domingo, 22 de dezembro de 2013

O anel que tu me deste - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 22/12/2013

Aconteceu em 2005. Eu estava almoçando com uma amiga na cidade onde ela mora, fora do Brasil. De repente, olhei para sua mão e fiz um elogio ao anel lindíssimo que ela usava. Ato contínuo, ela retirou o anel e me deu. É seu. Fiquei superconstrangida, não era essa minha intenção, queria apenas elogiar, mas ela me convenceu a ficar com ele, dizendo que ela mesma fazia aqueles anéis e que poderia fazer outro igualzinho. De fato, fez. Acabaram virando nossas alianças: desde então nossa amizade só cresceu.

Certa vez Marilia Gabriela entrevistou Ivete Sangalo em seu programa no GNT quando aconteceu uma cena idêntica. Ela elogiou o anel da cantora e esta, na mesma hora, tirou-o do dedo e deu de presente a Gabi, que ficou envergonhada, não estava ali para ganhar presentes, mas tanto Ivete insistiu, e com tanto carinho, que recusar seria deselegância, e lá se foi o anel da morena para a mão da loira.

Diante de tanto acúmulo e posse, gestos de desprendimento são raros e transformam um dia banal em um dia especial. Não é comum alguém retirar do próprio corpo algo de que gosta e dar de presente, numa reação espontânea de afeto. Pessoas fazem isso por inúmeras razões. Por gostarem realmente da pessoa com quem estão. Pelo senso de oportunidade. Pelo prazer de surpreender. Por saberem que certas atitudes falam mais do que palavras. E por terem a exata noção de que um anel, ou qualquer outro bem material, pode ser substituído, mas um momento de extasiar um amigo é coisa que não vale perder.

Estou falando deste assunto não porque também seja assim desprendida. Já me desfiz de muita coisa, mas me desfaço com planejamento, pensando antes. De supetão, por impulso, raramente. Meu único mérito é reconhecer a grandeza alheia.

Devo estar me transformando numa sentimentaloide, mas acredito que estes pequenos instantes de delicadeza merecem um holofote, já que andamos muito rudes e autofocados. Desfazer-se dos próprios bens é uma coisa meio franciscana, mas não se pode negar que um pouco de desapego torna qualquer relação mais fácil. E não falo só de bens materiais. Desapego das mágoas, desapego da inveja, desapego das próprias verdades para ouvir atentamente a dos outros. Não estaria aí a fórmula do tal “mundo melhor” que tanto perseguimos?

Bom, o anel que minha amiga me deu seguirá no meu dedo, nem adianta vir elogiá-lo para testar se o truque funciona. Faz parte da minha história pessoal. Mas posso me desprender de outras coisas das quais gosto, basta que eu saiba que serão mais bem aproveitadas por outras pessoas.

É com esse espírito de compartilhamento que encerro esta crônica desejando a todos os leitores um Natal com muitos presentes – mas no sentido de presença. Que, junto aos seus afetos, você comemore o que lhe for mais tocante: seja o nascimento de Jesus, seja a reunião familiar, seja apenas mais uma noite festiva de dezembro, seja um momento de paz entre tanto barulho, ou simplesmente a sensação de que uma inesperada gentileza pode ser o melhor pacotinho embaixo da nossa árvore. 

TeVê


TV paga

Estado de Minas: 22/12/2013 


 (Multishow/Divulgação )

Duas dicas Erasmo Carlos é a personalidade da vez da série Grandes nomes, hoje, às 21h30, no Multishow. Mais tarde, às 23h, em Na pele, Juliana Sana (foto) descobre como se faz uma musa de escola de samba como a rainha de bateria da Gaviões da Fiel, Tati Mineratto.

Cinema Nos anos 1970, o cinema nacional sofreu grandes transformações com a criação da Embrafilme. A sétima arte passou a ser um setor estratégico para o país e abordava as raízes culturais do país. Esse é o tema de O cinema brasileiro no século 20, hoje, às 20h30, no Canal Brasil.

Estreia O +Globosat estreia hoje, às 21h, o documentário Família no papel, que mostra como se deu a inversão dos papéis nas famílias brasileiras. No Discovery, às 22h30, vai ao ar Megatufão nas Filipinas, que, como o nome indica, mostra a destruição causada por um tufão que atingiu recentemente ilhas do Pacífico.

 Enlatados

Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br

Choque cultural

Quem está atrás de novidade vai ter que esperar janeiro. As próximas semanas serão de reprises e especiais. No meio desse marasmo, uma das poucas novidades é a estreia da segunda temporada da série australiana East west 101 – Choque de culturas, hoje, às 22h, no +Globosat. O título refere-se ao limite de duas regiões de Sidney: uma ocupada por anglo-saxões de classe média alta e outra por imigrantes de diferentes países, boa parte operários. O conflito é constante.

Para os fortes – Para quem quiser se ligar nas maratonas de reprises, a Warner promete para esta terça-feira, a partir das 16h30, programação com 32 horas de The big bang theory. Já na outra terça véspera de ano-novo, serão 37 horas de Friends, a partir das 12h.

Jingle bells – No dia de Natal, o Studio Universal apresenta, às 18h, episódio especial de Psych, com duas horas de duração. Em “The musical”, Shawn (James Roday) e Gus (Dulé Hill) investigam Z (Anthony Rapp), dramaturgo de musicais que, seis anos antes, foi considerado criminalmente incapaz após trancar um crítico numa sala nos bastidores de um teatro, no qual colocou fogo.

Dupla de peso – Esta é para quem quer se programar. A HBO marcou para janeiro algumas estreias que prometem. Dia 12 entra no ar a principal delas, True detective, que chega cheia de expectativa por causa do elenco: os protagonistas são Woody Harrelson e Matthew McConaughey, que vivem dois detetives que trabalharam juntos no Departamento de Investigação de Crimes da Louisiana. Em 2012, os dois foram entrevistados separadamente por investigadores sobre o macabro assassinato de uma prostituta em 1995, crime supostamente cometido por um assassino em série. No mesmo dia retorna, agora para o terceiro ano, a simpática Girls.


