sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Reiners Terron e a fragilidade da vida nua - Rodrigo Petronio


 Rodrigo Petronio | De São Paulo

Karime Xavier/FolhapressTerron: escrita bastante atenta ao andamento e ao faro ferino de uma prosa seca realista
Um delegado do bairro do Bom Retiro, em São Paulo, rumina lembranças. Narra como vivera em um kibutz na adolescência. Confessa sua paixão pelos contos sobre os peles-vermelhas comanches de Oklahoma. Recapitula como o pai, judeu fugido da Rússia, migrou até chegar àquele sobrado decadente da rua Prates, onde vive em agonia.
Mesclados a essas memórias, os elementos tão cotidianos quanto insólitos se emaranham em uma investigação policial: viciados em crack; bolivianos escravizados; um entregador do mercado coreano adepto da igreja de São Kim Degum; um zoológico chamado Nocturama que funciona durante a noite; um taxista apaixonado por música erudita e por rottweilers.
A Sra. X, enfermeira com especialização em Manchester, cuida de uma paciente terminal, o corpo coberto de feridas em um casarão abandonado. Ela é a criatura, como diz o narrador-delegado. Para passar o tempo, a criatura passeia no Nocturama e narra por meio de desenhos as aventuras de um singular leopardo descrito na "Enciclopédia do Mundo Animal".
O leitor deve estar se perguntando: como é possível amarrar toda essa fauna? Qual efeito uma narrativa dessa geraria? Foi exatamente isso que fez Joca Reiners Terron em seu novo romance, "A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves", uma das mais marcantes narrativas ficcionais da literatura brasileira recente.
Em termos ficcionais, um dos achados de Terron é um uso muito eficaz da primeira pessoa. Em seu tom de navalha legista, o delegado às vezes parece uma voz em off. Isso cria uma primeira adesão do leitor. E essa, por sua vez, fornece a verossimilhança necessária aos personagens e seres que se embaralham ao longo do livro, por mais insólitas que sejam essas combinações.
Ainda que à primeira vista possamos associar o romance àquilo que se convencionou chamar de pós-moderno, de hipermoderno ou de modernidade avançada, a prosa de Terron tem a virtude de manter-se bastante atenta ao andamento e ao faro ferino de uma prosa seca realista. Desse modo, os elementos são aparentemente aleatórios, mas estão longe de se relacionar por meio de uma suspensão da lógica natural.
Isso poderia produzir o fantástico, na acepção de Tzvetan Todorov, ou o mágico e o maravilhoso, seja nas vertentes específicas da literatura latino-americana ou em um sentido mais amplo. O efeito que se tem, ao contrário, é o de um constante estranhamento hiper-realista. Avesso à sobrenaturalização da realidade, essa estratégia narrativa consegue contornar as fragilidades imagéticas da livre associação e da literatura de inspiração onírica, preservando entretanto um alto grau de liberdade imaginária.
No nível temático e de composição, a metáfora zoológica atravessa todo o texto, oscilando entre duas matrizes: o Mundo Animal e O Escrivão. Esse também é o seu movimento pendular: entre a consciência agônica do escritor-delegado e a animalização da vida humana apreendida em sua fisionomia mais imediata.
Nesse sentido, Terron propõe um dilema ao leitor. A questão não é fazer um romance realista sobre um bairro de São Paulo. Tampouco uma obra pós-moderna que consiga articular bisontes, comanches, judeus russos, escravos bolivianos, uma governanta perversa, rottweilers, um taxista e quantos mais personagens sejam necessários para fazer a crítica ou a apologia do multiculturalismo. A questão levantada pelo escritor é mais aguda. Diz respeito à fragilidade da vida nua, capturada pelas armadilhas de poder e de linguagem e transformada em exceção.
Para pensar com Giorgio Agamben, a alteridade não consiste em uma espessura espiritual que nos uniria enquanto seres humanos. Mas na autoapreensão da condição "matável" que chancela toda vida. Nesses termos, o romance de Terron aponta mais para uma análise dos mecanismos sutis de clivagem racial, étnica e política do bipoder contemporâneo do que para hipotéticas soluções ou críticas exteriores à própria fabricação sistemática de humanos matáveis. A metáfora do zoológico se expande. Abre-se sob o céu vazio.
Mas, nesse caso, qual seria a redenção? Talvez o reconhecimento de nossa frágil condição animal. Como os salmões, o leopardo-das-neves retorna ao seu lugar de origem para morrer. É esse o mesmo caminho que o delegado-narrador percorre até se identificar com o mais miserável dos seres. Contudo, não morre. Ao contrário, sente-se feliz por tê-lo descoberto. E por poder amá-lo. Esse reconhecimento é o começo da música humana.

