sábado, 12 de outubro de 2013

Autoras em papo literário - Por Noemi Jaffe

Valor |Econômico - 11/10/2013

Há algo estranhamente comum entre um condutor de caravanas no deserto, um libanês que foge para o Brasil, um neto adolescente que cuida do avô na Austrália e um paulista que escolhe viver num garimpo distante, no meio da Amazônia. São personagens ao mesmo tempo ancestrais e estrangeiros, distantes no espaço e no tempo, perdidos do mundo em seus conformes. É assim também a literatura de Beatriz Bracher: deslocada na linguagem e em seu objeto. Sempre um pouco mais para lá ou para cá, o centro não é seu lugar e o leitor precisará se haver com contos que o põem, sem disfarces, de frente consigo mesmo. Na entrevista abaixo, uma conversa com ela sobre "Garimpo", seu livro mais recente.


Fotos Ana Paula Paiva/Valor / Fotos Ana Paula Paiva/Valor

Noemi (à esq.) e Beatriz: conversa sobre "Garimpo", um romance em construção e a literatura brasileira atual



Noemi Jaffe: Por que o nome "Garimpo", que é o título de um dos contos?

Beatriz Bracher: Um dos contos do livro se chama "O Que não Existe". Tinha pensado em usar esse para o título, mas é muito carregado de significados e eu preferi algo mais concreto e que ao mesmo tempo tivesse múltiplas interpretações. Não queria nada muito filosófico.

Noemi: Percebi que vários contos do livro sofrem uma espécie de corte, de interrupção, é como se não tivessem fim. É isso mesmo?

Beatriz: É curioso que as últimas palavras do conto "Garimpo" e, portanto, do livro, sejam "uns anões", realmente uma forma brusca de terminar. É que nesse conto - e talvez no livro, como um todo - eu queria falar sobre como somos pequenos, como nos assombramos e aviltamos a natureza, inclusive no processo de garimpo. Em várias mitologias são os anões que fazem o garimpo: os nibelungos, os sete anões... Mas não se trata de anões frágeis e fofos. São guerreiros. Lá na Amazônia, os garimpeiros estão se acabando, se matando, nem sabem exatamente por que estão lá, mas não saem. A questão não é só enriquecer. Há algo a mais nesse processo. Eu estive pessoalmente em um local de garimpo na Amazônia e vi que lá o ambiente não é de degradação, mas é como se estivéssemos no Velho Oeste, são pessoas que estão lá porque querem e se sentem independentes, fazem a sua vida sem pedir licença a ninguém, inclusive as prostitutas. Por falar em natureza, o livro tem também uma preocupação com a ecologia e com a linguagem de certo ambientalismo. Penso que corremos o risco de, na defesa da natureza, beirar um autoritarismo excludente com coisas que são muito viscerais no ser humano. É importante pensar na nossa relação com a natureza e com os animais como uma espécie de luta, em todos os sentidos. Quando a respeitamos e também quando a destruímos. Não é porque há covardia que não existe luta, até mesmo entre um homem e o animal que ele mata, como no caso do conto "O Que não Existe" e em "Michel e Flora". Tem uma frase de Karen Blixen que está até no livro: "Quem melhor conhece um leão é o caçador de leão". Toda violência é um tipo de aproximação, um conhecimento muito forte do outro.

Noemi: Acho que sua linguagem está ficando cada vez mais concreta, menos filosófica. É isso mesmo?

Beatriz: Por um lado isso é verdade, mas por outro eu tenho admirado cada vez mais alguns autores que não têm vergonha de se explicar. Sei que existe essa máxima na literatura, que é a de mostrar mais do que interpretar, mas gosto de alguns autores, como Rubens Figueiredo, por exemplo, no livro "Passageiro do Fim do Dia", que percebem a necessidade até política de dar explicações. A despretensão com que ele descreve as coisas me dá a impressão de que tudo fica menos panfletário. Como tudo é muito explícito, não fica parecendo que o narrador quer ocultar algo para o leitor interpretar; é como se fosse o pensamento do próprio personagem.

Noemi: Está escrevendo um novo romance?

Beatriz: Sim e o conto "Suli", que está em "Garimpo", é um trecho desse novo romance, embora também possa ser lido autonomamente. O livro será dividido em quatro partes. A primeira trata de um rapaz que está estudando o livro "O Paraíso Perdido", de Milton. Em função disso, estou lendo muito a "Bíblia" e comparando diferentes traduções dos mesmos trechos. As duas partes finais do livro se passam no futuro: uma em 2020 e a outra em 2050, quando uma garota relembra o passado, incluindo a história desse rapaz. Nessas minhas leituras comparativas descobri, por exemplo, que a criação do mundo por Deus foi traduzida de três formas distintas: por "sopro", "vento" e por "espírito", dependendo do tradutor. É um atributo humano, natural ou divino, de acordo com a interpretação.

Noemi: Como foi sua visita ao garimpo, na Amazônia?

Beatriz: Fui até lá com a intenção de encontrar alguns arquétipos sobre o Brasil, buscar a história antiga, mas acabei encontrando uma história moderna, Não a formação do país, mas sua "des-formação". O garimpo do ferro, por exemplo, destrói a montanha inteira, mas depois se transforma nos objetos que utilizamos diariamente. Tudo o que está sobre a terra já estava sobre ela. Mas com o ouro o processo é diferente. Apenas uma ínfima parte do que é destruído é aproveitado. Cerca de 0,5 grama por tonelada. Dessa forma, a sensação de tocar uma barra de ouro garimpada é muito impressionante. Todo aquele esforço para tirar de dentro da terra algo que não tem utilidade alguma.

Noemi: Sei que você tem uma visão da literatura brasileira mais melancólica do que querem os estereótipos, não é verdade?

Beatriz: Sim. Para começar com o maior de todos, Machado, o romance que inaugura a nossa modernidade foi escrito por um autor defunto, o Brás Cubas, e a morte é um assunto muito importante em todos os seus livros. Depois, se você pensar desde José de Alencar, por exemplo, não em "O Guarani", mas "O Sertanejo", vai reconhecer esse aspecto. Dyonélio Machado, Cornélio Penna, Lúcio Cardoso, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Hilda Hilst, Pedro Nava, para não falar em Drummond, há toda uma linhagem de grandes autores tristes na nossa literatura. Mas, quando retratam o Brasil lá fora, parece que há uma necessidade de só mostrar um Brasil feliz, artificialmente feliz. A própria antropofagia não é só ufanismo e euforia. A injustiça social, mas também a injustiça jurídica brasileira, são coisas muito tristes. A história da nossa formação, o início da nossa miscigenação são senhores estuprando suas escravas. Não entendo por que ninguém fala sobre isso. Por que não usam essa palavra quando falam da tendência do português a se miscigenar: estupro?

"Garimpo".

Beatriz Bracher. Editora 34, 134 págs., R$ 32,00



Umas palavras aleatórias - Antonio Risério

A Tarde - 12/10/2013

Hoje, aos 60 anos, me sinto bem mais paciente com os outros. Mas muita coisa ainda me irrita. A estupidez, por exemplo. E aqui a publicidade é um prato cheio



“Já acho mais quem me aborreça do que quem me agrade”, escreve Machado de Assis no Memorial de
Aires, atribuindo o fato à velhice. É engraçado. Muita gente se refere assim à velhice. Como se os mais velhos fossem necessariamente mais ranzinzas, intolerantes, impacientes, cheios de manias. Como estou fazendo meus 60 anos, devo dizer que minha percepção pessoal não tem nada a ver com isso. Fui adolescente irônico, “dono da verdade”, arrogante mesmo, olhando tudo de cima. Hoje, ao contrário, me sinto bem mais paciente, tolerante e conciliador diante dos outros. Já não acho que tenho sempre razão e que todo mundo é obrigado a concordar comigo, a menos que seja burro ou trapaceiro ideológico.

Mas é claro que muita coisa ainda me irrita. A estupidez, por exemplo. E aqui a publicidade é um prato cheio. Tempos atrás, uma propaganda do Eco Sport falava de caranguejos na praia – e não mostrava nenhum deles, mas um band de grauçás. Agora, na televisão, propaganda de água mineral Minalba, aparece um sujeito com cara de professor de educação física falando a seguinte asneira:
“Para cuidar bem de sua saúde, é preciso adquirir novos hábitos. Entre eles, o de beber água”. Beber água é novo hábito? Pelo que dizem nossos gênios publicitários, sim. Aliás, nem sei como a humanidade conseguiu sobreviver até aqui sem beber água. Num próximo comercial, eles poderiam falar de outros novos hábitos que precisamos adquirir. Como o de ingerir alimentos. Ou o de fazer sexo, por exemplo.

