segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Florescente Índia - Candido Mendes

O Globo - 19/08/2013


A Índia de hoje escapa aos paradoxos
fáceis, no inquirir-se
pelo mais complexo dos protagonistas
da Idade Moderna.
E, de saída, pela escala de suas contradições.
Deparamos um país líder do
Terceiro Mundo na produção da informática,
de par com o conhecimento da
inovação e da tecnologia, no âmbito
em que entramos na era virtual. Não há
que repetir o peso dos nomes hindus
nos prêmios Nobel contemporâneos.
Aí está, também, o seu papel na produção
dos fármacos, numa indústria ímpar
e monumental. Mas é, também, a
nação que encontra percalços na afirmação
básica da sua própria identidade
nos nossos dias, a partir das dificuldades
de uma língua comum em todo o
subcontinente.

São, pelo menos, 16 idiomas, no contexto
de 1 bilhão e 200 mil habitantes,
mas é só pelo inglês que conseguiram a
sua comunicação básica, língua que,
mesmo assim, só é falada por 40% da
população. O sânscrito, num primeiro
enlace arcaico, garantiria uma convergência
elementar de diálogo, superada
pelos últimos séculos. Mas há que procurar,
para além da língua, o referencial
identitário com que se fez a Índia moderna,
e ela, curiosamente, veio a despontar
no começo do século XIX, com a
sua idiomática indústria cinematográfica,
que antecipou, de décadas, a nossa
novela no cotidiano de um imaginário
popular em que os hindus reconhecem
o seu “Bollywood”.


O Ocidente de 
agora não se dá
conta 

da permanência 
da instabilidade

subcontinente, no 
política do

permanente 
conflito fronteiriço 
e as tensões da


Caxemira, que levam
o orçamento hindu a dedicar 36%
com o Paquistão,
às suas Forças Armadas. É nesses termos,
pois, que praticamente desapareceria
o desempenho de uma política
pública de educação e saúde. Multiplicam-
se, ao contrário, as miniofertas
privadas no ensino, ou das curas num
mercado de ocasião, no anúncio que se
espalha pelas ruas, lado a lado com as
ofertas de leitura de mão, ou da sorte,
ou dos cursos para manter o sorriso.

Em contraste com o nosso país, por
outro lado, a Índia herdou uma extraordinária
rede ferroviária nacional do Raj
inglês, e que é, sem dúvida, responsável
pela coesão do sistema político.

Ampliam-se, vertiginosamente, em
Calcutá, Nova Déli, Mumbai e outras
cidades-chave, os edifícios gigantescos
para a habitação da sua nova classe
média, em contraste com as cidades
velhas, deixadas intactas na enchente
humana de cada rua, nos serviços de
água reduzidos a mangueiras públicas,
esgotos inexistentes e o lixo imemorial,
disputado às vacas, no livre trânsito da
sua sacralidade. A força única da modernidade
indiana nasce da assunção
da sua independência do Império Britânico,
na virtude única das forças simbólicas
de uma sabedoria para além da
violência, em que o carisma de Gandhi
mobilizou o país. E fez do Partido do
Congresso, de Nehru e Indira, a expressão
desse arranco inicial, impossível de
encontrar-se nas outras independências
contemporâneas e garantidor, até
hoje, da democracia e da inviolabilidade
constitucional, da nação da flor de
lótus e da paciência. 

Candido Mendes é integrante do Conselho
das Nações Unidas para a Aliança das
Civilizações

A burocracia que emperra a pesquisa

O Globo - 19/08/2013
Luís Augusto Russo e Luiz Henrique de Gregório



A pesquisa clínica para produção de medicamentos é uma área estratégica em todo o mundo e contribui diretamente para o bem-estar e o aumento da expectativa de vida da população. No Brasil, o governo tem investido no desenvolvimento de novos fármacos, mas se quiser continuar avançando nesse setor precisa eliminar entraves burocráticos sem negligenciar a segurança dos pacientes.

 Hoje a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autoriza, em média, 200 estudos clínicos por ano. É pouco. Em um país com população de 194 milhões; a quinta do planeta; os pesquisadores brasileiros sofrem com os atrasos devido às exigências regulatórias. No Brasil 80% dos estudos para produzir fármacos são patrocinados por multinacionais; enquanto que nos Estados Unidos a maioria dos fomentos vem do governo. Aqui apenas 4% do total dos estudos são de fase 1, de grande importância científica. A maioria dos estudos (60%) é de fase 3, quando a droga é testada em mil a três mil pacientes. E hoje o Brasil é o único do grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) que registra a redução no número de pesquisas para produção de novos remédios. A nossa participação é de menos de 2% no mercado global.

 A maior dificuldade dos cientistas brasileiros é a demora na avaliação e aprovação dos protocolos de ensaios com humanos. A nova resolução para o setor, a CNS 466 do Conselho Nacional de Saúde, publicada há um mês, não determina regras e prazos claros. E mais grave: não tem congruência e correspondência com as normas vigentes na maioria dos países.

 Projetos de pesquisa clínica são estratégicos para o Sistema Único de Saúde e deveriam ter prioridade. Diferentemente da maioria dos países, no Brasil antes de se iniciar um estudo com participação internacional é exigida dupla aprovação ética: pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, subordinada ao Conselho Nacional de Saúde, e pelos comitês locais; além da autorização da Anvisa. Enquanto Estados Unidos e Japão levam, em média, de 30 a 45 dias para aprovar um estudo; e a União Europeia 60 dias; no Brasil um centro de pesquisa espera mais de 14 meses para dar o primeiro passo.

 Outro problema é que a nova resolução abre possibilidade de remuneração de participantes dos estudos e obriga o centro de pesquisa a oferecer tratamento por tempo indeterminado com a droga teste aos voluntários doentes; mesmo quando ainda não se tem certeza de que terão benefício. Diante disso, laboratórios estrangeiros decidem levar estudos clínicos para outros países, inclusive da América Latina, como Chile, Peru, Colômbia e Argentina. 

Além disso, em pesquisas envolvendo grande número de pacientes, é comum o uso de placebo para efeito comparativo com a droga teste. Mas a Comissão restringe uso de placebos. Outro obstáculo é a exigência de estudo comparativo entre drogas da mesma classe, obrigando o centro de pesquisa a recrutar milhares de pacientes; o que pode inviabilizar ensaios e aumenta o custo final dos fármacos.

 O desenvolvimento de um fármaco é um processo longo, que pode levar uma década, desde o descobrimento de sua molécula até a aprovação da droga pelos órgãos reguladores. De cada dez mil moléculas analisadas, apenas uma será útil na produção de um medicamento - com custo de US$ 800 milhões, incluindo gastos com acompanhamento e atendimento dos voluntários que, de forma altruísta, participam.

 Nossa população tem características étnicas, biológicas e genéticas diferentes dos habitantes de outros continentes e mesmo de nossos vizinhos. Isso reforça a necessidade de se testar e de se desenvolver fármacos aqui. É preciso descentralizar e simplificar a regulação dando-se autonomia aos comitês de ética e maior agilidade à Anvisa para nos tornarmos competitivos.


Luís Augusto Russo e Luiz Henrique de Gregório são pesquisadores e diretores da Associação de Pesquisa
Clínica do Brasil

