quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Feira de Frankfurt: Marta rebate acusação de racismo

O Estado de S. Paulo - 03/10/2013

 A ministra da Cultura, Marta Suplicy, minimizou ontem a crítica feita pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitiingh presença de apenas um negro (Paulo Lins, de Cidade de Deus) e um indígena (Daniel Munduruku, autor de 43 livros) entre os 70 escritores levados para a Feira do Livro de Frankfurt, que homenageia o País e acontece na próxima semana: "O Brasil vive um momento de transformação, e nas próximas gerações teremos número maior de negros participando. Hoje, infelizmente, não temos", disse.

Em texto publicado em agosto, o jornal sugeriu racismo na escolha dos escritores. A ministra lembrou que a prioridade foi dada a autores já traduzidos, para que o público da feira tenha acesso às obras depois dos debates: "Toda lista tem um recorte que provoca discussão. O critério não foi étnico, mas a qualidade estética e a tradução. A Feira de Frankfurt é comercial". A coordenadora do Centro Internacional do Livro da Biblioteca Nacional, Moema Salgado, afirma que é um pedido da feira que os escritores convocados tenham livros traduzidos para outras línguas.

Seis dias antes da abertura do evento, Marta foi ao Rio para dar entrevistas sobre ele. Ressaltou as 442 bolsas oferecidas para estimular editoras estrangeiras a traduzir autores brasileiros - o número contabiliza trabalhos feitos desde 2010, quando o Brasil foi anunciado como homenageado. Marta garante que as dificuldades e atrasos provocados pela troca de gestores em sua pasta, na Biblioteca Nacional e no Itamaraty foram superados, e que todas as contratações foram concluídas. "Tivemos problemas, mas viramos a página." As últimas licitações, de hospedagem (que sairá por R$ 92.164), contratação de assessoria de comunicação para divulgar o Brasil (R$ 81.739) e de empresa para fazer a produção de 26 eventos na cidade (R$ 517.710) foram encerradas na semana passada.


"Se a nossa literatura não circula no Brasil, não é por falta de autores", disse Nei Lopes, escritor com uma vasta obra com temática africana, ao Estado. "Ela tem sido estudada e publicada na Alemanha, na Inglaterra, nos EUA, etc. Se o MinC acha que literatura boa é a que vende aos milhares, só tenho a lamentar. E dizer que sigo fazendo a minha parte."

Quando direitos brigam entre si

O Globo - 03/10/2013

DISPUTA Compatibilizar o acesso à informação e a garantia à privacidade é questão polêmica até hoje


Ruído de sirenes, tiros disparados na madrugada, explosões de bombas e judeus obrigados a usar a estrela amarela. Os primeiros horrores da guerra estão descritos, entre recortes de jornais, poesias e listas de temperos culinários, nas mais de 200 páginas do diário que Guimarães Rosa, cônsul adjunto do Brasil em Hamburgo, começou a escrever em 1938, quando servia na cidade portuária alemã. Fundamentais para entender a gênese literária de um dos maiores escritores brasileiros, os "diários de guerra" de Rosa permanecem inéditos há 75 anos. Uma desavença entre herdeiros os impede de chegar aos leitores.

Publicá-los em nome do interesse público, como sonham editores e pesquisadores, ou mantê-los guardados, em respeito ao desejo de parte da família, é um problema que a Constituição de 1988 foi incapaz de resolver. Os diários de Rosa e outras obras artísticas estão no centro da arena onde dois princípios constitucionais, ambos abrigados no Artigo 5e, medem forças há 25 anos. Se a Constituição assegura "a todos o acesso à informação" resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional, também garante que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Para sair dessa enrascada, evitando que um princípio aniquile o outro, os operadores do Direito — magistrados, promotores e outras autoridades envolvidas no assunto — estão recorrendo a um terceiro princípio, que não aparece em artigo algum da Constituição: o da ponderação. Na queda de braço, vence a controvérsia o lado que demonstrar as bases jurídicas de valor mais elevado. Assim, é legítima a vontade de preservar a intimidade de Rosa, expressa pela família. Porém, é ilegítimo o desejo dos servidores públicos de manter em segredo o valor dos seus salários, já que o seu patrão é a própria sociedade brasileira.

— Princípios não são como regras, nas quais está claro o que pode e o que não pode. Portanto, é comum que entrem em choque. No caso dos salários, nem sequer reconheço que houve choque entre privacidade e informação. Os vencimentos foram definidos em lei. Os parlamentarem decidiram quanto vale aquele trabalho. Não há razão para o segredo — explica o ministro Jorge Hage, chefe da Controladoria Geral da União (CGU).

LEI DAS BIOGRAFIAS EM QUESTÃO

Mas as prateleiras não carecem apenas do diário de Rosa. Na represa do direito à privacidade, flutuam histórias inéditas de Roberto Carlos, Raul Seixas, Cecília Meirelles e outras personalidades, cuja imagem é também protegida pela Lei das Biografias, que dá ao biografado ou a seus herdeiros o poder de vetar um livro sobre sua vida. Duas ofensivas, no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso, tentam agora abrir essas comportas, modificando o caráter restritivo da lei.

— Quando a pessoa é privada, ela tem mais proteção do que uma pessoa pública — explica o desembargador aposentado Luís Gustavo Grandinetti.

Outro round importante, no conflito entre os dois direitos, é travado no âmbito do Código Civil. Sob a alegação de proteger a imagem, autoridades públicas têm recorrido ao Judiciário para barrar reportagens de conteúdo supostamente ofensivo. Foi o caso do presidente de um tribunal de Justiça brasileiro, que obteve liminar proibindo que a imprensa de seu estado divulgasse informações a respeito de uma investigação em andamento sobre a sua conduta.

— A imprensa tem a tendência de tratar os casos de restrição judicial ao direito à informação como se fossem iguais. Mas há diferenças entre eles. No caso, por exemplo, de interceptação telefônica autorizada, a lustiça não pode autorizar que o conteúdo seja publicizado. A lei proíbe. Não se trata de censura prévia — disse Grandinetti.

Artigo 52

Prevê o acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. E diz que são invioláveis a intimidade, a honra e a vida privada.

A vez da música - Octávio Leite

O Globo 03/10/2013

A aprovação pelo Congresso Nacional da Proposta de Emenda à Constituição 98/07 significa um verdadeiro marco histórico para a música nacional.


