domingo, 25 de agosto de 2013

Por uma vida menos ordinária [Peter Singer] - Marcelo leite

folha de são paulo

De mal com a natureza


 
MARCELO LEITE
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RESUMO Após povoar a literatura nos anos 2000, o temor do aquecimento global arrefece, mas não se apaga. Em novos romances, protagonistas se mostram entediados diante da percepção de que a catástrofe não é tão iminente como parecia, e falta reencontrar o fascínio com o mundo natural que vigia nas letras entre o séc. 19 e o 20.[continue lendo aqui ]
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ENTREVISTA PETER SINGER
Por uma vida menos ordinária
O filósofo australiano nos recorda de que a ética é coisa do dia a dia
MARCELO LEITERESUMO Peter Singer, professor da Universidade de Princeton (EUA), vem ao Brasil para duas palestras no ciclo Fronteiras do Pensamento. Ele argumenta que a pobreza e a mudança do clima são os maiores problemas do mundo e, como solução, defende que as pessoas reduzam consumo de carne e doem parte de sua renda.
O filósofo australiano Peter Singer, da Universidade de Princeton (EUA), é o conferencista de amanhã, em Porto Alegre, do ciclo Fronteiras do Pensamento. Na quarta-feira ele estará em São Paulo para palestra no Teatro Geo, onde deve abordar temas de ética prática como a pobreza no mundo, escolhas alimentares, bem-estar animal e mudança climática.
Para o controverso autor do clássico "Libertação Animal" [trad. Marly Winckler e Marcelo Brandao Cipolla, WMF Martins Fontes, 496 págs., R$ 79,90], cada pessoa deveria doar uma parte de sua renda para ajudar a diminuir a desgraça de 1 bilhão de pobres que vivem com menos de um dólar por dia. Esse é o tema do livro "The Life You Can Save", de 2009 (lançado em Portugal com o título "A Vida que Podemos Salvar", Gradiva, 252 págs., R$ 69,10, sob encomenda), mas um de seus primeiros artigos, de 1972, já tratava dele --e foi citado por 1.259 outros autores desde então.
Singer está insatisfeito com o efeito do livro, que calcula ter vendido 60 mil cópias no mundo inteiro. Mais ainda com o baixo número de "compromissos" (pledges) da página de internet equivalente, em que pessoas comuns podem jurar em público que vão passar a doar determinado percentual de sua renda para organizações de caridade: 16.394. Ele doa um terço de sua renda, mas prefere não equiparar a "cegueira moral" dos outros ao Holocausto, e diz que é o maior problema do presente é a pobreza, ao lado da mudança do clima, no futuro.
Folha - O tema da mudança climática já apareceu também no seu radar ético? Ela tem o potencial de tornar a vida pior para um bocado de gente pobre, no futuro. Devemos nos importar menos com as vidas futuras do que com as do presente?
Peter Singer - Esses dois assuntos estão intimamente conectados. A resposta curta para a pergunta é "não". Devemos nos importar o mesmo tanto com as pessoas, não importa a época em que vivam. Claro que há questões sobre a incerteza, quando falamos do futuro. Nós podemos saber muito mais sobre as pessoas que vivem agora, de modo a ajudá-las, do que podemos saber sobre pessoas que viverão daqui a cem anos. Isso é relevante, e podemos aplicar um desconto sobre o futuro, mas num grau bem pequeno.
Não é demais pedir a alguém que se torne vegetariano e ainda por cima doe uma porção significativa de sua renda para combater a pobreza?
Reconheço que só algumas pessoas vão de fato agir nesse sentido. Mas acho que todo mundo poderia considerar uma mudança nas suas escolhas alimentares e, se tiverem alguma sobra de dinheiro, considerar sua responsabilidade perante os pobres do globo. Não é uma questão de tudo ou nada, ou você se torna um vegetariano ou não faz nada. Várias pessoas nos Estados Unidos, por exemplo, estão dizendo: "Bem, eu como carne todos os dias...". Existe uma prática chamada Segunda-Feira Sem Carne. Outros escolhem dois ou três dias por semana em que não comem carne. Penso que seja algo fácil de fazer, uma coisa saudável, e obviamente faz diferença, pelo menos do ponto de vista de reduzir a pecuária industrial e a emissão de gases do efeito estufa.
Se o sr. tivesse de dar um conselho a um adolescente sobre como agir, diria que ele ou ela devem se juntar a uma organização de caridade, a um partido político ou a uma ONG militante? O que seria mais eficaz para salvar vidas agora e no futuro?
Bem, não há razão para não fazer as três coisas. Não precisa ser uma escolha do tipo "ou isso ou aquilo". O valor de se envolver com um partido político vai depender de onde, no mundo, a pessoa vive e de quão abertos são os partidos políticos, da possibilidade de fazer alguma diferença nesses partidos. Minha resposta, realmente, é: quanto mais, melhor.
Há um problema com a ideia de ação individual. Um exemplo: no livro "Uma Verdade Inconveniente", Al Gore dá uma série de ideias sobre o que as pessoas podem fazer para combater o aquecimento global, como trocar as lâmpadas de casa. Mas, desde 2006, as coisas só pioraram nesse campo. O sr. acha que pedir às pessoas que doem parte de sua renda resolve algo?
Acho que não é igual ao caso da mudança climática. Se eu doo para a Oxfam ou outra organização eficiente, isso faz uma diferença específica. Claro que não se trata de resolver a questão da pobreza global; obviamente eles não podem fazer isso. Mas quer dizer que algumas famílias vão receber telas contra mosquitos para as camas e que suas crianças não vão morrer de malária, ou que as crianças vão receber vermífugos e, sem parasitas, serão mais saudáveis, terão mais energia e irão melhor na escola. Ou uma aldeia consegue abrir um poço, e as pessoas não terão mais de caminhar três horas por dia para conseguir água.
A razão para não ser assim com a mudança do clima é que, neste caso, de fato é necessário que governos se unam e estabeleçam limites de emissões de gases do efeito estufa. Não há como reunir um grupo de pessoas que possa fazer algo de significativo para de fato reduzir o aumento dos gases de efeito estufa e o aumento de temperatura resultante. São decisões mais amplas, como livrar-se de usinas elétricas movidas a carvão, criar um imposto sobre o carbono ou um mercado para créditos de carbono. É uma situação diferente da pobreza global, para a qual penso que indivíduos podem fazer uma grande diferença.
Voltando ao tema do bem-estar animal e do bem-estar humano. O sr. responde ao romance "A Vida dos Animais", do sul-africano J.M. Coetzee, indicando que vê problema na comparação que a protagonista, Elizabeth Costello, faz entre o modo como tratamos os animais e o Holocausto. O sr. escreveu: "O valor que se perde quando algo é esvaziado depende do que estava ali quando estava cheio, e há mais [conteúdo] na existência humana do que na de um morcego".
Esse argumento se parece ao de parte de pecuaristas que destroem a floresta no Brasil: eles criam empregos que vão beneficiar pessoas, e pessoas são mais importantes que o ambiente ou espécies selvagens. O sr. concorda?
Concordo com a posição geral de que é relevante a questão de quantas pessoas estão se beneficiando e quantas pessoas estão sofrendo, mas não que isso seja usado como argumento para destruir a Amazônia ou pôr mais cabeças de gado para pastar, ignorando as questões de longo prazo de que falávamos há pouco. Uma das principais causas das emissões brasileiras de gases do efeito estufa é o desmatamento; outra, o próprio gado. Esse pessoal não está de fato beneficiando mais pessoas do que aquelas que consomem essa comida hoje. Eles causam muito mais dano no mundo todo, hoje e no futuro. É um cálculo errado.
E quanto à oposição de valores entre existências humanas e animais? Devemos ter uma preferência?
É razoável dizer que, se se trata do valor de uma vida, do ato de matar em si, o ser cuja vida contenha mais capacidades sofre uma perda maior. Se for para comparar a morte de uma pessoa com a de uma vaca, é razoável dizer que a morte de um ser humano é a tragédia maior. Mas há muito mais que o ato de matar na criação industrial de animais, que vivem vidas horríveis. Precisamos perguntar: por que fazemos isso, qual a necessidade de fazer assim?
Seria comparável ao caso dos alemães que preferiam ignorar a existência de campos de concentração, como sugere a personagem Elizabeth Costello, de Coetzee?
Há um certo paralelo aí. A diferença, suponho, é que as pessoas na Alemanha aceitavam a moralidade da ideia de que é errado matar seres humanos inocentes. Creio que estavam mais conscientes da seriedade do mal que se fazia durante o Holocausto, na medida em que sabiam do que estava acontecendo. No entanto, a maior parte das pessoas não é criada com a noção de que animais são moralmente importantes, de que devemos dar a seus interesses a mesma consideração que damos aos nossos. Pode-se dizer que voltar as costas para isso é mais desculpável. Mas também creio que haja algum paralelo, sim.
Um paralelo constrangedor, não? Essa é a questão suscitada pelo livro de Coetzee.
Sim. Ele é um escritor brilhante e nos faz sentir o desconforto das pessoas na plateia quando ouvem a palestra de Elizabeth Costello sobre o questionamento de seus hábitos. Há no livro a discussão particular sobre o paralelo com o Holocausto, muito contencioso. Coetzee está expondo as pessoas a esse desconforto. Mas, de novo: não há um número suficiente de pessoas que o estejam lendo e levando essas questões em conta.
O sr. iria até o ponto de dizer que a pobreza mundial é o Holocausto do século 21?
Não gosto muito de usar essa linguagem de Holocausto, de estendê-la para coisas que não estão assim tão perto. Vejo algumas diferenças. Ao dizer que o que está acontecendo com os pobres do mundo é o nosso próprio Holocausto, você desqualifica ou reduz a enormidade do que aconteceu no período histórico dos anos 1940. Mas o que eu diria é que, ao lado da mudança climática, é uma cegueira moral que temos e que, na escala de sua seriedade e de suas consequências, é comparável ao Holocausto.