Há, também, a campanha publicitária que parte do princípio de que todo cidadão é imbecil (achar que o público é estúpido é uma das condições de sobrevivência da publicidade). Por exemplo: a vida de qualquer banco é dinheiro. Bancos são instituições feitas de grana e voltada para a grana. Movem-se sob os signos da usura e do lucro. Mas vejam aí a propaganda que o HSBC colocou no ar:
“Em que momento vamos parar de pensar tanto em dinheiro?”. Nunca vi maior cinismo em toda a minha vida. Qualquer tipo de empresa poderia fazer essa pergunta, menos um banco. Se esse pessoal do HSBC estivesse falando sério, abriria mão de um micromilímetro de seu lucro diário e compraria uma casa para mim na beira do mar.

Mas encontro a estupidez e a diluição também no terreno das artes plásticas. Vejo na internet uma artista plástica que fez um gato enorme, que ronrona quando é acariciado. Em primeiro lugar, a ideia é apenas cretina. Em segundo, é plágio, coisa que talvez a moça, na sua santa ignorância, não saiba. Mas é que, ainda na década de 1960, um em meio àquelas multidões de artistas “pop” fez uma escultura em tamanho natural da atriz italiana Virna Lisi, que, quando acariciada, emitia gemidos supostamente sensuais. Pois é: agora, a moça que fez o gato se acha genial. Pode? Pode – e eu é que tenho de dormir com todos esses barulhos e ruídos informacionais.

Mas nem tudo é motivo de queixa. Um bálsamo, agora, é que serei obrigado a reler tudo o que Darcy Ribeiro escreveu. É claro que ando lendo coisas novas, mas também viajado na base de muitas releituras.
Por isso citei Machado de Assis no início deste texto. Nesse ano de 2013, reli, por ordem, todos os romances que Machado escreveu, desde Ressurreição, publicado em 1872. Mais de 1.200 páginas no chamado “papel bíblia”. Me apaixonei de novo (e perdidamente) por Brás Cubas e Quincas Borba. Mas a idade vai chegando e a gente muda aqui e ali de opinião. Desta vez, achei simplesmente maçante, chata mesmo, a narrativa das bobagens de Bentinho e Capitu no Dom Casmurro. Sei que os fãs de Machado vão me execrar por isso. Mas não posso fazer nada. O romance não desceu redondo.

Quanto a Darcy Ribeiro, é o seguinte. A Fundar – Fundação Darcy Ribeiro – me escolheu para escrever a biografia do velho. Tenho até 2017, um prazo de três anos, para fazer o trabalho. E já vou começar pela releitura de Confissões e pela leitura de dois livros sobre Montes Claros,
a cidade mineira onde o mestre nasceu e fez as suas primeiras estripulias

Turbinar a cidadania - Wilson Gomes‏

Avanços no campo da democracia digital se mostram consistentes e apontam para cenário de maior participação dos cidadãos nas decisões e no controle dos assuntos de interesse público


Wilson Gomes

Estado de Minas: 12/10/2013 



Manifestantes com bandeira e faixas de protesto a favor do voto aberto, em frente ao Congresso Nacional: sociedade quer mais transparência (Iano Andrade/CB/D.A Press)
Manifestantes com bandeira e faixas de protesto a favor do voto aberto, em frente ao Congresso Nacional: sociedade quer mais transparência

Com a massificação da internet em todo o mundo nos anos 1990, não escapou aos contemporâneos o enorme potencial que soluções tecnológicas de comunicação apoiadas na rede e baseadas em interfaces web pareciam ter para a vida social, a política e a democracia. À medida que se incrementavam as formas de comunicação via tecnologias digitais on-line e que se intensificavam e se ampliavam os seus usos sociais para um número extremamente elevado de funções, tornavam-se ainda maiores e mais concretas as expectativas de que tais tecnologias, seus recursos e seus usos pudessem alterar de alguma forma o panorama das democracias atuais.

Num primeiro momento, a perspectiva adotada foi “revolucionária”. O diagnóstico, hiperbólico, era que a democracia representativa estava há muito em crise, pelo contraste entre a diminuição acelerada da participação política cidadã, de um lado, e o crescimento constante da autonomia do sistema político em face da sociedade na condução da coisa pública, de outro. Acreditava-se, então, que formas horizontais de comunicação, na internet, ao permitir que todos os cidadãos se tornassem produtores de conteúdo e capazes de representar o Estado e os concidadãos a sua própria vontade, sem a tradicional mediação de representantes eleitos, poderiam vir a ser a realização dos sonhos de democracia direta.

Superada a fase do entusiasmo, pouco a pouco foi se firmando uma perspectiva mais modesta, cujo foco consiste em retirar o máximo proveito possível das tecnologias digitais de comunicação, que a este ponto já se tinham tornado onipresentes, para melhorar o teor democrático das relações dos cidadãos uns com os outros, com os coletivos sociais e, enfim, com as várias instâncias do Estado. Passamos a apostar numa alteração no equilíbrio de forças sociais, no que tange à influência sobre o Estado e a sociedade, em favor dos cidadãos comuns, ante os seus naturais concorrentes na satisfação do interesse político: o sistema político, a administração pública, as corporações econômicas, as organizações da sociedade civil, as autoridades no interior dos poderes do Estado.

Em Estados de democracia liberal, portanto, a democracia digital consiste em todas as iniciativas e recursos on-line, em todos os empregos de plataformas, aparelhos e conteúdos digitais voltados para aumentar as vantagens concorrenciais da cidadania ou em reduzir as desvantagens dos cidadãos diante das forças que com ele competem para se impor na produção de agendas, políticas públicas, regulamentações, leis e quaisquer outras formas de decisões que afetem a comunidade política.

A democracia digital não é, portanto, uma nova forma de democracia, nem mesmo pretende existir independentemente das instituições do Estado democrático. Chamamos de democracia digital qualquer solução tecnológica que nos ajude a obter mais democracia e melhores democracias. Onde há mais liberdade, igualdade, transparência pública, participação cidadã, pluralismo, minorias gozando de direitos etc., onde há, portanto, incremento no teor democrático de uma comunidade política, haverá, por conseguinte, uma democracia de melhor qualidade, mais justa, mais correspondente à soberania popular, mais ao serviço do bem comum.

Neste novo quadro, não está em perspectiva a superação do governo representativo por uma espécie de democracy plug’n play nem a atitude dominante é mais o otimismo irrefreável sobre as virtudes democráticas automáticas das tecnologias e dos seus usos. Trata-se de fazer o melhor possível pela democracia por meio da tecnologia, explorando as brechas que o sistema político e a cultura política admitem ou deixaram abertas, alargando experiências, propondo projetos criativos e inovadores, testando soluções inusitadas e eficazes, acompanhando experimentos. Ademais, pouco a pouco foi sendo mudado o foco: de uma tese geral sobre o futuro da democracia em um mundo digital on-line passou-se para a elaboração de projetos, de iniciativas (estruturas e recursos desenhados com base em fins determinados) e de experiências (práticas espontâneas fruto das interações digitais das pessoas) que são formas concretas em que se podiam testar os limites da suplementação ou reforço, via tecnologias, de práticas pró-democracia.

Por fim, a tendência hoje é tratar menos da ideia abstrata de democracia, que findava por tornar a e-democracia relativamente vazia em função da polissemia envolvida, e passou-se a cuidar de dimensões normativas da experiência democrática: participação, visibilidade, transparência, accountability, pluralismo, justiça e direitos, tudo marcado com o prefixo “e-’’, que diz apenas que se realiza em ambientes digitais on-line.

Neste quadro, o estudo da participação cidadã (e-participação) é o que tem mais experiências e iniciativas digitais registradas: são muitos hoje os projetos on-line de discussão e formulação colaborativa de problemas sociais, de consultas públicas, de produção coletiva de regulamentações e políticas públicas, de orçamentos públicos ou de decisão sobre prioridades nos gastos públicos e, até, de voto em matérias específicas, além de inúmeras experiências de e-activism, e-petitions e campanhas (não apenas políticas) on-line que envolvem milhões de pessoas mundo afora.

Mais recentemente, começaram a ser formuladas soluções digitais para permitir e incrementar o controle cognitivo dos cidadãos sobre os assuntos de interesse público no Estado (decisões, processos, documentos, procedimentos), a e-transparência. Sem mencionar os projetos relacionados ao governo aberto (open government) e ao acesso público a dados brutos e documentos das várias instâncias do Estado (open access) que resultam de iniciativas multilaterais, uma delas liderada pelos Estados Unidos e pelo Brasil.

Os progressos no campo da democracia digital são lentos, mas em avanço contínuo e consistente, o que nos permite um prognóstico bastante realista de que veremos cada vez mais a tecnologia funcionando para produzir melhores democracias.

Wilson Gomes é doutor em filosofia, professor titular de comunicação na Universidade Federal da Bahia e coordenador do Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital e Governo Eletrônico.


