quinta-feira, 24 de julho de 2014

1927 ARIANO SUASSUNA 2014 » Lá se vai um filho do sertão‏

1927 ARIANO SUASSUNA 2014 » Lá se vai um filho do sertão
Escritor paraibano Ariano Suassuna morre aos 87 anos, no Recife, vítima de um AVC
João Paulo Cunha
Publicação: 24/07/2014 04:00
Idealizador do Movimento Armorial, Suassuna foi um preeminente defensor da cultura do Nordeste do Brasil. (reprodução da internet)
Idealizador do Movimento Armorial, Suassuna foi um preeminente defensor da cultura do Nordeste do Brasil.

Ele fez um Jesus negro perdoar um cangaceiro, deu ao amarelo João Grilo a astúcia de recorrer à Compadecida para voltar à vida, criou um anti-herói no sertão que não faz feio ao lado de Dom Quixote. O escritor Ariano Suassuna, autor de tantos milagres, morreu ontem, aos 87 anos, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico. Ele estava internado no Hospital Português, no Recife, onde passou por uma cirurgia na noite de segunda-feira. O quadro se agravou com a queda da pressão arterial e elevação da pressão intracraniana. Ele entrou em coma na manhã de terça-feira e morreu às 17h15 de ontem. O velório será realizado no Palácio Campo das Princesas, no Recife, sede do governo de Pernambuco. O enterro será às 16h, no Cemitério Morada da Paz, em Paulista (Grande Recife).
Autor de um dos maiores clássicos do teatro brasileiro, Auto da Compadecida, Ariano Suassuna vinha trabalhando na sequência de A Pedra do Reino, romance autobiográfico narrado por Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, autoproclamado Rei do Quinto Império e do Quinto Naipe, Profeta da Igreja Católico-Sertaneja e pretendente ao trono do Império do Brasil. Além da obra literária, Ariano Suassuna se destacava pela defesa apaixonada da cultura brasileira e pela criação do Movimento Armorial, que englobava a música, o teatro e as artes plásticas.
Homem de porte majestoso e voz poderosa, temperada pelo humor picaresco e pela memória impressionante, percorreu o Brasil com suas aulas-espetáculo. Vestido de branco, para amainar o calor do sertão que sempre viajava com ele para todo o mundo, contava histórias, recitava folhetos de cordel, retirando heróis populares do esquecimento, entoava cantigas e mostrava gravuras para um público encantado. Seu nacionalismo só não era maior do que a fé – mesmo com as críticas à Igreja em Auto da Compadecida  – e o amor ao povo. Sua atitude não recendia a folclore: ele amava a arte popular de corpo e alma.
Em carta dirigida ontem a Ariano Suassuna, o ator Matheus Nachtergaele, que interpretou o personagem João Grilo em produção para TV e cinema, escreveu: “Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado, que encontra saídas pelas cercas de arame farpado e encontra sempre uma sombra, um riachinho, um capim bom (…) Depois do Grilo de você, que também é você, que sou eu, fui morar lá no riacho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com rede de chita e tudo”.
No ano passado, Ariano sofreu um pequeno enfarte e um AVC. “Escapei bonito”, chegou a dizer. Não diminuiu o ritmo, chegou a dormir no chão do aeroporto para descansar. Sua cruzada pela cultura tinha muito sertão a percorrer. Ontem foi descansar, possivelmente ao lado de João Ubaldo Ribeiro, outro romancista nordestino de voz forte e grande amor ao povo brasileiro, que morreu no dia 18. Já estão fazendo falta.
Histórias contadas
em aulas-espetáculo