    Vinicius Torres Freire

    folha de são paulo
    Trabalhar cansa
    Mais que inviável, o crescimento econômico tornou-se indesejável?
    VINICIUS TORRES FREIRERESUMO A crise de 2008 serve como ponto de fuga para dois livros acerca de um certo esgotamento do capitalismo. André Lara Resende e Luiz Gonzaga Belluzzo enfocam as perversões da sociedade consumista e os impasses do crescimento, considerado tanto inviável a longo prazo como incapaz de promover qualidade de vida.
    "Por que e para que crescer são perguntas que deixaram de ser feitas. Não costumamos nos questionar sobre o óbvio", afirma André Lara Resende num dos 18 artigos recolhidos em "Os Limites do Possível: a Economia além da Conjuntura" [Portfolio, 288 págs., R$ 44,90].
    O economista causou certa sensação em 2012 ao associar a dificuldade de solução da crise de 2008 ao esgotamento dos recursos naturais do planeta.
    A saída menos dolorosa para a crise e seu entulho econômico maior, o excesso de dívidas, seria o crescimento econômico. Porém, dado o "limite físico do ecossistema", que "pode ter sido atingido ou está muito próximo", "não há mais como pretender que a economia mundial volte a crescer". Caso cresça, não será por muito mais tempo, pois "não há como viabilizar 7 bilhões de pessoas, com o padrão de consumo e as aspirações do mundo contemporâneo, nos limites físicos da Terra", ideias em parte baseadas no livro "The Great Disruption", do ambientalista Paul Gilding.
    Esses são "os novos limites do possível", título de um artigo do livro, de janeiro de 2012, publicado como a maioria dos demais no jornal "Valor Econômico".
    Resende, como se sabe, foi um dos economistas que pensaram as manhas da inflação brasileira e as bases dos planos econômicos que dariam no Real. Foi professor da PUC do Rio, serviu no governo FHC e trabalha como financista.
    "Os Limites do Possível" dialoga enfronhada e inadvertidamente com outra obra recente, "O Capital e suas Metamorfoses" [ed. Unesp, 192 págs., R$ 32], de Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular da Unicamp, também homem público e empresário na área de educação. O livro de Belluzzo é feito de cinco ensaios baseados em aulas e textos dos anos 80 e 90, além de dois trabalhos mais conjunturais, dedicados à economia contemporânea.
    Os dois livros têm como ponto de fuga a crise de 2008, a qual no entanto tratam como uma circunstância, embora grave, de processos históricos muito mais amplos. No caso de Belluzzo, como desenvolvimento último e consequente da lógica da acumulação capitalista. No caso de Resende, como inconsequências devidas à incompreensão de certo esgotamento capitalista, entre outros erros.
    No livro, Resende comenta artigo do economista Robert J. Gordon que discute uma implicação ora lúgubre da teoria neoclássica do crescimento. No longo prazo, o crescimento depende dos ganhos de produtividade derivados do progresso tecnológico, avanços que nas economias ricas são agora muito menores que os registrados entre os séculos 18 e o final do 20. As economias na fronteira tecnológica tenderiam a crescer agora mais devagar.
    ABISMO Ou seja, além de à beira do precipício ambiental, as economias avançadas talvez apenas possam chegar ao abismo se arrastando, se tanto, ou movidas a bolhas de consumo suicidas. A dificuldade de crescer não decorre pois da circunstância da crise de 2008, que seria mais um efeito das tentativas exageradas de anabolizar, com excesso de consumo e dívidas, economias que deram o que tinham que dar.
    O crescimento, além de inviável ou esgotado, talvez também não seja mais desejável, quando não sem sentido. Resende aceita, com restrições, conclusões de estudos em voga segundo os quais a satisfação (ou a felicidade) dos indivíduos deixa de aumentar a partir de um certo nível de renda. Por que então crescer mais? Para aumentar a renda per capita: tornar a população na média mais rica (isto é, tornar a economia mais produtiva).
    "Mas para que serve a riqueza?", pergunta Resende, secundando Keynes. Para reduzir o tempo dedicado ao trabalho. Nos termos de Belluzzo, formulados com o auxílio do mesmo Keynes (ecoando Marx), a economia industrial suscitou a "esperança do aumento do tempo livre desfrutado de forma enriquecedora por indivíduos autônomos", utopia negada por sociedades, porém, cada vez mais ricas.
    Porém "nunca [atualmente] se considerou tão fundamental trabalhar... e nunca se considerou tão ameaçadora a ideia de que a economia possa não crescer", comenta Resende."O mundo contemporâneo" (e não só), no entanto, não tem opinião unívoca sobre o assunto, apesar do que dá a entender, talvez por lapso, o texto do economista. Há conflito social, desculpe-se a obviedade.
    Os trabalhadores franceses, por exemplo, nos anos 1990 bateram-se pelo direito à semana de 35 horas, motivo de crítica ou desprezo e chacota dos economistas padrão. Os franceses seguem uma tradição moderna, de pelo menos 250 anos, de combate pelo direito ao tempo livre ou mesmo à preguiça; pelo direito de ganhar menos e seguir uma vida mais calma, como os plantadores de batata alemães estudados pela sociologia alemã da virada do século 19 para o 20, ou como tantos socialistas.
    BARBÁRIE Os motivos da barbárie que é negar, a bilhões de indivíduos, condições de subsistência e de realização da vida boa são tratados de modo complexo pelos autores, mas no meio do caminho os dois curiosamente se detêm na mesma pedra cheia de musgo da obra do economista Thorstein Veblen (1857-1929), sua "Teoria das Classes Ociosas" (1899) e seu conceito de "consumo conspícuo", marginalizados pela teoria econômica tradicional.
    Os dois tratam das perversões da sociedade consumista, com ênfase mais "psicológica" no caso de Resende e mais "sociológica" no caso de Belluzzo, para recorrer a um resumo adjetivo precário. Como diz Resende, não é a riqueza absoluta, mas a riqueza relativa que nos importa. "Não nos basta ser apenas ricos, mas sim mais ricos que nossos pares."
    Ressalte-se que os enfoques são, porém, completamente diferentes. Apesar de se declarar ex-economista na introdução de seu livro, Resende não lança fora os fundamentos padrão de sua profissão, a qual no entanto tornou-se "um campo menor da matemática aplicada" (fala da teoria macroeconômica).
    Na economia de Belluzzo, trata-se de uma conversa metaheterodoxa travada por Marx e Keynes, entre outros algo menos cotados; economia e sociedade são um caldo de cultura que resulta da mesma moenda do capital, da acumulação sem sentido, o que não é um problema, mas fundamento, da economia padrão.
    "O Capital e suas Metamorfoses" pode ser lido como uma série de razões que desmontam argumentos vulgares sobre as origens e desenvolvimento da crise de 2008: imoralidade dos financistas, mero defeito da regulação da economia, "desvirtuamento" da economia de mercado ou "descolamento" da "valorização fictícia dos estoques de riqueza em relação à geração de valor na esfera produtiva".
    Nos ensaios, Belluzzo reapresenta a maquinaria conceitual de "O Capital" de Marx, em diálogo com problemas atuais e com autores da tradição "ortodoxa" e "heterodoxa" da economia, em especial com Keynes. Belluzzo procura mostrar congruências entre as ideias do comunista e do "fundador" da macroeconomia (Keynes) a respeito de finanças, crédito e investimento.
    Por fim, note-se uma última coincidência essencial nos oceanos de diferenças entre Resende e Belluzzo, ou pelo menos um grande farol de suas preocupações: a ruína política no capitalismo plenamente desenvolvido ou esgotado, a depender dos autores.
    Na visão de Belluzzo, estamos vivendo uma situação histórica em que "a ação do Estado é vista como contraproducente pelos bem-sucedidos e integrados, mas como insuficiente pelos desmobilizados e desprotegidos. Essas duas percepções convergem na direção da deslegitimização' do poder administrativo e na desvalorização da política".
    Resende não é um adepto "sem mais" do capitalismo, que cria desigualdades e exclusão (no entanto mencionadas de passagem) e promove valores (privatização excessiva da vida, consumismo etc) ora incompatíveis com a valorização da vida pública e da política, os meios de dar conta das mazelas da economia de mercado.
    Mas o que seria essa revalorização da vida pública? O "projeto" é tornar compatível o mundo "globalizado" com a valorização das comunidades locais, aproximar homens públicos de sua comunidades, conter de modo drástico a influência da publicidade e do marketing sobre a vida pública, influência já bastante deletéria na promoção do consumismo.