Caras & Bocas

Simone Castro - simone.castro@uai.com.br

Nova geração

 (João Cotta/TV Globo)

Não basta cantar, também é preciso ser apresentador. Na fórmula que parece cada vez mais tomar conta da TV, a Globo lança dia 5 seu novo programa domingueiro, o Sai do chão, com Thiaguinho, Naldo Benny e Anitta (foto), além de Paula Fernandes, Luan Santana e a dupla Jorge & Mateus. Uma a cada semana, estrelas dos diferentes ritmos, do samba ao sertanejo, funk e pop, vão conduzir a atração. Há alguns dias, Luiz Gleiser, diretor de núcleo, falou sobre o assunto, no lançamento do programa, no Rio de Janeiro: “Fizemos o cruzamento dos mais diversos estilos musicais, com nomes que atingem o público. Eles são muito diferentes, mas fazem com o público a mesma coisa: animam e deixam a energia lá em cima”. Pelo projeto, os novos apresentadores não apenas vão cantar seus sucessos como também ensaiar e se apresentar com artistas convidados, em encontros inéditos e repetindo parcerias consagradas. Fora do palco, mas ainda em cena, eles vão abrir as portas de seus camarins para falar do longo caminho rumo à fama. “Foi um dia inesquecível para mim e espero que as pessoas sintam isso em casa”, disse Thiaguinho, ao fim da gravação.
VIAÇÃO CIPÓ VAI AO AR
UM POUCO MAIS TARDE


A Universidade Federal da Cidade e a Semana do Fazendeiro são atrações de Viçosa no Viação Cipó deste domingo, na TV Alterosa. O telespectador confere também a Mata do Paraíso, uma minifazenda e lindas orquídeas, além de uma saborosa receita. Por causa da transmissão da final do Campeonato Mineiro de Vôlei Masculino, o programa deve entrar no ar às 10h30.

HUMORISTA E IMITADOR
FICA DE FRENTE COM GABI

O De frente com Gabi, hoje, à meia-noite, no SBT/Alterosa, recebe o humorista e imitador Pedro Manso. Ele começou no teatro e depois foi para o rádio, onde ficou conhecido por imitar celebridades. Pedro já passou por vários canais de televisão e atualmente está fazendo o show Fala Silva e seus convidados. Na entrevista a Gabi, ele fala sobre carreira, vida pessoal e novos projetos. “Faço imitações desde os 12 anos. A primeira foi do Galvão Bueno”, conta. Pedro acrescenta que ficou treinando a imitação do Faustão por dois anos. E complementa: “Nunca tive problemas com as pessoas que eu imito porque sempre faço a imitação com muito respeito”.

DOMINGO LEGAL TAMBÉM
ESTÁ EM CLIMA DE NATAL


No Domingo legal, ao vivo, hoje, às 11h, Celso Portiolli recebe padre Marcelo Rossi, que vai falar sobre sua vida, cantar as músicas de seu novo CD, Já deu tudo certo, e receber uma surpresa. Tem ainda as provas entre escolas no “Passa ou repassa” e a entrega da casa no quadro “Construindo um sonho”, além de MC Gui no “Princesa e plebeu”.

OESTE AMERICANO INSPIRA
SÉRIE DE ROBERT REDFORD


Robert Redford vai produzir uma série para a TV. Segundo o site The Hollywood reporter, o ator e diretor, em parceria com o Discovery Channel (TV paga), escolheu como cenário a violenta “terra sem lei” que era o oeste americano entre o fim da Guerra Civil e os 40 anos seguintes. Personagens reais, como Jesse James, Buffalo Bill e Wyatt Earp, entre outros, serão destacados pela produção.

MORRO CARIOCA É PALCO
DE PROGRAMA DE DEBATE


O Morro do Cantagalo, favela pacificada entre Copacabana e Ipanema, no Rio de Janeiro, será palco de Zona neutra, novo programa de auditório que estreia, hoje, às 23h30, no Multishow (TV paga). A cada edição, a atração propõe o debate de um tema com grupos de opiniões opostas: policiais e ex-traficantes, líderes de torcidas organizadas rivais e outros mais. Quem fará a mediação é José Júnior, coordenador da ONG AfroReggae, que é coprodutora do programa. “Sei mediar, mas também sei provocar. Quero tirar as pessoas da zona de conforto”, diz Júnior, que há 20 anos faz também mediação de conflitos em favelas cariocas. Na primeira edição, os convidados são um coronel da PM, um policial civil, um ex-miliciano e três ex-integrantes de facções criminosas que falam sobre violência.

CANAL BRASIL TRANSMITE
SHOW DE MARIA BETHÂNIA

 (Mariana Vianna/Divulgação)

Carta de amor, show inédito de Maria Bethânia (foto), será exibido hoje, com exclusividade, às 17h, no Canal Brasil (TV paga). Gravado no Vivo Rio, no Rio de Janeiro, o espetáculo tem produção do próprio canal em parceria com a gravadora Biscoito Fino. Ao lado do novo maestro de sua banda, Wagner Tiso, Bethânia interpreta canções como O velho Francisco, de Chico Buarque, e Carta de amor, dela e Paulo César Pinheiro, e ainda faz uma homenagem a Gonzaguinha cantando os clássicos Sangrando, Festa, Explode coração e O que é, o que é. E mais Não enche, de Caetano Veloso, e uma versão de Na primeira manhã, de Alceu Valença, e antigos sucessos, como Negue e Fera ferida. A direção e o cenário são de Bia Lessa.