Tenho 13 anos e nenhum dos meus amigos usa o Facebook - Ruby Karp

folha de são paulo
DEPOIMENTO
Agora que temos idade suficiente para entrar na rede, não queremos mais
RUBY KARPDO "MASHABLE"Sou uma adolescente que mora em Nova York. Todos os meus amigos têm redes sociais --Instagram, Vine, Snapchat etc. Quando eu era mais nova, só falava sobre o Facebook. "Mãe, quero um Facebook!", e outras queixas que só uma mãe suporta.
Mas agora, aos 13 anos, venho percebendo algo de diferente. O Facebook vem perdendo os adolescentes recentemente, e acho que sei o motivo.
Parte da razão para que o Facebook esteja perdendo a atenção de minha geração é que existem outras redes agora. Quando eu tinha dez anos, ainda não tinha idade para um Facebook.
Mas uma coisa mágica chamada Instagram havia acabado de aparecer --e nossos pais nem faziam ideia de que houvesse uma idade mínima para inscrição. Meus amigos todos logo tinham Instagrams.
Agora que temos idade suficiente para um Facebook, não queremos mais. Quando chegou o momento em que estávamos autorizados a ter um Facebook, todos estávamos obcecados com o Instagram.
Isso me conduz ao ponto seguinte. Ainda que eu tenha Facebook, nenhum dos meus amigos tem. Eles acharam que ter um seria perda de tempo.
Decidi ter uma conta no Facebook para descobrir qual era a graça do site. Logo descobri que o Facebook é inútil se você não tem amigos lá. Meu único amigo no site é, tipo, minha avó.
OI, BONEQUINHA'
Adolescentes são seguidores. É isso que somos. Se todos os meus amigos estão baixando uma coisa nova e bacana chamada Snapchat, é isso que eu quero também!
Todos os nossos pais e os amigos de nossos pais têm Facebook. Não é só por eu receber ocasionais mensagens do tipo "oi, bonequinha". Mas meus amigos postam fotos que me colocam em encrenca com os pais.
Digamos que eu seja convidada a uma festa e haja menores bebendo lá. Eu não estou bebendo, mas alguém pega a câmera. Mesmo que eu não esteja com um copo na mão, talvez seja fotografada por trás de uma menina que está bebendo algo forte. Mais tarde naquela semana, um idiotinha decide postar fotos da festa "maravilhosa".
Se minha mãe me visse em uma festa com pessoas bebendo, mesmo que eu não estivesse, eu estaria morta. Isso não é culpa do Facebook, mas acontece lá.
O Facebook também causa muito bullying no ensino médio. A molecada faz comentários malvados em uma foto sua, ou envia mensagens malvadas. Não é culpa do Facebook, mas, uma vez mais, é algo que acontece lá.
Se minha mãe ouvisse dizer que estou sofrendo bullying no Facebook, me forçaria a sair da rede na hora.
Quando eu era mais nova, minha mãe tinha Facebook. Eu entrava sempre, para resolver charadas, jogar etc. O Facebook era algo único. Era um grande sucesso, mas não deixava de ser cool por isso.
Com o passar dos anos, eu sempre quis um Facebook só para mim. Mas, quando abri minha conta, tudo começou a mudar. Havia coisas demais acontecendo. A mudança do velho Facebook para o modelo Timeline aconteceu muito repentinamente.
Basta ver algo como o Twitter --eles têm, tipo, quatro botões. As pessoas gostam mais de um design mais "simples".
PROPAGANDA
O Facebook também se tornou uma grande ferramenta de marketing. O site toma seus interesses com base naquilo que você tenha "curtido" e veicula anúncios na sua página. Não quero ofender, mas, quando estou olhando meu Feed de notícias, não quero realmente saber sobre o novo produto da Pantene.
Não é mais o Facebook que existia quando eu tinha sete anos. Ficou complicado --a realidade é que "nós gostávamos dele como era. Por que vocês estão mudando tudo?"
Em resumo, o Facebook está se esforçando demais. Os adolescentes odeiam quando as pessoas se esforçam demais; isso causa rejeição. É como quando minha mãe me diz para não fazer alguma coisa --eu imediatamente sinto que devo fazê-la. E, quando ela me força a fazer alguma coisa, eu não tenho a menor vontade.
Os adolescentes gostam de aderir às coisas por vontade própria. Se você fica esfregando os novos recursos do Facebook na cara deles, eles se irritam e encontram novas mídias sociais.
O Facebook precisa dos adolescentes, porque em breve seremos nós as pessoas que o manterão. E os adolescentes sabem disso, o que os incomoda.
Eu amo o Facebook, de verdade. Espero que eles se recuperem e atraiam o pessoal da minha idade. Acho que a ideia do site é ótima, e desejo toda sorte a eles.
    'Tenho 15 anos e todos os meus amigos usam'
    DE SÃO PAULOCom mais de 45 mil opções "compartilhar" entre diversas redes sociais, o artigo de Ruby Karp, publicado no site "Mashable", chamou a atenção de Adora Svitak, uma jovem que, com apenas 15 anos, já teve três livros publicados.
    Em resposta publicada também no "Mashable" (bit.ly/15adora), Svitak menciona recursos do próprio Facebook e de terceiros para contestar os argumentos de Karp, como anúncios e falta de privacidade.
    Não quer que o site mostre propagandas? Existe uma solução chamada AdBlock, indica Svitak.
    "Oh, se ao menos fosse possível impedir que minha mãe me adicionasse [no Facebook]. Ou se desse para colocá-la numa lista restrita", escreve ela, em tom de deboche. "Adivinhe só... Eu posso!"
    Para Svitak, Karp e seus amigos, aos 13 anos, não representam a maior parcela dos jovens americanos hoje (a dos que cursam o ensino médio), o que a impede de dizer que a rede tem perdido adolescentes.

      Rubens Ricupero

      folha de são paulo
      Domando o poder americano
      A tendência inelutável do poder, ensinavam os teóricos do realismo, é jamais ficar ocioso
      Caía sobre Washington uma chuvinha melancólica no dia em que Nixon renunciou. Confesso que me emocionei com o adeus daquele homem que tinha sido o mais poderoso do mundo e perdia tudo por haver abusado do poder na Guerra do Vietnã e no escândalo de Watergate.
      A reação do país aos abusos foi indignada e vigorosa. O Congresso impôs limites estritos às operações clandestinas no exterior --contra Angola, por exemplo. No Senado, uma comissão presidida pelo senador Frank Church, que morreria prematuramente, investigou as sistemáticas violações de direitos pelas agências de inteligência.
      Praticamente tudo o que agora causou espanto nas revelações de Edward Snowden já tinha vindo à luz nos depoimentos à comissão. Soube-se que a quase desconhecida National Security Agency (NSA) possuía de longe o maior orçamento das 16 agências americanas de inteligência. Sua missão era, já então, monitorar todas as comunicações telegráficas e telefônicas, decifrando os códigos das embaixadas estrangeiras, cujas sedes eram violadas por agentes disfarçados de funcionários das empresas de telecomunicação ou de operários incumbidos de reformas.
      Eu era conselheiro de nossa missão nos EUA e lembro que mandamos todas as informações ao Itamaraty. Quando voltei como embaixador, em 1991, assumi como hipótese que tudo o que eu dizia ao telefone ou transmitia ao Brasil, cifrado ou não, poderia ser facilmente interceptado, dada a superioridade dos meios tecnológicos americanos.
      Aproveitei a situação para criticar em linguagem não diplomática o que me parecia absurdo na política exterior de Washington (em particular, a campanha de subversão contra o governo legal e eleito de Angola e o apoio à guerrilha da Unita, de Jonas Savimbi). Nunca acreditei que a lei aprovada pela comissão do Senado proibindo as escutas e violações tivesse sido obedecida.
      De qualquer modo, a questão se tornou acadêmica ao se adotar o Patriot Act, legislação antiterrorista de 2001, após os atentados às Torres Gêmeas. De novo o pêndulo se moveu em favor de privilegiar a segurança em detrimento da privacidade e dos direitos individuais.
      Desta vez foi pior do que 40 anos atrás. O desastroso epílogo da Guerra do Vietnã e o choque com os métodos criminosos de Watergate haviam desmoralizado a justificativa das agências de espionagem. A sociedade americana, quase de forma unânime, condenou o recurso abusivo a operações clandestinas.
      Hoje duvido que a maioria americana, traumatizada duravelmente pela ameaça do terrorismo islâmico, opte por abrir mão da espionagem cibernética devido às revelações de Snowden. Assim como não vai querer renunciar aos "drones" para matar à distância, de modo seguro, terroristas reais ou supostos.
      A tendência inelutável do poder, ensinavam os teóricos do realismo, é jamais ficar ocioso. Domar o poder por meio de estritos freios legais é a essência do processo civilizatório. Contudo, como voltamos a ver, inclusive em prejuízo do Brasil, convém não se fiar nas promessas e lutar para que a lei internacional possa um dia submeter efetivamente o arbítrio dos poderosos.