      A capelinha de Manuelzão - Fernando Granato

      folha de são paulo
      ARQUIVO ABERTO
      MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
      A capelinha de Manuelzão
      Andrequicé, 1995
      FERNANDO GRANATOA estrada era esburacada. O ar seco, típico do sertão, provocava grande poeira. Estávamos eu e o fotógrafo Walter Firmo num carro alugado, rumo às ruínas de uma antiga capelinha, erguida na fazenda chamada Baixio da Sirga (interior de Minas) a pelo guia que nos acompanhava: Manuel Nardi, o Manuelzão, imortalizado na obra de João Guimarães Rosa.
      No conto "Uma Estória de Amor", depois publicado no volume "Manuelzão e Miguilim" (1964), Rosa descreve a saga da construção dessa igrejinha que procurávamos naquele junho de 1995. Trabalhando como um repórter, o escritor mineiro, já projetado pelo sucesso de seu primeiro livro, "Sagarana" (1946), resolveu seguir uma boiada em maio de 1952.
      E o fez nas imediações de sua cidade natal, Cordisburgo, para depois escrever com mais propriedade seu "Grande Sertão: Veredas" (1956). Nos dias que passou na companhia dos boiadeiros, entre eles Manuelzão, o escritor ainda coletou material para outros textos.
      "O João Rosa perguntava de tudo", relatou Manuelzão. "E ficou impressionado quando eu contei que tinha construído a capelinha para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro a pedido de minha mãe. Sempre tive preguiça de padre, mas pedido de mãe a gente atende."
      O velho lembrou ainda que Rosa carregava uma caderneta pendurada no pescoço por uma cordinha, para manter as duas mãos firmes nas rédeas. "Nela, tudo ele escrevia", contou. "O nome das plantas, como era o canto dum passarinho, as conversas da gente."
      Conforme o carro avançava em meio à vasta plantação de eucaliptos que havia tomado conta do sertão, Manuelzão, sentado na frente, ia narrando com sua voz rouca peculiaridades daquele maio de 1952: "O João Rosa inventou alguma coisa. Mas manteve o principal do que viu e da história que contei para ele. Só trocou alguns nomes".
      Firmo e eu buscávamos detalhes da aventura que Guimarães Rosa havia vivido entre os boiadeiros, alimento para a sua obra maior. Com a cópia das cadernetas do escritor nas mãos, o objetivo era seguir as mesmas trilhas que ele tinha percorrido 43 anos antes.
      O sertão não era mais o mesmo. "Acabou tudo que é vivente", comentou Manuelzão. "Onde tem eucalipto não fica nem urubu."
      Além do eucalipto, carvoarias se espalhavam pela região, no centro de Minas Gerais, para abastecer as siderúrgicas produtoras de ferro-gusa. E os vaqueiros, que antes percorriam aquelas empoeiradas estradas com seus melancólicos aboios, viraram carvoeiros. "Agora boi só viaja de caminhão por essas paragens", explicou.
      Chegamos ao local da antiga capelinha. O mato subia alto. Sobraram apenas as madeiras da estrutura externa, já apodrecidas pelo tempo. Ao lado, quatro túmulos de um pequeno cemitério sertanejo, entre eles o da mãe de Manuelzão.
      Como disse o escritor, "um cemiteriozinho, razoável, cercado de aroeiras, moirões que podiam durar sem acaba, e coberto pelo capim duro do cerrado, no qual, no raiar das madrugadas, o orvalho é azul e mata a sede".
      Enquanto caminhávamos pelo que sobrou, avistando ao longe o São Francisco, com suas águas turvas, Manuelzão resmungou baixinho, curvado sobre o túmulo da mãe: "A gente tá na vida emprestado. Deus chama quando ele quer".
      Manuelzão morreu dois anos depois desse nosso encontro, aos 92 anos. Na casinha em que viveu em Andrequicé, pequeno vilarejo próximo à Sirga, foi erguido um memorial em sua homenagem.
      Nele há fotos, utensílios, coleção de canivetes, sela e a enorme capa de boiadeiro --a fiel e inseparável companheira. Tudo reunido pela mulher dele, dona Didi, já que o personagem de Guimarães Rosa não guardava nada.
      "Por mim punha fogo em tudo isso", disfarçou ele, na época da nossa conversa. Que nada --Manuelzão bem que gostava da fama conquistada na literatura.

        Um homem sentado em frente ao mar de Ipanema - ADRIANO CALCANHOTTO

        O GLOBO - 25/08/2013

        Ele terá que sair alguma hora ou pelo menos se mexer, e aí ela estaria salva, livre pra sair também, finge que acredita


        Um homem sentado em frente ao mar de Ipanema, meia-noite e vinte, por aí, vestido de preto. De costas para Ipanema, olha o mar. Absorto no que quer que seja, esquece que tem costas, que existe dos olhos para trás, diante do que vê. Não teria como saber se é observado, por uma mulher no sétimo andar de uma varanda de frente para o mar. Mas ela está lá, seus olhos foram fisgados pelo homem de preto sentado na areia de frente para o mar. Feliz, infeliz, agradecido, traído, desenganado?

        O mar avança na direção dele, que está imóvel, e ela, no sétimo andar, também. Parou o que estava fazendo, foi dar uma espiada no mar e deparou–se com o homem de costas, e deparou-se com essas perguntas inúteis sobre o que teria levado aquele homem a estar sentado ali na praia de madrugada. Estando sozinho poderá estar feliz?

        A mulher tem muito que fazer e sabe disso, mas é difícil sair dali. Fica só mais um pouquinho e vai fazer o que precisa, mas no caminho pega uma maçã na mesa de centro e aí volta à varanda. À direita as luzes brilham no Vidigal. O mar não se faz de rogado. Ela não consegue, continua na varanda quando já devia estar dormindo, tem compromisso de manhã cedinho. E deveria fazer o que tem de fazer logo, sem ficar protelando assim, vigiando a praia e seus frequentadores noturnos e sozinhos.

        Com ele a única coisa que acontece é ter os cabelos mais ouriçados pelo vento. Continua na mesma posição, que não indica se está pedindo alguma coisa. Ou pedindo alguma coisa de volta. Ou mais uma vez. Se está agradecendo. Se está tomando coragem para entrar mar adentro sem olhar pra trás. Veio dar um mergulho, mas não imaginava que estivesse frio? Todo de preto, terá um velho calção de banho por baixo da roupa escura feito um céu de madrugada? Ou vestiu-se de preto para vir tomar um banho de mar gelado, vestido?

        Ela sabe que não pode continuar ali, mas como sair sem que ele saia antes? Quem sabe quando levante tenha um ar decidido, ou saia trôpego e cambaleante, que é como se sente diante de tantos problemas e quando lembra do pai severo e ríspido, ou talvez se desequilibre e caia de bunda na areia tendo que se sacudir todo feito um cachorro molhado.

        O tempo dela está esgotado, mas não pode pensar em outra coisa. “Saia daí, criatura”, pensa ela, sem saber se fala com ele ou consigo mesma. Ele terá que sair alguma hora ou pelo menos se mexer, e aí ela estaria salva, livre pra sair também, finge que acredita. Sabe que, enquanto ele não sumir do seu campo de visão, não vai conseguir fazer o que precisa, urgentemente, fazer. Ou ir pra cama logo, agora, descansar, para acordar ainda mais cedo amanhã e fazer o que não consegue fazer hoje, mas deveria. Está paralisada na varanda para o mar de Ipanema, embutida em um roupão de hotel, com uma maçã esquecida há horas na mão direita. À esquerda, as pedras do Arpoador, contra as quais o mar se bate como se não houvesse amanhã.

        Os cabelos do homem e as folhas dos coqueiros se movem para a esquerda. Até os cabelos dela no sétimo andar esvoaçam com o sudoeste nervosinho. Pelo calçadão passa um casal, um apoiado no outro, ele leva uma garrafa de champanhe na mão, ela os sapatos de salto. Frouxos de rir, balançam mas não caem, doce balanço caminho do mar, ele apoiado nela que está apoiada nele, às gargalhadas. Ela não parece que vai desperdiçar um mergulho no mar com seu vestido de paetê curto demais, ele já tem o paletó no braço, a cada passo dela o vestido sobe mais.

        O homem de preto agora... cadê? A mulher no sétimo andar do hotel perdeu o homem de preto, ele saiu sem avisar, será que um amigo veio buscá-lo? Será que tem amigos? Ou levantou e seguiu mesmo em frente sem olhar pra trás? Ela está livre, mas quem disse que queria estar? Como pode perder assim o homem distraída com um vestidinho mal cortado? Está livre, agora, sim, mas para quê? Dormir para conseguir ficar de pé durante o dia de amanhã, que vai ser duro, e assim perder ao invés de ganhar uma noite de lua de frente para as Cagarras, ou fazer o que precisa fazer. Está exausta, acabou de fazer um show solo no terraço do hotel, logo acima da sua varanda. Escolhe sentar-se, abrir o laptop e escrever a crônica para o jornal de domingo, ufa.

        Na crônica ela não consegue escrever nada além de:

        O que você vai ser quando crescer? - MARTHA MEDEIROS

        ZERO HORA - 25/08/2013


        Numa sociedade competitiva como a de hoje, não é de estranhar que o fator mais importante da vida seja o trabalho. Ele consome nosso tempo e nossas preocupações: temos que ganhar dinheiro, temos que ser os melhores, temos que superar a concorrência e só então... Só então o quê? Morrer?

        Crianças mal atingem os cinco anos e já começam a ser sabatinadas sobre o futuro: “O que você vai ser quando crescer?”. E as coitadinhas entram no jogo. Em vez de responderem que pretendem ser surfistas, caroneiras, participantes de um coro ou defensoras da natureza, respondem com a primeira profissão que lhes vêm à cabeça: veterinário, professor, bombeiro. Na verdade, elas não têm a menor ideia do que querem ser – nem os vestibulandos têm – mas já intuem que sua identidade estará atrelada ao que fizerem para se sustentar.

        Tanto isso é verdade que os anjinhos crescem, estudam, começam a trabalhar e um dia estão numa festa e são apresentados a alguém. Trocam um aperto de mãos e a primeira pergunta entre os dois desconhecidos será: “O que você faz?”.

        E não se ouvirá como resposta “eu levo meus filhos ao estádio, eu participo de rallys aos domingos, eu sou campeão em palavras-cruzadas, eu saio com meu cachorro todo final de tarde, eu vou ao cinema às quintas-feiras, eu namoro a mulher mais incrível do mundo, eu corro maratonas”.

        Você responderá que é professor, veterinário, bombeiro. Ou vão achar que você não tem uma vida.

        Mas você também. Só que ela ocupa um lugar muito menor do que deveria na sua lista de prioridades. Você passa um terço do dia trabalhando, e outro terço pensando na reunião de amanhã cedo, nas tarefas que ainda não foram concluídas, no cliente que está ameaçando deixar a empresa, no funcionário que não está correspondendo. No terceiro terço você dorme. Mal.

        Quem está viciado nesse esquema pode encontrar dificuldade em relaxar. Mas para quem está entrando agora no mercado de trabalho, vale adotar desde cedo uma postura mais equilibrada entre vida pessoal e profissional, começando por repensar essa questão da identidade: você não é o que você faz para ganhar dinheiro, você é o que você faz para ser feliz. As horas de lazer também são produtivas, uma vez que elas abastecem nossa imaginação, sonhos, ideias, reflexões, e sem isso, aí é que não se cria identidade alguma, viramos apenas um número a mais nas estatísticas de mão-de-obra.

        Não sei o que o Brasil pretende ser quando crescer, mas tomara que ele cresça com pessoas que, ao chegarem perto da morte, não tenham tantos arrependimentos pelo que deixaram de fazer quando ainda tinham tempo para fazê-las.