O paraibano Ariano Vilar Suassuna nasceu em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa, em 16 de junho de 1927, filho de Cássia Villar e João Suassuna. Depois da Revolução de 1930, seu pai foi assassinado no Rio de Janeiro e a família se mudou para Taperoá, no sertão da Paraíba, onde morou até 1937. Em 1942, Ariano chegou ao Recife para dar continuidade aos estudos e, posteriormente, ingressar na Faculdade de Direito. Exerceu a profissão de advogado por alguns anos, mas abandonou o ofício para ensinar estética na Universidade Federal de Pernambuco.
Depois de 38 anos, Ariano se aposentou, mas a carreira continuou com as aulas-espetáculo, criadas por ele, que aproveitava para contar histórias e defender a cultura popular. Com essas apresentações, percorreu teatros, escolas, congressos e centros culturais do país inteiro, às vezes acompanhado de uma trupe de músicos e dançarinos, outras vezes sozinho.
Foi membro fundador do Conselho Federal de Cultura (1967) e nomeado, pelo reitor Murilo Guimarães, diretor do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco (1969). Em 1970, lançou o Movimento Armorial, voltado para o desenvolvimento e o conhecimento das formas de expressão populares tradicionais. Era torcedor fanático do Sport Clube do Recife.
Ariano foi secretário de Cultura de Pernambuco, no governo Miguel Arraes (1994-1998), além de membro da Academia Paraibana de Letras (APL/PB), Academia Pernambucana de Letras (APL/PE) e da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em 2004, com o apoio da ABL, a Trinca Filmes produziu o documentário O sertão: mundo de Ariano Suassuna, dirigido por Douglas Machado.
Em entrevista concedida em junho de 2013 ao Diário de Pernambuco, o escritor falou sobre a busca da eternidade por meio da escrita. “De certa forma, escrevo para enfrentar a transitoriedade. Não gosto da ideia de ter medo de morrer. Sou paraibano e não gosto de confessar que tenho medo. Conheço a palavra medo porque li no dicionário, mas não sei o que é não. A morte, na Paraíba, é uma mulher e se chama Caetana. Eu uso muito isso na minha obra. Gosto muito dessa ideia. Eu só me contento de encarar a maldita se ela vier na forma de uma mulher acolhedora, carinhosa, bonita e amante!”
Em 2002, no programa Roda Viva (TV Cultura), Ariano disse ter passado por “problemas muito duros” na infância. “Meu pai era um político que governou a Paraíba, um líder das forças rurais que foram vencidas pelas forças urbanas, de João Pessoa, em 1930. A partir daí, a história passou a ser contada pelos simpatizantes dessas forças urbanas. Então me habituei, desde menino, a ver meu pai apresentado como representante do mal. Depois, comecei a tomar a posição contrária, mas sem consciência clara do que estava acontecendo. Admirador de Euclides da Cunha, li Os sertões, e pensei em encontrar ali um argumento para confirmar que o rural era o bem e o urbano o mal. Aquilo me fortaleceu. Quando escrevi A pedra do reino, aquilo ainda estava lá”.
Muitos anos antes, em 1977, em entrevista à TVE, no Rio de Janeiro, Ariano explicava a origem do sobrenome. “Na Independência, em 1822, houve um surto de nativismo e grande parte das famílias do Nordeste começou a trocar os nomes europeus e portugueses por nomes ligados à terra. O ramo da minha família, Cavalcanti de Albuquerque, que era chamado de Suassuna por causa da terra, adotou o nome como sendo de família. Meu bisavô se chamava Raimundo Francisco de Sales Cavalcanti de Albuquerque, e passou a se chamar Raimundo Francisco de Sales Cavalcanti de Albuquerque Suassuna. E somente o Suassuna foi transmitido ao meu pai, ao meu avô e a mim”.
A dor da perda
do pai e o perdão

Em junho de 2013, o escritor recebeu o jornalista Geneton Moraes Neto para uma entrevista para o canal Globo News, e falou sobre o impacto da morte do pai sobre ele, ainda criança. Ariano contou que a superação do trauma era uma tentativa constante em sua vida. “Finalmente, estou conseguindo, depois dos 80 anos. Procurei sempre. Tenho muito cuidado, com medo de ser hipócrita, porque perdoar é uma coisa muito difícil. Digo perdoar mesmo – sinceramente. Passei muito tempo sem conseguir perdoar. Ultimamente, me veio uma ideia que me consolou um pouco: a de que estou chegando perto. Se não perdoei os assassinos do meu pai, estou chegando perto”.
Na conversa, Ariano Suassuna revelou que por muitas vezes foi instigado a vingar a morte do pai, coisa comum no sertão. “Minha mãe tinha medo de que a gente tivesse algum sentimento de vingança. Perguntavam-me: ‘Como é? Quando crescer, vai vingar o pai?’. Ouvi isso várias vezes. Mamãe, com medo, não só tirou a gente do sertão da Paraíba, como nos convenceu de que o assassino do meu pai tinha morrido. Só adulto, já casado e pai de filho, é que vim a saber que o executor da morte estava vivo – morando no Rio de Janeiro”.
O pai, segundo Ariano, sabia que seria assassinado, pois escreveu uma carta falando sobre o assunto um dia antes de morrer, e pedia para não ser vingado. “A última vez que vi meu pai foi no cais do Recife. A gente veio trazer meu pai, para ele ir ao Rio – onde foi assassinado. Só me lembro deste momento: ele já no navio, mamãe me apontando. Eu não via. De repente, enxerguei: meu pai estava emoldurado pela janela do navio – dando com a mão. Aquela foi a última vez que o vi”.
Por muito tempo, Ariano alimentou um modo trágico de ver a vida, refletida em suas primeiras obras. Depois que conheceu a companheira, Zélia, em 1951, passou a ter uma visão menos dolorosa do mundo, o que abriu espaço para a veia cômica em seus textos. Ariano conheceu Zélia quando tinha 17 anos, ela 13, mas só passaram a namorar três anos depois. “Foi um encontro fundamental para mim. Até o ano de 1951, eu só escrevia tragédia. Nunca tinha procurado canalizar para o teatro a veia cômica que as pessoas da minha família normalmente têm. (Com Diário de Pernambuco)