      Londres detém brasileiro por terrorismo - Isabel Fleck

      folha de são paulo
      David Miranda é namorado do jornalista Glenn Greenwald, pivô das denúncias de espionagem do governo dos EUA
      Repórter diz que polícia só questionou namorado sobre suas reportagens; Itamaraty condena medida 'injustificável'
      ISABEL FLECKDE SÃO PAULOO estudante brasileiro David Miranda, 28, foi detido ontem no aeroporto de Heathrow, em Londres, com base na lei britânica de combate ao terrorismo, que permite prender suspeitos sem mandado judicial.
      A detenção, no entanto, se mostrou ainda mais controversa pelo fato de Miranda ser namorado do jornalista Glenn Greenwald, responsável pela publicação, no jornal britânico "Guardian", das denúncias sobre o programa de espionagem do governo dos EUA.
      O brasileiro ficou detido por nove horas no aeroporto e teve laptop, celular e outros equipamentos eletrônicos apreendidos. Não pôde telefonar para seu advogado --isso foi feito por autoridades britânicas-- e um advogado enviado pelo "Guardian" só teve acesso aos últimos 15 minutos de seu depoimento.
      "Eles não perguntaram nada a ele sobre terrorismo, só sobre jornalismo: o que eu estou fazendo, o que eu não estou fazendo", disse Greenwald à Folha.
      Um porta-voz da Scotland Yard (polícia metropolitana de Londres) confirmou que "às 8h05 (4h05 no Brasil) de domingo, um homem de 28 anos foi detido sob o artigo 7 do Terrorism Act 2000'".
      Para Greenwald, "está claro" que a detenção do namorado foi uma ação para intimidá-lo e um "ataque à liberdade de imprensa".
      Segundo ele, os oficiais perguntaram até se Miranda tinha acesso a "senhas" envolvendo o material das reportagens de Greenwald.
      "Mas agora eu vou fazer muitas reportagens, e ser muito mais agressivo do que antes: vai ter o efeito oposto ao que eles quiseram."
      Greenwald comparou a detenção à proibição que governos europeus deram ao presidente boliviano Evo Morales de sobrevoar seus países em julho. Segundo La Paz, os europeus acreditavam que o foragido ex-técnico da CIA Edward Snowden poderia estar no avião de Evo.
      A detenção mobilizou o Itamaraty, que lançou uma nota classificando o episódio como uma "medida injustificável".
      "Trata-se de medida injustificável por envolver indivíduo contra quem não pesam quaisquer acusações que possam legitimar o uso de referida legislação", afirma o Itamaraty. O governo diz ainda esperar que incidentes como esse "não se repitam".
      O subsecretário-geral do Itamaraty para as comunidades brasileiras no exterior, Sergio Tanese, telefonou para Greenwald para oferecer apoio do governo brasileiro.
      Antes de Miranda, dois brasileiros foram detidos nos EUA, em 2004, sob a lei de combate ao terrorismo no país. O paraibano Mizael Cabral e o carioca Daniel Correa foram acusados de reportar falsamente a presença de uma bomba em sua bagagem, no aeroporto de Miami. Ficaram mais de dois meses detidos.
      Miranda voltava de Berlim, onde passou uma semana em companhia da documentarista americana Laura Poitras, que trabalha com Greenwald na análise dos documentos vazados por Snowden.
      O estudante, que vive no Rio de Janeiro com Greenwald, deveria chegar ao Brasil na madrugada de hoje.
      Greenwald vem publicando no "Guardian", desde 5 de junho, uma série de artigos revelando as ações de espionagem digital da NSA (Agência de Segurança Nacional) dos EUA, utilizando documentos vazados por Snowden.
        DEPOIMENTO
        'Está claro que isso foi uma mensagem de intimidação'
        Jornalista que publicou denúncias fala sobre a detenção do namorado
        DE SÃO PAULOO jornalista americano Glenn Greenwald, 46, diz que a detenção do namorado, David Miranda, no aeroporto de Heathrow, em Londres, foi uma "mensagem de intimidação" a ele. Ele afirmou à Folha, que responderá com reportagens "ainda mais agressivas". Leia o depoimento abaixo.
        (ISABEL FLECK)
        -
        O oficial britânico me ligou às 6h30 de hoje [ontem] para me avisar que o David tinha sido detido sob essa lei antiterrorismo. Ele disse que me ligou porque o David não tinha direito a ter advogado, mas ele tinha o direito de pedir que ligassem para um advogado, e eu sou advogado.
        Eu ainda não falei com o David, só com o advogado do "Guardian", que me disse que é muito raro que alguém fique detido mais do que uma hora.
        Mas eles não perguntaram nada a ele sobre terrorismo, só sobre jornalismo: o que eu estou fazendo, o que eu não estou fazendo.
        Ele esteve na Alemanha, na última semana, com Laura Poitras, que está trabalhando comigo. Eles perguntaram o que ele e a Laura fizeram, se ele tinha senhas para ter acesso [ao material sobre as denúncias], coisas assim. Está claro que foi só para me mandar uma mensagem de intimidação.
        O advogado disse que tomaram seu laptop, telefone, videogame, DVD, sem dar explicações. Eles têm o poder, sob essa lei, para tomar qualquer coisa para investigação.
        Agora farei muitas reportagens e serei muito mais agressivo que antes: vai ter o efeito oposto ao que queriam.
        Foi exatamente o que eles fizeram quando impediram o avião do [presidente boliviano] Evo Morales [de sobrevoar países europeus]. Eles sabiam que teriam um problema enorme no mundo, mas quiseram mandar essa mensagem. Eles agem como criminosos.

          'Voz das ruas' ainda não ecoa no Planalto - Tai Nalon

          folha de são paulo
          Das 453 demandas sociais consideradas prioritárias pelo governo, só 10% remetem a pleitos das manifestações
          'Ouvidoria' de Dilma com movimentos, a Secretaria-Geral da Presidência privilegia causas do campo
          TAI NALONDE BRASÍLIA
          A "voz das ruas" que a presidente Dilma Rousseff tem prometido ouvir desde o auge das manifestações de junho ainda não encontrou eco no Palácio do Planalto.
          As principais reivindicações de movimentos que endossaram as passeatas não estão entre as prioridades da Secretaria-Geral da Presidência, que funciona como a ouvidoria do governo com entidades que não mantêm diálogo constante com o PT.
          O Planalto acumula desde o ano passado 1.774 pleitos oriundos de movimentos sociais, dentre os quais 453 são considerados prioritários.
          Desses últimos, só 10% guardam alguma identificação com o que motivou a onda de protestos, segundo documentos da Secretaria-Geral obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.
          Entre as prioridades, por exemplo, apenas uma cita a palavra "corrupção" --a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil pede autonomia financeira e administrativa de unidades que cuidam da saúde dos índios, "evitando a reprodução de práticas de corrupção, apadrinhamentos políticos e o agravamento da situação de abandono".
          CRITÉRIO
          Segundo a pasta, serão priorizados os acordos em andamento com movimentos sociais; as demandas que já fazem parte dos planos de órgãos oficiais; e reivindicações identificadas como principais pelos próprios movimentos em rodadas de negociação.
          O Planalto, contudo, tem privilegiado interlocutores históricos do PT. A maioria dos pleitos à frente da fila foram apresentados por movimentos do campo e seus departamentos sindicais, como a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e a Fetraf (Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar).
          Das 453 prioridades, 93 são da Marcha das Margaridas, que representa movimentos em defesa da mulher ligados à luta pela terra, 84 da Fetraf e 64 da Contag. Juntas, elas respondem por 53% da lista.
          Os documentos revelam ainda que a Secretaria-Geral contabiliza como prioridade pedidos muito específicos, como "assegurar enquadramento previdenciário na condição de trabalhadores rurais aos operadores de máquinas agrícolas, cozinheiras rurais, vaqueiros e capatazes".
          Também lista pleitos etéreos como elaborar "conjunto de políticas públicas com objetivo de garantir os direitos sociais da juventude".
          O governo diz que o tratamento entre as demandas dos movimentos rurais e "urbanos" são diferentes exatamente pela distinção de suas origens e porque os camponeses têm histórico de grandes atos anuais em Brasília.
          As organizações ligadas às manifestações recentes, segundo o Planalto, costumam recorrer a outras estruturas de participação popular, como o conselho coordenado pelo Ministério das Cidades.

          OUVIDORIA
          Respostas do governo são 'monitoradas'
          Comandada pelo petista Gilberto Carvalho, é a Secretaria-Geral da Presidência quem faz a interlocução oficial do governo com os movimentos sociais. Segundo o Planalto, há "estratégias de acompanhamento e avaliação da ação governamental em resposta às demandas dos movimentos sociais".

          LETICIA WIERZCHOWSKI - “Tigres em Dia Vermelho”

          Zero Hora - 19/08/2013

          Uma das melhores coisas da vida é pegar um livro e não ter mais vontade de largá-lo, quando a história entra em simbiose completa conosco a ponto de nos atrasarmos para um compromisso, perdidos entre as suas páginas. Foi o que me aconteceu lendo Tigres em Dia Vermelho, primeiro romance da jornalista americana Liza Klaussmann, publicado no Brasil pela Intrínseca.

          A história toda gira em torno de duas primas muito unidas, Nick (bela, indomável, egoísta) e Helena (frágil, solitária, um projeto de alcóolatra). A prima rica e a prima pobre crescem juntas, passando seus verões na casa de praia construída pelo avô de ambas e herdada, tempos mais tarde, pela mãe de Nick – e depois pela própria Nick e seu marido. É na Tiger House que as duas primas se encontram ao longo dos anos, e é também nesta mítica casa de veraneio que os seus filhos, os primos Daisy e Ed, se farão amigos – Ed, um rapazinho esquisito e sarcástico, e Daisy, uma menina doce, mas determinada, subjugada pela beleza de Nick.

          Guiada pela prosa fascinante e afiada de Liza Klaussmann, eu segui em transe pelas vidas das duas primas, desde a juventude durante a II Guerra Mundial, até a maturidade na ilha de Martha’s Vineyard, onde fica a casa de veraneio da família – impossível não se apaixonar pela petulante Nick, cujo casamento feito por amor acaba caindo numa espécie de limbo por causa de um affair vivido pelo marido, o confiável e correto Hughes, quando ele ainda era um jovem oficial americano na Londres devastada pelos bombardeios alemães.