Fique ligado

O Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realiza em 30 e 31 deste mês o Colóquio Internacional Tecnologia e Democracia: Governança, Ativismo e Accountability, no câmpus da Pampulha. Informações e inscrições: http://coloquiotecnologiademocracia.org

Em busca da harmonia - João Paulo

Em busca da harmonia 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos acompanha a formação da ética intelectual e da estética musical de Mário de Andrade 

João Paulo

Estado de Minas: 12/10/2013


Mário de Andrade em ação, presença sempre decisiva no debate sobre os rumos da cultura brasileira (Arquivo EM)
Mário de Andrade em ação, presença sempre decisiva no debate sobre os rumos da cultura brasileira


Mário de Andrade (1893-1945) não foi um só. Como ele mesmo se definiu no poema de abertura de seu livro Remate de males, de 1930, ele era “trezentos, trezentos e cinquenta”. Entre as múltiplas facetas do escritor estava a de musicólogo. E não se tratava de uma derivação de sua principal atribuição intelectual. Quando se consideram as obras completas de Mário de Andrade, há mais títulos dedicados à música que a qualquer outro assunto, mesmo a literatura.

O autor de Macunaíma e Amar verbo intransitivo começou a vida como professor de música no Conservatório de São Paulo, escreveu sobre história e estética musical e chegou mesmo a ensaiar uma composição, Viola quebrada, que nasceu da influência confessa de Catulo da Paixão Cearense. Mário de Andrade foi ainda pianista (não chegou a concertista em razão de um tremor nas mãos adquirido depois da perda do irmão) e pesquisador da cultura musical popular.

Entre seus livros sobre o tema se encontram uma história da música ocidental, ensaios sobre autores como Chopin e Wagner, estudos sobre danças dramáticas, artigos sobre os músicos modernistas. Sua abordagem sobre a música, que mescla pesquisa histórica, antropologia e sociologia, vai ajudar a definir o projeto estético do modernismo. Mais que um elemento entre outros, é possível defender que a música ocupava papel central no pensamento de Mário de Andrade. Não é um acaso que os primeiros escritos, de 1915, e os derradeiros, do ano de sua morte, em 1945, tratem da questão.

O livro O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado, de Paulo Sérgio Malheiros dos Santos (Editora PUC Minas), destaca exatamente a importância da música na vida e no pensamento do escritor. Ao analisar textos menos valorizados do autor modernista, como apontamentos para aulas (Mário de Andrade escrevia cuidadosamente suas aulas e palestras) e um discurso de formatura destinado aos alunos do Conservatório de São Paulo, em 1935, Mário parece somar elementos que ajudam a compreender sua postura ética e suas ideias estéticas mais gerais.

É sempre preciso lembrar que a carreira intelectual de Mário de Andrade se deu em meio a um momento de mudanças, de certa forma condensadas no projeto do modernismo. Nessa trajetória, sua atuação ia da filosofia à política, seja por seus escritos na imprensa ou pela atuação em espaços públicos e posições na estrutura burocrática. Além desses papéis, Mário exercia, por meio de cartas e orientações diretas a jovens e artistas em busca de rumo, uma função essencial na cultura brasileira. No cruzamento de tantos caminhos, foram sendo debatidas noções como moderno, nacional, popular, erudito, folclore, renovação e tradição.

O livro O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado analisa esse trajeto. Paulo Sérgio Malheiros dos Santos, na introdução de seu trabalho, destaca a importância da música na vida do escritor. Identifica sua presença já nos primeiros versos do poeta, indica a marca da arte dos cantadores em suas obras mais maduras, estabelece a relação entre o interesse conjunto pela literatura e música. O autor recupera os primeiros trabalhos como crítico de música e professor, antes da eclosão da Semana de Arte Moderna de 1922. E mostra como, depois disso, mesmo ligado às vanguardas, Mário de Andrade nunca abandona o interesse pela pesquisa da arte popular e das tradições.

Aulas e conferências O livro se divide em quatro capítulos, cada um deles inspirado por um texto andradiano dedicado à reflexão sobre música e estética. O primeiro é “Manifestação musical” e faz parte de anotações para um curso de estética musical ministrado em 1925, que ficou inédito por várias décadas (a primeira versão publicada apareceu em 1995). Mário de Andrade defende que o artista vive em desarmonia com seu mundo, tendo como única saída para sua solidão o terreno da criação. No entanto, ele chega a manifestar o que ele chama de “desejo-de-amigo”, uma busca do outro como saída para a clausura da Rua Lopes Chaves e consequente luta aberta contra os passadismos. Esse é o mote para Paulo Sérgio tratar da relação de Mário de Andrade com a rica década de 1920, com a força de suas vanguardas, mas sem perder a dimensão do nacionalismo. É por se julgar responsável que Mário assume a posição de liderança, seja em artigos na imprensa, seja ao aceitar o cargo de chefe do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo.

O segundo texto analisado é o discurso que Mário de Andrade profere em 1935 aos formandos do conservatório. Depois de manifestar o impulso ao “desejo-de-amigo”, o escritor assume seu papel político e passa a refletir sobre temas como a função social da arte. Mas é também um tempo de importantes análises acerca do papel social do artista, sem esconder, em alguns momentos, sua decepção com o cargo público e certo derrotismo em razão do cenário político autoritário (Estado Novo).

O terceiro capítulo parte da aula inaugural proferida em 1938 na Universidade do Distrito Federal. Depois do afastamento do cargo público, Mário de Andrade está de volta à literatura e à música, e trata em seu trabalho de distinções entre o artista e o artesão, trazendo para o debate autores ligados à filosofia romântica e ao neotomismo. Um debate que tem motivações filosóficas e que não foge à interlocução com outros pensadores.

O último capítulo analisa a atualidade de Chopin e parte também de um texto com raízes didáticas. Em 1942, Mário parece encontrar no compositor polonês uma espécie de síntese entre o impulso íntimo e o “desejo-de-amigo”, que faz com que a obra de Chopin, personalíssima, se torne tão popular. Paulo Sérgio, a partir dessa conferência, analisa a presença de artistas coloniais nas reflexões de Mário de Andrade, como Aleijadinho e José Maurício, de pintores modernistas, como Portinari e Anita Malfatti, concluindo com as análises afetivas da arte popular do cantador nordestino Chico Antônio e das atribulações para a composição da ópera Café.

A análise do significado da obra de Aleijadinho por Mário de Andrade, ainda que marcada pela ambientação modernista em sua busca de raízes nacionais, é um primor de realização crítica. O escritor conjuga elementos psicológicos e estéticos, propõe comparações ousadas com escolas artísticas (o barroco e o expressionismo), se aprofunda em detalhes técnicos que diferenciam o trabalho de escultura em madeira e pedra-sabão e, por fim, resgata a obra do artista do desdém neoclássico e propõe a primeira interpretação social do artista.

Pela abrangência e segurança em traçar a trajetória do pensamento estético de Mário de Andrade, O grão perfumado é um livro que se inscreve no exigente circuito da história das ideias. Conduzido por Mário de Andrade, o leitor é convidado a refletir sobre a cultura brasileira e as pessoas que se empenham em construí-la em meio a tantos desafios. Sempre lúcido, não se pode dizer que Mário de Andrade tenha encontrado um caminho feliz. Mas mesmo assim não é possível imaginar outra vida para o artista e pensador. Quem, hoje, numa sociedade siderada pelo mercado, estaria disposto a assumir na carne esse projeto de renovação? Mário de Andrade ainda faz muita falta.
 (editora puc minas/reprodução)

O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado
• De Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
• Editora PUC Minas
• 278 páginas


O autor

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos é pianista e doutor em literatura pela PUC Minas. É professor de piano, história da música e música de câmara da Escola de Música da Uemg. É autor do livro Músico, doce, músico (Editora UFMG), que analisa a relação entre música a literatura na obra de Mário de Andrade.

ENTREVISTA/EVANDRO AFFONSO FERREIRA » "A palavra é minha âncora"‏

Publicação: 12/10/2013 04:00


 (Arquivo Pessoal)


Cultuado pelos iniciados na literatura, autor de vários livros inéditos e alguns poucos publicados, entre eles o romance O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Roterdam, lançado no ano passado pela Record, o escritor Evandro Affonso Ferreira nasceu em Araxá, no Triângulo Mineiro, mas mudou-se para São Paulo bem jovem. Na capital paulista, onde ainda vive, fez muitas coisas para se manter: foi bancário, publicitário e dono de dois sebos sofisticados, Avalovara e Sagarana, que fizeram história no meio literário. “Com quase 70 anos de existência”, como gosta de dizer, Evandro Affonso Ferreira, que costuma escrever suas histórias em confeitarias, enquanto toma café, sobrevive – além de uma pequena aposentadoria – com as oficinas literárias que conduz na companhia da escritora e amiga Márcia Tiburi. “Ela é minha mãe, apesar de ser um século mais nova do que eu”, brinca o romancista, em conversa com o Pensar.

