sábado, 14 de junho de 2014

O menino no espelho, filme de Guilherme Fiúza inspirado na obra de Fernando Sabino

No tempo dos quintais
O menino no espelho, filme de Guilherme Fiúza inspirado na obra de Fernando Sabino, estreia quinta-feira. Desafio foi criar uma narrativa que emocionasse crianças e adultos 

 
Carolina Braga
Estado de Minas: 14/06/2014


O garoto Lino Acioli dá vida ao personagem criado por Fernando Sabino em seu romance sobre a infância passada em BH (Gustavo Baxter/Divulgação)
O garoto Lino Acioli dá vida ao personagem criado por Fernando Sabino em seu romance sobre a infância passada em BH

Era uma geração que brincava na rua. Rouba-bandeira e pique-esconde eram as diversões da criançada da época, a década de 1930, em Belo Horizonte. Também era comum se divertir subindo em árvores ou explorando o quintal da casa dos avós. São cenas que marcam a infância de Fernando, o protagonista de O menino no espelho e que, de certa forma, criam laços afetivos com muita gente na plateia. Rodado em Cataguases, na Zona da Mata mineira, com Mateus Solano, Regiane Souza e Lino Acioli, o filme estreia quinta-feira, em Belo Horizonte.

“Frequentei semanalmente a casa do meu avô paterno, que tinha um enorme quintal com galinheiro, horta e pomar, com árvores enormes, de mais de 15 metros de altura, nas quais a gente podia subir”, conta o roteirista Cristiano Abud. Em parceria com o diretor Guilherme Fiúza e o produtor André Carreira, da Camisa Listrada, Abud trabalhou na transformação da literatura de Fernando Sabino em roteiro. É daquele tipo de desafio irrecusável, cheio de escolhas delicadas.

O menino no espelho é um romance. Para a equipe do filme, as diferenças de olhar já começam aí. A compreensão é de que a obra é uma coletânea de pequenos contos que narram episódios da vida do pequeno Fernando. No livro, as histórias começam na infância e chegam à puberdade do protagonista. O cinema, nesse caso, não vai tão longe. O filme é mais focado.

“Nunca um livro chega ao cinema ipsis litteris. É sempre uma adaptação, na acepção literal da palavra: moldar a história literária à linguagem cinematográfica. A maior cobrança foi estar atento e aberto às alterações necessárias e não ter medo de realizá-las”, revela. A versão de O menino no espelho que chega às telas reúne algumas estripulias de Fernando aos 10 anos. “Porque a força do livro está aí, no conflito do menino que se torna rapaz, o primeiro amor, os conflitos do fim da infância”, continua.

Se o primeiro desafio foi definir o recorte, o segundo foi responder à pergunta básica: é um filme infantil ou sobre infância?. Aí, falou mais alto o desejo de fazer um longa para todas as idades. “A maior insegurança de todos os envolvidos no desenvolvimento do projeto era acertar a mão no equilíbrio dessa balança – nem pender para um filme para crianças nem para um muito adulto. O desafio era transitar bem por esses dois universos”, diz Cristiano Abud.

Como o roteirista observa, é curioso o quanto, mesmo tendo sido escrito em 1982, o pano de fundo da história não mudou tanto assim. O menino no espelho fala sobre dúvidas, conflitos, emoções e ainda não há tecnologia que tenha dado conta de transformar questões existenciais. Essa característica do livro transposta para a tela é a aposta da equipe para enfrentar as produções focadas no público infantojuvenil. “O roteiro precisava apostar muito nas dúvidas, nos conflitos e nas emoções, que são comuns a todos nós neste período da vida. Já que não temos tanta pirotecnia, o filme se comunica pela força da história e das personagens”, afirma Cristiano.

O autor e seu público



Cena de O menino no espelho: o Estado de Minas como testemunho da história da sociedade da época (Gustavo Baxter/Divulgação)
Cena de O menino no espelho: o Estado de Minas como testemunho da história da sociedade da época

Era um sonho antigo. Mas Bernardo Sabino, filho do escritor Fernando Sabino, imaginava a história de O menino no espelho inicialmente nos palcos. “A gente tem que produzir arte de qualidade para as crianças. Queria fazer uma peça de teatro, ainda penso, mas não estava fechado para o cinema”, conta. É por isso que quando o diretor Guilherme Fiúza fez o primeiro contato para a adaptação do livro o clima foi de alegria geral.