          Desfiando verões, a senhorita Klaussmann envolve seus leitores numa trama instigante cujo cerne é um misterioso crime, descoberto por Daisy e Ed durante as férias na ilha – mas o encadeamento da história, os diálogos primorosos, o ritmo ágil e sardônico do texto, tudo, tudo me encantou. Lá pelo final do livro, a autora pesa a mão num dos seus ótimos personagens... Um defeito?

          Eu diria que sim. Mas não compromete essa excelente e arguta narrativa em várias vozes. Fiquei tão afoita com o romance que, pelo meio da trama, estava com vontade de espiar as últimas páginas – mania de escritora que quer sempre ter o controle da história... Mas Liza Klaussmann, talentosa narradora, me levou pelo cabresto até o final.

          LIBERATO VIEIRA DA CUNHA - A felicidade tem preço?

          Zero Hora - 19/08/2013

          Capturei ontem ao acaso, na galáxia de signos da internet, o singular resultado de uma pesquisa feita pelo Gallup. Esse grave instituto submeteu uma única pergunta a 400 mil americanos: o dinheiro compra a felicidade? Segundo os resultados, analisados por dois eminentes professores de Princeton, a resposta é sim, desde que você ganhe US$ 85 mil por ano, ou, traduzido em brasileiro, algo mais do que uns 190 mil reais, no instável câmbio em cartaz.

          Me permito pôr a colher torta no assunto para concluir que US$ 85 mil não são suficientes para garantir a felicidade.

          Mister é que, além das notas verdes, hoje tão anêmicas em relação ao euro, você seja agraciado com uma dose adequada de serenidade.

          É preciso que seja abençoado com uma razoável porção de paz, bem posicionada entre você e a sua circunstância.

          Não desaconselharia uma qualidade única: isso que até na Bíblia chamam de amor por você mesmo.

          Não deixaria de lado o apreço aos amigos, aqueles com que você precisa contar nas horas sombrias, mas especialmente nos momentos alegres.

          Não esqueceria de recomendar que você vivesse em estado de paixão por suas amadas passadas e presentes e, particularmente, por aquelas com quem ainda sonha em algum instante do futuro do condicional.

          Não desdenharia uma sadia inclinação por sua profissão ou seu ofício, pois somos o que nos dá prazer de ser.

          Amaria meus filhos e meus netos com essa devoção de que apenas a partilha é capaz.

          Acalentaria meus sonhos, mesmo os impossíveis, com essa confiança que só a ousadia nos dá.

          Colecionaria os acordes de todos os grandes músicos, as frases de todos os melhores escritores, os tons e as cores de todos os maiores pintores.

          Reinauguraria, nos momentos quietos de cada noite deste inverno, ouvindo Bach, Beethoven, Brahms, os melhores segundos do pretérito mais que perfeito.

          Viveria em uma casa que fosse o retrato sem retoque de todos os meus anseios, e ainda refletisse minha inteira fisionomia.

          Viajaria por céus distantes, para que, libertos, meu coração e minha alma aceitassem o convite do desconhecido.

          E a cada dia e a cada hora agradeceria a mim mesmo pelo simples ato de estar vivo.

          O caminho do bem - Luli Radfahrer

          folha de são paulo
          Sob muitos aspectos, a internet se parece com uma favela. Poderia usar aqui o eufemismo politicamente correto "comunidade", mas isso aumentaria a confusão, já que o termo é utilizado extensivamente sempre que se fala de mídias sociais. Por isso a preferência por "favela", palavra inconfundível, com tudo o que ela tem de característico.
          Como toda favela em geral e nenhuma em particular, na rede há muita gente de bem que se vira como pode nas condições precárias oferecidas. Para quem está do lado de fora, o caos é mais aparente do que a ordem, e a ausência de parâmetros mínimos de infraestrutura chama a atenção e causa horror. Há muita sujeira, é inegável. Mas há também uma boa dose de ordem, caso contrário a estrutura entraria em colapso.
          Como em uma favela, a presença do governo na internet é quase virtual, enquanto a das corporações e multinacionais é ostensiva, seja nos mercadinhos, nos chips de celulares, nas motocicletas, dentro e fora das televisões. A falta de investimentos em infraestrutura torna os serviços públicos precários, o que estimula a criação de estruturas paralelas para ocupar as lacunas, oferecendo serviços para quem, pragmático, não é de fazer muitas perguntas.
          A ausência de estruturas formais e de limites estabelecidos leva ao surgimento de grupos independentes, que ao mesmo tempo sustentam e ameaçam o aspecto utópico do gigante auto-organizado. A vida não é tão linda nem tão inocente no território livre e anárquico. Boa parte dela é ocupada por grupos de interesses escusos, que recrutam desocupados na promessa de dinheiro fácil e, na forma de camelôs ou servidores de spam, acabam por fazer mais mal do que bem.
          O pecado mora literalmente ao lado nas comunidades, sejam elas físicas ou digitais. Há tentações para todos os gostos, do furto de sinal da TV a cabo a esquemas de lavagem de dinheiro. Boa parte dos crimes e dos tráficos passam por ali, mesmo que não tenham ali sua origem ou destino. O ambiente, neutro, não é favorável nem contrário à ilegalidade. Anda paralelo a ela, reconhecendo sua presença como parte da paisagem.
          É natural. Comunidades emergentes costumam ter uma relação mais flexível com as leis, para dizer o mínimo. A voz do grupo e suas regras implícitas costumam valer mais do que as determinações impostas, pouco importa sua sensatez ou legalidade. Igrejas ortodoxas, clubes de ultra-ricos e presídios, nesse aspecto, têm muito em comum com favelas e com a internet.
          A presença da polícia é sempre controversa nos ambientes auto-intitulados "livres", sejam eles favelas ou universidades. Por mais que todos concordem que não devam ser invadidas, ocupadas, vigiadas ou "pacificadas", é de senso comum que não podem ser versões contemporâneas do Faroeste, em que as únicas leis que valem são as de Darwin e Newton.
          Na falta de meios-termos, o que sobra são confinamentos e toques de recolher. Como em todo território ocupado, as áreas são demarcadas, policiadas por milícias informais. Nem toda rua é acessível e nem todo horário é recomendável. Ai daquele que se meter aonde não deve, que entrar aonde não for chamado ou que dar uma de turista, passeando de camisa florida e câmara no pescoço por áreas fronteiriças.
          A dinâmica social complexa das comunidades, físicas ou virtuais, é fruto da interação contínua e crescente de regras simples e comportamentos pragmáticos em sua superfície. Seja na forma de celulares piratas com múltiplos chips, puxadinhos de arquitetura Gaudí, festas de playboys na laje, gambiarras em geral e interpretações variadas da Cauda Longa, a estrutura é ao mesmo tempo fascinante e rotineira como um gigantesco formigueiro, que ocupa terrenos rejeitados pelas grandes estruturas, caindo de vez em quando e se reconstruindo silenciosamente.
          O resultado é um ambiente fascinante, muitas vezes criativo e alegre apesar da carência extrema de recursos. A efervescência é tamanha que é comum sua influência sobre a grande mídia e sobre a sociedade em geral, na forma de expressões, vestimentas, comportamentos e outros memes.
          O final do filme "Cidade de Deus" mostra como a vida nessas estruturas segue e se recompõe, em seus vários caminhos. Sob a trilha sonora de Tim Maia, a narrativa sugere seguir "o caminho do bem", que leva a uma vida modesta e fecunda, no amor de um doce paraíso. Basta que para isso se compreenda, sem ingenuidade, a estrutura em que se habita.
          Luli Radfahrer
          Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro "Enciclopédia da Nuvem", em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas na versão impressa de "Tec" e no site da Folha.