O seu objetivo principal consiste em proporcionar às pessoas a possibilidade de comprar — e consumir — o produto "música brasileira" a preços mais baratos e, daí, em maior quantidade. Evidentemente, para que isto seja possível, baixar custos é condição sine qua non. Daí o tratamento cirúrgico/ constitucional de incluir em nossa lei maior uma cláusula proibindo a cobrança de impostos sobre o fonogra-ma (música brasileira, produzida no Brasil). Regra que também beneficia os videoclipes musicais.

Basicamente, ao fim, o que se quer ao ampliar este "mercado" é fortalecer a cultura nacional — na expressão de milhares de artistas e profissionais que criam, produzem, reproduzem, sons, tons e versos que alimentam a alma de todos nós. Seja através de CD, DVD, blu-ray, como também pela telefonia e pela internet (diretamente em sites de bandas/artistas ou mesmo por sites especializados).
A música é indissociável do ser humano. Sempre indispensável, apresenta-se como importante fa-Toda a tor de unidade tributária intensos debates, impulsionados pela participação assídua de músicos engajados, dos mais variados matizes, e por dedicados profissionais do setor. O apoio foi suprapartidário, o que viabilizou a esmagadora maioria que alcançamos em todas as votações.

A rigor, doravante, toda a cadeia de produção e comercialização da música brasileira estará protegida pela imunidade tributária. A partir do instante da gravação do fonogra-ma em estúdios (onde serviços variados são contratados), passando pela prensagem industrial de CDs e DVDs (permanece somente na Zona Franca de Manaus o IPI zero), bem como na distribuição e venda final ao consumidor: em todo esse percurso não existirão impostos (ISS, IPI, ICMS e IOF), o que concretamente abre uma margem muito ampla para diminuição do valor final do produto ao consumidor.

O próprio meio artístico se ajustará a esse novo momento, afinal todos querem vender mais.
Com a emenda constitucional em vigor, não que se extermine a pirataria, mas pela primeira vez temos condições de chamar atenção das pessoas para a vantagem de se adquirir um produto oficial, verdadeiro, de qualidade — que é meio de subsistência de milhares de brasileiros. •

Otávio Leite é deputado federal (PSDB/RJ)

Tv Paga

Estado de Minas: 03/10/2013 



 (Drama Filmes/Divulgação )

Beleza brasileira


Não é inédito, mas passou raríssimas vezes na telinha, tanto que pouca gente teve a chance de assisti-lo. Mas o longa Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios é um filme a ser visto. Primeiro, pela direção de Beto Brant e Renato Ciasca. Depois, pela ousadia do enredo, carregado de drama, suspense e sensualidade, numa trama ambientada no interior do Pará. E por fim pelo bom elenco, em que brilha acima de todos a estrela de Camila Pitanga (foto). Mais um detalhe: o filme abre a mostra do Telecine Cult em homenagem ao Festival do Rio, que vai até dia 10. Confira às 22h.

Ação, drama e comédia
no pacotão de cinema


A programação de filmes tem muitas atrações mais. Na faixa das 22h, o assinante tem pelo menos oito opções: Área Q, no Canal Brasil; Intocáveis, no Telecine Premium; Dredd, no Telecine Pipoca; O abrigo, na HBO HD; Sombras da noite, na HBO 2; Sr. Ninguém, no Max; Sangue e honra, no Max Prime; e Enterrado vivo, na MGM. E ainda: A era dos dragões, às 20h15, no Max Prime; Voo voturno, às 20h30, no Universal; O amor custa caro, às 22h30, no Megapix; e Escorregando para a glória, à 0h30, no Comedy Central.

Documentário mostra a
genialidade de Zeffirelli


Na Cultura, às 22h, o documentário Franco Zeffirelli, um ritmo mágico de vida traça um perfil do criador italiano, nas mais variadas formas de arte, do show business, da ópera ao teatro, do cinema à televisão, do balé à cenografia, sem falar de suas atuações no palco, no cinema e na rádio durante sua juventude. As mais conhecidas obras-primas de Zeffirelli foram para as telonas: Jesus de Nazareth, A megera domada e Romeu e Julieta, que ganhou dois Oscars. “Viemos ao mundo para viver. E viver significa fazer coisas, criar coisas, manter o cérebro ligado”, dizia o mestre.

GNT retoma programas
de culinária e decoração


O canal GNT estreia hoje as novas temporadas de Que marravilha! e Decora. Às 21h30, o programa de Claude Troisgros volta ao seu formato original, ajudando pessoas que não se dão bem na cozinha a preparar receitas deliciosas. Em seguida, às 22h, Bel Lobo continua fazendo transformações nos mais diversos ambientes. Nesta temporada, a arquiteta vai usar toda a sua criatividade em nove episódios, que contam também com o quadro da blogueira Thalita Carvalho. E ainda tem Cozinheiros em ação, às 20h30, com Olivier Anquier comandando a disputa culinária..

Canal Nat Geo antecipa
o especial de Halloween


O Halloween chega mais cedo no Nat Geo, com a exibição esta noite, às 22h15, de três episódios da série Tabu: “Rituais extremos”, “Exorcismo” e “Feitiçaria”. No canal History, às 23h, os apresentadores do programa Top gear têm um novo desafio: escolher o melhor carro de família dos Estados Unidos.

Show de tecnobrega vai
ao ar na TV e na internet


Entre as atrações musicais, o destaque é o Multishow, com a transmissão ao vivo, na TV e na web (www.multishow.com.br), dos shows de dois nomes do pop tecnobrega, Banda Uó e Gang do Eletro, diretamente do Cine Joia, em São Paulo, a parir das 22h30. No Canal Brasil, às 21h30, o pernambucano China participa do programa Zoombido, de Paulinho Moska. E no SescTV, o destaque nem é música, mas a dança, com um especial da série Coleções sobre o fandango caiçara, originário da Ilha dos Valadares, em Paranaguá, no Paraná. 

Marina Colasanti - Com e sem mão armada‏

Estado de Minas: 03/10/2013 



Em julho, no Rio, os assaltos a pedestres aumentaram entre 83%, e 91% em relação ao mesmo mês do ano passado.

Minha bela e jovem amiga, grávida do primeiro filho, está radiante, olhos brilhando de expectativa. Pergunto se vai fazer parto natural, me responde que não, cesárea. Algum problema?, pergunto surpresa, já que é visivelmente saudável. Problema nenhum. É que seu obstetra, o melhor da cidade onde mora, avisou desde o início que não faz partos naturais, desorganizaria demais a sua agenda. “E – ela acrescenta – ainda não contei para o meu marido, que vai ficar uma fera, mas apesar de o meu plano de saúde ser completíssimo, o doutor me avisou que cobra por fora. E não é pouco.”