O orgulho do pai de João Grilo e Chicó Adaptação de Auto da Compadecida, sucesso no cinema e na TV, encantou o escritor

Publicação: 24/07/2014 04:00

A adaptação da peça Auto da Compadecida feita pela TV Globo para o formato minissérie, em 1999, rendeu à emissora um dos programas de maior sucesso de sua história. Dirigidos por Guel Arraes, os quatros capítulos se apropriaram de elementos de O santo e a porca e Torturas de um coração, ambas de autoria de Ariano. Um ano depois, a produção chegou ao cinema, adaptada para ter uma hora a menos. O próprio escritor chegou a afirmar que os atores Rogério Cardoso e Matheus Nachtergaele personificaram a essência de seus personagens: “Com certeza, foram o melhor padre e o melhor João Grilo que eu já vi”.
Em entrevista à TV Cultura, Nachtergaele disse: “João Grilo é um personagem de Suassuna e da família do Arlequim, dos criados de mulher, de vários personagens que são pessoas pouco favorecidas financeiramente e sobrevivem apesar de tudo”. Na década de 1980, a obra mais famosa de Ariano já havia sido filmada pelo grupo Os Trapalhões e, nos anos 1960, adaptada para o cinema sob a direção de George Jonas.
Depois da grande audiência alcançada em 1999, a Globo apostou novamente na recriação da obra de Ariano em 2007, com A Pedra do Reino, quando se comemoravam seus 80 anos. “A ideia de adaptação sempre me pareceu redutora. Nos melhores momentos, seja trabalhando para a TV ou para o cinema, talvez tenha alcançado uma espécie de resposta aos textos, ou, no meu modo de sentir, um diálogo, uma reação criativa à literatura”, afirmou o diretor Luiz Fernando Carvalho.
O resultado, com altas doses de experimentalismo, dividiu o público, mas agradou o autor. O protagonista da série foi o pernambucano Irandhir Santos, que se preparou para o papel de Quaderna lendo o livro de Ariano em voz alta.
“Li quase todo o romance – são quase 700 páginas – em voz alta, pois a sonoridade do texto e a sequência das palavras têm o ritmo próprio de uma galopada, que não nos deixam parar de ler”, contou Irandhir. (DP)

Do mamulengo ao Municipal Influenciado pelo circo e pela literatura de cordel, autor universalizou tipos nordestinos