"A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves"

Joca Reiners Terron. Companhia das Letras, 176 págs., R$ 36,00 / AA+
AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco

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O que Santa Catarina tem - Vinicius Torres Freire

folha de são paulo
Atlas de Desenvolvimento Humano permite refinar o entendimento das nossas grossuras
QUAL O ESTADO mais civilizado do Brasil? Pelo menos em termos socioeconômicos? Onde a renda e o bem-estar social sejam de bom nível e bem distribuídos, onde a vida seja mais pacífica, onde seus filhos se atrasem pouco na escola?
Para quem anda um pouco pelo país e/ou lê jornais, a resposta parece mais ou menos óbvia: algum lugar do Sul. Mais precisamente, Santa Catarina. São Paulo não fica muito atrás.
Não é lá grande novidade, mas os dados do Atlas de Desenvolvimento Humano, publicado nesta semana, permitem responder à pergunta com precisão.
O Atlas teve alguma atenção da mídia, que relatou brevemente uma ou outra informação "estilizada" essencial: os "rankings" do Índice de Desenvolvimento Humano, o fato de o país ter ficado menos desigual e melhorado nos últimos 20 anos etc. Esse trabalho magnífico e excelente, porém, apresenta um mar de informações: duas centenas de indicadores sociais e econômicos para cada um dos 5.565 municípios do país.
Os dados são baseados no Censo de 2010, do IBGE, e foram calculados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e pela Fundação João Pinheiro.
Mesmo uma avaliação inicial das informações do Atlas deve levar semanas, mas uma garimpada inicial mostra que a vida, em média, é mais civilizada em Santa Catarina.
O Estado tem a melhor combinação de (baixa) desigualdade de renda com (alto) índice de desenvolvimento humano, tanto na média estadual como no número proporcional de municípios que pontuam bem nesses dois quesitos (São Paulo e Rio Grande do Sul vêm a seguir).
Um indicador que mostra a adequação entre idade do estudante e a série em que estuda mostra também São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul à frente.
Na média dos Estados, é sabido que foram em geral os Estados mais pobres que tiveram os maiores aumentos de renda na década 2000-2010. Mas Santa Catarina lidera o bloco do Sul-Sudeste.
Esses dados mais elementares do Atlas mostram também que foram os Estados mais pobres que registraram o maior número de cidades com grandes aumentos de renda entre 2000 e 2010, o que também era a impressão comum. Piauí, Tocantins, Maranhão, Rio Grande do Norte e Paraíba lideram o ranking de cidades que tiveram aumentos de renda maiores do que a média nacional. Mas RS e SC vêm logo em seguida.
Junte-se a esses indicadores os de violência, medida, por exemplo, pela taxa de homicídios (número de homicídios como proporção da população). O Estado com a menor taxa de assassinatos é SC, com SP em segundo lugar. Pode ainda parecer estranho juntar estatísticas de homicídios com outros indicadores sociais e, também, com econômicos.
Mas não vamos melhorar a nossa reflexão e ação sobre as barbaridades brasileiras se, além de indicadores de saúde, renda, escola e outros dados de bem-estar material, não contarmos nossas violências, os assassinatos, as 40 mil mortes anuais no trânsito, as mortes no trabalho, o sequestro do tempo de vida perdido nos ônibus e trens horríveis.
Os dados do Atlas são utilíssimo trabalho para refinar nossas ideias sobre nossas grossuras sociais.
vinit@uol.com.br

    Congresso da Abraji terá José Hamilton Ribeiro e Caco Barcellos

    folha de são paulo
    CONGRESSO DA ABRAJI
    Evento terá José Hamilton Ribeiro e Caco Barcellos
    DE SÃO PAULO - O 8º Congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), que será realizado de 12 a 15 de outubro na PUC do Rio, terá um debate sobre a evolução da reportagem com os jornalistas José Hamilton Ribeiro, vencedor do prêmio Esso, e Caco Barcellos, autor do livro "Rota 66".
    Também estarão presentes no congresso Joaquim Barbosa, presidente do STF, Juan Arias, do diário "El País", David Carr, colunista do "New York Times", Thomas Blanton, da Agência de Segurança Nacional americana, os colunistas da Folha Clóvis Rossi e Juca Kfouri e o repórter do jornal Rubens Valente.
    As inscrições para o evento podem ser feitas pelo site da Abraji (www.abraji.org.br) com preço promocional --de R$ 215 a R$ 490-- até 9 de setembro.