O que ficou dos primeiros tempos de vida em Araxá?

Foi em Araxá que passei os primeiros anos da minha vida. Daqueles tempos, guardo ainda na memória uma imagem triste e ao mesmo tempo lúdica. Vou explicar: meu pai era amigo do dono de um restaurante na Rua do Gato Preto, onde ficava a zona. Sim: o baixo meretrício, como se dizia. E eu, com 8, 9 anos, fui dezenas de vezes buscar a nossa marmita diária no tal restaurante. Imagens, digamos, bucólicas. Elas, as mocinhas de vida difícil, debruçadas nas janelas, brincavam comigo: “Mas que rapazinho danado de bonito”. Hoje penso que sim, já fui bonito, numa rua muito triste.

Isso é pura literatura. Por aqueles tempos você já lia alguma coisa?

Meu pai lia muito. Na estante dele, onde ficavam seus livros, tinha a seguinte frase: “Somente aqueles que possuem biblioteca sabem o quanto é desagradável emprestar livros”. Mas comecei a ler muito velho: aos 40 e poucos anos. Vivia ao lado de pessoas muito cultas. Foram meus aedos – na mesa do bar nos tempos ditatoriais. Até que veio o enfarte e prometi para mim mesmo no hospital: “Se sair vivo, vou começar a ler de verdade e também a escrever um livro”. Foi dito e feito.

E quais autores passou a ler?

Cornélio Penna, Bruno Schulz, Samuel Rawet, Lobo Antunes, Hilda Hilst, Kawabata e alguns outros.

Nesse tempo você já havia se mudado para São Paulo?

Cheguei a São Paulo aos 18 anos, fui bancário. Depois, aos 30, virei publicitário e fui também redator. Muitos anos depois montei o primeiro sebo: Sagarana, em homenagem a Guimarães Rosa. Depois, Avalovara, para lembrar Osman Lins. Ambos faliram, sem modéstia, por excesso de qualidade. Mas foi uma experiência boa. Quase todos os intelectuais do país visitaram os meus dois pequenos sebos. Eram sofisticados, literariamente falando. Uma vez, Ruy Castro entrou no Avalovara, olhou perplexo para uma bancada enorme, com quase 200 livros.

E o que aconteceu?

Perguntei a ele: “Você percebeu que o pior aqui é Borges?”. Rimos muito, era quase verdade.

E você começou a escrever como, foi dentro dos sebos?

Sim, foi no Sagarana. Escrevi dentro dele meu primeiro livro: Grogotó. Em seguida enviei os originais para o querido e saudoso poeta, tradutor e ensaísta José Paulo Paes, que gostou e escreveu um prefácio. Ele é o meu padrinho literário. Era um ser humano que amava os livros. Traduziu quase 100 em 10 línguas – inclusive o latim e o grego. Outros dois intelectuais me ajudaram muito: Alcir Pécora e Bernardo Ajzemberg.

Por que você demorou tanto para começar a escrever?

É verdade, comecei meio velhinho. Escrevi pouco. Estou com quase 70 anos de existência e com apenas 10 livros inexistentes, sou muito pouco lido. Um crítico do Estadão, no ano passado, disse que sou escritor para apenas 47 leitores. Elogio, digamos, devastador. Descobri que o máximo de vaidade não é querer muitos leitores; ao contrário: poucos, pouquíssimos – e bons.

A quantidade de leitores equivale ao tamanho dos seus contos, quando começou?

Acontece que, com o tempo, achei monótono demais escrever só minicontos e então comecei a escrever minirromances.

Minirromances, mas, convenhamos, com nomes não tão pequenos, como no caso de O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Roterdam. A indicação para o Prêmio Jabuti deixou-o feliz?
Ah! Feliz – estou entre os 10 indicados para o prêmio. Mas não crio nenhuma expectativa. A palavra é a minha âncora. Escrevo para me sentir menos morto. Se vier algum prêmio, bom. Se não vier, continuarei escrevendo, escrevendo, escrevendo: escrever para não enlouquecer.

Amigo é para essas coisas - João Paulo‏

O escritor belo-horizontino levou para sua vida pessoal a mesma inquietação ética que anima sua literatura, construindo ao lado dos companheiros de juventude uma das mais belas histórias de amizade do seu tempo


João Paulo

Estado de Minas: 12/10/2013 


Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos: amizade como forma de poesia     (Arquivo/ EM)
Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos: amizade como forma de poesia


Fernando Sabino foi sempre um homem solar, que gostava dos amigos, das viagens, dos prazeres. Muito do que escreveu teve essa marca do compartilhamento. Paulo Mendes Campos chegou a dizer dele que era um “Kafka de eletricidade positiva”, dado a profundezas, mas com capacidade de transformar o absurdo da existência em experiência do dia a dia, em retirar lições de vida de pessoas comuns e episódios corriqueiros. Um colecionador de acasos significativos e inusitados. A imagem de um homem falante, bem-humorado, sempre forte e de bem com a vida parece se contrastar com a figura do último Fernando Sabino, reservado, recolhido em seu apartamento da Rua Canning, em Ipanema. Nos anos finais de vida, ele resgatou em três livros um pouco dessa inclinação de alma.

Como quem prepara seus papéis para pôr ordem na casa, em 2001 ele publicou Livro aberto, um acerto de contas com a memória presente em sua obra; Cartas perto do coração, com a correspondência com Clarice Lispector; e, em 2004, Os movimentos simulados. Ele autoironizava a atitude como se preparasse sua “obra póstuma antecipada”. Cada um desses livros deixava escapar certo uso da memória. Em Livro aberto, uma seleção pessoal de textos retirados da própria obra, Fernando selecionou o que queria deixar de si mesmo. Em mais de 600 páginas não se sente nunca o excesso, mas a síntese de um jeito de viver. O tempo e as agruras da vida, contudo, deixaram suas marcas na supressão de algumas passagens em que se referia à mulher, Lygia Marina. Para quem fez da vida um livro aberto de verdade, a marca da dor pode ter a forma do silêncio.

Em Cartas perto do coração o escritor recupera a correspondência com Clarice Lispector, num momento em que os dois, ainda jovens, buscavam o rumo na vida e na arte. Retomar na memória a presença de Clarice, para o maduro Sabino, é nítido esforço para reviver antigas sensações. Já com Os movimentos simulados o gesto de regressão é ainda mais radical. O livro estava preservado numa caixa, com as folhas datilografadas atadas por uma fita. O presente do passado vinha embalado por uma vitalidade e frescura da qual só são capazes os jovens. O amor corria solto. Há um momento, quando os velhos se sentem crianças, que o compromisso com a literatura e com a vida são a mesma coisa.

Mas a sensação de melancolia que brotava de Fernando Sabino em seus últimos anos teve também a marca dos homens e de suas pequenas ruindades. Alguns anos antes, em 1991, ele havia lançado o romance Zélia, uma paixão, que tinha como personagem central a ex-ministra do governo Collor Zélia Cardoso de Mello. O livro lhe rendeu críticas, inimizades e execrações. O escritor foi acusado de querer, entre outras coisas, ganhar dinheiro com sensacionalismo fácil. Anos depois seria revelado que toda a renda do livro havia sido doada em cartório a instituições de caridade. O livro, mais repudiado que lido, julgado antes pela paixão política que pelo juízo literário, afastou o escritor do mundo. Daquele momento em diante, como quem fecha uma porta, Fernando Sabino deixou de querer ser moderno para ser eterno. Sem os amigos da vida toda, passou a cuidar da própria posteridade.

Há a obra da literatura e a criação da existência. Muitos escrevem romances, mas poucos ampliam a emoção de viver no cotidiano. Ao lado de Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, Fernando Sabino construiu uma das mais belas realizações humanas do Brasil no século passado. Amigos desde a adolescência na provinciana Belo Horizonte dos anos 1940, eles atravessariam o século com um afeto nutrido nas diferenças políticas e estéticas. Hélio era o fogo da transformação; Otto, o equilíbrio angustiado entre o catolicismo rígido e o ceticismo desencantado; e Paulo o lírico desbragado. Fernando, perto deste trio de pessoas intensas e extraordinárias, era o mais cordial e aparentemente simples.

Em meio a tantas convocações da vida e da arte, teve tempo até mesmo para ser campeão de natação, se vangloriando do recorde de 400 metros em nado de costas (a prova seria extinta e ninguém mais tiraria o título do nadador). Por isso sua retirada da cena pública foi tão significativa e sua pesquisa do passado nos últimos anos de vida tão impregnada de sentido. Depois de perder os amigos, a confiança e a gratidão que lhe era devida por várias gerações que amadureceram lendo O encontro marcado, preferiu acertar as contas com a própria alma.

Aos 90 anos, mesmo distante, ele conquistou o direito de ser menino de novo. Fernando Sabino é um dos nossos melhores amigos de infância com quem, por um desses equívocos do tempo, não tivemos a graça de conviver.