Publicação: 24/07/2014 04:00

Grupos Ser Tão e Clowns de Shakespeare encenam Farsa da boa preguiça, em João Pessoa, terra natal de Suassuna. A peça, escrita em versos, é uma das preferidas do autor  (Rafaela Tabosa/ON/D.A Press - 22/2/10)
Grupos Ser Tão e Clowns de Shakespeare encenam Farsa da boa preguiça, em João Pessoa, terra natal de Suassuna. A peça, escrita em versos, é uma das preferidas do autor
O primeiro contato de Ariano Suassuna com as artes cênicas se deu quando ele era criança, ao ser levado para ver uma apresentação de mamulengo em um mercado popular de Taperoá. “Adorei, achei demais. O personagem principal era um negro, Benedito. Ele me tocou muito, porque ganhava uma briga da polícia, entre outras coisas. Como nós tínhamos sido perseguidos pela polícia em 1930, aquilo me chamou a atenção e o próprio Benedito viria a se tornar personagem de uma peça minha, A pena e a lei. A diferença é que na minha versão ele ganhava pela astúcia, e não pela porrada”, contou Ariano no programa Roda viva, em junho de 2002.
“O circo representava tudo que havia de maravilhoso nas artes. Naquela cidade sertaneja, de repente, o cotidiano era interrompido pelo circo, com moças andando em cima de arame e os palhaços. Até hoje sou um palhaço frustrado. Não tenho coragem de entrar no picadeiro nem no palco, mas como ator de teatro escrevo a peça e ponho os outros para interpretar”, comentava ele, em 1977, em entrevista para a TV Cultura.
Para Ariano, a cultura popular era um caminho para o teatro brasileiro. “É na literatura de cordel que está o mágico e o maravilhoso. Quando escrevi A compadecida, as pessoas me perguntavam: ‘É uma peça regionalista?’. Aí, para não dar muita explicação, eu dizia: ‘É’. Tudo isso porque tinha cangaceiro na peça, mas eu sabia que não era”, contou ele em 2005.
Em 2007, a atriz Fernanda Montenegro disse que seu primeiro contato com Suassuna se deu pelo teatro, em 1957, por meio do Auto da Compadecida. “Foi arrebatador. Quis o destino que, 50 anos depois, eu fizesse no cinema o papel da Compadecida”, disse ela, referindo-se à produção dirigida por Guel Arraes.
Teatro do Estudante Ao lado de Hermilo Borba Filho, Ariano fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco, surgido diante da falta de espaço para as artes cênicas na Faculdade de Direito, onde ambos estudavam. “A gente juntou as mesas da biblioteca, forrou com um pano e era o palco. As pessoas assistiam em pé. Foi lá que a gente estreou. Encenamos A sapateira prodigiosa, de García Lorca, fizemos a primeira encenação de Édipo rei no Brasil, fizemos A casa de bonecas, de Ibsen. A gente encenava gratuitamente, principalmente para estudantes, mas até a prisões e hospitais a gente foi. Foi um movimento muito bonito o Teatro do Estudante. Eu tenho muito orgulho de ter participado”, disse ele em entrevista ao Diário de Pernambuco, em 2007.
Na juventude, quando pediu emprestadas a Hermilo Borba Filho algumas peças de García Lorca, Ariano se sentiu “em casa”. “Tinha cavalo, cabra, tinha cigano, tinha tudo que eu tinha lá em Taperoá. Aí me empolguei e escrevi a minha primeira peça, Uma mulher vestida de sol, para o concurso do Teatro do Estudante. Hermilo começou a querer estimular a dramaturgia e fez um concurso nacional. Eu entrei e tirei o primeiro lugar.”
No livro O movimento e a linha – A presença do Teatro do Estudante e do Gráfico Amador no Recife (2007), o pesquisador Flávio Weinstein Teixeira avalia que, por meio de recriações dos gêneros populares, Ariano Suassuna expressa na poesia e no teatro referências eruditas e apropriações populares, assim como traços da oralidade. “Com Auto da Compadecida, Suassuna teve sucesso consagrador, que o elevou à categoria de portador de um projeto cultural imbuído da missão de lutar pela causa da verdadeira cultura nacional. Isso aconteceu durante o governo militar, o que lhe valeu a acusação de reacionário”, conclui.
Entres as marcas do teatro de Ariano estão o hibridismo, o signo de oposições, a intertextualidade. Há uma forte carga de memórias afetivas da infância em Taperoá, mescladas a uma herança ibérica. “A opinião do autor não tem grande importância. A opinião do povo é toda em favor de Auto da Compadecida. Mas de todas as peças que escrevi, prefiro a Farsa da boa preguiça, porque fiz uma peça em verso, que marcou minha distância do regionalismo e de qualquer pretensão de um realismo mal entendido”, afirmou Ariano Suassuna em entrevista à TV Paulo Freire, em 2006. (DP)

No palco e na tela

Publicação: 24/07/2014 04:00

» A compadecida (1969)
Direção: George Jonas. Com Armando Bógus (João Grilo), Regina Duarte (Compadecida), Antônio Fagundes (Chicó).
Primeira versão cinematográfica de um texto de Ariano, o filme foi rodado no Brejo da Madre de Deus, no agreste pernambucano, em Fazenda Nova, com direção do húngaro George Jonas e cenários da arquiteta Lina Bo Bardi, italiana radicada no Brasil, que projetou o Masp.

