domingo, 29 de junho de 2014

CRôNICA » Xô, Minerazo! -Arnaldo Viana‏

O furor da onda amarela não conseguiu fazer o time brasileiro afinar o futebol, mas deu poder ao goleiro Júlio César para espantar do Mineirão o fantasma de 1950
Arnaldo Viana
Estado de Minas: 29/06/2014



"O campeão voltou..."


Tarde linda. A torcida canarinho nunca se divertiu tanto como ontem no parque de diversões montado pelos patrocinadores da Copa, na esplanada do Mineirão. Espera longa para tirar fotos com o Fuleco, aglomeração na sala dos espelhos daquela marca que vende talco para bumbum de neném, só para sair com o rosto pintado com as cores da bandeira, e fila no tropeiro, agora com etiqueta mineira. Tudo muito amarelinho, animado de dar gosto. Tudo Brasil, Brasil. A galera entrou em campo sem arriscar palpites ousados. Conhece o time que tem e entrou no estádio disposta a regê-lo. Como um maestro. Mas a missão de ditar o ritmo em campo não era do Oscar? Que Oscar?

Hino a todos os pulmões e o maior hit das arquibancadas: “O campeão voltou, o campeão voltou, o campeão voltou…”. O coração explodindo. Minerazo, aqui não! O time logo entrou no ritmo, com Neymar dedilhando cordas com talento e David Luiz batendo bumbo. Um bumbão. Tanto bateu que brilhou no complemento do acorde puxado por Thiago Silva. E a galera regendo: “Eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor…”. Time e torcida em sinfonia. Mas (coisa ruim é um mas), o Hulk tropeçou feio no contrabaixo. Só então perceberam-se dois pontinhos vermelhos se inflamando no meio da onda amarela: “Chi, chi, chi; lê, lê, lê!”. Era o empate. Mesmo assim, ainda era cedo para sentir ameaça de Minerazo.

"CChi-Chi-Chi-LE-LE-LE..."

O meio-campo de uma orquestra não é feito de violas, de violinos? Era querer muito de Luiz Gustavo, Fernadinho e Oscar. Deram de desafinar. Quando um escorregava no dó, outro se atrapalhava com o ré. O som não chegava com qualidade a Neymar e ele passou a fazer solo. Interessante como o desarranjo de uma orquestra contamina o maestro. A arquibancada desandou. De um lado, o hino; do outro, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor. A toada seguiu nesse ritmo até o fim do primeiro tempo.
 No começo do segundo tempo, a dúvida. No Maracanazo, em 1950, o carrasco do Brasil foi o uruguaio Ghigghia. E se o jogo de ontem terminasse em Minerazo, quem seria o Ghigghia? Candidato não faltava. E nenhum era chileno. Poderia ser o próprio Daniel Alves, o Marcelo (xiiii!), o Hulk, o Luiz Gustavo, o Fred, o Fernandinho… Um Ghigghia tipo Judas. E o técnico, o dono da orquestra? Tirou um violinista com cara de tocador de tambor e botou outro. Tirou um pianista com jeito de soprador de tuba e botou outro. Não deu arranjo. No banco, o cavaquinho do Bernard doido para mudar o ritmo. E o técnico nem olhava para ele. Que técnico?

A sombra do Minerazo crescia. Estava nas mãos da galera a batuta para evitar a tragédia. Ela reagiu e deu o tom certo para o tímpano de Júlio César. “Moral pro cara, sabe?”. Ele pegou certinho o tom e as notas. Espantou a catástrofe. A torcida agradeceu e ele nunca ouviu nada igual na carreira, na solidão dos arcos. E, pela primeira vez nesta Copa, o Brasil tem dois heróis: o goleiro e a massa canarinho. O espetáculo da arquibancada continua prevalecendo no Mineirão. Ainda bem! Xô, Minerazo.

"Júlio César, Júlio César..."

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