Cavaleiro do futuro - Carlos Herculano Lopes‏

Obra de Fernando Sabino conquista leitores entre os jovens e ganha novos olhares na academia. Lançado em 1956, o romance O encontro marcado dialoga com o século 21


Carlos Herculano Lopes

Estado de Minas: 12/10/2013


Leonardo Magalhães ao lado das estátuas dos cavaleiros do apocalipse, na Biblioteca Pública Estadual, em BH   (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 15/7/13)
Leonardo Magalhães ao lado das estátuas dos cavaleiros do apocalipse, na Biblioteca Pública Estadual, em BH


ove anos depois da morte de Fernando Sabino, a obra do quarto cavaleiro do apocalipse (os outros três eram Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino) continua despertando o interesse de leitores e da academia. O poeta e professor de literatura Fabrício Marques, por exemplo, está concluindo o livro de ensaios Cartógrafos da vertigem, que começa justamente falando sobre o autor de O encontro marcado. Para ele, Sabino é um dos escritores mais importantes da sua geração.

“Meu livro começa com Fernando porque escolhi falar de BH a partir de alguns momentos importantes, como a inauguração do complexo arquitetônico da Pampulha no período que se convencionou chamar de modernidade tardia, que coincide com a saída dele da cidade”, revela.

Marques lembra que o autor belo-horizontino gostava de prosear sobre bares e locais da cidade. Em 2004, em visita a BH, Fernando Sabino traçou um roteiro. Ele foi à Savassi, à Praça da Liberdade, entrou na Rua da Bahia e, na altura da Academia Mineira de Letras, encontrou-se com o memorialista José Bento Teixeira de Salles. O amigo perguntou-lhe o que fazia ali. “Estou refazendo o caminho da saudade”, respondeu, dois meses antes de morrer.

Letícia Malard sempre se interessou pela obra de Fernando Sabino, de quem foi amiga. Publicou vários artigos sobre a obra dele em jornais e revistas. A professora emérita de literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) destaca o escritor por vocação e ofício, com tendência para o jornalismo. “Esse cruzamento o fez produzir obra diversificada e com trânsito por várias espécies literárias: conto, novela, romance, crônica, relato de viagem, dicionário e literatura infantil, entre outros gêneros. Sua escrita dinâmica, descomplicada, fluente e engraçada, por tais características, é capaz de seduzir os mais diversos tipos de leitor”, garante.

BH-RIO

Letícia Malard elege O encontro marcado como o livro mais importante de Sabino. A história, que se passa em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, conta a trajetória de um homem em busca de sua identidade. “A mensagem é cristã, ao narrar as dúvidas religiosas de um jovem, suas angústias, sua filosofia de vida e, sobretudo, a luta entre o bem e o mal”, diz. A professora lembra que se trata de um romance à clef, ou seja, as personagens são calcadas em amigos do autor e nele próprio. “Sabino recria o mundo dos meninos intelectuais numa Belo Horizonte lírica e tranquila, que se preparava para receber os ventos da modernidade”, afirma.

O mineiro foi um virtuose da crônica. Sabino é imbatível nesse gênero, acredita Letícia, citando os livros A mulher do vizinho e O homem nu. “Ele sabia como contar uma história – verdadeira ou inventada, pouco importa – de modo a levar o leitor a entrar nela até mesmo como personagem, entrar para valer na leitura simples sem ser simplória, mergulhar nas águas da criatividade tal como ele mergulhou na piscina do Minas Tênis Clube, como campeão de natação que foi”, diz a professora.

O encontro marcado é o livro mais importante do autor mineiro, concordam Letícia, o jornalista Humberto Werneck e Wander Melo Miranda, professor de literatura comparada da UFMG. O livro foi lançado em 1956, quando ele tinha 33 anos. “É um romance de geração de alto nível artístico e intelectual, na linha de O amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos, para ficarmos apenas no contexto mineiro”, compara Wander.

Para ele, a obra de Fernando é fundamental para entender a literatura brasileira da segunda metade do século 20. “Em sua escrita se cruzam o lirismo do poeta e a concisão do jornalista, abrindo caminho para uma dicção efetivamente nova na prosa brasileira”, conclui.

entrevista

HUMBERTO WERNECK
ESCRITOR

O mestre da narrativa


 (Lilo Clareto/divulgação  )


Qual é o lugar de Fernando Sabino na literatura brasileira?

O de mestre da narrativa. Poucos como ele foram capazes de resolver uma história com tão poucas e exatas palavras. O estilo econômico e veloz do romance O encontro marcado, cheio de cortes e elipses, influenciou e segue influenciando gerações – não apenas de ficcionistas, mas também de jornalistas.

A obra de Sabino tem recebido a atenção merecida por parte da crítica e da academia? Ou já começa a ser relegada ao limbo, como costuma ocorrer anos depois da morte de um autor?

Não é raro que a obra de um escritor, após a sua morte, atravesse uma hibernação, um tempo de relativo esquecimento. Foi assim até mesmo com Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade. Ao cabo desse parêntese temporal, o que é de qualidade volta à tona, para ficar. Sinto que isso começa a acontecer com a obra de Fernando Sabino, nove anos depois de sua morte. Seus livros de crônicas, a começar pelo clássico O homem nu, estão sendo descobertos pelas novas gerações, assim como O encontro marcado, que, 57 anos passados de seu lançamento, caminha para a marca raríssima de 100 edições.

O que Sabino significa para a literatura mineira?

Os anos que se passaram depois da morte de Fernando Sabino, o último dos quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse, como disse Otto Lara Resende, permitem enxergar com mais nitidez todo esse famoso grupo de talentosos escritores e sua admirável amizade de vida inteira. Sabino me parece hoje como aquele que, dos quatro, foi o mais fiel à paixão adolescente pela literatura, missão que soube manter no centro da sua vida. Teve várias outras atividades, entre elas as de editor de livros e documentarista, mas nunca deixou de dar primazia a sua obra literária. O menino que publicou o primeiro conto aos 12 anos continuava vivo no velho de 80, que, já bem doente, apenas cinco meses antes de morrer, ainda arrematava e lançava mais um livro, o romance Os movimentos simulados. (CHL)

Tv Paga

Estado de Minas: 12/10/2013 


Brasil na fita


Há muito tempo que a noite de sábado é dominada pelos dois principais canais de filmes, exibindo campeões de bilheteria produzidos em Hollywood. Pois hoje será diferente. Além das estreias das animações Hotel Transilvânia, na HBO, e A origem dos guardiões, no Telecine Premium, ambas às 22h, destaque maior merece O som ao redor (foto), que representará o Brasil na busca por uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro. Estrelado por Irandhir Santos e Gustavo Jahn, o longa é dirigido por Kleber Mendonça Filho e foi aclamado em todos os festivais de que participou. A trama, ambientada no Recife, apresenta inúmeras contradições sociais do país. Confira no canal Max, às 21h.

Muitas alternativas na
programação de filmes


O cinema brasileiro está presente na programação também com Linha de passe, com Sandra Corveloni, às 22h, no Telecine Cult. O Megapix exibe uma programação dedicada ao Dia das Crianças, com Deu a louca na Chapeuzinho 2 (13h), Vida de inseto (14h40), Shrek Terceiro (16h35), Alvin e os esquilos 2 (18h30), Astro boy (20h15) e A era do gelo 3 (22h). Na concorrida faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: É proibido fumar, no Sony Spin; Premonições, no A&E; Se beber não case! Parte 2, na HBO HD; Uma vida iluminada, no Max HD; Minority report, na MGM; Encontro de amor, no Comedy Central; Separados pelo casamento, na Warner; e Instinto, no TCM. Outras atrações: Paranoid Park, às 18h, no Arte 1; Quando um estranho chama, às 21h, no AXN; e Tati, a garota, às 23h15, na Cultura.

As crianças se divertem
com atrações especiais

 
O Bem Simples aproveita o Dia das Crianças para promover uma maratona especial com programas de artesanato e culinária a partir das 18h45, como dois episódios do Tudo simples, além de Cozinha caseira e Homens gourmet. O Canal Brasil faz a sua parte com o musical infantil Par ou ímpar, às 17h, com Kleiton & Kledir e o Grupo Tholl. Já o SescTV aposta em música e dança com os programas Une Dune P... de poesia (14h), Lúdico, da Cia. Druw (17h), e Crianças crionças (19h). E os canais infantis oferecem mais um monte de atrações bacanas para a criançada.

Manos e minas chega
à sua edição de nº 200


Ainda falando de música, a Cultura comemora hoje as 200 edições do programa Manos e minas, às 17h, com o grupo de pagode Samprazer. Às 18h, é a vez do Cultura livre, que recebe a cantora Karina Zeviani. No Multishow, a dica é a transmissão ao vivo do Circuito Banco do Brasil, a partir das 18h30, diretamente de Curitiba, com Nando Reis, Paralamas, Simple Minds e O Rappa e a possibilidade de acompanhar tudo pela internet (www.multishow.com.br).