Vinha o escritor Luiz Ruffato viajando de carro com motorista em longa viagem quando, ao chegar perto de uma cidade de praia onde poderiam fazer um pit stop, o do volante pediu autorização para seguir adiante. Se o passageiro não se incomodasse, parariam na próxima. “Odeio essa cidade!”, acrescentou entre dentes. Surpreso, Ruffato perguntou a razão de tanto ressentimento. “É que roubaram a minha casa”, respondeu o outro. “Ora, – contemporizou Ruffato – todo mundo já teve casa roubada. Eu próprio...” e contou um episódio qualquer de furto doméstico.

“O senhor não entendeu – retomou o chofer – tinha uma casa aí, de fins de semana, férias. Passei uns tempos sem poder vir, muito trabalho. Quando afinal consegui, cheguei na rua, olhei, não vi a minha casa, achei que tinha errado de rua, já ia me virando para voltar, reparei que as casas dos vizinhos continuavam todas ali, certinhas. Só a minha tinha sumido, no lugar dela um vazio. Cheguei mais perto, as marcas estavam lá. Os caras tinham arrancado minha casa do chão, uma casinha de madeira, e levado embora, com tudo o que tinha dentro.” Fez uma pausa. “Nesta cidade não piso mais”.

Num tempo anterior ao boom imobiliário do Recreio dos Bandeirantes, no Rio, anterior à emergência selvagem que em breve povoaria a Barra e a encheria de shoppings, num tempo em que ainda acreditávamos na plena eficácia do plano Lúcio Costa para a ocupação daquela área, Affonso e eu, recém-casados, compramos um terreno de 500 metros quadrados num loteamento no Recreio, pensando que construiríamos ali, perto do mar, o lar onde criar os filhos que ainda não tínhamos, mas certamente teríamos. Assinado o contrato, tratamos de providenciar as árvores que viriam sombrear nossa família e que cresceriam enquanto juntávamos dinheiro para a construção. Fomos a um horto, escolhemos uma meia dúzia de mudas de casuarinas já crescidinhas. E porque o solo da nossa nova propriedade era areia pura, compramos também metros cúbicos de terra preta, fértil. Contratado um funcionário do horto para abrir grandes covas, preenchê-las com aquela terra bíblica, e ali plantar as mudas, fomos com ele até o terreno marcar os lugares exatos, já pensando em paredes. Voltamos ainda outro dia para ver as mudas plantadas, e regressamos a Ipanema.

Como o motorista da história anterior, demoramos um tempo para novamente ir ao nosso terreno controlar o crescimento das casuarinas. Mas ao chegar não encontramos crescimento, nem casuarinas, nem terra fértil. Só fundas covas vazias marcavam na areia os pontos do nosso desejo.

A política é SENHORA - Ângela Faria

De volta a BH, Caetano Veloso fala das manifestações de junho e do sonho de ver vingar a civilização brasileira


Ângela Faria

Estado de Minas: 03/10/2013 



De volta a BH, Caetano Veloso fala das manifestações de junho e do sonho de ver vingar a civilização brasileira  (Marcos de Paula/AE)
De volta a BH, Caetano Veloso fala das manifestações de junho e do sonho de ver vingar a civilização brasileira

Em março, a turnê do disco Abraçaço estreou no Rio de Janeiro. Ao cantar A bossa nova é foda, no Circo Voador, Caetano Veloso disse estar ali “o grito de guerra do Brasil”. Em junho, milhares de manifestantes tomaram as ruas do país. Tachados de baderneiros, os black blocs enfrentam a polícia, alegando lançar mão das pedras para questionar o sistema, com ampla cobertura da rede on-line Mídia Ninja. Autor da música O império da lei, que exige a chegada da justiça “ao coração do Pará”, Caetano Veloso, de 71 anos, surpreendeu muita gente ao visitar o coletivo Mídia Ninja e posar com a máscara dos blocs no rosto. Em entrevista concedida por e-mail ao Estado de Minas, o compositor diz que a violência não funciona. Mas adverte: “Entendo a raiva dos que querem quebrar bancos, butiques e concessionárias de automóveis”. Para ele, o Brasil precisa de coragem para superar seus impasses históricos. Sábado, o “velho baiano” e a Banda Cê trazem o show Abraçaço ao Chevrolet Hall, em BH.

Abraçaço, lançado em dezembro, tem canções que convocam à política. O império da lei é uma delas – veio ao encontro do Brasil que saiu às ruas em junho. O império da lei realmente está chegando ao coração do Brasil, Caetano?
Escrevi essa música quando vi o filme Eu receberia as piores notícias dos teus lindos lábios, em que um assassinato impune se dá no interior do Pará. Já faz anos que esses crimes não castigados vêm se repetindo e isso não é admissível. O Brasil tem de se mover no sentido de respeitar a vida humana. Temos de ser uma sociedade moderna e deveríamos ser mais justos do que as sociedades modernas conseguiram chegar a ser. As manifestações de junho tiveram beleza e sugestividade. Há vida consciente na multidão.

Como você recebeu a decisão do ministro Celso Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), em relação aos embargos infringentes?
Sem surpresa. Quando ficou na mão dele a decisão estava claro que votaria favoravelmente. Naturalmente, muitos brasileiros ficam decepcionados porque pensam que o que se passou ali significa que só pobre vai preso, que essa tradição sinistra é resistente demais e não vai ceder à pressão por responsabilidade. Mas quero crer que tudo isso que tem se passado no Supremo servirá para fazer o tema andar. O mensalão do PT, roçando o poder central, é algo realmente gritante. Mas o mensalão do PSDB mineiro não deve ficar impune tampouco. Seja como for, não sinto desejo de ver pessoas na cadeia. Fico revoltado quando vejo um Pimenta Neves ser agraciado com as nuances da Justiça brasileira quando milhares de pobres estão na cadeia sem julgamento. Mas os juízes do Supremo têm que andar no fio fino que separa a superação desse descalabro da vendeta antipetista. Talvez essa complexificação do julgamento do mensalão venha a ajudar a amadurecer o Judiciário e nosso senso ético. Tomara que não seja apenas uma reafirmação de que pessoas que usam paletó não podem ser punidas.