    Banca examinadora - Painel - Vera Magalhães

    folha de são paulo
    Banca examinadora
    Os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União) entrevistam a partir de hoje os três candidatos à sucessão de Roberto Gurgel na Procuradoria-Geral da União. A lista, definida em abril, é formada pelos subprocuradores-gerais Rodrigo Janot, Ela Wiecko e Deborah Duprat, nessa ordem. Dilma Rousseff estava propensa a escolher Janot, mas pessoas próximas dizem que o processo foi reaberto. Ela tem até o dia 15 para fazer a indicação.
    -
    Pé... Foi definido em reunião com mais de dez ministérios anteontem, na Casa Civil, que será traçada agenda de inaugurações às quais os ministros deverão comparecer. A ideia é evitar que governadores e prefeitos faturem obras com recursos federal.
    ...na estrada Nos eventos em que o titular da pasta não puder estar, deverá comparecer um ministro daquele Estado. Além disso, a orientação é convidar parlamentares das regiões para acompanhar os eventos e usar os palanques para falar de outras obras em andamento.
    Dobradinha Aécio Neves vai usar o corte de 13% de custeio anunciado pelo governador Antonio Anastasia (MG) como contraponto à gestão Dilma. O senador e presidenciável tucano participou da definição das medidas em reunião com o aliado.
    Reedição 1 Escaldada depois de ser tragada pelo escândalo dos pareceres na Operação Porto Seguro, a AGU deve entrar com ação para desconstituir uma área de 344 hectares no Distrito Federal cuja regularização está sob investigação da PF.
    Reedição 2 A AGU mandou dois ofícios, em abril e maio, para que a Secretaria de Patrimônio da União no DF confirmasse parecer técnico favorável à regularização da área. A SPU --cuja chefe, Lúcia Carvalho, foi exonerada esta semana-- não respondeu aos pedidos.
    Guerrilha Contrário à sanção do projeto que prevê assistência a vítimas de estupro, Eduardo Cunha (RJ) promete inserir em todas as medidas provisórias em tramitação no Congresso a mesma emenda para revogar a lei.
    Pessoa física Cunha explica que mais essa posição contrária ao Palácio do Planalto não é da bancada, e sim individual. "Vou pegar a frente parlamentar evangélica para assinar junto", diz o líder do PMDB na Câmara.
    Trava-língua A lista de cargos prolixos do governo federal foi engrossada nesta semana pelo de "coordenador na Coordenação da Coordenação-Geral de Produtividade do Departamento de Produtividade e Inovação da Secretaria de Competitividade e Gestão da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República".
    Por... A bancada do PT na Assembleia Legislativa paulista recolhe assinaturas para apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição que confere aos deputados estaduais o poder de aprovar ou rejeitar a indicação do procurador-geral de Justiça, escolhido pelo governador.
    ...fora O texto também determina que o chefe do Ministério Público analise as denúncias de promotores contra agentes públicos. A proposta ganha corpo como alternativa ao projeto de Campos Machado (PTB) que retira dos promotores o poder de investigar políticos.
    Visita à Folha Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, visitou ontem a Folha, onde foi recebido em almoço. Estava acompanhado de Zeca Rudge, vice-presidente executivo, Fernando Chacon, diretor executivo, e Paulo Marinho, superintendente de comunicação.
    com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
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    TIROTEIO
    "Minha dúvida é se o prefeito omitiu a autoria do projeto por esquecimento ou por falta de honestidade intelectual."
    DO VEREADOR JOSÉ POLICE NETO (PSD), sobre Fernando Haddad não ter citado que foi dele a ideia de criar o Conselho Participativo Municipal, lançado ontem.
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    CONTRAPONTO
    Bancada ambulante
    Amparado por uma ampla base de deputados aliados na Assembleia Legislativa, o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB) costuma brincar nos eventos oficiais de sua gestão quando encontra um grande número de parlamentares entre os convidados.
    Em março, durante ato no Palácio dos Bandeirantes, o tucano saudou 14 deputados ao iniciar seu discurso, incluindo políticos de partidos de oposição. Ao terminar a lista de presença, Alckmin brincou com o presidente da Assembleia, Samuel Moreira (PSDB):
    --Pode começar a votação. Já temos quorum!

      Tv Paga



      Estado de Minas: 02/08/2013 

      Papo reto

      DJ Malboro vai abrir a segunda temporada do talk show O bagulho é doido (foto), comandado por MV Bill, hoje, às 23h30, no Canal Brasil. Entre outros temas, vai falar sobre preconceito, a música com conteúdo sexual e a ligação do funk com o tráfico de drogas. Na mesma emissora, às 21h30, em O som do vinil, Charles Gavin revela detalhes do álbum que Mauro Senise gravou em 1988. Já à meia-noite, em O estranho mundo de Zé do Caixão, o convidado é Juca Chaves.