          Cheia - Marion Strecker

          folha de são paulo
          Continuo cheia. Cheia de tecnologia. Cheia de pessoas que acham que estão inventando a roda. Cheia de empreendedores cujo grande objetivo na vida é ficar rico. Cheia de espertalhões que criam problemas para vender soluções. Farta dos que espalham terror para vender segurança.
          Estou cada vez mais cheia de fazer cadastros, preencher formulários, alimentar estatísticas. Não suporto marketing invasivo. Não aceito como herança tanto lixo industrial.
          Alpino
          Hoje não tolero mentiras nem grandes nem pequenas, como dizer que me descadastrou quando não me descadastrou. Não vou aceitar truques baratos nem caros, daqueles que me obrigam a fazer o que não escolhi ou ser alvo do que não quero.
          Não suporto propaganda enganosa. Não aceito proselitismo político. Não aguento intolerância. Não perdoo distorções.
          Não quero ver anúncios em português nos sites que leio em inglês, não quero ver anúncios em inglês quando estou em português. Não quero ser perseguida por propaganda nem lojistas que tentam me vender produtos que acabei de pesquisar.
          Hoje não quero ser amiga de todo o mundo. Não quero que todo o mundo goste de mim. Não quero ter razão. Não quero ser popular. Não quero ser forçada a gostar de nada nem de ninguém.
          Hoje não quero clicar o botão "like". Não quero curtir marca nenhuma. Não quero seguir pessoa jurídica. Não quero que marquem meu nome em fotos em que não apareço.
          Hoje não quero que ninguém me veja como trampolim. Não quero participar de avaliações 360 graus. Não quero responder a nenhuma pesquisa. Preencher nenhum questionário. Não quero instalar mais um aplicativo de aniversário.
          Hoje não quero conhecer uma nova rede social. Não acho que tudo na vida tenha de se transformar em software ou sistema. Não acredito que tecnologia seja solução para todos os problemas.
          Não aceito que o governo tenha de gastar mais de R$ 1 bilhão para bloquear celular nas cadeias. Não acredito que o Metrô construiu um muro no meio de uma ciclovia por engano. Não entendo por que preciso fazer cadastramento biométrico para poder continuar votando se nem tenho ouvido falar de fraude eleitoral.
          Hoje não quero ser obrigada a votar. Não quero precisar de senha, contrassenha e token eletrônico para usar minha conta. Não quero ser escaneada, monitorada, fotografada, gravada, fichada, numerada. Não quero crachá, fila VIP, privilégios. Não aceito propina, chantagem, pressão.
          Hoje não quero ler cartazes com frases edificantes. Não quero ver fotos de bichinhos. Não estou com paciência para teste de Touring. Não vou digitar caracteres esquisitos para me logar em sistemas.
          Não quero fazer check-in nem passar no raio-x. Não vou aceitar notificações. Não quero explicações. Não vou atualizar software nenhum. Não quero que fiquem mudando botões de lugar. Não gosto que vendam meu contato para ninguém.
          Hoje não quero multas, advertências, agressões. Não quero aprender a usar mais um controle remoto. Não vou ler contratos em letras miúdas. Não quero mudar o padrão da tomada. Não quero gambiarra nem benjamim.
          Marion Strecker
          Marion Strecker é jornalista e cofundadora do UOL. Começou sua carreira como professora de música e coeditora da revista Arte em São Paulo. É formada em comunicação social pela PUC-SP. Trabalhou na Redação daFolha entre 1984 e 1996, onde foi redatora, crítica de arte, editora da 'Ilustrada', editora de suplementos, coordenadora de planejamento, coordenadora de reportagens especiais, repórter especial, diretora do Banco de Dados, diretora da Agência Folha e coautora do Manual da Redação. É colunista da Folha desde 2010. Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conteúdo do UOL de 1996 a 2011. Viveu em San Francisco, Califórnia, de julho de 2011 a julho de 2012, atuando como correspondente do portal. Mudou-se para Nova York, onde começou a escrever um livro sobre internet, previsto para sair em 2013 pela Editora Record. Atualmente vive em São Paulo.

          Transformador ou negociador? - RENATO JANINE RIBEIRO

          Valor Econômico - 19/08/2013

          Na revista "The Atlantic" do mês de junho, o cientista político Joseph Nye pergunta quais presidentes dos Estados Unidos podem ser chamados de "transformational", quais de "transactional". Não é fácil nenhuma das traduções. No uso que faz Nye, a primeira palavra não quer dizer "transformador", mas sim quem pretende transformar - e pode fracassar no intento. A segunda palavra designa quem se dispõe a negociar, a transacionar - e, de novo para Nye, geralmente com êxito. Vale a pena tentar o exercício para nossos governantes.

          E, já aí, um problema. Para qualquer estudioso americano, os 44 presidentes da República que eles tiveram, desde George Washington, sem um único golpe de Estado, formam um "corpus" de fácil acesso e exame. Podem compará-los entre si. E nós? Se pensarmos nos governantes do Brasil independente, temos dois imperadores, duas regências trinas, dois regentes individuais, isso na monarquia; no período republicano, duas juntas militares (em 1930 e 1969), mais um número confuso de presidentes. A "Folha de S. Paulo", na última eleição, sugeriu o total de 40, incluindo as juntas; na Wikipédia, temos 36. Pode parecer detalhe, mas mostra que lidamos com nossa história de maneira bem diferente da americana.

          Eu acrescentaria uma questão prévia espinhosa: a legitimidade. Nossos primeiros presidentes - até Washington Luís - foram eleitos em meio a tanta fraude eleitoral, geralmente sem concorrentes competitivos, que falar em democracia e mesmo em eleição, a propósito deles, é duvidoso. Seguiram-se os 15 anos contínuos de Getúlio Vargas, terminando em 1945, e mais duas décadas de ditadura, entre 1964 e 1985. A voz do povo foi consultada, para a escolha presidencial, apenas nos quatro pleitos que houve entre 1945 e 1960, e de novo a partir de 1989. Se somarmos nossos dois períodos democráticos, ambos se sucedendo a ditaduras, dá menos de meio século - e oito presidentes eleitos pelo voto direto. Difícil comparar com os Estados Unidos.

          Talvez por isso, não fazem parte de nossa memória política os presidentes ou governantes mais antigos. Quem pode discorrer a favor de Artur Bernardes? Ou contra ele? Que balanços fazemos dos nossos imperadores, que possam ir além da audácia quase irresponsável do primeiro e da moderação quase conformista do segundo?

          Mas, isso posto, podemos tentar classificar os presidentes de nosso universo mental - que começa em 1930, mas exclui alguns que esquecemos, como os ditadores militares e a junta idem. No caso dos Estados Unidos, Joseph Nye argumenta que os presidentes que quiseram transformar o mundo tiveram menor êxito do que os que negociaram. Entre os primeiros, elenca Woodrow Wilson e o segundo Bush; ilustra os segundos com Eisenhower e o primeiro Bush. Discordo dele. Seria mais correto dizer que Lyndon Johnson fracassou como "transformational" no Vietnã e acertou magistralmente, como transformador e negociador, quando forçou o reconhecimento dos direitos civis dos negros. Não há presidentes de tal ou qual natureza; há comportamentos até conflitantes que podem coexistir na mesma pessoa, com êxito maior ou menor.

          E aqui? Dos oito presidentes eleitos na democracia, foram altamente transformadores Getúlio, Juscelino, Fernando Henrique e Lula. Tiveram êxito no que empreenderam: a inclusão social, a industrialização e a interiorização do desenvolvimento, a vitória sobre a inflação e o destravamento da economia e, de novo, a inclusão social. Chama a atenção: metade dos presidentes da democracia transformou com êxito. Muito mais que nos Estados Unidos... Um quinto, Collor, tentou transformar, mas fracassou; mesmo assim, parte do que tentou, FHC implantou. Dos eleitos, só Dutra e Jânio - e, por ora, Dilma - ficam em segundo plano. Em compensação, Sarney merece destaque. Não tivesse cometido a tolice de voltar à presidência do Senado, seus êxitos seriam celebrados. Foi provavelmente nosso maior transacional. Seu mandato, justamente porque pálido, teve o grande mérito de acalmar o país. Mesmo quando a inflação beirava os 100% ao mês, em seu governo, o Brasil só teve nervosismo econômico. Os demais nervosismos (vem um ato institucional? vem um golpe?) saíram de cena.

          Sarney e Itamar Franco foram os grandes negociadores de nossa história recente. Terá sido por isso que esses dois vices, guindados pelo acaso à Presidência, foram tão depreciados? Itamar se viu reabilitado só após a morte, quando os tucanos reconheceram que o Plano Real foi decisão política dele. Não sabemos o que se dirá de Sarney.

          Formulo aqui duas hipóteses: primeira, queremos transformadores; não gostamos muito de negociadores ou consolidadores, e a palavra "transação" pega mal em política. Segundo, nossa taxa de sucesso para os modificadores, em período democrático, é elevada. Bem mais do que nos Estados Unidos, que estão longe de ter metade de seus presidentes com o perfil de transformadores.

          Será, no fim das coisas, porque sempre vivemos acreditando que o Brasil está na UTI? E não está. Não paira ameaça de ditadura, nem de inflação significativa ou de recessão preocupante, e a inclusão social entrou de maneira irreversível na agenda política. Nunca o Brasil esteve tão bem quanto hoje, em decorrência de bons 21 anos de amadurecimento que começaram com o impeachment do presidente Collor e foram conduzidos por nossos dois melhores partidos - talvez, os melhores de nossa história. Mas ainda assim acreditamos - inclusive eu - que precisamos de grandes transformações, e nos sentimos decepcionados quando elas não vêm...