A canção Um comunista, dedicada ao guerrilheiro Carlos Marighella, fala em guardar sonhos, em utopia, coisas que remetem a um projeto coletivo de sociedade. Você vê utopias assim renascerem no Brasil pós-junho?
Claro que há algo de tudo isso nas manifestações. Mas são tempos diferentes. O prestígio intelectual e moral de que o comunismo gozava desmoronou. Sempre estive à esquerda, mas nunca fui comunista porque sempre achei estranho o que se sabia do mundo soviético. Também o que se passava na China de Mao, na época da Revolução Cultural, era algo aterrador, com jovens fanatizados fazendo justiçamentos em praça pública em nome do governo autocrático. Desejo para o Brasil uma aventura espiritual que supere esses horrores. Para isso, precisamos sair do horror em que vivemos. Suponho que temos recursos. Mas é preciso querer com coragem.

Você cobriu o rosto como os black blocs e considerou violência simbólica proibir o uso de máscaras. O que o levou a esse gesto que tanto repercutiu no país? Você apoia a ação dos blocs, mesmo quando eles recorrem às pedras?
O que me levou foi o pedido de um garoto da Mídia Ninja, que Sidney Waismann (produtor cultural) e eu tínhamos ido visitar depois de falar com Beltrame (José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Estado Rio de Janeiro), numa missão idealizada por Sidney de evitar a violência nas manifestações. O 7 de Setembro estava chegando, anunciavam-se muitas coisas. Não apoio nem aprovo o quebra-quebra. Os black blocs incluem isso (eles também socorrem manifestantes atacados, fazem barreira de proteção dos pacíficos que são alvo das armas não letais da polícia etc.). Sidney e eu quisemos nos aproximar de pessoas que estão no olho do furacão das passeatas. Nosso intuito era argumentar contra a violência. O garoto da Ninja me disse que a Emma, uma black bloc bonita que deu entrevista à Ninja, tinha gostado do artigo que escrevi no Globo sobre ela. Ele queria tirar uma foto minha com a camiseta preta no rosto para mostrar ou dar a Emma. Topei. Sidney e eu estávamos em missão de paz e tínhamos ficado muito alegres com a conversa desses garotos, que explicavam o sentido simbólico dos atos dos BBs, mas não achavam que essa violência fosse a meta das demonstrações. Eles soltaram minha foto na internet. E não fiquei bolado com os Ninjas, porque eu é que deveria saber que uma foto nas mãos deles para ser mostrada a uma black bloc iria logo para as redes. Mas o fato é que não pensei nisso. O pessoal do meu escritório, que toca Facebook, Twitter e Instagram, acompanhando a divulgação de Abraçaço, não gostou. Mas não me arrependi. Já disse mil vezes em meus artigos que entendo a raiva dos que querem quebrar bancos, butiques e concessionárias de automóveis – e que sei que muitos manifestantes que não quebram nada dizem que têm vontade de quebrar. Mas eu sou contra.

A violência é necessária? Funciona?

Não. Nem é necessária nem funciona. Pelo menos não no quadro que se delineou no Brasil agora. Pessoalmente, de todo modo, não suporto violência. E os episódios de quebra-quebra serviram para esvaziar as manifestações. Mas todos sabem que essas marchas não iam se repetir interminavelmente. Embora a gente não saiba se outras virão. Sidney queria fazer uma grande (manifestação), radicalmente pacífica. Ele pensa em Gandhi. Mas os jovens com quem fomos falar não creem que se possa convencer centenas de milhares de pessoas a agirem pacificamente. O sonho de Sidney é que os manifestantes não reajam nem que a polícia atire balas de borracha. Que não reajam nunca. Ele queria também convencer a polícia a não atacar. Mas os dois lados são difíceis de conter. Beltrame nos disse o quanto é difícil para ele. E um assessor dele nos disse a seguinte frase: “A Secretaria de Segurança Pública não é a polícia”. E ele estava certo.

Você é um artista que tem gosto pelo debate, pela arena pública. Que sonhos você guarda?
São sonhos para o Brasil. Gosto de ouvir Jorge Mautner dizer todas aquelas coisas afirmativas sobre o Brasil. Coisas que eu próprio não sei dizer, porque vejo muita coisa ruim. Mas me deixo sonhar com uma experiência nova a partir da civilização brasileira. A reunião dessas duas palavras – que nomeavam uma editora de livros – resume tudo o que sonho. Não é um império do Brasil, como há o americano e houve o inglês. É um mundo pós-imperial, de grande doçura e sabedoria, nascido das peculiaridades que quase só nos têm feito mal. Somos um país gigante, na América, no hemisfério sul, fortemente miscigenado e que fala português. Veja bem: nem é espanhol. É português! Temos um dever de originalidade e temos de querer realizá-la. Por isso leio Roberto Mangabeira. Leio também Olavo de Carvalho, à direita. E ouço e vejo mil outras coisas. Ouço Mautner e Antonio Cicero, Zé Miguel Wisnik e Gilberto Gil. Chorei vendo a exposição de Adriana Varejão.

A articulação da nova Lei do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) dividiu os músicos. Houve racha no Clube da Esquina – Milton Nascimento de um lado; Fernando Brant e Ronaldo Bastos de outro – e até entre os Buarques: Chico de um lado; Ana e Cristina de outro. Sem querer ser “mineira” – mas sendo –, pergunto: passado o “tsunami”, dá para todo mundo retomar a conversa e aparar arestas? Ou a luta continua?
É. Foi um abalo inevitável. Mas se alguém foi mineiro ali, esse alguém fui eu. Quase todo o meu esforço foi no sentido de fazer os dois lados dialogarem. Não era fácil – e a maioria esmagadora dos meus colegas demandava uma reestruturação da gestão coletiva dos direitos autorais no Brasil. Toda essa movimentação ainda está em curso. Fui a uma reunião em que estavam Milton e Brant: não houve hostilidade nenhuma. Suponho que Chico e Ana não tenham nem sequer discutido o assunto. As mudanças eram pedidas com veemência por Djavan, Lenine, Nando Reis, Roberto Carlos, Gaby Amarantos, Pretinho da Serrinha, Racionais MCs, Dudu Falcão, Márcio Vítor, Leoni, Frejat, Ivan Lins... – gente de todas as áreas da música. O pessoal do Ecad não queria fiscalização por parte do Ministério da Cultura. Na verdade, eles não queriam mudança nenhuma. Estavam seguros de que o que faziam era o melhor possível. Mas essa turma grande não pensava assim. Eu e Chico aderimos a essa turma, já que a reação à mudança não nos anima. Mas espero que tudo possa ter uma transição suave.