      Canal Bio prova que nem
      tudo é aquilo que parece

      O canal Bio anuncia para hoje, às 22h, a estreia de Esposas assassinas. A série traz dramatizações e depoimentos de envolvidos na investigação de assassinatos cometidos por mulheres, começando com o caso de uma mulher de 30 anos, com um excelente emprego, um marido atraente e um lindo bebê, e que por algum motivo só se satisfaz com uma vida dupla que leva muito bem guardada dos familiares. Até que o marido morre misteriosamente e a polícia começa a investigar.

      Um programa para quem
      tem mania de fazer listas

      O Glitz também vem com novidades. No caso, episódios inéditos de On top, à meia-noite. A produção faz um ranking sobre vários temas do mundo do entretenimento. Este mês, o assinante vai poder conferir a lista com os 10 maiores excessos da fama, celebridades que assumiram a dependência química, as que superaram e as que ainda lutam contra ela.

      Mestres do escambo saem
      de cena hoje no canal A&E

      E se tem programa estreando, outro se despede. Vai ao ar hoje, às 11h, no canal A&E, o último episódio da segunda temporada de Barter kings, que acompanha as permutas de todas as espécies de produtos. Especialista em escambo, ao lado do parceiro Steve McHugh, o apresentador Antonio Palazzola vai tentar conseguir o carro clássico que sua mulher sempre desejou, para presenteá-la pelos 19 anos de casados.

      Atração do Nat Geo relata
      casos de mudança de sexo

      Masculino ou feminino, menino ou menina? A maioria consegue responder a esta questão sem pensar duas vezes, mas para alguns a resposta não é tão simples. Pelo menos é o que mostra “Transgêneros”, especial de uma hora da série Histórias extraordinárias, hoje, às 22h15, no Nat Geo.

      Telecine vai invadir hoje à
      noite o clube das mulheres

      No pacotão de filmes, o destaque é a estreia de Magic Mike, drama dirigido por Steven Soderbergh, com Channing Tatum no papel de um stripper masculino, às 22h, no Telecine Premium. No Arte 1, às 21h30, a atração é Lola, de R. W. Fassbinder. Na faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Vida de balconista, no Canal Brasil; Fay Grim, na Cultura; Meia-noite em Paris, no Max; Colombiana – Em busca de vingança, na HBO; Perigo por encomenda, na HBO 2; Assassino a preço fixo, no Telecine Action; O legado Bourne, no Telecine Pipoca; e ET – O extraterrestre, no Telecine Cult. Outras dicas da programação: Repo men: o resgate de órgãos, às 20h40, no Universal; Alex & Emma – Escrevendo sua história de amor, às 21h30, no Viva; Segurança de shopping, às 22h30, no Megapix; Morte no funeral, às 22h30, na Fox; e Mal posso esperar, também às 22h30, no Comedy Central.

      Helvécio Ratton prepara o lançamento de O segredo dos diamantes, longa voltado para o público de seis a 13 anos.‏


      Tesouro da juventude 

      Helvécio Ratton prepara o lançamento de O segredo dos diamantes, longa voltado para o público de seis a 13 anos. O próximo projeto do diretor é dedicado ao escritor Murilo Rubião 

      Sérgio Rodrigo Reis

      Estado de Minas: 02/08/2013 


      O segredo dos diamantes, o novo filme do diretor Helvécio Ratton, reúne os méritos que o notabilizaram como o mais bem-sucedido cineasta mineiro em atividade. O longa tem fácil comunicação popular, foi rodado em locações no interior do estado (Serro, Milho Verde, São Gonçalo, Guanhães, Sabará e BH) e conta com elenco afinado: Dira Paes, Rui Rezende, Rodolfo Vaz e Manoelita Lustosa. Despretensioso, traz bela fotografia e se destina à faixa de público que vem sendo esquecida pelo cinema nacional: a garotada de seis a 13 anos.

      Prevista para chegar ao circuito comercial nas férias de janeiro, a produção foi exibida esta semana na casa do diretor, em Belo Horizonte. Saiu tudo como esperado. A intenção era contar a história do garoto Ângelo, interpretado por Matheus Abreu, que aos 14 anos descobre antiga lenda de um tesouro de diamantes perdidos e resolve procurá-lo. Motivo: o pai está entre a vida e a morte, depois de sofrer um desastre de carro. Para salvá-lo, é preciso muito dinheiro. Ângelo não tem alternativa a não ser confiar na veracidade da lenda.

