sábado, 5 de julho de 2014

João Paulo - Uma questão de classe‏

Estado de Minas: 05/07/2014 



Trabalhadores estão voltando às ruas para reivindicar salários: uma boa notícia (Paulo Filgueiras/EM/D. A Press)
Trabalhadores estão voltando às ruas para reivindicar salários: uma boa notícia

Ninguém parece se entender quando o assunto é classe média. Para algumas pessoas, trata-se de uma classificação por faixa de renda, que pode ser medida por salário e quantidade de bens acumulados. Para outros, trata-se de uma categoria sociológica, formada muito mais por características de comportamento e imaginário que por aspectos materiais. E há ainda os que, por um viés marxista, entendem classe social em ligação com o modo de produção, a partir de sua localização no processo de divisão social do trabalho.

O que poderia parecer uma confusão conceitual ou, talvez, uma riqueza da expressão, na verdade carrega uma visão de mundo. Um jeito de conceber a sociedade e o lugar do indivíduo. Tanta liberalidade, no entanto, não ajuda muito quando se trata de compreender a realidade social e menos ainda na hora de se pensar a ação política necessária ao seu aprimoramento. É este o sentido do importante livro O mito da gr

Desde o título, o autor deixa claro que estamos no terreno do mito quando falamos em classe média. Há uma espécie de silêncio em torno da expressão, como se ela calasse o conflito entre capital e trabalho, capitalistas e classe operária. Como se a desigualdade fosse apenas um erro de percurso, a ser corrigido com o crescimento econômico. Pochmann vai defender que, no Brasil, o que estamos vendo é a emergência de uma nova classe trabalhadora.

Mas por que há tanto apego ao pertencimento à classe média? Talvez a razão seja menos econômica que comportamental. As pessoas não querem se sentir excluídas, alinhadas com a base da pirâmide. Ser de classe média, dessa forma, é uma maneira de se livrar do risco da pobreza e emular comportamento dos mais ricos. Os abonados, por sua vez, interpretam qualquer indício de ascensão dos pobres como ameaça, razão pela qual tentam excluir novos consumidores de shoppings, viajantes de aeroportos e estudantes de escolas privadas (com o falso argumento da meritocracia).Trata-se de uma motivação moral. Ou imoral.

O livro de Pochmann vai em outra direção. Ele busca limpar o terreno de ideologia para mostrar, de forma objetiva e a partir de dados, o que de fato se desenha no novo cenário social brasileiro, no atual estágio do capitalismo nacional e na economia mundial. Na primeira parte, o autor mostra como a definição de classe média no Brasil precisa ser contextualizada no desenvolvimento da produção capitalista no país. Não se pode, sob a pena de perder em poder explicativo, conceber classe social ancorada apenas no critério do rendimento. O risco é duplo: de um lado, a euforia do acesso ao consumo; de outro, a condenação do papel do Estado como indutor do desenvolvimento. Como se vê, nada mais ideológico que a ciência.

Em seguida, Pochmann introduz o debate a partir da classe trabalhadora, frente à condição de subconsumo derivado do ciclo de industrialização tardia e da resistência dos setores dominantes em aceitar o novo patamar de participação no mundo do consumo. A situação se torna ainda mais radical quando a classe dominante (e seus cães de guarda), além de se negar a dividir os mesmos espaços, passa a condenar as reformas civilizatórias, que sempre elogiaram no chamado “Primeiro Mundo”.

A terceira parte de O grande mito da classe média vai tratar do tema do salto do consumo dos brasileiros, em contexto mais ampliado do capitalismo monopolista e transnacional. Em outras palavras, ainda que o país não tivesse passado pelas políticas desenvolvimentistas internas e de distribuição de renda, teria havido uma indução ao consumo de bens industrializados. Há uma mudança no padrão aquisitivo das famílias brasileiras, que incorpora parte significativa da classe trabalhadora ao acesso a bens duráveis. Esse movimento é sem volta.

Por fim, o autor analisa como todo esse quadro fundamenta o retorno à mobilidade social, que ficou congelada por décadas. Não se trata de um movimento inédito no país e, nem tampouco, do surgimento de uma nova classe social. Trata-se de uma desconcentração que precisa se tornar cada vez maior, transferindo renda para os mais pobres e criando condições sociais de mobilidade por outros mecanismos, como a educação. Assim, tão importante quanto a mobilidade social é a recuperação da pressão dos trabalhadores, inclusive na cobrança por serviços públicos de qualidade .

Mais que se orgulhar de ser classe média, os brasileiros precisam assumir sua nova posição no capitalismo pós-industrial. Não somos constituídos de uma nova classe média, mas de uma nova classe trabalhadora. É um cenário menos dourado, mas muito mais real e promissor.

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