Agulhadas do bem‏

De hoje a sábado, Ouro Preto reúne 900 médicos do país e do exterior em torno dos congressos brasileiro e internacional de acupuntura, uma das seis especialidades com foco de atuação em dor


Lilian Monteiro


Estado de Minas: 03/10/2013 

 
Muitos se assustam se têm aversão à agulha. Mas no caso da acupuntura, elas são praticamente indolores e podem ser a solução para vários males. Os primeiros relatos acerca dessa prática chegaram à Europa no século 17 por meio dos jesuítas e viajantes do extremo oriente e se espalharam pelo mundo. Ramo da medicina tradicional chinesa, declarado Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 19 de novembro de 2010, a acupuntura é aplicada por 13 mil médicos brasileiros entre os filiados ao Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA) e com título de especialistas emitidos pela Associação Médica Brasileira (AMB). Algo em torno de 3% da comunidade médica no país. A prática chinesa é tão aceita por aqui que, somente no ano passado, o Sistema Único de Saúde fez 1,2 milhão de atendimentos no país.

Os benefícios são tantos que desde 2012 a acupuntura é uma das seis especialidades com foco de atuação em dor, ao lado da neurologia, ortopedia, fisiatria, clínica médica,  reumatologia e anestesiologia. Para debater as novidades na área, casos clínicos, pesquisas e novas indicações na área de saúde para serem tratadas com as agulhas, Ouro Preto, a 98 quilômetros de Belo Horizonte, sedia de hoje a sábado o 18º Congresso Brasileiro de Acupuntura e o 8º Congresso Internacional da Federação Ibero-Latino Americana de Sociedades Médicas de Acupuntura (Filasma).

Segundo o presidente do CMBA e coordenador do Congresso, Hildebrando Sábato, a aplicação da acupuntura é vasta – vai de inúmeras doenças e disfunções orgânicas das diversas especialidades médicas como reumatologia, gastroenterologia, endocrinologia, dermatologia, fisiatria, pneumologia, ginecologia, neurologia e psiquiatria, a técnicas associadas como a eletroacupuntura. De acordo com ele, também serão debatidos temas relacionados à regulamentação da profissão, o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), projetos de lei no Congresso Nacional e os principais avanços científicos. 

Vice-presidente do CMBA, o acupunturiatra Ricardo Bassetto vai mostrar como a acupuntura age na diminuição das consequências do estresse crônico, que é uma resposta de adaptação do corpo reagindo para se adaptar a uma sensação de risco real que perdura por muito tempo. “Uso a acupuntura para fazer a profilaxia e diminuir a chance de gerar doença nas pessoas.” De acordo com o médico, há estudos científicos que comprovam não só a sensação de bem-estar do paciente quanto a melhora no quadro clínico. “Acupuntura é aliada, um tratamento complementar que segue padrões de comportamento e ritmo de vida para minimizar problemas. Não tem contraindicação. A sensação é subjetiva, mas já na primeira aplicação o paciente sente melhora. Não está curado, mas vê resultado em incômodos periféricos como sono, cansaço e fadiga.”

Rubens Zanella, acupunturiatra e membro do CMBA, se debruçará sobre a aplicação de correntes elétricas nas agulhas (eletroacupuntura) na esclerose múltipla, enxaqueca e síndrome miofascial. Segundo ele, a estimulação elétrica potencializa em mais de 300 vezes o efeito do ponto de acupuntura na liberação, como também na produção, de endorfina e cortisona endógenas (produzidas pelo corpo). Com isso, a eletroacupuntura, além de mais potente, também é mais duradoura. “O principal benefício do aumento da produção e liberação de endorfinas em pacientes com esclerose múltipla é que elas entram em contato com o sistema imunológico, diminuindo tanto a liberação de substâncias inflamatórias, quanto a produção de anticorpos. Além disso, por aumentar a produção de corticoide endógeno, evita o aparecimento de lesões e sequelas.” 

Zanella explica que trata quatro pacientes com esclerose múltipla, dos quais três há mais de uma década. Um deles perdeu e recuperou a visão e outro apresentou perda de força em membros inferiores e grande dificuldade de caminhar. Atualmente estão todos sem sequelas. “Neste período de 10 anos, dois pacientes tiveram apenas dois surtos de formigamento leve em membros superior ou inferior, enquanto que o mínimo esperado na forma mais branda da doença a média é de 10 a 20 surtos no mesmo período. Esses pacientes não usaram medicação convencional como interferon, remédios imunomoduladores ou altas doses de vitamina D.” 

Quanto à enxaqueca e à dor de cabeça, Zanella explica que 90% delas têm envolvimento do ramo superior do nervo trigêmeo e sensibilização do gânglio e dos núcleos desse nervo no tronco cerebral. “A eletroacupuntura diminui esta sensibilização pela produção e liberação de encefalinas, pela ativação do sistema inibidor descendente da dor a base de serotonina, pela desativação dos pontos gatilho e da memória da dor. Além disso, pesquisas realizadas por Peter Goadsby, da Universidade da Califórnia; Jean Schoenen e equipe, da Unidade de Pesquisa de Dor de Cabeça da Universidade de Liege, na Bélgica; Anna Ambrosini, da Clínica Neuromédica de Dor de Cabeça de Pozzilli, na Itália; e por Marcelo Bigal, do Colégio de Medicina Albert Einstein, em Nova York comprovam que o estímulo elétrico de baixa frequência no nervo occipital maior faz a modulação hipotalâmica (equilíbrio das funções do Sistema Nervoso Central).”


IN VITRO O também especialista Silvio Harres, com 40 anos de medicina e 30 de acupuntura, vai falar sobre a ressonância magnética funcional, que pode definir com clareza os locais no Sistema Nervoso Central onde os estímulos periféricos das agulhas de acupuntura determinam uma ativação neuronal. E ainda sobre a fertilização in vitro, um estudo clínico com duração de quatro anos que avaliou 104 pacientes. “A fertilização tenta contornar os problemas de infertilidade da mulher causados por uma série de problemas uterinos, tubários e ovarianos, que dificultam a fecundação. Pensando no útero com problemas, a acupuntura vai estimular, por meio de impulsos nervosos gerados pela agulha, pontos específicos na região. O que vai repercutir numa melhoria da vascularização e da oferta de sangue no útero.”
Harres lembra que um dos vários problemas nessa região é o endométrio baixo. Com esse procedimento, nutrindo-o com mais sangue, o endométrio mais desenvolvido é mais fértil para receber o óvulo. “Preparamos o terreno e a clínica de fertilização faz o procedimento. A prática não é nova, mas pesquisas são desenvolvidas há pouco tempo. Antes, o sucesso era em torno de 25%, ou seja, uma mulher em cada quatro fertilizadas. Associando a acupuntura, o resultado dobrou: 50%, de cada quatro, duas fertilizações.”  Harres enfatiza que o tratamento não envolve medicamentos, é um trabalho conjunto, aliado ao tratamento hormonal. “Dos 104 pacientes estudados, 50% foi recorde em termos mundiais. No entanto, é bom lembrar que o avanço da idade, a endometriose, os distúrbios hormonais e cistos ovarianos tornam mais difícil a fertilização. A acupuntura é uma aliada e garante melhor resposta ao tratamento, que requer 20 semanas. A maioria das pacientes se sente tão bem que vai até o fim da gestação. Aliás, a acupuntura é indicada para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e para restabelecer a saúde”, atesta.