      Para chegar aos diamantes, o garoto e os amigos Júlia (Rachel Pimentel) e Carlinhos (Alberto Gouvea) fazem de tudo para decifrar o enigma. Mistério e ação são os principais elementos do longa-metragem. Crianças e adolescentes são o público-alvo da maioria dos projetos de Helvécio Ratton. Em 1986, ele chamou a atenção com A dança dos bonecos – premiado nos festivais de Brasília e de Gramado (RS), além de importantes eventos realizados na Itália, na Alemanha e em Portugal. O segundo longa, O menino maluquinho (1995), inspirado no personagem de Ziraldo, teve grande repercussão e consolidou a ligação do diretor com o universo infantil.

      Depois de um período dedicado aos adultos – Amor & cia (1998), Uma onda no ar (2002) e Batismo de sangue (2006) –, o cineasta voltou à seara infantojuvenil com Pequenas histórias (2007). Incansável militante desse segmento, Ratton aposta em O segredo dos diamantes. “Gosto de filmes que emocionam e narram histórias”, resume. A cada nova produção, o mineiro se desdobra em busca de espectadores, diferentemente de alguns colegas do cinema independente. “Faço filmes para o público e com dinheiro público. Eles estão aí para ser vistos”, afirma.

      Estratégia

      Os meses que antecedem a estreia de O segredo dos diamantes serão dedicados à organização de uma estratégia diferenciada de lançamento. A Quimera Filmes, produtora de Ratton, não conta com verbas milionárias de divulgação, ao contrário de blockbusters destinados à temporada de férias. O cineasta procura captar o restante dos recursos e busca parceiros para tal. A produtora Simone de Magalhães Matos e o diretor se empenham para traçar estratégias criativas.

      “Este filme merece encontrar o seu público, talvez seja o nosso maior desafio. Afinal, são quatro anos de trabalho, mais de 1 mil pessoas envolvidas e cerca de R$ 5 milhões investidos. É uma arte cara”, resume Helvécio Ratton.

      Simone Matos explica que as dificuldades se devem ao mercado – e não à produção em si. “Nossos longas sempre foram lançados nacionalmente e em outros países. Uma onda no ar  ficou mais tempo em cartaz em Barcelona do que em BH”, diz ela. Além de contar com os meios convencionais de promoção, a Quimera estuda a criação de um game, parcerias com exibidores e concurso cujo prêmio será joia exclusiva inspirada na trama, assinada pela designer Carla Abras. “Ficou maravilhosa”, adianta Simone. Os concorrentes à peça cravejada de diamantes serão mobilizados por meio das redes sociais.



       
      Rubião

      Nem bem concluiu O segredo dos diamantes, Helvécio Ratton já se dedica a outro projeto: O mágico Rubião. Mistura de documentário com ficção, a produção se inspira em três contos do escritor Murilo Rubião (1916 – 1991): “O ex-mágico da Taberna Minhota”, “Teleco, o coelhinho” e “O lodo”.

      “Murilo é muito esquecido pela crítica literária brasileira, apesar de ser um dos maiores representantes da literatura fantástica no Brasil. O centenário de nascimento dele será comemorado em 2016. Por tudo isso, decidi homenageá-lo”, explica o cineasta.

      A opção de mesclar realidade e ficção tem motivo, diz Ratton. “Ele foi personagem de si mesmo. Curto muito o personagem Murilo”, explica. Recentemente, o diretor foi ao Rio de Janeiro gravar extensa entrevista com o crítico e ensaísta Antonio Cândido, de 94 anos. O respeitado professor fez profunda análise sobre o legado do contista.

      “Escolhi Antonio Cândido porque ele foi um crítico bastante responsável pela divulgação da literatura do Rubião”, explica Ratton. Na opinião do cineasta, já passou da hora de a obra do autor de O pirotécnico Zacarias ser mais difundida no país.

      Personagem a notícia
      Murilo Rubiáo
      escritor

      Mestre da literatura

      Nascido em Carmo de Minas, no Sul do estado, Murilo Rubião fez os primeiros estudos em Conceição do Rio Verde. Em 1942, formou-se em direito, mas o jornalismo sempre o seduziu. Redator da Folha de Minas e diretor da Rádio Inconfidência, lançou seu primeiro livro de contos, O ex-mágico, em 1947, sem muita repercussão. A partir de 1966, coordenou o Suplemento Literário do Minas Gerais, onde trabalhavam futuros escritores de destaque, como Roberto Drummond e Luis Vilela. Em 1974, Rubião publicou O pirotécnico Zacarias, com grande impacto. Dali em diante, o mineiro passou a ser reconhecido como um dos pioneiros do realismo fantástico no Brasil.

