheimer, Minha mãe tem, e posta diariamente vídeos e casos sobre Anna Izabel, mostrando, inclusive, o que tem dado certo e errado no tratamento dela, além dos casos curiosos e engraçados entre as duas. A senhora não reconhece mais a filha e até isso é contado na rede com muito bom humor e respeito. Em menos de um mês, a página já alcançou mais de 3 milhões de acessos por pessoas do mundo inteiro, há mais de 135 mil internautas que acompanham as notícias e são muitos os comentários e mensagens. O que mais chama atenção de quem segue essa rotina pelo meio virtual é o carinho das duas. “Realmente, não esperava esse alcance todo. Tem pessoas de todos os cantos do mundo que me procuram. Percebi que há muitos passando pelos mesmos problemas”, comenta Ana Heloísa.


De acordo com o neurologista, pesquisador, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas da UFMG Paulo Caramelli, a DA é uma doença frequente e um problema de saúde pública. Em 2009, ele conta que a equipe da Faculdade de Medicina da UFMG voltada para o assunto analisou os vários estudos brasileiros e latino- americanos sobre a doença e foi constatado que 7,1% daqueles com 65 anos ou mais sofriam de alguma demência. “Destes, menos da metade ou dois terços tinham o Alzheimer. Hoje, estima-se que haja mais de 1 milhão de pessoas no Brasil com esse diagnóstico. É um problema real e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que em duas décadas haja um aumento maior no número de casos, principalmente, nos países em desenvolvimento, onde a população está envelhecendo”, diz.


A Associação Brasileira de Alzheimer alerta que a incidência da doença na população idosa praticamente dobra a cada 20 anos. A previsão é de que haja 65,7 milhões em 2030 e a 115,4 milhões em 2050 no mundo. Atualmente, 58% da população com Alzheimer encontram-se nos países desenvolvidos; percentual que atingirá os 72% em 2050. Para o especialista, o Alzheimer, o câncer e a Aids são os males de hoje e do futuro. A doença segundo o médico tem três fases. “Na primeira, a pessoa sofre o processo degenerativo cerebral, mas não há nenhum sintoma. Na segunda fase, há  sinais de esquecimento, mas nada que prejudique a autonomia. terceira, há as alterações que começam a prejudicar a vida.”


DIAGNÓSTICO Quanto mais cedo se diagnostica o mal, mais lento é o progresso da doença. É o caso da Anna Izabel. Segundo sua filha, na avaliação clínica feita pelo neurocientista, Anna acertou todas as perguntas que avaliam se a pessoa tem consciência sobre a data do dia do teste, o que comeu, quantos anos tem, entre outras. “É uma doença silenciosa, começa assintomática e vai se desenvolvendo. Quando há o diagnóstico, já se passaram uns 10 anos, então o tratamento fica limitado”, comenta Caramelli.


O primeiro sinal de que algo não vai bem na mente, segundo o especialista, é a alteração mais frequente da memória. “Falhas eventuais são normais e fazem parte do envelhecimento. Mas quando isso afeta a autonomia é um sinal. Geralmente, são fatos recentes, como, receber um recado e esquecer qual foi, ou, ouvir uma história e pouco tempo depois esquecê-la”, exemplifica, comentando que a doença é mais comum acima dos 65 anos, mas há uma pequena parcela para qual a enfermidade aparece antes dos 50. “O diagnóstico, geralmente, é clínico. É feita uma entrevista com a família ou com quem convive com o paciente. Depois, são feitas perguntas ao paciente para avaliar linguagem e orientação de tempo e espaço. Com base nas respostas, é possível saber se há uma alteração na função ou não. Podem-se fazer exames complementares, como sangue, tomografia, ressonância magnética para excluir outras doenças. Nenhum deles define a doença de Alzheimer”, explica.
´É justamente em busca de um diagnóstico mais preciso e precoce que a medicina se debruça. “Muitas pesquisas hoje investigam os biomarcadores, substâncias que se acumulam no cérebro ou no sangue, que são típicas do Alzheimer. Isso abre a esperança de detectar mais rápido a doença”, aposta.


Amor é o remédio Até o momento, não existe cura para a DA. Os avanços da medicina permitem que os pacientes tenham sobrevida maior e qualidade de vida melhor, mesmo na fase grave da doença. As pesquisas têm progredido na compreensão dos mecanismos que causam a doença e no desenvolvimento das drogas para o tratamento. Os objetivos dos tratamentos são aliviar os sintomas, estabilizando-os ou, ao menos, permitindo que boa parte dos pacientes tenha progressão mais lenta da doença, conseguindo manter-se independentes nas atividades diárias por mais tempo. Acredita-se que parte dos sintomas da doença decorra de alterações em uma substância presente no cérebro, a acetilcolina, que se encontra reduzida em pacientes com Alzheimer, por isso um tipo de tratamento prevê medicações que inibem a degradação dessa substância.
 “A doença em minha mãe progrediu lentamente, justamente por causa da medicação que ela toma, que conseguiu retardar os avanços do Alzheimer”, comenta Ana Heloísa, dizendo que, atualmente, sua mãe já não a reconhece, tem dificuldades para andar e falar. Ela conta com a ajuda de duas cuidadoras, e diz que o amor e o carinho são os melhores remédios para o paciente. O médico Paulo Caramelli diz que, é fundamental, como prevenção, a atividade física, boa alimentação e motivação intelectual constante. “Essas atividades podem retardar o aparecimento do Alzheimer. Conviver em um ambiente acolhedor, contribui para o paciente ter qualidade de vida”, conclui. 

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