O congresso
900 médicos do Brasil e exterior, especialistas em acupuntura
130 palestrantes
25 workshops
40 horas de atividades de atualização profissional
300 temas sobre a especialidade e as pesquisas científicas na área
 
Panorama no país
10 mil médicos, filiados ao CMBA, representam 3% da população médica do país
3 mil médicos com título de especialistas já foram emitidos pela Associação Médica Brasileira (AMB)
1,2 milhão de atendimentos pelo SUS em 2012. Procedimento presente desde 1988
O Brasil é o único país do mundo que tem programa de residência médica em acupuntura



Três perguntas para...


Hildebrando Sábato, Presidente do colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA) e do congresso Internacional de acupuntura

Como o Conselho Federal de Medicina (CFM) aceita uma terapêutica como prática médica?

Para aceitar qualquer terapêutica como procedimento médico, o CFM exige comprovação científica. Com isso evita-se que a população corra o risco de ser submetida a terapêuticas ineficazes ou enganadoras, ou mesmo a atrasos diagnósticos que, quando mal realizados ou subestimados, podem comprometer os rumos de uma doença ou de sua cura. No caso da acupuntura, os médicos acupunturistas já a vinham praticando desde os anos 1960, e organizados em uma sociedade médica da especialidade desde 1982. No SUS, desde 1988.
 
Quando a acupuntura teve seu reconhecimento no Brasil? 

Apesar de a prática existir desde a década de 1960, somente em 1995, com base em trabalhos científicos que comprovaram sua eficácia e efetividade, a acupuntura foi reconhecida como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina brasileiro. Entendemos que a acupuntura é medicina, e como tal exige a realização de um diagnóstico etio (a origem da doença), clínico (exames que constatam a doença) e nosológico (que doença é essa), além da expectativa de um prognóstico (resultado das ações), e do estabelecimento de um tratamento. Só o médico, depois destes procedimentos, pode estabelecer se este tratamento será por acupuntura ou não. Uma dor de cabeça, por exemplo, pode ser uma simples enxaqueca, mas pode ser também um tumor cerebral. Há pelo menos 150 causas de cefaléia descritas na literatura médica. Diante das queixas do paciente, só o médico pode discernir com relativa segurança por um diagnóstico diferencial. Além da odontologia e da medicina veterinária, as outras profissões de saúde não têm nas leis e normas que as regulamentam, nem em sua formação, essas atribuições da profissão médica. Esta é uma das razões pela quais entendemos que esses profissionais não devem realizar os procedimentos da acupuntura. E, por ser um procedimento invasivo, a introdução das agulhas pode ser bem profunda, passando por nervos, vasos e estruturas nobres como órgãos.

Mas há outros profissionais de saúde, inclusive com formação na China, que conhecem bem de anatomia. Por que então ser uma exclusividade médica? 

É preciso conhecimento amplo de anatomia, já que mãos inábeis a acupuntura pode chegar a causar lesões. A acupuntura não é isenta de riscos. Diante das decisões de alguns Conselhos Profissionais de Saúde em reconhecer a acupuntura como atribuição sua, e por discordarmos, recorremos à Justiça em 2001 e em 27 de abril de 2012 uma turma de cinco desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, por meio de um acórdão e por unanimidade, nos deram ganho de causa. Consideraram que aqueles conselhos ampliaram sua área de atuação e atribuições por meio de resoluções internas e ao arrepio da Lei que os regulamenta, o que não é permitido. Portanto, estão com o exercício em acupuntura suspenso. Algumas delas, como a psicologia e a enfermagem, apelaram ao Superior Tribunal Federal, mas também naquela corte a decisão dos acórdãos do TRF-1 foi corroborada. Este ano, foi julgada a ação judicial contra a biomedicina e esta também teve definição similar.”

Pesquisadores criam primeiro computador com nanotubos de carbono

Rumo à velocidade 

Pesquisadores criam primeiro computador com nanotubos de carbono, material que pode substituir o silício e tornar as máquinas muito mais rápidas

Roberta Machado

Estado de Minas: 03/10/2013


Max Shulaker mostra o protótipo: a máquina, ainda precária, pode ajudar a revolucionar a informática (Norbert von der Groeben-Stanford)
Max Shulaker mostra o protótipo: a máquina, ainda precária, pode ajudar a revolucionar a informática


Engenheiros da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, anunciaram nesta semana a criação do primeiro computador com tecnologia à base de nanotubos de carbono. A máquina, descrita na revista Nature, permite a execução de duas tarefas intercaladas (multitasking) e pode ser o marco de uma nova era da computação. Acredita-se que a substituição do silício pelo novo material pode dar um fim ao aquecimento excessivo de máquinas e resultar em dispositivos muito mais rápidos e menores.

Os nanotubos são minúsculos cilindros feitos de folhas de carbono. É como se uma rede ultrafina de futebol, com vértices de carbono, fosse enrolada, resultando num material que combina altíssima resistência com leveza. “Eles têm propriedades mecânicas excelentes. É difícil comprimi-los, mas a elasticidade deles é muito grande”, descreve Fernando Lázaro Freire Junior, professor de física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Desde a divulgação das propriedades do material, há mais de 20 anos, uma grande expectativa foi criada sobre as possibilidades que ele poderia trazer à eletrônica. Os tubos são tão pequenos que poderiam multiplicar em muitas vezes a capacidade de um chip de silício comum, e com um desempenho bastante superior. O nanomaterial surpreende pela alta condutividade, o que permitiria ligá-lo e desligá-lo com rapidez surpreendente — na prática, isso significa realizar tarefas eletrônicas com muito mais rapidez, como uma pessoa com um cérebro de raciocínio mais rápido que o comum. Contudo, os tubinhos se mostram muito difíceis de serem domados, o que tem adiado os planos de aplicá-los a supercomputadores. O feito da equipe de Stanford, portanto, tem sido considerado um passo importante nessa busca, apesar de ainda não ter resultado em um processador muito veloz.