      CARLOS HERCULANO LOPES » Água na boca

      Nascida em Paraisópolis, a essa turma de bambas vem se juntar dona Etelvina Ribeiro de Godoi 


      Estado de Minas: 02/08/2013 

      Que a cozinha tradicional mineira, de uns tempos para cá ganhando ares de sofisticação com o surgimento de chefs e experimentos, é das melhores do Brasil, ninguém duvida. Quem nunca se deliciou, só para ficar nestes três pratos, com um franguinho preparado com quiabo e angu, de preferência no fogão a lenha; um feijão-tropeiro feito com linguiça de porco, farinha de mandioca e acompanhado de pimenta malagueta; ou então com uma leitoa à pururuca, que pede, como entrada, a branquinha bem ajuizada, com certeza bom sujeito não é.

      Delícias como essas, às quais se acrescentam muitas outras, vêm sendo, ao longo dos séculos, feitas Minas afora (e adentro) por milhares de mãos anônimas, ou por cozinheiras famosas como Nelsa Trombino, dona do Restaurante Xapuri, na Pampulha; por dona Lucinha, filha ilustre do Serro, em dois restaurantes em BH que levam seu nome, além de outro em São Paulo, dirigido por sua filha Elza. Como não lembrar também dona Stella Libânio Christo, mãe do escritor Frei Betto. Falecida há alguns anos, ela nos deixou preciosos livros de receitas, como Fogão de lenha e Minas de forno e fogão, nos quais, com muita graça e leveza, transmitiu seus ensinamentos.

       Nascida em Paraisópolis, no Sul mineiro, a essa turma de bambas, com todo o merecimento, vem se juntar outra fera no assunto: dona Etelvina Ribeiro de Godoi. Diferentemente de dona Nelsa e de dona Lucinha, das quais tenho a alegria de ser amigo, e de dona Stella, que cheguei a entrevistar algumas vezes para o Estado de Minas, nunca estive com dona Etelvina nem troquei sequer uma palavra com ela. Há dias, essa senhora de sorriso franco, feições delicadas e porte elegante, como mostram suas fotos, vem me fazendo companhia por meio de seu livro Comer com os olhos, lamber com o coração, a divina cozinha mineira de dona Etelvina.

      Recém-lançada, essa preciosidade de nossa culinária, que não consigo parar de ler e nem de admirar o capricho com que foi feita, chegou até a mim por seu filho, o engenheiro Marcus Godoi. Publicado pela Editora Sagui, de São Paulo, as fotos são de Fernando Lutterbach e textos de Marcílio Godoi. Dona Etelvina, como não poderia deixar de ser, entra com o principal: as receitas. A exemplo daquelas ensinadas por dona Nelsa, dona Lucinha e dona Stella, as suas ajudam a enriquecer ainda mais a cozinha deste país das Gerais – são de dar água na boca. Provocam aquela irresistível vontade de provar, sem medo de ser feliz, cada um dos pratos sugeridos.

      IRMÃS GALVÃO » Festa histórica


      Estado de Minas: 02/08/2013 


      Mary tinha 7 anos e Marilene apenas 5 quando formaram a dupla sertaneja Irmãs Galvão. “Ninguém perguntou se a gente queria. Nossos pais cantavam em casa, os amigos faziam serestas e acompanhávamos tudo. Quando percebemos, já estávamos cantando no rádio”, revela Mary, de 73, que celebra com a irmã, de 71, os 66 anos de carreira.

      Para comemorar a data, elas lançam o disco No calor dos teus abraços, com três músicas inéditas e sucessos de sua carreira. “O disco tem a nova Eu e minha irmã, de Renato Teixeira, que conta a nossa história; O culpado é você, de Fátima Leão; e Encanto de mulher, de Goiá Filho”, revela Mary.

      Beijinho A dupla fez também caprichada seleção de sucessos para o CD. “Escolhemos as músicas que o pessoal pede para ouvir em nossos shows e gostaria de ter em casa”, diz a cantora Mary Galvão.

      Entre elas está o clássico Beijinho doce, além de Coração laçador e No calor dos teus abraços, que dá nome ao álbum.
      A comemoração não se encerrará este ano. A agenda para 2014 já está preparada. A dupla programou o lançamento de um DVD e de um documentário sobre a sua trajetória. “Não é fácil para a mulher cantar moda sertaneja em nosso segmento, tão machista. Nosso privilégio foi começar ainda crianças, porque todo mundo achava bonitinho”, conclui Mary.