        Marcelo Leite

        folha de são paulo

        Simples monarcas


         
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        Todos os anos, algo entre 60 milhões e 1 bilhão de borboletas monarcas (Danaus plexippus) migra de Ontário (Canadá), para Michoacán (México). Uma jornada de 3.500 km, que dura até dois meses. Podem ser necessárias quatro gerações para chegar ao destino final.
        As monarcas deixam o Canadá no outono do hemisfério Norte, quando o frio aperta. Partem atrás de temperaturas mais estáveis, que não caiam abaixo de 0°C, no planalto central do México. Para recebê-las, e aos milhares de turistas que atraem, existe a Reserva da Biosfera Borboleta Monarca ("mariposa monarca", em espanhol).
        Na primavera, elas fazem a viagem de volta. Alguns desses insetos, que pesam 1 g, foram rastreados. Descobriu-se que vários retornam para as mesmas árvores de que haviam partido seus antepassados.
        Essa pequena maravilha da natureza serviu de mote para um bom romance sobre a mudança global do clima: "Flight Behavior" (comportamento de fuga, ou de voo), da americana Barbara Kingsolver --uma resenha sobre ela se encontra hoje no caderno "Ilustríssima".
        Como tantas migrações periódicas (pássaros, baleias, tartarugas marinhas), a das monarcas intriga os humanos. Como é possível que seres tão menos aparelhados do que nós consigam ser tão precisos, tendo apenas o instinto por guia?
        Por algum tempo, acreditou-se que as monarcas tinham uma espécie de mapa gravado nos genes (embora ninguém tenha sido capaz de imaginar como se pode inscrever um mapa numa sequência de DNA). Bastaria seguir os grandes marcos da paisagem nele registrados para orientar o voo e achar o rumo certo.
        Parece que a coisa é bem mais simples. Henrik Mouritsen, um dinamarquês que faz pesquisa na Universidade de Oldenburg (Alemanha), teve a ideia maliciosa de deslocar um grupo de borboletas 2.500 km para oeste, de Ontário para Alberta, e depois soltá-las para voar.
        Mouritsen verificou que as monarcas transferidas jamais alcançariam as montanhas de Michoacán. Elas não se davam ao trabalho de fazer ajustes na longa rota. Simplesmente continuavam a voar para o sudoeste, como se o México tivesse sido transferido 2.500 km para oeste, como elas.
        Tudo indica que a única programação inscrita em seus minúsculos sistemas nervosos manda rumar para o sudoeste quando começa a fazer frio. O resto fica por conta de um funil geográfico, concluiu o dinamarquês em artigo na revista "PNAS". Sua teoria é tão elegante quanto a navegação lepidóptera.
        "É bem esperto: as borboletas não gostam de voar sobre água ou sobre montanhas", explica Mouritsen. "Isso quer dizer que, enquanto sua direção estiver correta --isto é, sudoeste no outono-- elas vão seguir ou a Costa Leste dos EUA ou as Montanhas Rochosas [a oeste] até atingir seu destino invernal nas montanhas Transmexicanas, que atravessam todo o México."
        Para dar apoio empírico à explicação, Mouritsen precisava provar que as monarcas voam sempre para sudoeste no outono. Buscou a ajuda do canadense Barrie Frost, da Universidade Queens, que inventou um simulador de voo sob medida para as monarcas.
        Sim, elas voam só para sudoeste.
        O leitor pode achar uma grande bobagem essa história de ficar medindo voo de borboleta. Por sorte ainda há quem ache isso bonito.
        marcelo leite
        MARCELO LEITE é repórter especial da Folha, autor dos livros "Folha Explica Darwin" (Publifolha) e "Ciência - Use com Cuidado" (Unicamp). Escreve aos domingos.

        AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Hora de reler Camus‏


        Estado de Minas: 25/08/2013 


        Pena que não guardei aquele trabalho de estágio sobre A peste, de Albert Camus! Não que fosse algo a ser salvo, mas poderia voltar aos tempos em que a Faculdade de Filosofia funcionava nos três últimos andares do Edifício Acaiaca. Veria as anotações do monsieur Sonal e meu esforço para apreender o pensamento do escritor. Camus havia morrido uns dois anos antes, em 1960, num desastre de carro. Encontram no seu bolso um bilhete de trem para Paris. Misteriosamente, ele decidiu, no último momento, viajar de carro com seu editor, Michel Gallimard. Ambos morreram ali, em Villabrevin, quando o pneu estourou e foram jogados contra uma árvore.

        Agora celebra-se o centenário de Albert Camus. Não apenas volto às aulas de francês, e, lembrando-me de Consuelo, Melânia, Ruth, Marcos, Heloísa e Ana Maria, vou me indagando: où sont les neiges d’antam? Regressando ao passado (que não passa e sempre me trespassa), vejo-me, de repente, diante da sepultura de Camus, em Lourmarin.

        Deu-se que em 1981 fui residir em Aix-en-Provence para lecionar literatura brasileira. Num fim de semana, saí com a família vadiando de carro pelas estradas da Provence. Foi um momento de perfeição, como só se vê em filmes americanos. E passamos por Fontaine-de-Vaucluse, onde viveu Petrarca. (Não é todo dia que alguém que cresceu em Juiz de Fora pode andar onde andou Petrarca. Há que parar e beijar o chão. Coisas maravilhosas e imprevistas têm acontecido na minha vida. Num poema, até anotei que dormi no mesmo castelo de Gargonza onde Dante se abrigou, fugindo dos gibelinos.)

        O carro ia serenamente por aquelas estradas, quando, na região de Luberon, vi o aviso de que era por ali o castelo onde viveu o Marquês de Sade. Claro que fomos ao castelo. Mas uma coisa chamou a minha atenção de antigo aluno de letras neolatinas: em algum lugar, vi um sinal de que em Lourmarin estava a sepultura de Albert Camus.

        Não se pode evitar a morte, mas podem-se visitar alguns sepulcros enquanto é tempo. Então, tomei a direção de cemitério de Lourmarin. Esperava encontrar uma sepultura portentosa, afinal Camus havia ganhado o Prêmio Nobel e dividia com Sartre as honras de ser um filosófo imprescindível. Seu ensaio O mito de Sísifo, sobre o absurdo que tem que ser combatido com o próprio absurdo, é leitura sempre recomendável.

        Pois chego lá e encontro uma sepultura pobrinha, largada, quase miserável. Devo ter alguma fotografia desse não evento. Até as filhas ficaram decepcionadas. Mas dei por cumprida minha missão.

        Agora é centenário de Albert Camus. A imprensa brasileira ainda não descobriu isso, mas na França as comemorações já começaram. O ex-presidente Sarkosy tentou até levar os restos de Camus para o Pantheon, em Paris. (Na França, literatura é uma religião, e os escritores são santos.) Mas a tumba de Camus continua lá na cidade que ele escolheu para viver.

        Se ele contemplou aquela natureza repousante apenas por dois anos, ali, em Lourmarin, fizeram uma exposição comemorativa que contrasta com a pobreza de sua sepultura. Edições de luxo de suas obras, os livros que dedicou aos colegas escritores, sua vida rediviva.

        Camus viveu as turbulências de seu século: foi comunista e anticomunista, nasceu na Argélia, mas defendeu a política do governo francês, viveu a ocupação alemã da França e era pacifista. Casou-se duas vezes e achava o casamento antinatural. Ator de teatro, jogador de futebol, tinha aquela pose de Humphrey Bogart.

        Façam o seguinte: leiam A peste, estória da cidade vítima de uma enfermidade devastadora, e vejam o que seus habitantes faziam para enfrentar essa calamidade.

        Nem sempre a “peste” é tão visível. Cada época tem a “peste”que merece.


        >>  www.affonsors@uol.com.br

        Tv Paga


        Estado de Minas: 25/08/2013 


         (Fox/Divulgação)

        Novidade na tela da Fox Life: estreia hoje, às 23h, a série Pais e filhos do mundo dos esportes. O primeiro episódio apresenta os casos de Sharon Toups, que investe US$ 15 mil por ano em sua filha Sarah (foto) para torná-la campeã nacional de líderes de torcida, e Karen McGuiness, cujo oneroso divórcio pode provocar a perda do cavalo de US$ 40 mil de sua filha Karli e ameaça sua carreira como amazona.

        Num só take
        A série 125 anos de National Geographic reservou para hoje, às 18h30, o documentário Construindo o planeta Terra, que usa imagens em computação gráfica com grande realismo para levar o assinante a uma jornada pelo tempo, desde o violento nascimento do planeta há 4,5 bilhões de anos, passando pelas eras do gelo, erupções vulcânicas e reinado dos dinossauros, até o surgimento dos primeiros seres humanos.

        Memória viva
        Programa Damas da TV vai contar a história da novela


        Parte do grupo de atrizes prestigiou a festa de lançamento da série (Mariana Vianna/VIVA)
        Parte do grupo de atrizes prestigiou a festa de lançamento da série

        Há quem o rejeite, enquanto outros o veem como uma homenagem por uma carreira de glórias e êxitos. Independentemente das preferências pessoais, o termo Damas da TV atravessa gerações, indicando nomes que ganharam respeito e admiração nos 50 anos de novela diária no Brasil. Um grupo de 23 atrizes desse gabarito está em um especial homônimo, que o canal Viva começa a exibir quarta-feira, às 21h.

        “O público vai conhecer a história da televisão por meio desses ícones da teledramaturgia brasileira. Afinal, a maioria das entrevistadas começou a carreira com a novela diária no Brasil”, revela Leticia Muhana, diretora do Viva, fazendo referência à primeira novela exibida diariamente: 2-5499 ocupado, de Dulce Santucci, que estreou em 22 de julho de 1963, na extinta TV Excelsior.

        A protagonista desse marco no país, Glória Menezes, é uma das eleitas pelo idealizador e produtor Hermes Frederico para falar sobre seu trabalho em Damas da TV. Além da mulher de Tarcísio Meira, Fernanda Montenegro, Regina Duarte, Marieta Severo, Marília Pêra e Eva Wilma, todas elas com pelo menos 40 anos de carreira, revelam casos e relembram os bastidores de seus trabalhos. As entrevistas são intercaladas com imagens de cenas e fotos de acervo, em formato de documentário biográfico.