          Painel - Vera Magalhães

          folha de são paulo

          Secretário de Segurança de São Paulo pedirá a Haddad que retome Operação Delegada

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          Em nome da tropa O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella, vai pedir ao prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), que reveja a decisão de cancelar a Operação Delegada noturna. O "bico oficial'' de policiais militares, pago pela prefeitura nos horários de folga, aumenta o efetivo nas ruas e incrementa salários dos PMs sem que o governo arque com os custos. Grella teme que o recuo da capital seja seguido por outros municípios que adotaram a Operação Delegada.
          Novo modelo Na conversa, o secretário de Segurança vai propor a Haddad que sejam revistas as atribuições dos PMs na Operação Delegada, para que eles atuem no policiamento, e não apenas como fiscais.
          Figurino Contou a favor da escolha de Rodrigo Janot como novo procurador-geral da República a avaliação, levada a Dilma Rousseff, de que ele teve a carreira marcada pela defesa do papel do Estado, principalmente nas áreas de Saúde e Educação.
          Contraindicação Já no caso de Ela Wiecko foi usado como argumento contrário à sua escolha, além de não ser a primeira colocada na lista tríplice elaborada pelos procuradores, o fato de ser considerada muito corporativista, algo que a presidente quis evitar no perfil do novo PGR.
          Verde-amarelo Dilma começou a discutir o tom do pronunciamento em rede nacional que fará no Sete de Setembro, data em que são previstas novas manifestações em todo o país. Franklin Martins, ex-ministro de Lula, foi consultado sobre o tema em longa reunião na sexta-feira, no Palácio da Alvorada.
          *Bode... * Peemedebistas afirmam que Renan Calheiros (PMDB-AL) pautou a discussão do veto à derrubada da multa de 10% do FGTS para amanhã apenas para a presidente pedir que ele retire a matéria da pauta do Congresso. "E fique devendo uma a ele", diz um parlamentar.
          ... na sala A justificativa de que o veto tranca a pauta se não for votado em 30 dias não explica a pressa em pautar o do FGTS, porque ele ele foi publicado em 25 de julho. Se Renan seguisse o que diz a resolução, o governo ainda teria mais uma semana para negociar com o Congresso.
          *
          TIROTEIO
          Se ele renunciar não será pelo Pezão, mas por ter sofrido impeachment das ruas. E ainda quer vetar meu nome. É muita arrogância!
          DO SENADOR LINDBERGH FARIAS, sobre Sérgio Cabral (PMDB) dizer que deixará o governo para o vice e insistir no apoio do PT ao PMDB no Rio.
          CONTRAPONTO
          A caminho de um evento em comemoração aos 457 anos do bairro da Mooca, em São Paulo, no sábado, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) parou no semáforo e recebeu um panfleto.
          O entregador olhou para o tucano e gritou para seus colegas:
          -Olhem aqui, gente! É o Britto Júnior da Rede Record! Manda um abraço para a Ana Hickmann!
          Ao que o governador emendou, sem jeito, ao motorista:
          -Ganhei o dia! Agora vou ter de ir lá dar um abraço nela
          painel
          Vera Magalhães é editora do Painel. Na Folha desde 1997, já foi repórter do Painel em Brasília, editora do caderno 'Poder' e repórter especial.

          Tv Paga

          Estado de Minas - 19/08/2013

          É pra rir

          A série Mundo canibal TV, que vai ao ar hoje, às 15h, no Multishow, vai tratar de um tema que de certa forma esta na sua essência: piadas. Para tanto, a produção convidou o comediante Diogo Portugal (foto), que promete contar muitas histórias divertidas e encenar pequenas esquetes intercalando a entrevista.

          Educadora mineira abre nova série do Entrevista

          Estreia hoje, às 21h, no Canal Futura, a nova temporada do programa Entrevista. Apresentada pelo jornalista Antônio Gois, a produção debate os principais desafios do ensino no país a partir da visão de especialistas. Temas como gestão escolar, alfabetização, formação do professor e escola integral estão nma pauta da atração, com 26 episódios de 15 minutos de duração cada. Na estreia, Gois conversa com Magda Soares, educadora da Universidade Federal de Minas Gerais.

          Justin viaja no tempo com seus amigos imaginários

          Novidade também para a criançada. A partir desta segunda-feira, às 8h30, Justin e seus companheiros inseparáveis, Olívia e o boneco Cauchín, vão voltar a viajar no tempo com destino a lugares improváveis em Hora do Justin. O bilhete para viver essas novas aventuras é a imaginação. Os heróis podem ser capitães de navios a vela, pilotos de corrida, investigadores que devem encontrar e resgatar um filhote de girafa ou artistas circenses que precisam mostrar destreza no picadeiro.

          Arte 1 estreia a premiada minissérie Bleak House

          O canal Arte 1 passa a exibir a partir de hoje, às 20h, a minissérie britânica Bleak House, com Gillian Anderson, Charles Dance, Carey Mulligan, Denis Lawson e Anna Maxwell Martin. Já às 22h, a emissora apresenta o especial In concert, com a Sinfonia nº 9 de Dvorak, com a Orquestra Filarmônica de Viena, regida pelo maestro Herbert von Karajan.

          GNT lembra os 10 anos da morte de Vieira de Mello

          Outra boa dica para hoje é o documentário Sergio, à meia-noite, no canal GNT. Baseado na biografia premiada de Samantha Power, o filme
          conta a história do diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello, morto em um atentado contra a representação da ONU em Bagdá, no Iraque, em 19 de agosto de 2003.

          Muitas alternativas na
          programação de cinema

          No pacote de filmes, a novidade é Moonrise Kingdom, com Jared Gilman, Bruce Willis e Edward Norton, às 22h, no Telecine Premium. No Universal Channel, sessão dupla com MIB – Homens de preto (18h40) e Homens de preto II (20h25). Na faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: O paciente inglês, no Studio Universal; Beijos e tiros, no Glitz; Sombras da noite, na HBO 2; O segurança fora de controle, na Warner; Premonição 5, na HBO HD; Um inferno, na HBO Plus; Eu sou
          a lenda, no Space; e Silkwood – O retrato de uma coragem, no Telecine Cult. Outros destaques da programação: A terra ultrajada, às 22h20, no Max: Garota infernal, às 22h30, no Megapix; e Encontro às escuras, às 23h, no Comedy Central.


          No limite da verdade - Carlos Herculano Lopes

          Joca Reiners Terron participa hoje do Projeto Sempre um papo, aproveitando seu encontro com os mineiros para lançar o romance A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves


          Carlos Herculano Lopes

          Estado de Minas: 19/08/2013 




          Tudo é ficção. A única coisa real é o cenário

          Desde o lançamento do seu primeiro livro, a coletânea de poemas Eletroencefalograma, publicada em 1998 pelo seu próprio selo, Ciência do Acidente, que Joca Reiners Terron vem se firmando como um dos nomes mais fortes de sua geração. Dela fazem parte, entre outros escritores, Marcelino Freire, Ivana de Arruda Leite e Luís Brás, que ficaram conhecidos como a Turma da mercearia, pelo fato de ter o costume, desde o início dos anos 2000, de se reunirem para tomar cerveja e falar de literatura em um botequim de secos e molhados da Vila Madalena, em São Paulo. “Não com a mesma frequência de antes, de vez em quando apareço por lá, onde tem um sanduíche famoso com o meu nome”, conta Terron, sem disfarçar um pouco de orgulho.

          Nascido em Cuiabá (MT), onde viveu apenas o primeiro ano de vida, ele está hoje em Belo Horizonte para lançar seu mais recente romance, A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves (Companhia das Letras, 175 páginas), na série Nova Literatura Brasileira, promovida pelo projeto Sempre um papo, que até novembro trará vários escritores à cidade. Na próxima semana será a vez do carioca Sérgio Alcides, que lança o livro Píer.

          Se começou escrevendo poemas, como costuma ocorrer com a maioria dos escritores, três anos depois de sua estreia ele se bandeou para o romance, publicando Hotel Hell. A ele se seguiram, entre outros, Curva de rio sujo (Editora Planeta), Sonho interrompido por guilhotina (Casa da Palavra) e Do fundo do poço se vê a lua (Companhia das Letras), com o qual venceu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras.

          Com A tristeza extraordinária do Leopardo-das-neves parece que Terron se encontrou de vez . Num clima de mistério, que em determinados momentos faz lembrar as narrativas de Edgar Allan Poe, numa proporção cada vez mais tensa à medida que a leitura avança, ele leva o leitor a um velho casarão em São Paulo, onde uma estranha enfermeira, a Senhora X, é paga para cuidar de um ser mais estranho ainda: “A criatura”. Quem será ela? O que as duas fazem naquele lugar esquisito, com fama de mal-assombrado e que sempre está com as portas fechadas?

          A essa história na qual estão envolvidos imigrantes russos e judeus que em tempos passados, assim como italianos e japoneses, imigraram para São Paulo, a maioria fugindo da guerra. Eles se juntam na trama aos recém-chegados coreanos e bolivianos. Somam-se a essa turma um motorista de táxi maluco que cria cães ferozes, um policial que cuida do pai moribundo e uma veterinária que monitora visitas noturnas a um zoológico – onde vive confinado o leopardo-das-neves do título –, e vai por aí. O desfecho vai sendo revelado aos poucos pelo autor, com mãos de mestre e uma concisão só reservada a quem entende do assunto.

