sábado, 28 de junho de 2014

ARNALDO VIANA » O esquecido‏

ARNALDO VIANA » O esquecido
Estado de Minas: 28/06/2014




O relógio desperta às 8h. A folhinha marca 7 de dezembro de 2014. Acorda eufórico. “É hoje, contra o Botafogo, o mesmo adversário de 1971, no mesmo Maracanã. Coincidência? Sei lá! Só sei que o Galo vai faturar o segundo título brasileiro.” Sai da cama, vai à cozinha, toma um gole de café e confere a lista do dia: seis peças de picanha bovina, três de picanha suína, dois quilos de linguiça, três quilos de asinhas de frango, uma peça de contrafilé, dois quilos de costelinha, uma peça de lombo, seis sacos de carvão, farinha de mandioca para a farofa, cebola, pimenta e centenas de latinhas e latões de cerveja. Ah, três litros de pinga, da boa, presente de um amigo do Vale do Jequitinhonha. Olha para a cobertura no quintal e admira a TV de 60 polegadas confortavelmente instalada a poucos metros da churrasqueira. “É hoje! Se em 1971 a gente tinha Dario, agora temos ele, o maior do mundo.”

Confere a lista de convidados feita uma semana antes. A turma estava toda lá. Imaginou a festa. Ia ser moleza. O Galo só precisa vencer. Ainda mais com um cracaço no time. Além do mais, o Botafogo capengou durante todo o campeonato e na última rodada, sem risco de rebaixamento, não aspirava a nada. E grita bem alto: Gaaaaaallllllôôôôôô!!! Às 12h, em ponto, desce para o quintal. Já de latinha gelada nas mãos, acende a churrasqueira e prepara a primeira leva de carnes. “É só o carvão esquentar e, shiffff, a grelha ganha umas suculentas fatias de picanha e contrafilé.” Antes das 13h, começam a chegar os amigos: Jorge, Lucão, Pisquila, Tagarela, Luiz, Leitão, Borramonte (ganhou o apelido porque encheu as calças de medo durante uma escalada), Trivela, Mané Bolacha, Luíza, Manoela, Ticinha, Estela…

A turma foi se espalhando nas mesas e cadeiras de plástico alugadas e cobertas com uma toalha de papel com o escudo do Galo e uma foto do time em formação. “Galô, tchan, tchan, tchan! Galô, tchan, tchan, tchan, Galô, Galô!”, gritava entusiasmado. Latinhas e latões saíam aos borbotões dos tambores coalhados de gelo. E a galera faz uma óbvia saudação: “Galão da massa, Galo doido. Arrebenta”. Sai a primeira leva de carne. Oferece uma pinguinha a um outro, toma uma talagada e tira o gosto com uma tira de picanha, aquela com a gordurinha na ponta. Estala os lábios e comenta com Borramonte: “O cara entrou no time depois da Copa e já fez quase 20 gols. Ninguém o segura. Barbada este campeonato, barbada!”. O jogo começaria às 16h. “Viu como o Ronaldinho mudou, cara? Voltou a jogar aquele futebol do ano passado”, comentou o Jairinho, último a chegar com a Vânia. “Também, pudera! Olhe a companhia! Na verdade, um velho parceiro.”

Às 15h, depois de meia dúzia de doses de pinga e tantas e tantas latinhas, chama o Mané Bolacha a um canto e abre o caderno de esportes do jornal: “Leia a escalação de novo, Mané, leia! Não acredito que seja verdade”. Bolacha pigarreia e lê: “Victor, Marcos Rocha, Leonardo Silva, Réver e Otamendi; Pierre, Leandro Donizete, Tardelli e Ronaldinho Gaúcho; Lionel Messi e Jô”. Arregala os olhos e não se contém: “Não acredito, cara. Arrepiei! Olhe aqui nos braços”. Dois minutos para as 16h e alguém alerta: “Atenção, pessoal, vai começar o jogo. Vamos lá, Galo!”.

“Acorda, Juvenal, acorda. Já passa das 9h e precisa começar a preparar o churrasco. Lembre-se, você convidou a galera para vir aqui ver a final da Copa.” Olha para a mulher como se ela fosse uma miragem. “Pô, Letícia, hora ruim para ser acordado. Ainda mais assim, de supetão, no grito. Eu sonhava que era 7 de dezembro e o Galo ia jogar com o Botafogo no Maracanã precisando da vitória para ser campeão. O Galo com Ronaldinho e Messi. Os dois como nos bons tempos de Barcelona.” A mulher não contém o sorriso: “Messi no Atlético? Pirou de vez?”. Juvenal esfrega os olhos com as costas das mãos e responde com voz quase chorosa: “No sonho, depois da disputa da Copa, a delegação argentina embarcou de volta para casa e esqueceu o Messi na Cidade do Galo. Ninguém voltou para buscá-lo e Alexandre Kalil fingiu de bobo, então…”

Pergunta do Negão: Pesquisadores da PUC Minas identificaram na Serra do Espinhaço nova espécie de roedor. É o rato-de-rabo-branco. Dizem, não os cientistas, claro, que o bicho, às vezes, enrola o rabo no pescoço como se fosse um colarinho. Aí vem a dúvida. Será que o rato é mesmo filho da serra ou de outro lugar?

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