Soluções O maior feito dos cientistas foi ter resolvido dois problemas que vinham sendo a pedra no sapato dos engenheiros, mesmo depois de décadas de pesquisa. O primeiro é que alguns dos nanotubos sempre saíam defeituosos, sem a capacidade de alternar seu estado entre ligado e desligado (isto é, agindo mais como um fio elétrico do que como um semicondutor). “Já que a mãe-natureza produz os nanotubos, eles nem sempre se desenvolvem exatamente como queremos”, explica Max Shulaker, estudante de doutorado em engenharia elétrica e um dos autores do trabalho.

Os tubos problemáticos eram como mangueiras com vazamentos que não podiam ser consertados. Então, os especialistas resolveram simplesmente eliminá-los. O processo de faxina criado por eles consiste em “desligar” todos os tubos funcionais e aquecer os problemáticos com eletricidade até que se transformassem em vapor de CO2. O tratamento é relativamente simples e corrige o problema em um conjunto de bilhões de componentes de uma só vez.

O segundo problema era a dificuldade de deixar os transistores alinhados. Como são muito pequenos, tendem a ficar for a de lugar. Os engenheiros resolveram essa questão com a ajuda de um algoritmo. O cálculo de simulação apontou formas de corrigir o desalinho que causava o defeito. O “design à prova de imperfeições”, de acordo com os pesquisadores, pode ser aplicado em escala industrial.


Primeiro passo Com apenas 178 transistores, o primeiro computador de nanotubos está longe de ter o poder de processamento necessário para superar as máquinas atuais, que contam com bilhões desses componentes eletrônicos. O sistema operacional também é rudimentar e pode realizar somente tarefas simples, como contar ou separar números. Mas o modelo tem seu valor por provar que o complicado nanomaterial tem aplicação prática.

“Nosso computador é o que se chama de um Turing completo, o que significa que é o mais genérico possível de se produzir”, descreve Shulaker. A performance foi limitada, de acordo com o pesquisador, não pela matéria-prima, mas pela falta de equipamentos adequados à nanoprodução em um laboratório de universidade. 

A técnica pode agora ser usada para o desenvolvimento de uma máquina mais potente, com potencial de superar o padrão limitado do silício ou mesmo de ser combinada a ele. Os transistores vitaminados são a possível solução para uma época em que a evolução em ritmo exponencial dos computadores se aproxima rapidamente do seu limite. “A partir de 2004, a gente já não vê o aumento de velocidade dos processadores como se via nos anos 1990 por causa desse esgotamento da tecnologia”, aponta Marcio Merino Fernandes, professor de computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

O constante processo de aceleração e miniaturização das máquinas resulta em processadores cada vez mais compactos, que acabam perdendo em desempenho e desperdiçando energia na forma de calor. Nenhum desses problemas existiria com os nanotubos. “Esse trabalho mostra que, com esforço e pesquisa, há chances de termos computadores melhores. Mas, para o usuário doméstico, o horizonte para chegar a isso é demorado”, alerta Fernandes, que estima ao menos mais duas décadas de espera até que o computador feito com o novo material chegue ao mercado.

EDUARDO ALMEIDA REIS - Favores‏

Se pedir um favor, peça-o ao mais ocupado entre os seus amigos. Por quê? Ora, porque o pedido vai representar um tiquinho na agenda do amigo



Estado de Minas: 03/10/2013 


Os procuradores do antigo Distrito Federal mereceram a alcunha de Marajás da República pelo prestígio político de suas famílias e dos que os nomearam. Mesmo sendo muito mais moço, tive a sorte de contar com três amigos entre eles. Bulir com um deles era mexer com a República dos Estados Unidos do Brasil. Nem todos eram luminares da ciência do direito, mas havia muitos que brilhariam no Judiciário. Com o passar dos anos, mesmo antes da invenção de Brasília, adotaram o concurso público para preenchimento dos cargos e a função perdeu a graça: bastava saber, ou ter sorte, ou conhecer os gabaritos das provas para passar.

Da velha guarda, um dos mais novos era o Guilherme Alah Batista, filho do Alah Batista, ex-presidente do Vasco. O rapaz era um dínamo. Além dos serviços de procurador, prestava favores a todos os colegas e morria de rir dos pedidos que lhe faziam de providências aparentemente muito trabalhosas. Incluía o pedido em sua imensa agenda e voltava com ele resolvido no final do dia.

Foi então que aprendi uma lição que recomendo ao leitor de Tiro & Queda: se pedir um favor, peça-o ao mais ocupado entre os seus amigos. Por quê? Ora, porque o pedido vai representar um tiquinho na agenda do amigo, que resolve o assunto com um pé às costas.

Se você pedir a um desocupado – e os há a montões – o favor passa a representar 100% das preocupações dele e você pode perder o amigo. Nessas condições, estou entre pedir o favor ao advogado Décio Freire ou ao também advogado Milton Fortes, que trabalha no imenso escritório do nosso amigo comum.

Acabo pedindo ao Milton, que reside na capital de todos os mineiros com incursões ao Retiro das Pedras, em Brumadinho, MG, enquanto o Décio divide o seu tempo entre BH, Rio, São Paulo, Cuiabá, Brasília, Lisboa, Nova York, Madri e Frankfurt.

Gênios


Sei que é desonesto transcrever ipsis litteris textos alheios, mas também seria desonestidade com os leitores do grande jornal dos mineiros deixar de transcrever algo interessantíssimo, que, suponho, a maioria não conhece. Portanto, aqui vai o texto da melhor supimpitude: “Chistian Heinrich Heinecken, que viveu apenas quatro anos, de 6 de fevereiro de 1721 a 22 de junho de 1725, tornou-se famoso como ‘a criança de Lübeck’ (Alemanha). Quando tinha mais ou menos dois anos e meio conhecia história e o Novo Testamento. Com três, sabia latim e francês. O único caso de precocidade que se aproxima dele é o de Kim Ung-Yong, de Seul, nascido a 7 de março de 1963, que com quatro anos escrevia (e publicava) poesia e falava coreano, inglês, alemão e japonês.

Com quatro anos e oito meses fazia operações de cálculo integral em um programa de televisão ao vivo em Tóquio, A Surpresa do Mundo. O QI não pode ser medindo nesta faixa de idade, mas o de Kim foi estimado em mais ou menos 210. Entre as personalidades conhecidas com um QI em mais ou menos 200 – em geral crianças-prodígio – estão Emanuel Swedenborg (1688-1772), Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) e John Stuart Mill (1806-1873)”.