        “É prazeroso viajar no tempo, afinal a tarefa de relembrar tem muita força. Sendo assim, posso dizer que foi divertido participar do programa e resgatar histórias, personagens, dificuldades e prazeres dos primeiros aprendizados. Foram tempos de desafios e conquistas importantes”, diz Regina Duarte sobre sua participação. Ainda de acordo com a atriz, o título de “dama” não a incomoda. “Pensando bem, na verdade, não é mesmo o que somos? Pioneiras e desbravadoras, inventando, nos anos 1950, 1960 e 1970, um jeito de vivenciar com dignidade uma profissão que, até pouco tempo atrás, não era regulamentada”, questiona.

        Na opinião de Hermes Frederico, o termo é “um respeito pelo trabalho, pela carreira, pelo tempo e pela dignidade profissional”. Após realizar com o GNT a série Grandes damas, que homenageava atrizes de teatro, o produtor teve vontade de realizar uma nova empreitada. “Eu tinha cinco anos quando vi 2-5499 ocupado e a comoção foi total. Nesses anos, quase todas as principais atrizes estão ainda trabalhando. Daí, com os 50 anos da telenovela diária, tive a ideia de fazer o programa.”

        Ao todo, são 22 episódios de 25 minutos cada e dirigidos por Bernardo Portugal. As conversas com as atrizes giram em torno de memórias, tanto profissionais quanto afetivas, que cada uma delas tem de seus respectivos trabalhos.


        Enlatados


        Fênix puro - sangue

        Exibido domingo passado, o episódio final da sexta temporada de True blood deu o que falar por causa da menor cena, aquela em que Eric (Alexander Skarsgärd) morre queimado quando está lendo, completamente nu, um jornal no meio do gelo sueco. “Como assim?”, muitos se perguntaram,
        até porque Eric foi o grande personagem deste ano. Pois Brian Buckner, chefão de True blood, afirmou
        que o vampiro volta na próxima temporada. Outro anúncio foi de que o romance sem graça de Sookie (Anna Paquin) e o lobisomem Alcide (Joe Manganiello) vai render. E Bill (Stephen Moyer) terá um recomeço. Vamos ver como a série se vira em 2014, pois aquela cena final, à la Walking dead, não convenceu ninguém.

        Intriga –Produzida nos últimos anos e cancelada em junho, a série Os Bórgias chega ao Netflix na próxima semana.
        A partir de 1º de setembro as duas primeiras temporadas estarão disponíveis. Estrelada por Jeremy Irons e dirigida por Neil Jordan, Os Bórgias mostra o jogo de intrigas e disputas na Itália renascentista a partir do momento em que o patriarca Rodrigo Bórgia é nomeado papa.

        Músculos – Rambo, quem diria, vai ganhar sobrevida na TV. Uma produtora canadense está desenvolvendo projeto
        de série com o personagem eternizado por Sylvester Stallone. Se confirmada, será a segunda vez que Rambo será visto numa série – nos anos 1980, houve uma versão em animação. No cinema, o personagem estrelou quatro filmes. A ideia é que Stallone seja consultor do projeto.

        Perdeu o bonde –Uma das séries mais badaladas do momento, Breaking bad estreou, há duas semanas, a segunda
        e última parte da quinta temporada. Nos Estados Unidos! Por aqui, o AXN, supera atrasado, anunciou para 4 de outubro a estreia dessa mesma temporada. Só que, como foi dividida em duas partes, o que chegará ao país daqui há quase dois meses já foi exibido lá fora um ano atrás. Vá entender! 

        Aqui se faz, aqui se vê [Cine Holliúdy] - Carolina Braga

        Cine Holliúdy, comédia falada em "cearensês", dirigida por Halder Gomes, tem estreia vitoriosa em Fortaleza e nova estratégia de lançamento de olho no público local 


        Carolina Braga

        Estado de Minas: 25/08/2013 


        O diretor Halder Gomes levou para Cine Holliúdy , com Edmilson Filho, suas memórias de criança sobre   o cinema no interior do Ceará (Downtown Filmes/Divulgação)
        O diretor Halder Gomes levou para Cine Holliúdy , com Edmilson Filho, suas memórias de criança sobre o cinema no interior do Ceará

        Pense em um lugarzinho longe. Agora imagine um cabra da peste e, logo, uma aventura “estrambólica”: o desafio do cara que enfrenta sozinho a televisão. Na ficção, esse é Francisgleydisson. Na realidade, também é mais ou menos assim a saga de Halder Gomes, seu criador. Desde que a comédia Cine Holliúdy, dirigida por ele, chegou às salas de Fortaleza e região, o filme bagunçou a lógica de distribuição de cinema no Brasil.

        “É como se tivesse me tornado um popstar, mas sem ser. Era um filme pequeno que tomou a dimensão de uma coisa mega”, reconhece o cineasta. Nos dois primeiros fins de semana em cartaz, Cine Holliúdy levou aos cinemas cerca de 80 mil espectadores. Os números, como ele gosta de dizer, inauguraram novas curvas no mercado.

        Foram apenas nove cópias em cartaz em Fortaleza e com elas alcançou o feito de ter uma média de público de 2.998 espectadores por sala. Como parâmetro, Halder cita o caso de Tropa de elite 2, que ainda é o filme nacional com uma das maiores aberturas (público de 1.309.324), porém dono da média de 1,8 mil pessoas por sala.

        “Nosso número é tão fora da curva que não existe nos padrões do mercado”, ressalta. Há mais curiosidades. De acordo com o realizador, depois da estreia o padrão é que o público caia. “Subimos 60% na comparação de uma semana com a outra. Chegou ao ponto de alguns cinemas colocarem placas no estacionamento com o aviso sobre as sessões esgotadas”, conta.

        Tudo isso, no entanto, não foi novidade para ele. Halder já sabia do potencial do longa desde que finalizou o curta O artista contra o cabra do mal, considerado um recorte do que Cine Holliúdy se tornou. O “experimento” foi exibido em 80 festivais, de 20 países, além de ter conquistado 42 prêmios. Quando foi para as locadoras cearenses, outro susto. “Ele simplesmente bateu todos os grandes filmes da época. Até ganhadores de Oscar”, conta Halder. Ou seja, a plateia estava formada.

        “Já tinha noção de que esse tipo de humor e esse personagem eram muito fortes”, diz. Porém, nem tudo foi tão fácil como parece. Cine Holliúdy foi feito com apoio do edital de filmes de baixo orçamento do Ministério da Cultura. O longa custou apenas R$ 1 milhão, o que é relativamente pouco para os padrões do cinema brasileiro. Depois que ficou pronto, Halder chegou a tentar o caminho tradicional dos festivais, mas deu com muitas portas na cara. Passou então a lutar com as próprias armas. O maior trunfo? Conhecer muito bem seu público.

        Halder Gomes define Cine Holliúdy como um filme pessoal. Para começar, é o primeiro exemplar nacional totalmente falado em “cearensês”, legendado em português. O esforço de Francisgleydisson (papel de Edmilson Filho) em manter em funcionamento o cinema no interior do Ceará pode ser confundido com a história do realizador. “É a memória da minha infância no interior”, diz. Até a questão da luta livre – presente na trama – é ponto em comum entre criador e criatura.

        Luta e guerrilha Mestre em tae-kwon-do, Gomes costumava ir a Los Angeles para competir na década de 1990. Com os filmes de artes marciais em alta, percebeu que poderia juntar as duas paixões. Se tornou dublê profissional em Hollywood, tendo trabalhado em longas como Jogo final, com Dragon Wilson. “Foi lá que aprendi que cinema é mais administração do que qualquer outra coisa”, afirma. Por coincidência era justamente essa a formação acadêmica do lutador.

        Na tarefa de transformar o conhecimento acadêmico em prática, Halder planejou absolutamente tudo. “Nada disso está acontecendo de forma aleatória”, lembra. Aquele velho ditado de que o boi só engorda com o olho do dono também se aplica aqui. Meses antes da estreia, Halder visitou pessoalmente cada uma das salas que exibiriam seu trabalho.

        Em shoppings e outros pontos estratégicos de Fortaleza espalhou glossários em “cearensês”. O inusitado chamou a atenção de nativos e turistas. “Todo mundo parava para ver. Coloquei também o código para que as pessoas pudessem ver o trailer no celular. São ações de guerrilha que a gente acaba criando para disputar em um mercado que é muito competitivo.”

        Partida ganha em casa, hora de jogar em outros campos. Em 30 de agosto, Cine Holliúdy estreia em Manaus, Belém, São Luís, Maceió, Natal, Salvador, Recife, João Pessoa, Campina Grande, Aracaju e Teresina. “Em 3 de setembro vamos sentar para definir os próximos passos. Esse lançamento é um laboratório para a gente. Tudo tem sido bem estratégico, com investimentos graduais. Vamos definindo um novo modelo”, reconhece.


        Menos, menos

        Até Chaplin já apareceu na onda de Cine Holliúdy. Obra de Fernando Meirelles. Adepto das frases de efeito no Twitter, o diretor de Cidade de Deus usou os 140 caracteres para atestar a força da criação do cearense Halder Gomes. “A última sequência do filme, onde ele conta para a plateia, é antológica. Chaplin ficaria de boca aberta”, publicou Meirelles.
        Minas e Sul apostam em público regional
        Publicação: 25/08/2013 04:00
        Helvécio Ratton planeja ação especial em Minas para lançamento de seu O segredo dos diamantes (Estevam Avellar/Divulgação)
        Helvécio Ratton planeja ação especial em Minas para lançamento de seu O segredo dos diamantes

        Prestes a lançar O segredo dos diamantes, o mineiro Helvécio Ratton vê com bons olhos a estratégia adotada por Halder Gomes em Fortaleza. “É uma inteligência fazer uma distribuição não automática, menos rotineira, e assim perceber a força desses filmes”, comenta. Como o diretor do documentário O mineiro e o queijo lembra, a diversidade regional do Brasil é tão grande que as diferenças sempre estiveram marcadas na música e na literatura.

        Sendo também um produto cultural, com os filmes não deveria funcionar de outro modo. No entanto, estratégias convencionais das empresas distribuidoras costumam desprezar as características que podem funcionar bem em alguns lugares e muito mal em outros. “Nossos filmes, por exemplo, têm uma distribuição nacional, mas obviamente têm força regional muito maior. O distribuidor não percebe isso porque não lida com essa questão”, acrescenta Ratton.