          SEMPRE UM PAPO
          Lançamento do novo livro de Joca Reiners
          Terron. Hoje, às 19h30, na Sala Juvenal Dias
          do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Entrada franca.
          Informações: (31) 3261-1501.


          TRÊS PERGUNTAS PARA... Joca Reiners Terron romancista

          Nascido em Cuiabá, paulistano por direito adquirido. Como tem sido sua trajetória, desde a saída do Mato Grosso?
          Vivi em Cuiabá apenas até o primeiro ano de vida, mas meus parentes maternos continuam lá. Entre eles há guerrilheiros do Araguaia (poucos) e ladrões de gado (muitos). Vivi em pelo menos 15 cidades depois de sair de lá. O gosto pela leitura surgiu no trajeto, e a escrita veio de permeio.

          Escrever serve para quê? Você sobrevive apenas da literatura?
          Serve para superar minhas deficiências, só que minha literatura é justamente moldada pelas minhas deficiências. Então, o que produzo sou eu. Faço muitas coisas. Design gráfico, edição, tradução, curadoria, produção. E principalmente envio e-mails de cobrança. Tudo isso ocupa muito meu tempo. Subtraídos o convívio com próximos e o sono, sobra muito pouco tempo, que dedico à ficção. Por isso tenho dormido cada vez menos.

          Como surgiu a ideia de escrever A tristeza extraordinária do Leopardo-das-neves? Partiu de algum fato real?
          Tudo é ficção. A única coisa real é o cenário, o bairro paulistano do Bom Retiro, tradicional reduto de imigrantes. O começo foi tateante, como sempre funciona comigo. Mas procuro partir da invenção e com ela atingir o mais real da realidade. A dor. Há questões que se repetem, como a validade da memória e a inadequação dos personagens. Eu me interesso por essas situações limítrofes. 

          Quem quer ser um milionário? - Leão Serva - Tendências/debates

          folha de são paulo
          LEÃO SERVA
          Quem quer ser um milionário?
          O empreendedor que oferecer alternativa aos pais que levam os filhos de carro à escola terá recompensa proporcional à demanda
          Na década de 1950, diante do congestionamento causado pelos ônibus intermunicipais ao deixarem seus passageiros na avenida Ipiranga, o jovem empreendedor Octavio Frias de Oliveira (1912-2007) lembrou o ditado norte-americano: "If you want to make money, find a need and fill it" --se você quer fazer dinheiro, encontre uma demanda e atenda.
          Ele respondeu à necessidade criando a rodoviária de São Paulo; ganhou dinheiro, comprou a Folha e fez história como seu publisher.
          Pois atenção, empreendedores do século 21: a demanda está colocada. Seu nome é mobilidade urbana. Na nossa São Paulo, imensa e fraturada pelo próprio crescimento, o mês de agosto, ano a ano, mostra tudo: as crianças voltam às aulas, os congestionamentos crescem nas ruas.
          É verdade que centenas de milhares de paulistanos já começam a fugir do carro para se livrar da armadilha diária dos congestionamentos. Os donos de automóvel que, de alguma forma, mudaram a forma de utilizar o veículo chegam a 57%, segundo pesquisa do instituto Ipespe feita para a edição 2013 do guia "Como Viver em São Paulo sem Carro".
          Esse índice inclui os que mantêm o uso do automóvel no fim de semana e para ir ao trabalho utilizam transporte coletivo, bicicleta ou mesmo as solas dos sapatos. O ex-dependente do carro é "multimodal", para usar o termo apreciado por consultores de transporte.
          Mas há uma demanda que segue intocada: a dos pais motorizados que levam seus filhos à porta da escola. São eles que, duas vezes por ano, em março e em agosto, fazem o trânsito da cidade aumentar até 40% em relação ao mês anterior. São milhões de carros cuja circulação se deve primordialmente à função de levar crianças à escola e buscar crianças na escola.
          Já há empreendedores faturando com a mitigação dos efeitos do trânsito de São Paulo. Um criou uma moeda virtual e um site para facilitar a carona. Outro implantou o sistema de aluguel de bicicletas, patrocinado por um grande banco. Outro ainda implantou o compartilhamento de carros (ou seja, o aluguel dos veículos por hora). Em poucos anos, praticamente toda a frota de táxis da capital será acessível pela internet.
          Recentemente, o criador do site Caronetas.com.br me disse que, enquanto o governo brasileiro insistir em subsidiar a indústria automobilística e o preço da gasolina, inflando os congestionamentos em todo o país, seu negócio com certeza seguirá prosperando.
          Quem então vai achar a solução que substitua os carros dos pais e mães, garantindo segurança, acolhimento, pontualidade, enfim, a mesma qualidade (e quase o mesmo afeto) para o transporte dos pequenos?
          Há experiências bem-sucedidas em outras grandes cidades do mundo. Em Tóquio, por exemplo, ajudar as crianças a chegar em segurança à escola é atribuição compartilhada por todos os cidadãos. Os Estados Unidos nos inundam de filmes em que os ônibus amarelos, cheios de estudantes de todas as idades, são coadjuvantes frequentes das tramas das sessões da tarde.
          Atenção, empreendedor: a terceira metrópole do planeta tem uma demanda premente, procurando alguém que a atenda. A recompensa, seja financeira ou de outra natureza, tem tudo para ser proporcional. Alguém se habilita?
            SERGIO FAUSTO
            TENDÊNCIAS/DEBATES
            A altivez não tem dono
            É preciso muita viseira ideológica para qualificar a política externa do governo Fernando Henrique Cardoso como "submissa e passiva"
            Em sua resposta ao artigo "Palpite infeliz", que publiquei neste espaço há duas semanas, Matias Spektor alertou-me para a disponibilidade de vídeos e textos referentes à conferência 2003-2013: Uma Nova Política Externa, organizada pela Prefeitura de São Bernardo e pela Universidade Federal do ABC, entre outras entidades. Fui ao site do evento para conferir o material.
            A visita confirmou a minha expectativa de que o tom e o espírito da conferência haviam sido fundamentalmente de celebração da assim chamada política externa "altiva e ativa", em que pesem a boa qualidade de algumas das contribuições e o objetivo, meritório, de pensar o futuro e propor novas formas de participação da sociedade na formulação da política externa.
            Aberto pelo prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, e encerrado pelo ex-presidente Lula, o evento contou com intervenções de ministros, dirigentes partidários e líderes sindicais ligados ao PT. Os especialistas que participaram são todos simpáticos à política externa dos últimos dez anos.
            Respeito a biografia e o trabalho de todos os ali presentes. E não teria objeção alguma ao fato de se reunirem para promover e aguçar uma certa visão sobre a política externa brasileira, não fosse a utilização de recursos públicos para esse fim. Isso não é novo nem é bom.
            Do que li, vi e ouvi, a sinfonia executada em São Bernardo reiterou, com poucas exceções e sem nenhuma nota realmente dissonante, o slogan autocongratulatório da política externa "altiva e ativa".
            O slogan supõe que a política externa que a antecedeu foi "submissa e passiva". É preciso muita viseira ideológica para assim qualificar a política externa do governo Fernando Henrique Cardoso.
            Esta buscou inserir o Brasil no sistema internacional e na economia global preservando o mais possível, nas circunstâncias internas e externas de então, o espaço de escolha autônoma do país. Vínhamos de um processo crescente de isolamento e desprestígio internacional nas duas décadas anteriores. Com o Plano Real, criaram-se as condições necessárias, embora insuficientes, para mudar esse quadro.
            A assinatura do acordo da dívida externa, em 1994, ainda no governo Itamar Franco, pôs fim a um capítulo aberto em 1982 e agravado em 1987, com a moratória.
            Com a aprovação da Lei de Propriedade Intelectual, em 1996, e a assinatura do Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1998, o Brasil aderiu a normas internacionais regulando essas duas cruciais matérias à paz e ao desenvolvimento.
            No primeiro caso, ao fazê-lo, não abdicou da prerrogativa de lutar pela quebra de patentes de medicamentos, quando em risco a saúde pública, como ficou demonstrado com êxito na abertura da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio, em 2001.
            No segundo, não abriu mão de seu direito a desenvolver um programa nuclear para fins pacíficos. Ao contrário, protegeu-o de suspeitas e pressões externas indevidas.
            Ao engajar-se no processo negociador da Alca, o Brasil impediu, já em 1997, que o eventual acordo pudesse ser implementado em fatias, como queriam os EUA, e estabeleceu com clareza, na Cúpula de Quebec, em 2001, quando nos aproximávamos da fase mais substantiva da negociação, as pré-condições para a adesão a um eventual acordo.
            Gelson Fonseca, diplomata e um dos nossos melhores pensadores na área de relações internacionais, cunhou as expressões "autonomia pela inserção" e "autonomia pela diversificação" para caracterizar, nas suas diferenças e continuidades, as políticas externas dos governos FHC e Lula, respectivamente.
            Uma eventual "nova política externa" poderá resultar do confronto intelectualmente honesto entre essas duas estratégias, devidamente considerados os novos ventos do mundo. Isso, infelizmente, não aconteceu em São Bernardo.