Gostou? Foram somente 162 palavrinhas, cerca de 1/3 de página, de um livro interessantíssimo de 645 páginas. Não sei se há edição recente, mas nos sebos você pode comprar O Livro dos Fatos, de Issac Asimov, ele próprio um dos maiores QIs de que se tem notícia.

Dois e-mails

Num mesmo sábado de inverno recebo dois e-mails, o primeiro de um magistrado aposentado, casado com procuradora federal, e o segundo de um jornalista, acadêmico e autor de vários livros de sucesso.

O magistrado mandou-me 100 obras-primas de música clássica para ouvir on-line. O e-mail do jornalista traz 3.000 filmes (três mil!) sobre sexo. Ainda que o destinatário veja dois por dia, são 1.500 filmes ou quatro anos de cinema pornô. Salvo melhor juízo, é muita pornografia, mas vou repassar o presente aos amigos de uma lista chamada barrapesada, em que todos os destinatários fazem um quadro de lubricidade senil. Quanto às obras-primas on-line, tenho música para um mês inteiro. Muito obrigado.

O mundo é uma bola

3 de outubro de 1392: Muhammed VII al-Musta‘in torna-se o 12º rei nasrida de Granada para reinar até a sua morte em 1408. Aquele sinal entre Musta e in me deu um trabalho danado, porque cismava de apontar para o outro lado.

Em 1863, Abraham Lincoln estabelece a última quinta-feira de novembro como o Dia de Ação de Graças, isto é, Thanksgiving Day. Em 1929, o reino dos Sérvios, Eslovenos e Croatas passou a chamar-se oficialmente Iugoslávia. Em 1930, Getúlio Vargas, Góis Monteiro e Osvaldo Aranha articulam o golpe final contra a República Velha, odioso período de parlamentares honestos e alfabetizados.

Em 1931, pela primeira vez, entra em vigor no Brasil o famigerado Horário de Verão. Em 1932, independência do Iraque. Em 1950, Getúlio Vargas é eleito presidente do Brasil com 48% dos votos válidos. Em 1953, criação da Petrobrás, hoje sem acento e sem rumo.

Ruminanças


“É melhor ser velhaco do que trouxa” (Flaubert, 1821-1880).

Minas e a "revolução do Twitter" - John Briscoe

Estado de Minas: 03/10/2013 



Fui diretor para o Brasil do Banco Mundial de 2005 a 2008 e hoje sou professor universitário. Escrevo com base em minha experiência institucional – mas, é claro, em meu próprio nome. Cheguei aqui quando o presidente Lula dizia que o Brasil estava “se tornando um país normal”. A hiperinflação havia sido esquecida, o crescimento começava e as desigualdades diminuíam. O processo de reforma, entretanto, não é mecânico, mas dialético – e os sucessos do início da administração Lula já expunham o próximo grande desafio do Brasil.

O ex-secretário-executivo da Fazenda Murilo Portugal disse certa vez: “Vivemos em um país que paga por serviços cinco estrelas, mas recebe, em troca, serviços duas estrelas”. De fato, a soma dos impostos arrecadados em relação ao PIB brasileiro (de quase 40%) é quase o dobro do que o cobrado na maioria dos países com renda média similar. Houve melhorias, mas a qualidade dos serviços públicos — em transportes, educação, saúde e justiça —, era e continua baixa.

Uma de minhas primeiras tarefas foi assinar em Belo Horizonte um empréstimo modesto já aprovado pelo banco. Essa seria a primeira de muitas reuniões com o governo mineiro — pelo qual desenvolvi admiração e respeito. Ao conhecer mais sobre Minas, percebi que o governador eleito Aécio Neves havia entendido muito bem o grande gap entre o que é pago pelo povo e o que ele recebe de volta.

O governador acreditava que direcionar ações para diminuir essa distância era o seu grande desafio gerencial. E o acordo que pretendia fazer, com apoio do Banco Mundial, tinha esse objetivo: promover um consistente choque de gestão para buscar o equilíbrio das contas públicas e, em seguida, organizar as políticas prioritárias. Um trabalho liderado pelo estado, que contou com a assessoria inicial do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG ).

Os primeiros resultados foram espetaculares e todos em Washington ficaram bem impressionados. Graças a isso, Minas obteve, para a segunda etapa, o maior empréstimo já concedido a um ente governamental subnacional. A reeleição de Aécio em 2006 com recorde de 77% também pesou a favor. Isso foi um divisor de águas para o Brasil: mostrou que uma nova política, baseada em resultados, performance e qualidade técnica era possível.

O empréstimo do Banco Mundial destinado ao “Estado para resultados”, slogan do segundo mandato, também foi um grande sucesso. O time mineiro, com destaque para o então vice-governador Antonio Anastasia e a secretária de Planejamento, Renata Vilhena, se manteve intacto e melhor do que nunca, de forma que o Banco continuou dando forte apoio.

A experiência de Minas não teve apenas repercussões nos outros estados brasileiros, mas muito além: deu consistência transnacional à ideia de boa governança e mostrou que havia um novo rumo. Há alguns meses recebemos em Harvard o agora governador Antonio Anastasia. Pude ver como o Estado consolidou o que aprendeu e como está construindo uma nova e ousada geração de reformas — a gestão para a cidadania.

Uma pergunta cabe neste momento: o que a experiência mineira pode significar na “revolução do Twitter” que desembarcou no Brasil? Em 1968, Samuel Huntington mostrou que a visão mecanicista de desenvolvimento e estabilidade — segundo a qual garantir educação e emprego para os pobres traria uma ordem política estável — estava equivocada. É precisamente quando oportunidades são abertas que os mais pobres não mais se contentarão. Agora eles são contribuintes e querem ver, incentivados pelo debate nas mídias sociais, para onde seus impostos são direcionados, sem admitir projetos e pessoas corruptas.

Então, como fica o Brasil, depois das manifestações de junho? É preciso construir uma política que traga uma resposta confiável, de longo prazo, a esse legítimo conjunto de demandas. Do meu tempo no Brasil, é igualmente claro, que foi Aécio, quase sozinho entre os políticos, que viu isso escrito nas paredes uma década atrás. E, munindo-se de iniciativas mundialmente inovadoras, construiu um estado de alta qualidade e idoneidade moral. Precisamente para reduzir o gap, que é cobrado hoje nas manifestações brasileiras, entre aspiração e possibilidade, por um lado; e entregas e resultados, por outro.