        É o que pretende fazer a produtora gaúcha Marta Machado. Ela planeja para dezembro o lançamento no circuito comercial da animação Até que a Sbórnia nos separe, de Otto Guerra. Como o filme é baseado no espetáculo teatral Tangos & Tragédias, há anos em cartaz no Rio Grande do Sul, a estratégia é aproveitar o apelo local da peça – e espera-se do filme também –, antes de almejar outros mercados.

        “Não é exatamente uma estratégia nova, mas costuma estar renegada para terceiro, quarto, quinto planos das distribuidoras, até por uma questão de contexto. Por causa da pirataria, a tendência é lançar em mais lugares de uma vez”, explica Marta. A ideia é investir cerca de R$ 300 mil no lançamento da animação em 20 salas gaúchas, em Porto Alegre e onde mais houver cinemas no interior. É o lucro que vier disso que vai determinar o lançamento em outras praças.

        Embora ainda em planejamento, segundo Helvécio Ratton, a estreia de O segredo dos diamantes também levará em conta os elementos mineiros presentes na produção. “O filme é universal, mas obviamente tem Minas Gerais como cenário, os atores são mineiros e é parte de nossa história. Em função desse potencial, devemos ter uma ação muito forte aqui”, adianta.

        EDUARDO ALMEIDA REIS-Massa polar‏

        Todas estas pessoas de pele clara que estão beirando os 100 jamais ouviram falar de filtros solares ou de alimentos 'orgânicos' 


        Estado de minas: 25/08/2013 


        Seis da manhã, luz acesa, camiseta, outra camiseta por cima, suéter de cachemira e mangas compridas, casaco de lã, cueca, calça, botina, penteio o cabelo e philosopho: o frio contraria a natureza. Portanto, quem gosta de frio vai de encontro à natureza.

        Nascemos para viver nus ou com um pingo de roupa que nos proteja dos pernilongos, das formigas, das plantas espinhentas e do Sol, para poupar-nos dos abomináveis filtros solares. Suponho que sejam abomináveis mesmo sem os ter visto de perto; são novidade. Todas estas pessoas de pele clara que estão beirando os 100 jamais ouviram falar de filtros solares ou de alimentos “orgânicos”.

        Não é possível acreditar que quatro ou cinco roupas superpostas sejam normais. Se o evolucionismo nos quisesse adaptados para o frio teríamos corpos peludos e grossas camadas de gordura. É verdade que as senhoras das nossas “comunidades”, nas quais, não raro, há ladeiras íngremes para subir a pé, estão cada vez mais gordas. Devem sofrer o diabo nos dias quentes.

        No frio razoável de 2011, poderoso industrial belo-horizontino, criado no clima civilizado de Rio Pardo de Minas, foi visitar os netos em Curitiba e passou quatro dias sem tomar banho. Imagino que em 2013 muita gente ilustre tenha ficado sem banhos na capital paranaense. Ainda que a água do chuveiro seja realmente quente, o que nem sempre é verdade, a vítima tira meias, sapatos, calças, agasalhos e sofre o diabo antes de entrar no boxe.

        Roupa demais contraria a natureza, a começar pela multiplicação da espécie, ato que implica nudez total. Que tal: gostaram da regência de aplicar? Quem escreve “implica em” não é implicante, é ignorante. E faz sucesso em certas esplanadas cercadas de uma porção de prédios iguais.

        Manias

        Dia desses escrevi sobre as manias cíclicas da sociedade brasileira e lhes contei dos horríveis copos feitos com garrafas de cerveja. Naqueles dias tivemos a morte do sanfoneiro Dominguinhos e me lembrei da onda sanfonista que tomou conta do Rio, só que o instrumento de palheta com fole, teclado e botões que produzem acordes, atendia pelo nome de acordeom ou acordeão. Nunca vi senhora de nossa melhor sociedade estudando sanfona: todas estudavam acordeom, do alemão Akkordion, nome dado por Cyrril Demian quando patenteou o instrumento de 1829.

        Muitas senhoras traziam estudos de piano e começaram a tocar com facilidade, enquanto outras, por puro diletantismo, passaram a dar aulas gratuitas pensando transformar os jovens da periferia em sanfoneiros, perdão, acordeonistas.

        Soube de um caso e conheci os personagens: portanto, conto o que vi e ouvi. Uma socialite começou a dar aulas gratuitas a um menino de 8 anos, de família modesta, sempre acompanhado pela mãe, que talvez tivesse uns 30 aninhos. Pois muito bem: nos intervalos das lições, a mãe sacava os peitos da blusa para o menino mamar. E ele, na maior felicidade: “Gosto de mamar na mica da mamãe”. Mica pode ser “pequena quantidade de algo, bocado, migalha” – mas as tetas da brasileira eram generosas como observei enquanto seu filho mamava gostosa e abundantemente.

        Maluquices

        No estado do Rio fui vizinho de fazenda de um médico muito conhecido, especialista em cirurgias delicadas. Digo vizinho, porque as fazendas eram próximas. Contudo, as estradas de acesso eram diferentes e não o conheci pessoalmente, mas tinha notícia de suas estripulias regionais, como por exemplo: gostava de andar a cavalo vestido de caubói com dois revólveres, de verdade, nos coldres da cintura. Revólveres de canos compridos, daqueles de caubói. E isso no interior do estado do Rio, década de 1970.

        O Brasil tem figuras admiráveis. Veja-se o cavalheiro (ou a dama?) que mandou fechar todas as escolas e repartições públicas de uma área imensa, no Centro da cidade do Rio, além de interditar as ruas ao trânsito de veículos, na tarde de quinta-feira, 20 de junho de 2013. Motivo: jogo de futebol entre as seleções da Espanha e do Taiti. Os reservas espanhóis e os titulares taitianos.

        O mundo é uma bola

        25 de agosto de 1609: Galileu Galilei apresentava ao mundo o telescópio, sua mais nova invenção e um dos mais importantes avanços tecnológicos da história. O astrônomo italiano foi a primeira pessoa a observar a Lua através de um telescópio.

        Em 1768, o HMS Endeavour, comandado por James Cook, larga de Plymouth na viagem em que descobriria a Austrália. Releva notar que o Brasil já tinha 268 anos de descobrimento. Em 1825, o Uruguai se proclama independente do Brasil.

        Em 1830, começa a revolta belga de separação dos Países Baixos. Em 1861, o rei dom Pedro V inaugura a Exposição Industrial Portuguesa e assina o Tratado de Amizade entre Portugal e a China, depois de tudo que Portugal andou aprontando por lá.

        Em 1940, aviões britânicos bombardeiam Berlim pela primeira vez durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1958, a japonesa Nissin lança o macarrão instantâneo Miojo, cuja receita é muito apreciada pelos corretores das provas de redação do Enem. Em 1961, Jânio Quadros renuncia à presidência de um país grande e bobo.

        Hoje é o Dia do Soldado do Exército Brasileiro.

        Ruminanças

        “Uma guerra entre europeus é uma guerra civil.” (Victor Hugo, 1802-1885)

        O BRASIL DO DESPERDÍCIO » A cada ano, país joga R$ 1 trilhão no lixo‏

        Corrupção, descaso, incompetência, burocracia e falta de planejamento do governo sugam o equivalente às riquezas produzidas ao ano pela Argentina. Neste cenário, desconfiança cresce 


        Victor Martins, Diego Amorim e Carolina Mansur

        Estado de Minas: 25/08/2013 

        Brasília e Belo Horizonte – Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina, é desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos, quase R$ 25 somem em meio à ineficiência do Estado e do setor privado, a falhas de logística e de infraestrutura, ao excesso de burocracia, ao descaso, à corrupção e à falta de planejamento.
        Além de dinheiro, que poderia ser investido em educação, saúde e transporte público, escorre pelo ralo muitas outras oportunidades. O Brasil deixou passar a bonança externa — entre 2003 e 2008, o mundo viveu a sua era de ouro, puxado pelo supercrescimento chinês — sem fazer as reformas estruturais necessárias à economia. Agora, se vê sem capacidade de colher os frutos do bônus demográfico, período único em que as nações usam a sua força de trabalho para se tornarem ricas. De farto e próspero, o país ganha cada vez mais a cara do desperdício.
        Não à toa, o Brasil está tomando uma sova de desconfiança. O real, que ostentou, por anos, o status de moeda forte, é hoje a divisa no mundo que mais perde valor ante o dólar. Para piorar, o crescimento médio anual do PIB, de 1,8%, é o menor em 20 anos. A inflação se mantém sistematicamente próxima ao teto da meta, de 6,5%. Os investimentos produtivos mínguam e a confiança das famílias está no chão. Mais uma vez, o futuro que nos parecia tão perto começa a tomar feições de miragem.
        O período de forte crescimento global na década passada, quando havia grande fluxo de capitais e os nossos produtores agrícolas eram muito bem pagos para alimentar o planeta, deu a folga necessária para a administração pública aposentar a incompetência e a ineficiência e entregar serviços melhores, apesar da montanha de dinheiro que os brasileiros depositam todos os meses nos cofres da Receita Federal. Nada foi feito. “Infelizmente, fizemos a opção pelo atraso”, resume o economista Paulo Rabello de Castro, presidente do Instituto Atlântico e integrante do Movimento Brasil Eficiente.