      Eduardo Almeida Reis-Imaginâncias‏

      Isso não é "cultura popular", como alguns idiotas escrevem na imprensa, é banditismo: %u201CMata PM, degola PM, castra PM, fura PM, PM é verme


      Eduardo Almeida Reis

      Estado de Minas: 02/08/2013 

      Só tem no Google e são escassas 53 entradas para imaginâncias, que merece curso em nosso idioma como parceira de imaginações. Peço ao leitor que imagine a seguinte situação: você é médico aplicado, trabalha feito um desesperado e ganha pouco. Você é engenheiro civil aplicado, trabalha feito um desesperado e ganha pouco. E assim em todas as profissões até policial militar, em que você é aplicado, trabalha feito um desesperado, corre risco diário de (perder a) vida, só é chamado quando há pepinos para resolver e ganha miseravelmente.

      Aí, surgem cidadãos do país em que você mora e trabalha, que fazem shows para milhares de pessoas e se apresentam com apelidos precedidos das letras MC, que não representam a McDonalds Brasil. Na Wikipédia você aprende que MC é aquele que canta com vontade, que rima suas músicas e deixa todas elas na boca do povo. M de music, C de common. Significado: música comum.

      Aprende ainda que as origens do MC no cenário atual vem dos DJs da música jamaicana, não confundir com o DJ da música hip hop. Num país grande e bobo surgem centenas ou milhares de MCs – MC Bombom, MC Docunha, MC Doeste, MC Zarolho – é MC que não acaba mais, todos eles ou quase todos eles fazendo apologia da matança de policiais militares com todos os efes e erres. Podiam apologizar a matança de médicos, engenheiros civis, advogados, padres, pastores, jornalistas, mas têm especial entusiasmo pelo fuzilamento de brasileiros que trabalham fardados a serviço da sociedade.

      Isto não é “cultura popular”, como alguns idiotas escrevem na imprensa, é banditismo: “Mata PM, degola PM, castra PM, fura PM, PM é verme” – aos berros, com microfone, em português inteligível pelos frequentadores daquele tipo de espetáculo. A partir daí, começam a morrer, abatidos a tiros, os funkeiros MC Bombom, MC Doeste, MC Docunha e outros MCs. Fosse juiz de direito, você, caro e preclaro leitor, condenaria o brasileiro que mata o artista (sic) que vive recomendando, com guitarra, bateria e microfone, a morte do atirador? É pergunta que faço ao magistrado e só a ele, porque não nasci ontem nem anteontem e me lembro de que no Código Penal de 1940 havia o art. 287 cominando pena de detenção aos que fizessem, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime.


      Bizu
      Tanto pode ser substantivo masculino quanto adjetivo de dois gêneros e deve ter entrado em nosso idioma circa 1970. Houaiss diz que é de origem obscura; Aurélio e Aulete/digital não dicionarizaram, mas o Google tem mais que dois milhões de entradas para bizu e a seguinte explicação: “Essa gíria teve seguramente sua origem nos quartéis. Os militares mais antigos sussurravam dicas nos ouvidos dos recrutas sobre como proceder para se dar bem lá dentro. Os comandantes observavam os atos, mas, de longe, só podiam ouvir a onomatopeia característica dos cochichos ‘... bzbzbzu’, dando origem ao termo bizu; ‘Atenção, tropa! Não quero ouvir nenhum bizu aqui dentro’”.

      Etimologia meio capenga, mas foi a melhor que encontrei para explicar o bizu de certas senhoras, não necessariamente as mais bonitas, inteligentes ou ricas de um determinado estamento social. Tenho visto casos espantosos pela qualidade dos companheiros envolvidos, que só posso contar pessoalmente em off “offíssimo”.

      Profissionais liberais da melhor qualidade, bem-parecidos, bem-nados e bem pagos, professores doutores de universidades federais, titulares de escritórios vitoriosos, meus amigos de velha e longa data – e uma só mulher, com breve período de sobreposição de companheiros. Só pode ser bizu. Por fim, pergunto ao perplexo leitor: por que bem-nado (nascido) e bem-parecido (apessoado) têm hífen e não consigo encontrar “bem pago”?


      O mundo é uma bola
      Em 2 de agosto de 338 a. C. Filipe, da Macedônia, dizima as forças de Atenas e Tebas na Batalha de Queroneia. Em 216 a. C., na Batalha de Canas, considerada obra-prima de tática, Aníbal destrói os exércitos romanos comandados por Lúcio Emílio Paulo e Caio Terêncio Varrão. Em 1655, a Inglaterra ataca navios mercantes holandeses na Batalha de Vägen. Em 1990, o Iraque invade o Kuwait acendendo o estopim da Guerra do Golfo. Por aí dá para o leitor perceber como é feroz o Homo sapiens. Se a gente quiser, é fácil preencher O mundo é uma bola só com batalhas.