              Eduardo Almeida Reis-Besteiras cíclicas‏

              Os menores de 50 anos não se lembram, mas houve tempo em que foi moda transformar garrafas em copos 


              Eduardo Almeida Reis

              Estado de Minas: 19/08/2013 


              Enxugando 600ml de ótima cerveja, cujo único defeito é ficar nos 5,2% de álcool por volume, estive reparando na garrafa bojuda, com a base mais larga. Os menores de 50 anos não se lembram, mas houve tempo em que foi moda transformar garrafas em copos, uma dessas besteiras que ocorrem de tempos em tempos por modismo ou pelo efeito manada, fenômenos sociais que devem ser estudados pelo pessoal da área psi.

              No Rio, todos tinham copos feitos com garrafas e havia quem os fizesse em casa. Você amarrava um barbante na altura do corte desejado, molhava o barbante com álcool, tocava fogo, secionando a garrafa, e o copo, com as bordas cortantes, ficava uma porcaria. Mas havia profissionais do corte, que lixavam as bordas e você transformava garrafas usadas em uma, duas dúzias de copos, que só usaria uma vez.


              Garrafas de vinhos alemães da Francônia ou do português Mateus Rosé, cortadas, eram transformadas em potes para servir salgadinhos. São aquelas garrafas bojudas Bocksbeutel (testículos de bode), lembrança do tempo em que os vinhos eram transportados nos sacos dos bodes defuntos.


              Na dependência das safras cortadas no Rio, você tinha copos cascos escuros ou cascos claros. Foi besteira anterior à mania dos vinhos de garrafa azul, como se o vidro azul conferisse qualidade aos péssimos vinhos importados da Alemanha. Ainda me lembro do convite que fiz para noite de autógrafos de um dos meus livrinhos, com a seguinte advertência: “Enfim, uma noite de autógrafos sem vinho de garrafa azul”.


              Faz tempo que não chateio amigos com esses convites. Penitencio-me do fato de ter chateado muita gente com noites de autógrafos durante séculos. Uma delas rendeu-me belo casamento, quando apresentei a linda senhora a minha filha mais velha, que lá estava cumprindo seu dever filial: “Esta vai ser sua madrasta”. E foi.


              Em matéria de copos, bons mesmo são os de cristal liso, que nos permitam limpeza dos interiores com os dedos para remover sabões e detergentes. Qualquer material que fuja do cristal liso é tolice, é semostração, é tudo, menos copo decente.


              Em casa de saudoso amigo, ex-apontador do jogo do bicho, que casou sua filha com um delegado de polícia, bebi hectolitros de cervejas numa caneca inglesa, de louça, que trazia estampada a frase de Churchill: We shall fight on the beaches /.../ we shall never surrender.


              Aí é que está: never surrender – sem essa de rendição. De vez em quando, boas cervejas têm hora e vez. Pena que a de hoje só tivesse 5,2% de álcool por volume.

              Brave new world 


              Pergunto ao leitor, com todo o respeito, naturalmente: você tem smartphone? Claro que tem. Todo brasileiro tem smartphone, muitos patrícios e patrícias têm dois ou três, o que complica a situação de um philosopho amigo nosso: não faço a menor ideia do que seja um smartphone. Meu velho Nokia já é suficientemente complicado para idoso marquês.


              Pausa para explicar o título desse belo suelto. Brave new world foi o romance escrito em 1931 e publicado em 1932 por Aldous Huxley (1894-1963), traduzido para Admirável mundo novo, que narra um hipotético futuro, onde as pessoas seriam precondicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viver em harmonia com as leis e as regras sociais, dentro de uma sociedade por castas. No futuro imaginado por Huxley, a sociedade não tem a ética e os valores morais que regem ou deveriam reger a sociedade atual. Qualquer dúvida e insegurança dos cidadãos seria solucionada com o consumo de uma droga, sem efeitos colaterais aparentes, chamada “soma”. As crianças, na antevisão de Huxley, teriam educação sexual desde os primeiros anos de vida e o conceito de família também não existiria.


              Falta-me equipamento intelectual para analisar tudo que vem ocorrendo no mundo, ou alguém acha que o conceito de família, em 2013, é parecido com o de 1932? Em verdade vos digo: peguei o título do romance de Huxley para falar da pronúncia de world (planet Earth), uma das mais difíceis para brasileiros. Muitos repórteres com larga experiência nos Estados Unidos e na Inglaterra não conseguem pronunciar world.


              Apesar de não falar inglês, tenho bom ouvido e ótima pronúncia, o que nos traz de volta ao smartphone: com ele, você pode chamar um táxi e acompanhar o trajeto do veículo, que, muitas vezes, tem motorista bilíngue. E daí? Tenho o maior respeito pelos que falam dois ou mais idiomas, mas só converso com o chofer do táxi em português brasileiro ou ibérico, idiomas parecidíssimos.
               
              O mundo é uma bola

              Em 19 de agosto de 293 a.C., no Monte Esquilino, foi fundado o mais antigo templo romano dedicado a Vênus, equivalente a Afrodite no panteão grego, deusa do amor e da beleza, que equivale a Ivete Sangalo no panteão de um philosopho amigo nosso.


              Em 1692, acusados de bruxaria, cinco mulheres e um clérigo são executados naquele que ficou conhecido como Julgamento das Bruxas de Salem, na pequena povoação de Salem, Massachusetts.
              Hoje é o Dia Mundial da Fotografia, o Dia da Aviação Agrícola e vai ser o Dia do Ciclista, quando aprovado o Projeto de Lei 43, de 2008.

               Ruminanças

              “Em muitos casos, a raiva contra o subdesenvolvimento é profissional. Uns morrem de fome, outros vivem dela com generosa abundância” (Nelson Rodrigues, 1912-1980).

              Aécio Neves

              folha de são paulo
              Exemplos
              Nas últimas semanas, grande parte da atenção da opinião pública voltou-se para as questões que envolvem a nossa juventude, que ganharam inédita importância com as manifestações que sacudiram o país.
              À juventude costuma-se sempre agregar a noção de futuro, do que ainda está por ser realizado.
              Mas a resignação em adiar projetos e soluções para um tempo que ainda virá não deixa de ser uma forma de transferirmos indefinidamente responsabilidades. E de perdoarmos a nós mesmos, enquanto sociedade, por tudo o que ainda não fomos capazes de fazer.
              Duro mesmo é reconhecer que o Brasil de hoje já é o Brasil do futuro que várias gerações imaginaram e pelo qual muitos trabalharam. E mais duro ainda é reconhecermos que certamente estamos muito aquém do que tantos brasileiros sonharam. E mereciam.
              Penso nisso estimulado pela disseminação da percepção de que vivemos uma autêntica revolução e que ela nos coloca no portal de um mundo que inaugura novas relações sociais e humanas, provocadas por enormes transformações tecnológicas. Ainda que seja constatação verdadeira, quando apresentado e endeusado como valor absoluto, o novo acaba por transformar em obsoleto o que veio antes.
              Muitas vezes, a sensação que parece prevalecer é que quase tudo o que nos trouxe até aqui já não faz tanto sentido. Será?
              Lembrei-me de Ruy Castro e de suas crônicas recheadas de ironia e inteligência, aqui mesmo nesta Folha, onde volta e meia nos alerta para o reconhecimento que devemos a nomes importantes da nossa cultura.
              O puxão de orelhas é pertinente.
              Um bom exercício de educação civilizatória é a percepção do papel insubstituível de brasileiros que fazem grande diferença. Antonio Candido é um exemplo. O professor e pensador, que recentemente completou 95 anos, continua a nos oferecer o seu valioso patrimônio de ideias.
              Foi, aliás, com especial alegria que, em 2007, tive a oportunidade de manifestar-lhe a admiração dos mineiros entregando-lhe o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, então na sua primeira edição.
              O professor é referência de idoneidade intelectual, espírito cívico e dignidade pessoal. Sua obra atesta o compromisso radical com a compreensão da realidade à sua volta. Literatura é vida, ele generosamente nos ensina.
              Há dois anos, numa entrevista em Paraty, ele se confessou "um homem do passado, encalhado no passado".
              O mestre estava errado. O seu legado, ético e intelectual, longe do ancoradouro das coisas envelhecidas, ilumina um caminho permanente de amor e respeito pelo Brasil.
              Homens assim, independentemente da idade ou do tempo em que vivam, serão sempre referência do futuro que precisamos ser.