Eduardo Almeida Reis - Funciona


Lóbulos das orelhas feminis foram inventados para o mordiscar do macho da espécie

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 22/12/2013 



Leitores atentos descobrem coisas de que a gente nem desconfia. A última foi a notícia de que há cores diferentes na parte inferior do tubo de cada creme dental. Assim, o verde significa “natural”, o azul é “natural +”, o vermelho é “natural + composição química” e o preto é “química pura”.

Nada tenho contra a química pura. Se tivesse não seria amigo do Roldão, que é o mais puro dos químicos e o maior ombudsman da imprensa brasileira. Fui ver e descobri que o creme que uso há séculos tem no tubo um quadrinho vermelho, sinal de que é “natural + composição química”. Tem funcionado.

O que funciona mal é o Windows 7 Ultimate. Este belo suelto andava muito maior quando meu computador teve um treco e disparou a apagar as palavras, letra por letra, das linhas recém-criadas: na emergência, quase engoli o charuto. Recorri ao “reiniciar” e o negócio parece consertado depois de dois ou três parágrafos perdidos. Antes, cliquei “salvar” e não salvei nadinha. Donde se conclui que o Windows 7 Ultimate é um perigo ainda maior do que os cremes dentais com o quadradinho preto.

Anyway, cores nos tubos de cremes dentais suscitam assuntos diversos, todos da melhor supimpitude, como o tratamento dispensado pela apresentadora Raquel Novaes ao presidente do Crea-RJ, depois da implosão de um pequeno trecho da Perimetral, que os velhos taxistas portugueses chamavam de Ponte Experimental.

Linda morena, Raquel tem belos dentes e usa óculos indispensáveis nas mulheres realmente de ponta, mas usa brincos incompatíveis com os óculos. Lóbulos das orelhas feminis foram inventados para o mordiscar do macho da espécie.

Além das argolas de ouro, Raquel chamou o presidente do Crea-RJ de “seu Agostinho”. Ora, o tratamento brasileiro para qualquer cidadão mais velho, seja engenheiro, arquiteto, músico ou técnico em TI sempre foi “doutor”. Mesmo aqueles que obtêm doutorados de araque, se mais velhos merecem o tratamento doutor. Raquel pisou na bola.

Ninguém escapa

Sala de espera de consultório médico, nove da manhã, ninguém escapa da bióloga especializada em zoologia, filha do italiano Natale Giuseppe Maffeis, nascido em Albano Sant’Alessando, Bérgamo, e de Lourdes Braga.

A bela senhora nunca me fez mal, mesmo porque jamais assisti aos seus programas de televisão, a não ser à força nas salas de espera dos consultórios médicos, onde o estado de espírito do telespectador nunca é dos melhores.

Só agora, na Wikipédia, aprendo que ela nasceu em São Joaquim da Barra, SP, dia 1º de abril de 1949, faz muito sucesso desde 1999, formou-se em biologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Unesp, campus de São José do Rio Preto, o que talvez explique a figura abominável do Louro José a seu lado.

Em rigor, nada tenho contra o seu programa, desde que não seja forçado a assisti-lo. Na manhã em que fui vítima parece que a excelente senhora cuidava das fobias. Ouçamos Houaiss: em psicopatologia, fobia é estado de angústia, impossível de ser dominado, que se traduz por violenta reação de evitamento e que sobrevém de modo relativamente persistente, quando certos objetos, tipos de objeto ou situações se fazem presentes, imaginados ou mencionados. As fobias são classificadas entre as neuroses de angústia, na teoria clássica das neuroses.

Admitamos, então, minha violenta reação de evitamento ao programa da excelente senhora e não se fala mais nisso, falou?

O mundo é uma bola

22 de dezembro: faltam nove dias para acabar o ano e vêm por aí muitos feriados, além das férias que você não deve deixar de curtir. Deixe para descansar das férias a partir de março, que o país é grande e bobo. Em 1761, criação do Ministério da Fazenda no Brasil, ou, pelo menos, é o que consta da Wikipédia. Verdade ou engano, só uma coisa é certa: nunca, jamais, em tempo algum o Brasil teve à frente do MF um gênio tão extraordinário como o do ministro Guido Mantega, economista admirável de uma escola que só ele entende. Nelson Rodrigues dizia que para cada gênio há 10 milhões de imbecis. Guido modificou esse número, quando se sabe que no Brasil há 200 milhões de imbecis incapazes de entender a sua genialidade.

Em 1904, fundação da Associação Internacional de Motociclismo. Quando tenho tempo assisto ao vivo e em cores aos diversos grandes prêmios de motovelocidade. Terminadas as provas, muito me espantam os competidores quando voltam para os boxes como se estivessem numa poltrona, tamanho o equilíbrio e a intimidade que têm com as duas rodas.
Em 1981, criação do estado de Rondônia onde existia o território federal do Guaporé. Rondônia tem fornecido ao Brasil uma safra extraordinária de políticos, geralmente nascidos noutros estados. Em 1986, todos os trabalhadores brasileiros passaram a ter direito ao 13º salário, isto é, todos menos muitos.
Em 1827 nasceu o açoriano Manuel de Simas, conde de Simas, primeiro e único. Fez fortuna no Arquipélago de São Tomé e Príncipe. Tive grande amigo chamado Manuel Madruga de Simas, também açoriano. Sugiro que o segundo conde de Simas seja o nosso Roldão Simas Filho.

Ruminanças


“Agir é bem diferente de falar, ainda que com eloquência, e pensar, ainda que com engenho” (Marcel Proust, 1871-1922).

Tradutor ou traidor? Regina Teixeira da Costa


Estado de Minas: 22/12/2013 


 Toda esta espantosa notícia do impostor Thamsanqa Jantjie, contratado na África para traduzir aos surdos os discursos das autoridades internacionais mais importantes do mundo na homenagem para Nelson Mandela, me levou a algumas recordações.