Uma boa pedida para os
apaixonados por carros


O Discovery Turbo estreia hoje, às 21h, a série Turbinados, trazendo as curiosidades do universo da personalização de carros, das competições de drift e de outros assuntos de interesse dos fãs de automóvel e velocidade. Serão 22 episódios com 30 minutos cada. Todos os sábados serão exibidos dois episódios em sequência. O programa é apresentado por Caju;, Robson Teixeira de Oliveira, o Bola, e Ricardo Gouveia, o Zumbi.

ARNALDO VIANA » Vai um dinheirinho aí?‏

Estado de Minas: 12/10/2013 





Sabe por onde andam seu CPF, número do celular, do telefone fixo e da carteira de identidade? Os endereços residencial e comercial? O número do seu ramal? O nome do pai, da mãe, da mulher, do filho? Se sabe, parabéns, porque a maioria desconhece. Sua ficha está nos arquivos do sindicato, do clube, no cadastro das lojas de departamentos, da imobiliária, do plano de saúde, do hospital, da operadora de telefonia. E, claro, nos computadores da Previdência, do banco, da Receita Federal, do Tribunal Regional Eleitoral, da companhia aérea. Essas listas são repassadas e até negociadas com empresas e todo tipo de gente. Sua vida está, definitivamente, devassada.

Não é raro a caixa de mensagens do celular apitar. E está lá o anúncio de uma pechincha em Venda Nova, de um conforto inalcançável no Belvedere ou a viagem dos sonhos a preços módicos e suaves prestações. Isso quando o aparelho não o acorda de madrugada ou o interrompe naquele momento único para aquela voz anunciar: “Temos uma oferta imperdível para você. Se quiser ouvir, aperte 1…”. Pior é quando o reclame é ao vivo: “Falo com o senhor fulano? O senhor poderia estar nos ouvindo por alguns minutos?”. Há coisas piores: mensagens recheadas de prêmios, enviadas de presídios. Ou o telefonema do bandido dizendo que seu filho, filha ou irmão foi sequestrado.

Esse lero-lero, essa lenga-lenga toda para falarmos da surpresa do Paulo, simplesmente Paulo. Funcionário de uma grande empresa, preparou-se para a aposentadoria. Esperou pacientemente o dia de correr ao posto do INSS e pedir a pensão. A idade não está mais apropriada a reuniões, relatórios, folhas de ponto, broncas da chefia. Juntou a papelada e foi procurar os direitos depois de trinta e tantos anos de labuta. Entregou tudo e foi para casa esperar a confirmação do pedido. Mas o que chegou primeiro foi a carta de terceiros cumprimentando-o pela aposentadoria e colocando-se à disposição para lhe repassar informações importantes. Bastaria ligar para o número indicado na carta.

E ele ligou, com a cautela de mineiro desconfiado do Vale do Jequitinhonha. Do outro lado da linha, informaram-no de que havia à disposição um crédito de financiamento consignado, garantido, de determinado valor. A partir de então, acabou o sossego. Pipocaram mensagens no celular, de bancos diferentes, parabenizando-o e oferecendo empréstimos. E a aposentadoria nem havia sido concedida. Paulo pegou o telefone e ligou para a ouvidoria do INSS. Resposta: “Procure uma agência da Previdência e diga que não tem interesse em financiamentos”. Simples assim, como disse um amigo de Paulo. É, o tal benefício é uma concessão casada?
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Em tempo: Seis vergalhões de aço especial, pesando toneladas, coisa de R$ 7 milhões a R$ 8 milhões, propriedade da prefeitura e do povo, somem de um galpão no Rio de Janeiro. Assim, num passe de mágica, sem alvará ou licença da prefeitura. Em outro canto, 11 mil enormes cisternas, avaliadas em mais de R$ 700 milhões, enferrujam no depósito de um sindicato rural, enquanto milhares de pequenos produtores nordestinos veem animais e plantações morrendo, sem água. Quem, mas quem mesmo, está tomando conta deste país?

Tudo pelo rock - Daniel Camargos

Tudo pelo rock 

Mutantes voltam aos palcos para tocar o repertório do mítico LP Tudo foi feito pelo Sol. A idade pesa, mas não é problema para Sérgio Dias, Antônio Pedro, Túlio Mourão e Rui Mota 

Daniel Camargos

Estado de Minas: 12/10/2013


Rui Mota confessa:
Rui Mota confessa: "Foi o melhor período da minha vida"


Os quatro se abraçam para a foto e posam com os rostos colados. O fotógrafo agacha buscando o melhor ângulo. O tecladista brinca: “The mamas and papadas”. O guitarrista reclama da dor nas costas enquanto conecta os fios da pedaleira e pede que as letras sejam impressas em corpo grande, para facilitar a visualização. O baterista ainda sente os efeitos da recente cirurgia no ombro. Reunidos no estúdio do Bairro Serra, esses quatro senhores, porém, contrariam totalmente os sinais da idade quando os instrumentos são ligados. É rock and roll com letra maiúscula – e por extenso –, como reza a cartilha do progressivo. O repertório vem de um dos melhores discos do gênero gravado no país: Tudo foi feito pelo Sol (1974).

Desde quarta-feira, o quarteto ensaia o sétimo disco dos Mutantes, o primeiro da banda sem Arnaldo Baptista e o segundo sem Rita Lee. Se não há a irreverência dela e a melancolia dele, ali estão a máxima potência e a virtuosidade da guitarra de Sérgio Dias, reforçadas por um time lendário do rock nacional: Túlio Mourão (teclados, sintetizadores e moog), Antônio Pedro (baixo) e Rui Mota (bateria) – formação original do LP e da turnê.

“Foi o melhor período da minha vida”, revela Rui. “Não poderia imaginar que nos reuniríamos novamente”, vibra. Depois dos Mutantes, o baterista tocou com Ney Matogrosso, Moraes Moreira, Marina, Sá & Guarabira, Zé Ramalho, Ednardo, Amelinha e Erasmo Carlos. Hoje, Rui comanda uma escola de bateria no Rio de Janeiro.

Antônio Pedro foi o baixista da cozinha das lendas Tim Maia e Raul Seixas – “iscas de polícia”, nas palavras dele. Participou da fundação da Blitz com Lobão e Evandro Mesquita, foi parceiro de Lulu Santos. Depois de deixar o palco para cuidar da família, o baixista está exultante com a volta da formação dos Mutantes. “O som do disco soa bem até hoje. Tem peso”, resume.
Para o baixista Antônio Pedro o álbum mantém sua força (Beto Magalhães/EM/D.A Press)
Para o baixista Antônio Pedro o álbum mantém sua força


Psicodália

No fim do ano passado, a banda se reuniu pela primeira vez para apresentar o repertório de Tudo foi feito pelo Sol a convite do festival Psicodália, em Santa Catarina. O show desta noite é o segundo, mas há possibilidade de outros. “Em todos os lugares aonde vou, alguém se diz fã desse disco. Semanas atrás, fiz uma apresentação de piano e me pediram Pitágoras”, conta Túlio Mourão, o mutante mineiro. Ele já gravou com Milton Nascimento, tem shows marcados com Maria Bethânia e participou do palco e de discos de figurões como Chico Buarque e Caetano Veloso, além de estrelas internacionais do naipe de Mercedes Sosa, Pat Metheny e Jon Anderson, da banda Yes.

“É um disco com começo, meio e fim. Muito sério, mas com letras positivas”, define Sérgio Dias, fundador dos Mutantes ao lado do irmão, Arnaldo Baptista, e de Rita Lee. Sérgio segue com outra formação do grupo, tocando o repertório clássico. Com CD recém-gravado, tem 13 shows marcados para o mês que vem nos Estados Unidos. O grupo, porém, é diferente do que se reúne hoje na capital mineira. Considerado um dos melhores guitarristas da história do rock, Sérgio mora em Las Vegas. E é sincero ao comentar detalhes da turnê de Tudo foi feito pelo Sol: “Não me lembro de tudo. Estava com tanto ácido na cabeça...”


Piração


Aliás, os psicotrópicos foram decisivos para aquele som, assim como as influências de Yes, Genesis, Emerson, Lake & Palmer e da italiana Premiata Forneria Marconi. Os ensaios e a piração tinham como base um sítio na Serra da Cantareira, em São Paulo, e depois em Itaipava, no Rio de Janeiro. Para divulgar Tudo foi feito pelo Sol, a banda saiu em turnê pelo Brasil. A temporada mais longa dos Mutantes durou dois anos e meio. Túlio conta que não existiam empresas que sonorizassem espaços para multidões. A solução era carregar o equipamento em dois caminhões.