» Os Trapalhões no Auto da Compadecida (1987)
Direção: Roberto Farias. Com Renato Aragão (João Grilo), Dedé Santana (Chicó), Mussum (Jesus/sacristão), Zacarias (padeiro).
Releitura da saga de João Grilo e Chicó com o humor característico dos Trapalhões. O filme teve 2,6 milhões de espectadores no país e chegou a ser exibido em Portugal. Trilha sonora de Antônio Madureira e fotografia de Walter Carvalho.

» Uma mulher vestida de sol (1994)
Direção: Luiz Fernando Carvalho. Com Tereza Seiblitz e Raul Cortez
A primeira peça de Ariano é levada ao ar no programa Brasil especial, na Rede Globo. Mesmo recriando o ambiente em estúdio, o diretor atinge um resultado com a luz e cenografia que envolve os personagens.

» Farsa da boa preguiça (1995) 
Direção: Luiz Fernando Carvalho. Com Laura Cardoso e Ary Fontoura.
A adaptação para a televisão é assinada por Bráulio Tavares. O ator e dançarino Antônio Nóbrega interpretou Joaquim Simão e a atriz Patrícia França, a esposa Nevinha. O especial foi reprisado no Canal Viva em dezembro de 2012.

» Auto da Compadecida (1999/2000)
Direção: Guel Arraes. Com Matheus Nachtergaele (João Grilo), Selton Mello (Chicó), Fernanda Montenegro (Compadecida), Marco Nanini (Severino)
A microssérie foi exibida pela Globo em 1999, em quatro capítulos. Em 2000, virou filme. Os pernambucanos Virginia Cavendish, Aramis Trindade e Bruno Garcia estão no elenco, que tem ainda Paulo Goulart e Lima Duarte. No cinema, registrou mais de 2 milhões de pagantes.
» O canto de Ariano (1999-2005)  Exibido pela TV Globo, era um espaço semanal de dois minutos no qual o escritor comentava cultura e falava sobre causos do cotidiano.

» Folia geral (2000)
Uma aula-espetáculo de Ariano foi transformada em programa de TV para ser exibido durante o carnaval.

» O santo e a porca (2000)
Direção: Maurício Farias. Com Marco Nanini, Rogério Duarte, Leandra Leal.
Com roteiro da pernambucana Adriana Falcão, a peça foi transposta como um especial da série Brava gente.

» A Pedra do Reino (2007)
Direção: Luiz Fernando Carvalho. Com Irandhir Santos, Cacá Carvalho, Luiz Carlos Vasconcelos.
Em cinco capítulos feitos para a TV, foi filmada em Taperoá, cidade no Sertão do Cariri, Paraíba, berço da infância de Suassuna. Marcou as homenagens aos 80 anos do escritor paraibano.

O lado dos despossuídos Com A Pedra do Reino, escritor abriu um novo caminho para a literatura brasileira

Estado de Minas: 24/07/2014



Cena da minissérie A pedra do reino, romance que revive no Nordeste o mito do sebastianismo português  (Renato Rocha Miranda/TV Globo - 5/6/07)
Cena da minissérie A pedra do reino, romance que revive no Nordeste o mito do sebastianismo português


A formação literária de Ariano Suassuna se deu na biblioteca deixada pelo pai, coisa pouco corriqueira no sertão. Aos 12 anos, já queria ser escritor e por isso tentou escrever o primeiro conto, classificado mais tarde como “horroroso” por ele próprio. O tio materno Manoel Dantas Vilar e o primo Joaquim Duarte Dantas foram duas figuras importantes na iniciação de Ariano no mundo das letras, indicando-lhe autores como Eça de Queiroz, Euclides da Cunha, Guerra Junqueiro e Antero de Figueiredo. Essas duas figuras inspiraram os personagens Clemente e Samuel da peça As conchambranças de Quaderna.

“Tive a sorte de pegar uma boa biblioteca. Meu pai gostava muito de literatura. Meus irmãos mais velhos, que estudavam no Recife, levavam livros para Taperoá. Minha diversão principal era a leitura. Você podia imaginar o que era o encantamento de um menino sertanejo quando pegava um livro de aventuras. Na medida em que aqueles livros abriam um universo para mim, os autores representaram seres fabulosos, comecei a querer ser escritor, a me aproximar daquelas pessoas”, disse, em entrevista concedida em 1977.