De um dos primeiros seminários de psicanálise do qual participei, quando iniciei minha carreira, ministrado pelo psicanalista Fábio Borges. Trabalharíamos o texto freudiano e pela questão da tradução. Discutimos a importância do rigor nas traduções. A única tradução de Freud para o português foi feita a partir da Edição Standard Inglesa organizada por James Strachey, já bastante criticada no meio psicanalítico. A Standard Brasileira foi traduzida não do alemão, que era a língua de Freud, mas da tradução inglesa!

Sem sombra de dúvidas isso nos afastou do texto original e produziu inumeráveis desvios com os quais tínhamos de lidar para aprender a psicanálise na sua originalidade. Era uma disciplina nova, conceitos específicos e os erros e equívocos na tradução faziam perder o fio no sentido original proposto pelo criador.

Ler Freud era uma aventura que carecia de todo um trabalho junto a textos originais em alemão, trabalho feito por Fábio Borges, que precisava ser artista para acompanhar o trajeto, a escrita de Freud. Trabalho tanto árduo quanto precioso.

Ele nos dizia ser esse labor um textecer do texto, que se constituía à semelhança de um tecido, no qual os fios são juntados, misturados e entrelaçados, até formar um sentido. Um movimento delimitado pelo próprio produto do tecer, ou seja, o texto. Nele, letras, palavras, frases substituem os fios e elas são juntadas, entrelaçadas até constituírem um texto. Seu modo poético de ensinar encantava.
Apesar de buscar as melhores palavras para expressar o sentido mais fiel, sabia ser o tradutor um traidor pela impossibilidade de traduzir sem deixar rastros e marcas pessoais sobre a escrita do autor.

Um paralelo nos ensinou ainda mais: o trabalho do analista é semelhante ao do tradutor. Seu espaço de labor é o de tornar dizível o indizível que é o desejo inconsciente trazido pelo paciente. E também essa tradução, como todas, nunca poderá ser absolutamente precisa, pois o inconsciente é não todo decifrável. É preciso muito rigor nesse trabalho.

Então, voltando ao falso tradutor africano. Vendo aquele homem gesticulando e sabendo não ter nenhum sentido naquilo que transmitia, lembrei-me da importância e nobreza daquela função, de que além de o tradutor ser, querendo ou não, traidor e por associação livre voltei àquele tempo. Nesse caso, porém, houve negligência total na seleção e do tradutor incapacidade mental para assumir tal função. Pelo menos é o que afirmou Jantjie depois de acusado.

A pergunta que não se cala é como uma pessoa é contratada para um trabalho tão importante, sem nenhuma seleção ou critério minimamente sérios? Ele estava a dois passos dos mais importantes líderes mundiais, num momento histórico da humanidade.
Ele se declarou esquizofrênico em surto: "Não havia nada que eu pudesse fazer. Eu estava sozinho em uma situação muito perigosa", contou. Tentei me controlar e não mostrar ao mundo o que estava ocorrendo. Peço desculpas”.

Trata-se de falta de responsabilidade e incompetência inaceitáveis. Mostra do inacabamento e da errância humanas, e também demonstração clara e precisa da importância e da necessidade de um psicanalista para, antes de colocar alguém em posição de tamanha exposição, que se soubesse pelo menos o básico sobre a capacidade em sua estrutura psíquica. 

PERFIL - EUGÉNIA MELO CASTRO » Toda a mineirice de Geninha


Ana Clara Brant
Estado de Minas: 22/12/2013



Percebi que o Brasil não era um país para vir, cantar e ir embora. Queria entender isto aqui, conviver com os artistas, a música ( Leandro Couri/EM/D. A Press)
Percebi que o Brasil não era um país para vir, cantar e ir embora. Queria entender isto aqui, conviver com os artistas, a música

“Se eu fosse brasileira, certamente seria mineira.” A declaração é da cantora e compositora portuguesa Eugénia Melo e Castro, de 55 anos, que já virou figurinha carimbada nas Gerais. Uma relação que começou ainda nos anos 1970, quando morava do outro lado do Atlântico, e ganhou de presente o disco A página do relâmpago elétrico, de Beto Guedes. “Minha proximidade com Minas veio por meio da música. Provavelmente, devo ter sido a primeira pessoa a ter um disco do Beto Guedes em Portugal. Sempre tive acesso privilegiado à música brasileira, porque tinha muitos amigos que traziam as novidades para mim, e o meu próprio pai (o poeta e escritor E. M. de Melo e Castro) ia muito ao Brasil e também fazia essa ponte”, lembra a artista, que esteve esta semana em Belo Horizonte.

Está gravando o disco Sweet psychedelics, produzido por Robertinho Brant, que também assina as faixas ao lado de Marcelo Sarkis, no Estúdio Verde, no Bairro Serra. Todas as composições são em inglês e interpretadas por Eugénia. “É algo completamente diferente de tudo o que já fiz. São coisas inesperadas que ocorrem na vida. Sou apenas a intérprete. O encontro é surpreendente, tanto em se tratando das canções, dos músicos como dos arranjos. Estou apaixonada e envolvida com esse projeto, que deve ser lançado no primeiro semestre de 2014”, conta.

MITO A parceria com Robertinho começou em 2009, quando o músico a dirigiu em um show no Palácio das Artes. Ali também nascia a ideia de concretizar a admiração da portuguesa pelos mineiros, o disco em homenagem ao Clube da Esquina, Um gosto de sol, lançado em 2011. O compositor e produtor lembra que Eugénia Melo e Castro era uma espécie de mito para ele, e desde o começo se mostrou simples e tranquila. Quando veio a sugestão do disco reverenciando o clube, ela já tinha na cabeça algumas músicas que queria gravar e também lhe deu total liberdade para sugerir outras. “Assim, chegamos facilmente ao repertório final. Eugénia é do tipo de artista com quem todo produtor quer trabalhar. Deu-me total autonomia para que eu desenvolvesse um conceito para o disco; deu-me liberdade para que escolhesse os músicos e fizesse todos os arranjos. Ela demonstrava, a todo momento, ter confiança enorme no meu trabalho, coisa que considero fundamental para que o resultado apareça. Nos demos tão bem que acabamos por engatar outro projeto, e espero que seja uma parceria que não termine tão cedo”, anseia.