Coube a outro filho da família Dias Baptista, o primogênito Cláudio César – mistura de Professor Pardal, luthier e engenheiro de som –, criar o equipamento. Cláudio projetou caixas para comportar alto-falantes de 18 polegadas. Um monstro de 3m de altura, 1,20m de largura e 1m de profundidade. Cada caixa pesava mais de 200kg. Quando a turnê estreou num teatro paulista, a cena foi surreal: “Um fã entrou dentro da caixa. Sei lá, talvez para sentir melhor o som. Quando dei uma dedada no grave do moog, a caixa cuspiu ele lá de dentro”, revela Túlio Mourão.


Cazuza


Um fã do disco era Cazuza. Aliás, mais que fã. O filho de João Araújo, diretor da Som Livre, foi decisivo para a história desse LP. Em 1974, o futuro astro tinha 15 anos e passava grande parte do dia na gravadora. “Ninguém queria gravar rock progressivo. Sem a Rita e o Arnaldo, os Mutantes perderam parte de seu apelo, mas quando o Cazuza ouviu, ajudou a convencer o pai”, recorda Túlio.

O disco foi feito em um único take, sem retoques, com músicos tocando juntos. “Não havia gravadora, nem imprensa, ou emissora de rádio que nos desse espaço. O rock era marginal. É difícil explicar isso para a geração de hoje”, destaca Túlio.

Resumindo: um LP clássico será executado pela formação original 39 anos depois de ser lançado. “Criou-se uma mítica em torno desse disco”, resume Túlio. O frisson vem, principalmente, da parte técnica. Fãs ouvem as faixas fazendo air guitar involuntário nos solos de Sérgio Dias ou dão dedadas no moog imaginário para acompanhar Túlio Mourão. “A garotada de hoje tem acesso instantâneo e abrangente a tudo. Essa turma compara, conhece muito e encontra conteúdo, sinceridade e alta performance instrumental naquele disco”, avalia Túlio.

Depois do entusiasmo com a reação da garotada, o segundo passo dos músicos foi questionar se ainda faria sentido tocar juntos. “Conversamos e sacamos que todos estavam a fim”, garante o tecladista. E a reação do público? “Quando acabou o show no festival Psicodália, autografamos mais discos do que na década de 1970”, informa Túlio Mourão. Os “senhores” do rock passaram mais de duas horas atendendo a multidão, para surpresa o filho do tecladista, de 27 anos. Ele não fazia ideia de que o pai era um rock star tão aclamado.
No túnel do tempo, direto de 1974: Rui Mota, Antônio Pedro, Túlio Mourão e Sérgio Dias  (Som Livre/Reprodução)
No túnel do tempo, direto de 1974: Rui Mota, Antônio Pedro, Túlio Mourão e Sérgio Dias


TUDO FOI FEITO PELO SOL
Com Sérgio Dias, Túlio Mourão, Antônio Pedro e Rui Mota – formação de 1974 da banda Os Mutantes. Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3214-5360. Hoje, às 21h. Inteira: R$ 80 (setor 1), R$ 70 (setor 2) e R$ 50 (setor 3). Meia-entrada válida para estudantes e idosos com mais de 60 anos, mediante apresentação de documento comprobatório.


Serviço completo

O repertório desta noite traz Tudo foi feito pelo Sol de A a Z. Ou melhor: da faixa Deixe entrar um pouco de água no seu quintal a Tudo foi feito pelo Sol, passando por Pitágoras, Desanuviar, Eu só penso em te ajudar, Cidadão da terra e O contrário de nada é nada. A banda vai tocar também sucessos de compactos gravados nos anos 1970, como Balada do amigo e Tudo bem.


Time de clássicos

Vale comparar. Ouvir a formação dos Mutantes de 1974 tocar Tudo foi feito pelo Sol 39 anos depois de seu lançament, seria como se Caetano Veloso reunisse a banda original de Transa (1972); os Novos Baianos repetissem a formação de Acabou chorare (1972); Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad executassem ao vivo o clássico Secos & Molhados (1973); e Jorge Ben (ainda sem o Jor) convocasse a turma de A tábua de esmeralda (1974) para um show.

Interferências na paisagem - Sérgio Rodrigo Reis

Interferências na paisagem

Mostra BH Ásia traz à cidade, até dezembro, instalações de porte em espaços abertos 

Sérgio Rodrigo Reis

Estado de Minas: 12/10/2013


Jennifer Wen Ma criou uma ilha com plantas pintadas com nanquim na Barragem Santa Lúcia   (Leandro Couri/EM/D. A Press)
Jennifer Wen Ma criou uma ilha com plantas pintadas com nanquim na Barragem Santa Lúcia

Quem passar pela Praça do Papa, aos pés da Serra do Curral, em Belo Horizonte, verá a transformação da paisagem: em meio às montanhas, uma enorme embarcação metaforicamente traz o mar para onde ele não existe. Em vez de o barco navegar em águas revoltas, como ocorre na realidade, na criação do artista indiano Subodh Gupta o mar está dentro do barco. A grande instalação, que deverá intrigar os que circularem pelo local até 8 de dezembro, é uma das atrações da exposição de arte pública BH Ásia. A mostra será aberta hoje em espaços que são cartões-postais da capital mineira.

A exposição traz a locais conhecidos grandes peças feitas especialmente para a ocasião por artistas asiáticos, ainda desconhecidos por aqui, como os chineses Zhang Huan e Jennifer Wen Ma, o japonês Tatzu Nishi e o próprio Subodh Gupta. A intenção é que as obras mudem a paisagem urbana. “Os pontos de vista deles são, necessariamente, invertidos em relação aos nossos. Esse projeto é, de certa forma, oportunidade de se ver o mundo ao contrário”, avalia o curador Marcello Dantas. A inspiração para a reflexão veio de um paralelo à formação do povo brasileiro, que, desde as origens, teve no contato com o estrangeiro uma forma de moldar sua própria identidade. “Nosso apetite pede diversidade. É hora de experimentarmos outros pratos, que nos façam entender melhor quem somos.”

RUÍDO Há anos o curador vê a arte pública como meio de ampliação da compreensão da arte contemporânea. “É a maneira mais fácil para atingir o povo pela arte.” Mas como é possível realizar algo que chame a atenção e, ao mesmo tempo, provoque o olhar? “Não interessa fazer mais do mesmo. Colocar esculturas de Amilcar de Castro na Praça da Liberdade não vai provocar o ruído que queremos. O mesmo não ocorre quando trazemos outras poéticas criadas por quem nunca expôs aqui. Elas causam a percepção do novo.” O ineditismo é um ponto a favor. “As obras estão sendo construídas aqui no país por técnicos de várias regiões.” O caráter efêmero é outro atrativo. As instalações serão montadas e depois deixarão de existir. “A gente intervém e depois desaparece. É o conceito,” explica.

A proposta é que, ao se deparar com uma ilha artificial, uma enorme urna mortuária, uma casa em cima de uma chaminé e/ou um barco gigante cheio de água saindo da montanha, o espectador tenha seu olhar modificado. “Ninguém consegue passar estático diante de obras como essas”, salienta o curador. Para ele, elas serão amadas ou odiadas, mas todo mundo acabará tendo uma opinião. “É ótimo, assim se constrói a reflexão. O Brasil tem grande desafio que é a necessidade de educar o olhar. Por aqui temos o vício de repetir. O que realmente modifica não é isso: é a troca com o novo. Veja, por exemplo, os efeitos que provocaram Inhotim”, cita.


O que ver 

>> Ilha de encantamento – Jennifer Wen Ma criou uma ilha artificial de vegetação, madeira, terra e tinta nanquim preta numa área de 200 metros quadrados no meio da Barragem Santa Lúcia (Av. Arthur Bernardes, s/nº, São Bento). As plantas, pintadas a mão com cerca de 650 litros de tinta nanquim preta, de base natural, serão inicialmente impossibilitadas de fazer fotossíntese por conta do pigmento. A visitação poderá ser feita às margens da lagoa ou de pedalinho, das 10h às 18h. Nascida em 1973, em Beijing, China, Jennifer mudou-se para os EUA em 1986, e recebeu diploma de mestre em belas-artes pelo Pratt Institute, Nova York, em 1999. Atualmente, vive entre Nova York e Pequim.
A embarcação do indiano Subodh Gupta foi instalada na Praça do Papa   (Leandro Couri/EM/D. A Press)
A embarcação do indiano Subodh Gupta foi instalada na Praça do Papa


>> Desde corpo para outro – Subodh Gupta inverte o conceito tradicional do barco, oferecendo a BH, cidade sem mar, enorme embarcação repleta d’água – cerca de 80 mil litros – que “penetrará” na cidade pela montanha da Praça do Papa (Av. Agulhas Negras, s/nº, Mangabeiras). Natural do vilarejo de Khagual, Bihar, onde nasceu em 1964, o artista vive e trabalha em Nova Délhi. Utiliza utensílios de aço inoxidável em obras feitas com objetos cotidianos despidos de sua normalidade pela massa e volume, em proporções totalmente exageradas.