Aliás, todas as vezes em que a família do escritor é procurada por projetos sérios não costuma haver dificuldades na negociação dos direitos. “Os autores não escreveram para os herdeiros, mas para o público. Acho que a maioria confunde isso, querem tirar proveito financeiro de uma obra que não é deles”, avalia. Bernardo afirma não ser esse o caso da famíla. “Tem que facilitar ao máximo a difusão da obra, separar o que é educativo e institucional do que é publicitário”, frisa.

O cinema, no caso, é um projeto comercial. Em paralelo, há diversas iniciativas que têm como função estimular a circulação da obra de Fernando Sabino. É de responsabilidade de Bernardo, por exemplo, o projeto Encontro marcado com Fernando Sabino. Desde 2008, ele já levou exposição com a obra do pai a pelo menos 50 cidades. No ano passado, quando foram feitas as homenagens aos 90 anos de nascimento do escritor, a mostra esteve meses em cartaz na Praça da Liberdade.

Neste domingo, o circuito chegará à região da Pampulha com oficinas, teatro, mostra de filmes, shows, leituras poéticas e outras atividades. A meta é uma só: imortalizar o escritor. “A literatura dele é atemporal. Nessa viagem que faço nas escolas percebo que 70% da obra atinge todas as idades. Qual criança ou adulto não vai rir da história de O homem nu? Atinge todas as faixas etárias”, diz Bernardo.

Ele garante que o mesmo vale para O menino no espelho. Além de ter visto a primeira versão do filme, o herdeiro acompanhou as filmagens em Cataguases. “A interação dos meninos com os atores mais velhos foi o que mais me impressionou. O clima era de descontração total”, conta. Pelo visto, como Bernardo observou, todo mundo ali seguiu a máxima de Fernando: todos eram meninos.

Três perguntas para... Mateus Solano - ator

O menino no espelho é considerado um livro sobre infância e não uma obra infantil. De que forma você acredita que a sensibilidade do olhar de Fernando Sabino está traduzida no filme?
Acho que o filme é mais do Sabino e do menino que ele era. Na parte de trás da edição do livro que tenho tem uma frase dele que o Guilherme (Fiúza, diretor) botou no filme: "Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino". Fiúza colocou isso no filme. Acho que o filme pode se resumir nisso, ele traz para crianças que não viveram esse tipo de infância, a infância nesse estado natural, da energia, da criatividade. São lugares construtivos.

Em um mundo com tanta tecnologia voltada principalmente para o público infantojuvenil, acredita que o filme é um convite a uma infância diferente?
Sim. Acho que o filme convida tanto pais quanto filhos a pensarem: “Qual infância eu estou vivendo” ou “que infância estou dando para meu filho?”.

Qual a sua memória mais forte de infância?
Eu mesmo. Lembro-me muito de como eu conversava comigo mesmo, de como voltava para casa depois de ir a algum lugar e pensava muito. Sempre pensei muito, sempre conversei comigo mesmo e tinha altos papos comigo. Eu não era solitário, mas de alguma forma dividia comigo mesmo as minhas experiências.

Encontro marcado com Fernando Sabino

Amanhã
10h – Abertura com bate-papo
com Bernardo Sabino e exposição
sobre vida e obra de Fernando Sabino
10h30 – Leitura dramática
com Milo Sabino
11h – Cancioneiro do imigrante,
com Cia Sala B
14h – Apresentação Cia. Gêmeas
15h – Espetaclim, com Paulinho Polika
16h – João Estrela e Gláucio Barbosa (MPB) convidam Bernardo Sabino

Parque Ecológico da Pampulha,
Av. Otacílio Negrão de Lima, 6. 061 (marco zero), e portaria (Toca da Raposa), Pampulha, (31) 3277-7439.

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