Eugénia Melo e Castro é também toda elogios ao parceiro, e assegura que ele foi um produtor que soube conduzir como ninguém seu trabalho e sua voz. “Fiquei praticamente 30 anos me autoproduzindo, quase a carreira toda. Comandava tudo, tinha domínio sobre as coisas, sobre a minha emissão vocal e essa experiência nova, que veio com Um gosto de sol, foi fantástica. Depois de todo esse tempo, ter alguém me conduzindo é muito bacana. Encontrei um profissional com sensibilidade e novas possibilidades”, devolve.


Sempre na ponte aérea



A programação da cantora lusitana é extensa. Em janeiro, ela colocará no mercado português seu primeiro CD com músicas para crianças, Conversas comVersos, musicando os poemas da mãe, a escritora e poetisa Maria Alberta Menéres. O álbum, que só chegará ao Brasil em março, conta com participações especiais como a do cantor Ney Matogrosso em Meu chapéu. “É um disco muito alegre, moderno, e, apesar de ser infantil, não é aquela coisa debiloide. Sem dúvida, ele reserva muitas surpresas e vai ser o primeiro produto da minha carreira assinado por Geninha Melo e Castro, que é meu apelido”, revela.

A incursão no universo dos pequenos não é novidade para a artista, que, no início da trajetória, chegou a apresentar um programa infantil na TV portuguesa chamado Quadrados e quadradinhos, além de ter composto músicas para animações voltadas para a criançada. Vivendo na ponte aérea Brasil-Portugal – ela passa o ano alternando sua estada entre São Paulo e Lisboa –, Eugénia conta que sempre norteou seu caminho no sentido de fazer a ligação entre os dois países, e ser uma cantora portuguesa que canta o Brasil. “Desde o meu primeiro disco, fico nesse vai e volta. Percebi que o Brasil não era um país para vir, cantar e ir embora. Queria entender isto aqui, conviver com os artistas, a música”, justifica.

Mas e a ciumeira dos nossos irmãos da terrinha? Será que existe? “Ah sim. Claro. Eu não achava que pudesse ocorrer, porque sempre vi isso como oportunidade para abrir as portas para outros artistas portugueses. Mas acabo fazendo essa ponte também, porque sempre levo os músicos do Brasil para lá. Acho que gravei sim mais brasileiros do que os meus compatriotas, ainda mais nos anos 1990, quando Portugal estava muito voltada para o mercado europeu. Mas estou na mesma linha há anos. Sou uma cantora portuguesa cantando o Brasil”, resume.

Turnês E, nas temporadas paulistas, a cantora e compositora sempre arranja uma brecha para vir a Minas. Pelo menos cinco vezes por ano, ela dá a graça por aqui, quase sempre a trabalho. Quando está em BH gravando, como foi o caso da última visita, não deixa de arrumar um tempinho para rever velhos conhecidos. “É muito corrido, mas tento administrar meu tempo livre. Almoço com Túlio Mourão ou janto com Toninho Horta, por exemplo. Tento visitar a casa das pessoas. Minha família brasileira é mineira; são esses meus amigos e parceiros. E sempre que estou em BH fico zanzando e tentando entender um pouco a cidade”, comenta.

A primeira grande amizade por aqui foi com Wagner Tiso, que ela convidou para gravar e fazer os arranjos de seu primeiro álbum, Terra de mel. Na próxima vez que voltar à capital mineira, será justamente para um encontro com o maestro três-pontano, também no Estúdio Verde, para finalizar Sweet psychedelics. “Em fevereiro, ele vai fazer os arranjos de cordas e sopros em seis faixas do CD, e vou acompanhá-lo. A partir de abril, inicio turnê de voz e piano ao lado de Wagner Tiso por cidades brasileiras e portuguesas. Faz uns 10 anos que não tocamos juntos, vai ser uma maravilha”, acredita.

Eugénia também espera, finalmente, poder lançar Um gosto de sol em terras mineiras. Ela lamenta ainda não ter conseguido encontrar um produtor que viabilizasse o show de apresentação do álbum, que traz releituras de canções do Clube da Esquina como Cais, Tarde, Fruta boa, entre outros clássicos. “O álbum ficou pronto em 2011 e, desde então, só consegui lançá-lo em São Paulo, no Rio e no interior paulista. Gostaria muito de fazer isso aqui. O show está pronto. Tem banda, cenário. Só falta acontecer. Ele tem tudo a ver com Minas e é uma homenagem ao estado com o qual me identifico tanto. Nasci na Serra da Estrela, em Portugal, região muito parecida com Minas, com montanhas altas e sem mar, terra do queijo. Já está mais do que na hora de a gente viabilizar esse lançamento”, ressalta.


Números da carreira de Eugénia

27  - discos
32 - anos de carreira

Do inferno ao paraíso AFFONSO ROMANO DE SANTANNA


Estado de Minas: 22/12/2013 




Desculpem-me por voltar a esse assunto, sobre o qual, na verdade, não escrevi, mas sobre o qual todos já discorreram. É que me saltou à cabeça que toda a façanha de Mandela é ilustrativa de duas constantes presentes na trajetória de grandes figuras míticas: a descida aos infernos e a subida à glória celestial. Dizendo isso, estou aperfeiçoando algo que mencionei quando me pediram a opinião sobre o que representava a figura daquele líder africano.