No livro Ariano Suassuna – um perfil biográfico (2007) é recriada a atmosfera de leitura na longínqua década de 1930, em Taperoá, Paraíba. “Durante a maior parte do ano, apenas a cama de Ariano era ocupada – à noite para o sono, de dia para as leituras. Ler deitado seria um hábito que o menino paraibano cultivaria por toda a vida. A cada página lida, um pedacinho dela era arrancado e levado à boca. Nascia então um legítimo devorador de livros.”

Após o ciclo regionalista iniciado em 1930, o lançamento de O romance da Pedra do Reino, em 1971, é considerado marco da ficção nordestina. Estavam ali presentes a poesia com influência medieval ibérica e o romanceiro popular. Para o escritor Raimundo Carrero, um dos muitos autores influenciados pelo Movimento Armorial (criado em 1970 por Ariano), o ponto de partida da obra é o sertão. “O regionalismo, que marcou de maneira fundamental a literatura nordestina, partia, em Pernambuco, da poesia e tomava como base a antropologia e a sociologia de Gilberto Freyre.”

A literatura de Ariano se distancia desse paradigma, explica Carrero, por se desapegar do documento histórico, do registro científico que caracterizara essa outra geração. “Enquanto um é documental, o outro é mágico, fantástico. Ariano se aproxima do barroco, do romanceiro popular, em busca do universal, mas sem perder de vista o regional. O elemento mágico possibilita essa altercação entre a literatura rural e urbana no caminho da compreensão do fenômeno humano”, destaca Carrero.

Em entrevista à TV paranaense Paulo Freiyre, em 2006, Ariano contou que em determinada época todo mundo queria que ele escrevesse como Graciliano Ramos. “Sou o oposto dele. Conheci-o pessoalmente, gostava dele, admiro a obra, mas somos diferentes. E na minha casa reclamavam porque não escrevo como Guimarães Rosa. Também conheci, fui muito amigo dele”, disse.
Sobre as qualidades literárias da obra de Ariano Suassuna, o escritor e roteirista Bráulio Tavares lista a “imaginação transbordante; o diálogo ora profético ora cômico; a dissecação da história do Brasil vista pelo avesso, pelo lado dos despossuídos; e a recuperação da poesia popular”.


Sebastianismo Inspirado em um episódio messiânico ocorrido em São José do Belmonte, A Pedra do Reino revive o mito do sebastianismo português ao remeter à história de uma seita fundada aos pés da Pedra Bonita, no sertão nordestino. Ao elaborar sua trama, Ariano se direciona pela intertextualidade que se vale de imagem e texto para ratificar o seu compromisso com a cultura popular.
"A Pedra do Reino tem uma técnica teatral altamente sofisticada”, explica Carrero, que afirma estarmos diante de um dos grandes romances brasileiros. “Ariano revê a história do Brasil, da literatura e da formação cultural brasileira”, defende. Para o escritor Ronaldo Correia de Brito, Pedra do Reino é um dos livros mais importantes da língua portuguesa. “Em Auto da Compadecida, Ariano criou uma obra que desmascarou todas as formas de hipocrisia e tem uma enorme capacidade de comunicação. Já o romance tem estrutura complexa, metafísica, com discussões filosóficas e políticas”, diferencia.
Ronaldo relembra certa incompreensão em torno do romance de Ariano. “As pessoas se ressentem porque sua linguagem não é tão acessível. Porque há um descompasso entre o artista, solitário, e o homem coletivo”, argumenta.


Em entrevista ao Instituto Moreira Salles, em 2000, Ariano Suassuna disse que a literatura é um esforço e a venda dos livros não tem muita importância. “Por isso me rebelo contra as pessoas que querem olhar o livro como um objeto de mercado, porque pode ser vendido. Não é isso o que mais importa – pelo menos, não no meu caso. O que considero fundamental é o ato de escrever. Se, ao publicar o livro, eu tiver êxito junto ao público, tanto melhor. Mas eu digo a vocês com toda a sinceridade: não estou fingindo, não. Para mim, o fundamental é o ato de escrever”. (DP)

Linha do tempo

Publicação: 24/07/2014 04:00

1927
Nasce em 16 de junho, no Palácio da Redenção, sede do governo da Paraíba. Filho de João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna e Rita de Cássia Dantas Villar, Ariano era o oitavo filho de uma família que teria, ao todo, nove herdeiros. O pai era presidente do estado (cargo equivalente ao atual governador).