        AMARRAS Nas últimas três semanas, o Estado de Minas vasculhou o país para ir além do que se habituou a chamar de custo Brasil. O resultado encontrado é assustador. As manifestações que tomaram as ruas entre maio e junho surpreenderam muita gente. Mas o desperdício justifica o sentimento de basta. Não é mais aceitável que uma nação com tantos recursos naturais, apontada como o maior celeiro do mundo, jogue no lixo, todos os anos, o equivalente a quase um quarto do PIB nacional. Essa é a parte visível dos prejuízos, baseada em estimativas conservadoras, admitem os especialistas.
        A falta de cultura de manutenção e de planejamento e um sistema político que facilita os desmandos e os malfeitos se transformaram em barreiras que impedem que tanto dinheiro seja revertido em benefícios à sociedade. Água, energia elétrica, comida — tudo vai fora. Por causa das amarras da burocracia, as firmas perdem 2,6 mil horas por ano. Em países desenvolvidos esse tempo é 10 vezes menor. Tal fatura, se convertida em dinheiro, pode chegar a R$ 200 bilhões. “Há também o desperdício moral. Todos esses problemas desmoralizam a capacidade desse eu coletivo, que é a sociedade brasileira, de ter vontade de perseguir a eficiência, a produtividade e o comprometimento com o sucesso”, argumenta Rabello de Castro.
        A pesada carga tributária é o veículo por meio do qual o governo suga os recursos que serviriam de energia vital para as empresas e para as famílias. Verbas que viram gastos estéreis, jogados em obras que não andam. A ineficiência do Estado, contudo, tem queimado mais que dinheiro, despreza as chances de brasileiros que amargam uma vida de pobreza, impede uma educação formal de qualidade, ceifa vidas em leitos de hospitais sem estrutura.
        Um carimbo em tempo hábil pode ser a diferença entre viver e morrer, ao menos para quem depende da saúde pública no interior do país. Em Águas Lindas (GO), distante quase 40 quilômetros da sede do Ministério da Saúde, em Brasília, é comum os pacientes terem de se deslocar para a capital federal em busca de atendimento. Muitos morrem no meio do caminho.
        O socorro não pode ocorrer no município porque um dos hospitais da cidade, que deveria ter quase 300 leitos, está abandonado. A licitação para a obra foi embargada devido à corrupção. “É preciso reconhecer que a forma como o Estado contemporâneo atua não é mais capaz de atender as necessidades da população”, observa Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo. Ele pondera que a forma de organização dos governos está ultrapassada, e encontrar maneiras de pensar e executar políticas públicas é um desafio não apenas do Brasil.
        Diante de tanto descalabro, os especialistas são unânimes em um ponto: as ineficiências do Brasil são a maior fonte de riqueza e de oportunidade. Se todos os recursos desperdiçados fossem devidamente aproveitados, o país trocaria a cadeira de emergente por uma de desenvolvido. O PIB potencial, que é a taxa de crescimento possível sem gerar inflação e desequilíbrios, seria bem maior que os 2% ou 2,5% atuais. A população poderia ser beneficiada verdadeiramente com serviços públicos e privados eficientes.

        Máquina emperrada

        O excesso de papéis, carimbos e processos piora o quadro de desperdício no Brasil. O relatório da International Business Report, da auditoria Grant Thornton, mostra que 50% das empresas citam a burocracia e as excessivas regulações como principais fatores de limitação para o crescimento e expansão dos negócios. As companhias desperdiçam 2,6 mil horas com burocracia por ano, o equivalente a 108 dias corridos — o dobro da média mundial. No ranking das nações mais burocráticas do planeta, a bandeira verde e amarela perde apenas para a Grécia, onde 57% dos executivos colocam o problema como principal entrave, e para a Polônia, onde essa taxa é de 52%.
        “O burocrata não tem ideia do tamanho do roubo que ele pratica em nome da boa-fé sobre o cliente dele, que é o contribuinte, quando ele complica a vida do cidadão”, pondera Paulo Rabello de Castro, do Instituto Atlântico. Ele alerta que, no Brasil, a quantidade de horas perdidas com burocracia é 10 vezes maior que a observada em países desenvolvidos. Rabello estima que as perdas com procedimentos excessivos podem chegar a R$ 200 bilhões por ano.
        Márcio Pochmann, da Fundação Perseu Abramo, explica que a burocracia não é algo totalmente ruim. Na visão dele, é impossível a uma grande empresa ou ao governo funcionar sem processos que organizem. “O problema é quando a burocracia se torna um fim em si mesma e deixa de ser apenas o meio pelo qual as coisas transitam e são organizadas”, diz. Para ele, no entanto, o Estado brasileiro, de uma maneira geral, é eficiente em sua burocracia, especialmente pelo tamanho. “Isso não quer dizer que as ineficiências não existam. Elas são localizadas e não são poucas.”
        Todas essas perdas com burocracia e ineficiência, porém, poderiam ser evitadas. Técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) são enfáticos ao afirmar que a corrupção, os procedimentos excessivos, a falta de planejamento e o descompromisso na execução de projetos alimentam os desperdícios no país.

        Gula tributária
        A carga tributária no Brasil é uma das mais pesadas no mundo. Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o brasileiro trabalhou cinco meses neste ano, até 31 de maio, apenas para pagar impostos. Se fosse na Argentina ou nos Estados Unidos, seriam aproximadamente três meses. Comparado aos anos 1970, esse tempo dobrou no país. Atualmente, são pagos pelos contribuintes 63 tributos.

        Corrupção rouba da saúde

        Especialistas calculam que cada R$ 1 desviado representa R$ 3 de perdas para a sociedade. Prejuízos com irregularidades chegam a pelo menos R$ 80 bilhões por ano

        Victor Martins e Diego Amorim
        Publicação: 25/08/2013 04:00

        Brasília – Um dos maiores ralos de dinheiro público no Brasil, a corrupção faz estragos incalculáveis. Ela é capaz de impedir o desenvolvimento do país e mesmo tirar vidas. A Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) estima uma perda anual de R$ 80 bilhões, mas é difícil saber exatamente quanto se tira dos cofres públicos indevidamente. Além das irregularidades passíveis de punição criminal, falhas de gestão causam danos ao país. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) indicam que a maioria dos contratos firmados entre os setores público e privado tem algum tipo de problema e, invariavelmente, exige mais dinheiro público. O erro na elaboração de editais deixou de ser exceção.
        Em Águas Lindas de Goiás, no entorno de Brasília, a construção do segundo hospital da cidade ilustra os malefícios da combinação entre planejamento ruim e corrupção. Relatório do Ministério Público de Goiás revela que houve desvio de R$ 8,7 milhões na obra, quase concluída. Foram encontradas 25 irregularidades. A construção foi embargada em 2009 e, em resposta ao MP, a prefeitura informou que o orçamento aprovado pelo Ministério da Saúde estava errado. Em vez dos R$ 19 milhões previstos inicialmente, o valor deveria ser de R$ 34,4 milhões. Depois, um novo montante foi requisitado pelo governo municipal, levando o orçamento final para R$ 56,4 milhões. A reportagem esteve no local e constatou que o prédio está quase concluído: faltam apenas obras de acabamento, como o piso, a pintura e a instalação de janelas.
        O que seria um hospital de 264 leitos e atenderia casos de maior complexidade conta com apenas 28 leitos e não tem mais condições de suportar a demanda de Águas Lindas. Em 31 de julho, o descaso com o dinheiro público fez mais uma vítima na cidade. Uma mulher sofreu uma parada cardíaca e tentou socorro. Como não conseguiu, teve de ser transferida para o Distrito Federal, mas morreu no caminho. Procurada, a prefeitura informou que o problema começou na gestão anterior e ressaltou que fez um acordo com o Ministério da Saúde. O prédio e o terreno foram doados para o estado de Goiás, por falta de capacidade e recursos para concluir as obras.
        O caso de Águas Lindas é emblemático e, como ele, existem milhares espalhados pelo Brasil. As fraudes estão disseminadas, e elas não são protagonizadas apenas por políticos. A Previdência Social, de abril de 2008 a julho de 2013, registrou perdas na concessão de seguro-desemprego da ordem de R$ 2,3 bilhões. Até o momento, foram recuperados somente R$ 505 milhões.
        Para Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da ONG Transparência Brasil, as causas dos desperdícios nos municípios são claras: as cidades não geram riquezas e, por isso, a população depende da prefeitura. “O prefeito nada de braçada. A população fica dependente dele”, explica. O presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Roberto Abdenur, diz que a corrupção é a forma de desperdício que mais revolta o cidadão, justamente porque permeia todos os outros problemas e carências enfrentados pela população. O efeito multiplicador da corrupção faz com que cada R$ 1 desviado represente R$ 3 de perda para a sociedade.

        INFORMALIDADE A chamada economia subterrânea, que soma as quantias movimentadas pelas atividades informal e ilegal, também gera rombos. Tanto que provocou um prejuízo de R$ 730 bilhões ao país somente no ano passado. A produção de bens e serviços à margem do Produto Interno Bruto (PIB) é calculada pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) em conjunto com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
        A pirataria e a informalidade acumulam formas de desperdício: não geram impostos, não recolhem contribuições trabalhistas, não se preocupam com os direitos do consumidor. “É um dinheiro que deixa de fortalecer as políticas públicas”, diz o presidente do Etco, Roberto Abdenur, para quem, apesar dos avanços econômicos nos últimos anos, ainda falta propagar os benefícios da atividade formal. “A impressão é que as pessoas ainda têm medo”, comenta. (Colaborou Antonio Temóteo)

        Buracos que sugam R$ 195,7 bi

        Carolina Mansur

        Belo Horizonte – Empresas de diversos setores da economia deixam pelo caminho boa parte do que poderia ser revertido em mais desenvolvimento para o país. Em média, 13% das receitas brutas das companhias são perdidos no transporte de produtos, prejuízo calculado em US$ 83,2 bilhões por ano (R$ 195,7 bilhões), conforme pesquisa da Fundação Dom Cabral. Alguns segmentos são mais afetados, como as indústrias de bens de capital (22,69% do faturamento vão pelo ralo), de construção (20,88%) e de mineração (14,63%).
        A principal justificativa, diz o coordenador do estudo, Paulo Resende, são as más condições das estradas e a pouca oferta de ferrovias para o escoamento de produtos de baixo valor agregado. “Aproximadamente 60% de tudo o que é transportado no país passam pela rodovia”, comenta. A solução, na opinião dele, seria reduzir a já conhecida dependência das estradas e aumentar a oferta de ferrovias.
        Investimentos rodoviários nos principais corredores, como as BRs 040, 381 e 262, seriam uma alternativa, ressalta Resende. O problema é que o Brasil segue bem atrasado nesse quesito. O professor lembra que, enquanto a China já chegou a destinar 8% do Produto Interno Bruto (PIB) para as estradas e a Coreia do Sul, 10%, o Brasil investiu o equivalente a 1,8% do conjunto de riquezas, acumulando uma média pífia de 0,8% do PIB aplicado em transportes nos últimos 20 anos.
        O impacto causado pelas perdas com logística não pesa somente no caixa das empresas. São os consumidores que pagam a conta do desperdício. Resende afirma que o impacto é sentido porque as firmas repassam o custo das perdas aos consumidores e fornecedores.
        Quem depende das estradas para trabalhar sai perdendo. O caminhoneiro Cláudio Schneider passa semanalmente pelas BRs 381 e 262 e reforça que o péssimo estado das estradas atrasa as viagens. “Há 15 anos, passo pelo trecho que liga o Espírito Santo a Minas Gerais e nesse período não vi melhorias, apenas mais quebra-molas e radares”, conta. “O resultado é mais tempo na estrada. Tenho levado duas horas a mais para completar o percurso.” 