Na ocasião, disse algo que me pareceu interessante. Mas era imperfeito: a vida de Mandela parecia um script, um script que deu certo. Fazia eu aproximação com os scripts de cinema, em que tudo é amarrado, tudo é tão bem encadeado que o desfecho nos parece uma máquina onde todos os mecanismos se articulam.

Mas estava dizendo algo pela metade. Meu inconsciente seguiu trabalhando e, de repente, sobreveio-me essa ideia, quae sera tamem. Não sei por que os analistas do fenômeno Mandela não a utilizaram.

O que ocorreu com a vida de Mandela foi aquele duplo fenômeno: primeiro, a mítica da descida do herói aos infernos e posteriormente sua ascensão aos céus.

Os grandes heróis míticos descem aos infernos. Descer aos infernos (o que se chama tecnicamente catábase) é um dever, imposição dos deuses. Faz parte do aprendizado. É uma provação. Só os seres superiores conseguem se sair bem nisso.

 É fácil encontrar exemplos em todas as mitologias. Na Odisseia, por exemplo, no canto XI, Ulisses vai ao Hades (inferno) conversar com Tirésias. Também Orfeu vai ao mundo das sombras. Virgílio, na Eneida (canto VI), faz Eneias descer aos infernos. Isso existe nas mitologias do Leste e do Oeste. Se tomarmos a Bíblia, temos dois exemplos notáveis: o inferno que foi a travessia (durante 40 anos) do deserto pelos judeus antes de chegarem à Terra Prometida. E o próprio Cristo passou pelas provações infernais.

Esse mergulho no submundo, no inframundo que a gente pensa ser coisa dos deuses, no entanto, está até nas novelas televisão. O herói (ou heroína) sempre acaba preso, perde sua fortuna e amigos, ou seja, repete aquela tragédia de Jó, que perdeu tudo. Perdeu e recuperou em dobro. Provocando algum amigo comunista, eu diria que o marxismo é uma versão judaica e ocidental do mito de redenção dos pobres. Lembram-se daquele filme italiano A classe operária vai ao paraíso?

É aí que a estória de Mandela se torna mais ilustrativa e pega todo mundo pelo pé. Ele reúne dois tópicos míticos: passou pela catábase (sua luta, sua prisão), mas depois teve a sua anábase, ou seja, subiu aos céus do noticiário com todas as honras, hinos e coros. O mundo inteiro foi participar desse ritual mítico.

Muitos heróis realizam só a parte infernal. São abatidos pelos inimigos, como Luther King. Outros só depois de mortos ascendem à glória. A vida de muitos artistas narra o inferno em que viviam, a ascensão e a glória só ocorrem depois que morrem.

Mandela conseguiu algo raríssimo: reuniu, em vida, tanto a desgraça quanto o sublime. Juntou as duas pontas. De mártir virou santo. Chegou à presidência de seu país depois de ter passado a vida inteira no inferno da prisão, foi reverenciado por todos, até pelos inimigos. Depois de morto, tornou-se imbatível, inalcançável, celeste.

A hora é agora - Ailton Magioli


Itamar Assumpção, artista considerado maldito que morreu há 10 anos, ganha reconhecimento entre os músicos e tem sua obra regravada por vários cantores

Ailton Magioli
Estado de Minas: 22/12/2013 


 (Arte: Janey Costa)
Melhor intérprete de si mesmo, como gosta de lembrar Riba de Castro, diretor do recém-lançado documentário Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, Itamar Assumpção (1949-2003) vive momento de evidência de sua obra. Além de ser um dos homenageados do filme, ele acaba de ganhar disco da amiga e parceira Alzira E (O que vim fazer aqui), por meio do qual a mato-grossense diz encontrar nos poemas do amigo incentivo para a liberdade musical. O álbum se segue a Atento aos sinais, de Ney Matogrosso, que conta com duas composições de Itamar, e ao disco Tudo esclarecido, da amiga e parceira Zélia Duncan, integralmente dedicado à obra do compositor.

“Que maldito que nada!”, reagiria o próprio Itamar diante do interesse crescente por sua obra. Zélia Duncan chega a admitir que há uma corrente que tem ajudado a manter o nome de Itamar Assumpção com o “frescor merecido”. Do lançamento, em 2010, da Caixa preta, com 10 discos de carreira remasterizados e dois inéditos, feitos a partir de registros de voz e violão que o cantor, compositor e instrumentista deixou, passando pelo também documentário Daquele instante em diante, de Rogério Velloso, do ano seguinte, só dá Itamar.

A filha Anelis Assumpção anuncia para o ano que vem o lançamento, pelo Itaú Cultural, de Itamar Assumpção – Cadernos inéditos, coletânea de textos, letras de músicas e poesias do pai, organizados por ela, pela irmã Serena e pela mãe, Elizena Assumpção. Na opinião do cineasta Riba de Castro, o papel de Itamar na Vanguarda Paulista foi de extrema importância, na medida em que o trabalho dele “era inovador, impecável, pronto e acabado”.

“Era um artista completo e muito exigente consigo mesmo e com os outros”, acrescenta o diretor do documentário Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, para quem a exigência em busca da perfeição colaborou na formação de vários artistas. Que o diga a irmã de Tetê Espíndola, Alzira E, que, ao relatar o processo da parceria dos dois, confirma o que diz Riba de Castro. “Mostrava o que tinha até então – em andamento – e ele complementava a letra, entrava nela, vestia a personagem. Assim foi com Azeite e Man, registradas no LP Amme, de 1992, ou com Norte, uma das inéditas do meu CD novo”, relata a cantora e compositora, produzida por Itamar em Amme.