1945
Três anos depois de se mudar de vez para o Recife, deixando a Taperoá da infância, Ariano Suassuna publica o primeiro poema, "Noturno", no Jornal do Commercio. Fica amigo de Francisco Brennand.

1947
Ariano escreve sua primeira peça de teatro: Uma mulher vestida de sol. O texto estreia apenas em 1994, adaptado para a TV. Concebe Cantam as harpas de Sião, que reescreveria uma década mais tarde, como O desertor de Princesa. Começa a namorar com Zélia de Andrade Lima.

1952
Depois de duas temporadas em Taperoá, para onde fora com o intuito de se curar da tuberculose que contraíra no Recife, Ariano volta a Pernambuco e começa a trabalhar no escritório do jurista Murilo Guimarães.

1955
Desiste da carreira na advocacia. Escreve O rico avarento, baseado em uma peça de mamulengo. Surge o Auto da Compadecida, que estrearia em setembro do ano seguinte.

1957
Em 19 de janeiro casa-se com Zélia, com quem tem seis filhos. Auto da Compadecida é encenado no Rio de Janeiro e ganha a medalha de ouro da Associação Brasileira de Críticos Teatrais. Monta O casamento suspeitoso, com a Companhia Sérgio Cardoso, com direção de Hermilo Borba Filho, em São Paulo. O santo e a porca ganha medalha de ouro da Associação Paulista de Críticos Teatrais.

1967
Completa uma década como professor na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde lecionou teoria do teatro, estética e literatura brasileira.

1969
Ariano se junta a Capiba, Guerra Peixe, Jarbas Maciel e Clóvis Pereira em busca de uma música erudita nordestina que se amalgamasse a seu teatro, à poesia de Deborah Brennand, Janice Japiassu, Marcus Accioly e Ângelo Monteiro, à gravura de Gilvan Samico, e ao romance de Maximiniano Campos

1970
Em 18 de outubro, o concerto Três séculos de música nordestina – do Barroco ao Armorial e uma exposição de gravura, pintura e escultura lançam o Movimento Armorial. Publica poesias inéditas no volume O pasto incendiado.

1971
Publica o Romance d'A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta pela Editora José Olympio. Ariano vinha se dedicando à obra desde 1958.
O livro passaria mais de três décadas fora de catálogo, sendo reeditado somente em 2004. Ainda em 1971, A pena e a lei sai pela Livraria Agir.

1975
O prefeito do Recife Antônio Farias nomeia Ariano como secretário de Educação e Cultura, cargo que exercerá até 1978. Publica Iniciação à estética. No Diário de Pernambuco, publica os folhetins de Ao sol da onça Caetana, primeiro livro de O rei degolado.

1990
Em 9 de agosto, Ariano é empossado como sexto ocupante da cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras, para a qual havia sido eleito um ano antes. Vai à posse com um fardão feito por Edite Minervina, costureira recifense, com bordados criados por Cicy Ferreira.

1995
No terceiro governo de Miguel Arraes, assume a Secretaria de Cultura do Estado, onde ficará até 1998. Cria o conceito de aula-espetáculo, que o levaria a percorrer teatros, escolas, congressos e centros culturais do país. Festeja cinco décadas de vida literária e, ao participar da III Cavalgada à Pedra do Reino, é coroado Cavaleiro da Pedra do Reino.

2002
A escola de samba carioca Império Serrano escolhe como tema de seu carnaval Aclamação e coroação do imperador da Pedra do Reino Ariano Suassuna. Ele desfila na Marquês de Sapucaí, ao lado de Zélia, da sambista Dona Ivone Lara e do vaqueiro Zeca Miron, de São José do Belmonte.

2007
Assume pela segunda vez o cargo de secretário de Cultura de Pernambuco, no governo de Eduardo Campos, neto de seu amigo Miguel Arraes (falecido em 2005). Comemora bodas de ouro com Zélia e acompanha as comemorações dos seus 80 anos, que incluem homenagens, novas publicações e a exibição da microssérie A pedra do reino, de Luiz Fernando Carvalho.

2011
Torna-se secretário da assessoriaao governador.

2013
Sofre infarto do miocárdio e é internado por seis dias no Hospital Real Português.

2014
Morre em Recife, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) do tipo hemorrágico

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