        Marcelo Gleiser

        folha de são paulo

        O poder criativo da imperfeição

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        Na semana passada, escrevi sobre como nossas teorias científicas sobre o mundo são aproximações de uma realidade que podemos compreender apenas em parte. Nossos instrumentos de pesquisa, que tanto ampliam nossa visão de mundo, têm necessariamente limites de precisão. Não há dúvida de que Galileu, com seu telescópio, viu mais longe do que todos antes dele.
        Também não há dúvida de que hoje vemos muito mais longe do que Galileu poderia ter sonhado em 1610. E certamente, em cem anos nossa visão cósmica terá sido ampliada de forma imprevisível.
        No avanço do conhecimento científico, vemos um conceito que tem um papel essencial: simetria. Já desde os tempos de Platão, a noção de que existe uma linguagem secreta da Natureza, uma matemática por trás da ordem que observamos, teve um papel fundamental.
        Platão --e, com ele, muitos matemáticos até hoje-- acreditava que os conceitos matemáticos existiam em uma espécie de dimensão paralela, acessível apenas através da razão. Nesse caso, os teoremas da matemática (como o famoso teorema de Pitágoras) existem como verdades absolutas, que a mente humana, ao menos as mais aptas, pode ocasionalmente descobrir. Para os Platônicos, a matemática é uma descoberta e não uma invenção humana.
        O matemático Gregory Chaitin, que defende esta posição, sem muita paixão, também a acusa de ser uma espécie de religião, um resquício de uma teologia Tomista onde a fé é buscada no estudo da "mente de Deus".
        Hoje, a busca por uma teoria final da Natureza, ao menos no que diz respeito às forças que agem nas partículas fundamentais da matéria, é a encarnação moderna do sonho platônico de um código secreto da Natureza. As teorias de unificação, como são chamadas (veja a coluna da semana passada), visam justamente isso, formular todas as forças como manifestações de uma única, com sua simetria abrangendo todas as outras.
        Culturalmente, é difícil não traçar uma linha entre as fés monoteístas e a busca por uma unidade da Natureza nas ciências. Este sonho, porém, é impossível de ser realizado.
        Primeiro, porque nossas teorias são sempre temporárias, passíveis de ajustes e revisões futuras. Não existe uma teoria que podemos dizer final, pois nossas explicações mudam de acordo com o conhecimento acumulado que temos das coisas.
        Um século atrás, um elétron era algo muito diferente do que é hoje. Em cem anos, será algo muito diferente outra vez. Não podemos saber se as forças que conhecemos hoje são as únicas que existem.
        Segundo, por que nossas teorias e as simetrias que detectamos nos padrões regulares da Natureza são em geral aproximações. Não existe uma perfeição no mundo, apenas em nossas mentes. De fato, quando analisamos com calma as "unificações" da física vemos que são aproximações que funcionam apenas dentro de certas condições.
        O que encontramos são assimetrias, imperfeições que surgem desde as descrições das propriedades da matéria até às das moléculas que determinam a vida, as proteínas e os ácidos nucleicos (RNA e DNA). Por trás da riqueza que vemos nas formas materiais, encontramos a força criativa das imperfeições.
        Marcelo Gleiser
        Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".

        Mais saudáveis que uma maçã‏

        Pesquisa da Universidade de Brasília, publicada na revista Plos One, conclui que vários alimentos típicos do cerrado são mais ricos que a fruta vermelha em substâncias capazes de combater problemas como o envelhecimento precoce, doenças crônicas e o câncer 


        Paulo Lima

        Estado de Minas: 25/08/2013 

        Apesar de ser o segundo maior bioma do país, atrás apenas da Floresta Amazônica, e de ter uma imensa diversidade de espécies de plantas, o cerrado ainda é pouco explorado pelos brasileiros na hora de compor o cardápio do dia a dia. Agora, um estudo da Universidade de Brasília (UnB), publicado na renomada revista científica Plos One, deixa claro que, ao agir assim, a população deixa de aproveitar uma riquíssima e saborosa fonte de nutrientes. O grupo de três pesquisadoras analisou os componentes bioativos de 12 frutos do cerrado e descobriu em vários deles ótimas propriedades antioxidantes, que ajudam no combate ao envelhecimento precoce, doenças crônicas e outros males. 

        A pesquisa mostra que algumas espécies têm essa qualidade mais acentuada que a maçã, amplamente recomendada para combater o chamado estresse oxidativo e, por isso, apelidada de superalimento. A equipe responsável pela análise espera que as informações sejam relevantes para que o brasileiro inclua os produtos do cerrado na dieta.
        “Esses frutos representam uma fonte potencial de alimentos com propriedades funcionais que devem ser incorporadas na alimentação. Podem ter espaço também na indústria farmacêutica e de cosméticos”, avalia Fernanda Ribeiro Rosa, coautora do trabalho, ao lado de Adriana Fustinoni, Egle Siqueira e Sandra Arruda. Das 12 espécies estudadas, sete se destacam: araticum, cagaita, cajuzinho, jurubeba, lobeira, mangaba e tucum (veja quadro). Além dessas, foram analisados o baru, a guariroba, o ingá, o jatobá e o jenipapo, que também trazem benefícios à saúde.

        Para identificar os nutrientes presentes nesses alimentos, as estudiosas coletaram os frutos no ponto ideal de maturação e separaram as partes comestíveis. Depois, as armazenaram em baixa temperatura (-70ºC) para que não se perdessem os nutrientes. “A pesquisa foi dividida em duas partes: na primeira, realizamos uma avaliação dos frutos para identificar quais apresentavam maior atividade antioxidante in vitro. Em seguida, selecionamos o melhor fruto, que foi o tucum, a fim de saber quais compostos antioxidantes eram responsáveis por tal atividade. Por fim, observamos a ação antioxidante in vivo, em ratos”, descreve Rosa, ressaltando que a segunda parte da pesquisa ainda será publicada. 

        Ela explica que, para as análises das atividades antioxidantes in vitro, foram usadas três metodologias do meio científico: A FRAP, o DPPH e a oxidação do beta-caroteno, que consistem na mistura de substâncias que avaliam o grau de oxidação da fruta para identificar os compostos nutritivos contidos. “Essas análises avaliam o quanto o fruto pode proteger contra reações de oxidação. Também avaliamos o teor de compostos bioativos analisando os fenólicos, as antocianinas, os flavanóis totais, os flavonoides amarelos, os carotenoides e a vitamina C”, detalha.

        Comparação Com os dados sobre os frutos do cerrado em mãos, a equipe os comparou com os da maçã da red delicius, associada à presença de compostos bioativos, tais como polifenólicos, flavonoides e ácidos fenólicos, substâncias que auxiliam na redução do risco de doenças cardiovasculares, no controle das dislipidemias (colesterol ruim e triglicerídeos elevados) e na prevenção do câncer. Constatou-se que os alimentos do cerrado possuem ação mais benéfica para a saúde do que a fruta vermelha. 

        Para a professora da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás (UFG) Mara Reis, as pesquisas direcionadas aos frutos do cerrado contribuem para a valorização e a preservação desses produtos, que têm desaparecido por causa do desmatamento descontrolado. “Essas pesquisas são de vital importância para a disseminação dos nutrientes que os frutos possuem. Inclusive, muitas pessoas que nasceram no Centro-Oeste, região onde várias espécies são encontradas, desconhecem a maioria delas. As análises ajudam, também, na preservação da cultura local”, afirma.

        Reis, contudo, chama a atenção para os frutos das diferentes regiões do cerrado, pois eles podem ter características diferentes. “Uns possuem mais compostos bioativos que outros. Diferentemente das frutas convencionais, como a maçã, a composição das encontradas no cerrado pode variar muito de acordo com o local de produção. Numa mesma árvore, por exemplo, os frutos que dão em cima podem ter substâncias diferentes das que nasceram na parte de baixo. Por isso, é importante que as pesquisas sejam direcionadas ao local onde foi retirado o fruto”, defende.

        Obstáculos Pesquisador da Embrapa Cerrados em Manejo e Recursos Naturais, José Felipe Ribeiro acredita que o estudo contribui para o fortalecimento da biodiversidade brasileira. De acordo com ele, os frutos do cerrado têm pouca aceitação devido à falta de informação sobre os benefícios desses alimentos e ao fato de eles serem mais perecíveis, o que não desperta a atenção para a comercialização em supermercados. Ribeiro ainda destaca que as espécies frutíferas demandam tempo de cultivo, o que gera resistência nos produtores.
        Segundo ele, existem iniciativas para estimular a produção em larga escala dos produtos, mas há muitos empecilhos. “Embora já existam agricultores produzindo algumas espécies como o baru e a mangaba, o cultivo ainda é complexo. De um lado, está o pouco conhecimento das pessoas sobre os produtos e, de outro, o custo. A araticum, por exemplo, demanda até seis anos, após o plantio, para que se tenha o fruto, e, no comércio, chega a custar R$ 10 a unidade. Como os produtores querem resultado imediato, ficam desmotivados por causa da pouca oferta”, afirma.

        Isabel Figueiredo, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), explica que a comercialização desses alimentos é feita por meio de associações, em que várias pessoas têm os alimentos como uma fonte de renda de agricultura familiar. Por isso, ela considera de grande importância mais estudos na área com o propósito de sensibilizar o consumidor. “São plantas e frutos valiosos. Se começarmos a nos interessar por eles, fomentaremos as cadeias produtivas. Isso beneficiará não só as comunidades mais pobres, com a geração de renda para indígenas, quilombolas e pequenos agricultores familiares, mas também a preservação do bioma. É uma forma de consumo saudável e socioambientalmente correta.
        ”