Ela recorda que em outras situações Itamar simplesmente mandava a letra por telefone, fax ou deixava no caderno dela. Tudo virava canção. “Foi assim com Finalmente, Existem coisas na vida, O que é que eu fiz de mal e Chuva no deserto", exemplifica Alzira E. “Às vezes ele pedia que eu fizesse uma parte B na melodia para incluir mais uma estrofe, caso de Mesmo que mal eu diga, ou um refrão, como em Itamar é. O melhor da parceria, de acordo com Alzira, “era a forma complementar em que as composições se davam e a cumplicidade que permeava nossas vidas, nosso cotidiano e amizade, na qual produzimos muito, e, principalmente, o respeito que ele sempre deu a minha música”.

Consistência Para Zélia Duncan, que gravou 11 canções de Itamar antes de dedicar a ele integralmente o repertório de Tudo esclarecido, o que mais chamou a sua atenção no artista foram a inteligência e a consistência do que é dito, junto com a maneira musical extremamente original e surpreendente. “A primeira música dele que cantei foi Fico louco e em seguida Beijo na boca. Não gravei nenhuma das duas, mas são músicas muito importantes para mim, que me instigavam nos anos 1980 e continuam me instigando até hoje”, acrescenta Zélia. Para ela, antes de mais nada, Itamar foi o grande parceiro dele mesmo, além de Alzira E e da poeta paranaense Alice Ruiz.

Alzira diz que ainda tem parcerias inéditas com o artista. “Algumas estão no novo disco, junto com regravações das canções marcantes na minha carreira nestes 25 anos, tais como Seis dos caminhos e Já que tem que”, lista a cantora mato-grossense. Anelis Assumpção, que também é cantora, seleciona repertório para disco a ser gravado no ano que vem. Em Sou suspeita, estou sujeita e nem sou santa, que marcou a estreia dela, Anelis gravou A mulher segundo meu pai. “Tenho o desejo de sempre cantar canções de meu pai, de tê-lo comigo. Cogito escolher uma canção entre as que mais gosto ou guardá-la para cantar no show”, afirma Anelis Assumpção, que tem músicas inéditas de Itamar.

“Acho que é muito natural quando uma pessoa falta e deixa um legado intelectual – não suficientemente acessado – pelo qual as pessoas se interessem”, avalia a filha de Itamar Assumpção. Ela lembra que Itamar era uma pessoa muito lúcida e coerente, que tinha consciência de que ele seria um artista póstumo. “Ele sabia um pouco disto e talvez até fizesse desta forma”, acrescenta Anelis. “Infelizmente, há muito artista, cientista e outros profissionais que demoram a ter reconhecimento”, diz a filha de Itamar, lembrando a primeira década da morte do pai.

Teatrais, rítmicas, profundas e divertidas, as canções do artista funcionam tanto no estúdio quanto no palco, de acordo com Zélia Duncan. Ele lembra que Cássia Eller, Ná Ozzetti e outros intérpretes também se apaixonaram pela obra de Itamar Assumpção, que cantaram e gravaram. Zélia não esconde sequer o desejo de ter sido uma das Orquídeas do Brasil, banda de Itamar integrada apenas por mulheres, além de detectar a porção buarquiana na obra do compositor em canções como quem Que canta seus males espanta, que ela gravou no disco Eu me transformo em outras.

Palavras  de parceiros
“Conheci o Itamar por intermédio de meu irmão, Paulo Barnabé, que sempre foi um elo muito forte entre a gente, pois conseguia tocar minhas músicas e as dele também. Foi ele que nos aproximou. Além da temática, crua e marginal, de sua música, me sentia atraído pela riqueza rítmica e pelas performances de Itamar, que foi mais meu amigo do que parceiro. Acho que tenho alguma coisa que comecei a fazer com letra dele e nunca terminei. Volta e meia me lembro disso. Preciso procurar nos meus papéis.”
>> Arrigo Barnabé, músico

“Nos conhecemos em 1983, quando Itamar foi fazer um show em Curitiba, onde eu morava. Ficamos amigos imediatamente e eu o presenteei com meu primeiro livro, Navalha na liga. Imediatamente, ele juntou alguns poemas curtos e musicou, dando o mesmo nome do livro. A nossa parceria funcionava de várias formas. Inicialmente, ele musicava poemas de livros meus, mas passei a enviar letras a ele e depois a viajar para encontrá-lo e compormos juntos.”
>> Alice Ruiz, poeta

Três perguntas para...
Riba de Castro - cineasta

Qual foi o papel e contribuição de Itamar Assumpção para a Vanguarda Paulista?
O papel do Itamar foi de extrema importância, já que seu trabalho era inovador, impecável, pronto e acabado. Era um artista completo e muito exigente consigo mesmo e com os outros. Essa exigência em busca da perfeição colaborou na formação de artistas que trabalharam com ele. Se você perguntar a Alzira E sobre o Itamar, ela vai dizer que aprendeu com ele tudo que sabe de palco e, inclusive, a compor. Sua contribuição para o movimento está na qualidade do seu trabalho e por ter deixado uma grande obra gestada em um curto período de existência. Além de ter mantido sempre a independência na produção de seus discos, sem deixar seduzir-se pelas grandes gravadoras.

Em que posição Itamar Assumpção tem peso maior: como cantor ou como compositor?
Como compositor, sem a menor dúvida. Era um grande letrista, músico e arranjador. Era capaz de refazer seus arranjos em cada novo show. Claro que também foi o melhor intérprete de si mesmo.

Até que ponto a negritude contribuiu para fazer dele um compositor singular no movimento da Vanguarda Paulista?

A sua negritude está plasmada na sua obra. Ele tinha a consciência de sua condição de negro e havia sofrido preconceito. Não em vão, sua primeira banda se chamava Isca de Polícia. Seu primeiro disco Beleléu, gravado pelo selo Lira Paulistana, com a música Nego dito, reafirmava a sua negritude.