>> A correnteza de modernização – Tatzu Nishi quis propor o mais inusitado lugar possível que uma pessoa poderia habitar. Surgiu daí a casa em cima de uma chaminé metálica, revestida de tijolos, que produz fumaça. A estrutura, de 24m de altura, está na Rodoviária (Praça Rio Branco, 100, Centro). Tatzu Nishi é de Nagoya, no Japão. Nasceu em 1960 e, atualmente, vive e trabalha em Tóquio e Berlim. Nishi é conhecido pelos projetos em grande escala em espaços públicos, que transformam a experiência e percepção de monumentos, estátuas ou elementos arquitetônicos da cidade.

>> O dragão azul-celeste, tigre branco, pássaro vermelho e tartaruga negra vivem em minério de ferro – O chinês Zhang Huan é conhecido pela forma surreal de se expressar. Inspirou-se na tradição milenar chinesa de criar em vida urnas onde serão depositados os bens afetivos de uma pessoa quando ela morrer. Fez versão enorme para a Praça da Liberdade. Esses bens são enterrados junto com o corpo, para que o acompanhem na última viagem de quem os guardou com tanto carinho. O público poderá ingressar na urna, diariamente, das 8h às 22h. Ela é feita por 185 placas de minério de ferro e um piso de placas de vidro iluminadas. Zhang nasceu em Anyang, na província de Henan, em 1965. Mora em Xangai, onde fundou o Zhang Huan Studio para ampliar o escopo de seu trabalho artístico.

De braços dados com a tecnologia - Alfredo Durães

De braços dados com a tecnologia 

Sequenciamento genético vem sendo usado para mapear, da qualidade sanitária de peixes, doenças parasitárias, a tendências de o ser humano desenvolver cânceres. Custo ainda é alto, mas resultados têm se mostrado interessantes 

Alfredo Durães


Estado de Minas: 12/10/2013
 
Mesmo que a população em geral não perceba, a biotecnologia – considerada a ciência do século 21 – está presente em vários aspectos da vida cotidiana. Um dos exemplos é o sequenciamento genético de peixes, feito pelo Aquacen, o Laboratório Nacional de Referencia para Doenças de Animais Aquáticos, do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), sediado na Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Por meio desse laboratório, o MPA monitora a condição sanitária, bem como a ocorrência de doenças em fazendas que cultivam peixes, como a tilápia, o tambaqui e o pintado (surubim), nos cultivos de camarão e também nas fazendas de ostras.

Coordenador do Aquacen, o professor Henrique César Pereira Figueiredo, que tem doutorado em medicina veterinária, explica que o sequenciamento genômico vem sendo usado para o estudo de bactérias patogênicas que causam doenças em peixes, como a bactéria Streptococcus agalactiae, que causa um doença quase sempre fatal em tilápias. “Por meio do sequenciamento genômico conseguimos monitorar se a bactéria S. agalactiae que ocorre em uma fazenda é igual (um clone) ou diferente da que ocorre em outra propriedade distante. Assim, comparamos, por exemplo, linhagens dessa mesma bactéria isoladas em fazendas em Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Goiás, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Tocantins, entre outros estados”, explica Henrique.


Outra pergunta importante analisada com a ajuda do sequenciamento genômico é se essa bactéria dos peixes pode ser transmitida para os seres humanos, por meio do consumo do pescado. “Isso porque essa mesma espécie de bactéria (S. agalactiae) é também uma causadora de doenças em humanos”, comenta o professor, acrescentando que o Aquacen já sequenciou cerca de 20 genomas completos de bactérias, como o S. agalactiae, S. dysgalactiae, Francisella noatunensis subsp. orientalis, todas essas importantes causadoras de doenças nos peixes. Ele diz que até dezembro um total de 50 genomas serão sequenciados, em parceria com o Laboratório de Genética Celular de Microorganismos (LGCM), do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.


Henrique César explica que os resultados obtidos nessa pesquisa ajudam a manter uma boa condição sanitária nas fazendas de cultivo de peixes, camarões e ostras, além de certificar a qualidade da carne de peixe que chega ao consumidor. “E essa garantia se aplica tanto aos consumidores no Brasil quanto a carne que é exportada para outros países”, garante.

 
DOENÇAS PARASITÁRIAS Um outro estudo, que usa o sequenciamento genômico para entender doenças endêmicas brasileiras, é desenvolvido no Centro de Pesquisas Rene Rachou – Fiocruz/Minas e desenha o perfil epidemiológico das doenças parasitárias, ajudando na prevenção e detecção de doenças endêmicas, como leishmaniose, doença de chagas, febre amarela, meningite e esquistossomose. O cientista do Rene Rachou Roney Coimbra coordena os estudos sobre meningite, em três pilares básicos: prevenção, diagnóstico e tratamento. Graduado em ciências biológicas pela UFMG em 1989, fez mestrado em microbiologia, doutorado e pós-doutorados no Instituto Pasteur, na Universidade René Descartes (ambas em Paris) e no Instituto de Doenças Infecciosas da Universidade de Berna, Suíça. Ele considera que “é um grande avanço desvendar os mecanismos de plasticidade genômica”. E se mostra otimista como as novas técnicas e equipamentos: “Estamos no começo de um novo ciclo industrial na medicina. Temos massa crítica, investimentos e apoio para tanto”, afirmou.
 
 População beneficiada
 
O sequenciador genético adotado nessas pesquisas é um dos equipamentos mais usados em laboratórios, hospitais e centros científicos do mundo. No Brasil, o Ion Proton – que sequencia genomas menores – chegou há um ano. Farmacêutica bioquímica pela Universidade do Estadual Paulista (Unesp) e PhD em doenças infecciosas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a cientista Patrícia Munerato, da Life Technologies (empresa fabricante do equipamento), explica que a tecnologia faz parte da rotina de vários laboratórios e institutos de pesquisa. 

“Toda essa tecnologia, aliada aos estudos desenvolvidos não apenas no Brasil, tem gerado resultados na pesquisa contra o câncer, por exemplo, como os testes com os marcadores BRCA 1 e 2, o mesmo feito pela atriz Angelina Jolie (ver Memória) para detectar a possibilidade de desenvolver o câncer de mama. Esse exame custa entre R$ 500 e R$ 1,8 mil”, diz ela, acrescentando que o Hospital do Câncer de Barretos (SP) faz o exame gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, contando com o apoio de várias doações para poder oferecer o benefício para a população.


“O Ion Proton é capaz de sequenciar o genoma humano em um dia ao custo de US$ 1 mil e está sendo usado apenas para pesquisas em grandes hospitais e institutos de pesquisa. Em breve, acreditamos que ele estará disponível a um número maior de pessoas”, informou. O Ion PGM é um dos sequenciadores mais usados no mundo, com mais de 1 mil unidades espalhadas, e o primeiro a usar a tecnologia de semicondutores. Uma das vantagens é ser usado na medicina personalizada, já que o sequenciamento pode indicar tratamentos mais eficazes de acordo com cada pessoa. O Hospital AC Camargo (mais conhecido pela população como Hospital do Câncer), em São Paulo, utiliza a tecnologia da Life para continuar na ponta das pesquisas contra o câncer. Já a Fiocruz do Paraná, por exemplo, comprou a máquina com o intuito principal de ajudar a construção de uma nova política pública de saúde ao construir um perfil genético da população brasileira.


Exame mostrou 87% de risco de câncer em Jolie

 (KHALIL MAZRAAWI - 11/9/12)

No caso da atriz norte-americana Angelina Jolie, de 37 anos, que em maio anunciou que havia se submetido a uma mastectomia dupla, foi feito o sequenciamento genético e descoberto que ela tem “defeito” no gene chamado BRCA1. Isso indicava que Jolie tinha 87% de chance de desenvolver um câncer de mama e 50% de ter a mesma doença no ovário. Diante do fato, ela optou pela retirada dos seios e a colocação de próteses. No começo do texto publicado no jornal norte-americano, a artista disse: “Minha mãe lutou contra o câncer por quase uma década e morreu aos 56 anos. 

Ela viveu o suficiente para conhecer seus primeiros netos e segurá-los nos braços. Mas minhas outras crianças nunca terão a chance de conhecê-la e sentir quão amável e graciosa ela era”. A atitude da atriz foi comentada no mundo inteiro. Muitos especialistas são categóricos em afirmar que cada caso é um caso, e qualquer decisão – desde a detecção de um nódulo na mama, até a confirmação de que é um tumor benigno, ou mesmo as altas probabilidades de uma mulher desenvolver o câncer na mama e como se dará o tratamento – deve ser amplamente discutida entre médicos e paciente.