Ajuda dos céus para melhorar o trânsito


Pesquisadores da USP e da Unicamp adaptam pequeno modelo de helicóptero não tripulado para ajudar no monitoramento do tráfego urbano. O equipamento pode ser útil também no socorro às pessoas afetadas por enchentes

Vilhena Soares
Estado de Minas: 22/12/2013 


O microcóptero usado nos testes: capaz de coletar e enviar imagens por meio de rede sem fio (Fernanda Vilela/Divulgação)
O microcóptero usado nos testes: capaz de coletar e enviar imagens por meio de rede sem fio


Brasília – Ficar preso em engarrafamento por conta de uma batida é algo que tira do sério muitos motoristas todos os dias. Um projeto feito em parceria por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) busca minimizar esse problema ao fornecer uma forma de os responsáveis pela gestão do tráfego nas cidades acompanharem melhor o que ocorre  nas ruas. Os especialistas desenvolveram um microcóptero – pequeno veículo aéreo não tripulado – munido de câmeras e sistemas de comunicação que colhe imagens das rodovias e as envia para as equipes em terra por meio de rede sem fio. O projeto ainda precisa ser aprimorado, mas pretende auxiliar a vida não só de quem fica com o carro parado nas vias. Os envolvidos no trabalho acreditam que a aeronave pode ser útil no atendimento a vítimas de catástrofes como alagamentos e enchentes.

Professor do Departamento de Sistemas de Computação da USP e um dos autores do projeto, Jó Ueyama explica que a ideia surgiu depois de ele e sua equipe observarem o funcionamento de aparelhos semelhantes. “Vimos, em outras pesquisas, um avião utilizado por agricultores para pulverizar áreas de plantação. Tudo feito de forma automática”, conta. “Pensamos que poderíamos utilizar o mesmo tipo de tecnologia para trabalhar com essa estratégia no trânsito, algum aparelho que avisasse sobre acidentes e problemas gerais nas vias, mas que não precisasse de um piloto”, complementa.

Para dar início ao projeto, os pesquisadores adaptaram um pequeno modelo de helicóptero, importado da Alemanha, que se encaixava nos objetivos do programa. O microcóptero é movido a bateria e equipado com sensores, câmeras de alta resolução leves e tecnologias de rede wi-fi, o que permite voos autônomos ou pré-programados. “Com esse sistema, conseguimos fazer com que ele se mova por controle remoto, com uma placa bem pequena de um computador, que tem um cabo que, conectado ao PC, repasa as imagens captadas e também ajuda a definir o trajeto a ser feito”, destaca.

O professor esclarece ainda que, para se comunicar com o microcóptero, os carros das equipes só precisam ser munidos de tecnologias simples. “Achamos que uma rede wi-fi seria a melhor saída, já que hoje em dia temos muitos carros com essa tecnologia, fora redes de telefonia, que seriam de grande ajuda para que a comunicação e a troca de informações coletadas fossem eficientes.”

A tecnologia que permite a comunicação entre automóveis e a pequena aeronave é chamada de veicular ad hoc networks (Vanets). “O microcóptero serviria como uma ‘mula de dados’ ou uma ponte de comunicação entre os veículos”, resume Ueyama. E motoristas comuns, com o equipamento de recepção adequado, também podem ser beneficiados. “Caso aconteça um acidente, ele passa as coordenadas não só para os agentes de trânsito ou o Corpo de Bombeiros, mas também para o seu carro”, ressalta.

O equipamento já passou por uma série de testes bem-sucedidos em altitudes mais baixas. Agora, ele será aprimorado para que voe mais alto. “Precisamos conseguir autorização da Aeronáutica para essa fase. Outro problema que precisa ser resolvido é fazer com que ele trafegue com segurança mesmo em tempos ruins. Hoje, ele tem um controle remoto, mas futuramente será autônomo”, destaca.

Outros usos  Ueyama acrescenta que outra aplicação que o microcóptero terá é auxiliar problemas com enchentes e alagamentos. “Esse projeto dá continuidade a um sistema que detecta enchentes e níveis de poluição em rios e córregos urbanos por meio de uma rede de sensores sem fio instalados perto de rios e lagos, permitindo que a população seja avisada sobre eventuais riscos”, descreve. “Agregados a esse sistema, os microcópteros podem ajudar comunicando-se com esses sensores, disseminando dados e desviando o trânsito, para que os veículos evitem áreas alagadas”, exemplifica.

Para Leonardo Sanches, professor do curso de engenharia aeronáutica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o microcóptero é um dos produtos que devem virar tendência em sistemas de monitoramento aéreo. “A aplicação do uso de veículos aéreos não tripulados tem sido muito incentivada no Brasil. É um recurso que já observamos com sucesso em outros países, como os Estados Unidos”, lembra. Sanches acredita que o recurso pode trazer mais economia e eficiência. “Quando você faz essa vigilância pelo ar, consegue acessar lugares aos quais um carro não iria.”

Na opinião do professor da UFU, com aprimoramentos, o equipamento poderia auxiliar também na fiscalização ambiental, realizando, por exemplo, monitoramento marítimo, controlando melhor catástrofes naturais. No entanto, um bom sistema de navegação é fundamental para tudo isso. “Caso haja realmente a melhoria do sistema de localização, ele seria um bom recurso, pois poderia sobreviver a problemas de tempo ruim, algo que precisamos bastante”, completa.

Jó Ueyama explica que o projeto ainda não tem um custo definido para que o microcóptero possa ser vendido, mas que um dos objetivos é torná-lo viável também do ponto de vista econômico. “Comprar a base custa cerca de R$ 5 mil. Infelizmente, temos as tarifas de importação e as adaptações que custam um pouco também, mas temos fé em que poderemos tornar esse valores mais baixos, pedindo a isenção dessas taxas.”