      As opções também são perigosas. Em 2 de agosto de 1934, Adolf Hitler se tornou o führer da Alemanha e em 1945 terminou a Conferência de Potsdam, em que as potências aliadas decidiram o que fazer com a Alemanha derrotada na Segunda Guerra Mundial. Em 1905 nasceu Myrna Loy, atriz norte-americana, que foi a óbito em 1993. Batizada Myrna Adelle Williams, era filha de fazendeiro. Casou-se quatro vezes.

      Em 257 morreu o papa Estêvão I. Em 640, foi a óbito o papa Severino. Em 686 o papa João V esticou as canelas. Como se vê, o segundo dia do mês de agosto é um perigo para os papas. Em 1100 o rei Guilherme II, da Inglaterra, bateu o pacau atingido por uma flecha enquanto caçava em New Forest. Ninguém foi acusado de regicídio.


      Ruminanças
      “Escritores, meditai muito e corrigi pouco. Fazei as vossas rasuras em vosso cérebro” (Victor Hugo, 1802-1882).

      Candido Mendes; Marisa Gandelman - Tendências/Debates

      folha de são paulo
      CANDIDO MENDES
      TENDÊNCIAS/DEBATES
      China, Índia e a globalização obsoleta
      O vácuo na agenda entre a China e a Índia representa uma quase demissão dessas duas nações-continente na nova globalização
      Este ano crítico de 2013 será marcado pelo epitáfio da Primavera Árabe, na desmoralização em que ora mergulha o Egito, com a prisão de Mohammed Mursi, contra todos os cânones mais elementares do Estado de Direito.
      Desnecessário atentar-se ao colapso de qualquer progresso institucional na Líbia pós-Kadafi. E a Síria passou a ser um cenário devastado da nova guerra fria, num contraponto entre o Irã e o conluio ocidental das rebeldias no Oriente Médio.
      É como se se removesse, de qualquer forma, todo esse protagonismo emergente na área, suscitado pelos primeiros conflitos tunisianos pela democracia.
      Nesse contexto esvaziado, perguntar-se-ia pela dita nova globalização não hegemônica, na expectativa da tomada de cena pelos Brics. No seu centro, encontra-se a relação entre a China e a Índia e, de logo, a pergunta e o espanto: ambas controlam quase a metade da população mundial e continuam a se dar as costas?
      Não se trata da mera demora na distribuição de possíveis e futuras áreas de influência. Mesmo porque ambas as nações-continente sempre se viram voltadas para a imensidade do seu interior, cujas culturas mal se abalam pelo progressismo ocidental ou pela modelagem contemporânea dos Estados-nação.
      O peso nas suas próprias gravidades desvia o conflito das superpotências. Mas uma conferência de há poucos dias entre representantes de Estado de ambos os países mostra o quase vácuo da agenda China-Índia, numa quase demissão do que sejam esses papéis diante da nova globalização.
      Esse quadro não admite vácuos nem sobretudo a tolerância com as velhas desestabilizações, suscetíveis de retomar o velho status quo das guerras frias, frente ao que seria o ganho histórico de nosso tempo, marcado pelo descarte da dominação ocidental.
      Mas, ao mesmo tempo, a evitar esse enlace regressivo e fundamentalista do poder político com o religioso, tal como expresso pela Irmandade Muçulmana, no Egito. Ou uma prospectiva que começa a se delinear pela condenação do islã em Mianmar, em novo movimento de radicalismo budista, proscrevendo as minorias corâmicas no país.
      Independentemente das vicissitudes do próprio e intrínseco progresso democrático, as duas nações-continente assentariam um marco, definitivamente não regressivo, no descarte das religiões de Estado, na prospectiva de nosso tempo.
      E espanta o quanto os Estados Unidos, no seu apoio aos golpistas no Egito, descartam, em nome da "realpolitik", o seu apoio à dita cláusula pétrea de apoio aos Estados de Direito e aos governos legitimamente eleitos.
        MARISA GANDELMAN
        TENDÊNCIAS/DEBATES
        Significados, uma questão de poder
        Eis que, juntas, a Senhora Transparência e a colega Competição decidem submeter titulares de direitos autorais de música aos seus desejos
        O significado das palavras não é fixo no tempo e no espaço. O processo por meio do qual o senso comum atribui diferentes significados a elas é complexo e contínuo. Trata-se de uma obra em progresso.
        Recentemente, algumas palavras ganharam importância. De tão usadas, acabaram se separando de seus significados. Uma dessas palavras é "transparência".
        Lemos e ouvimos esse termo várias vezes por dia e parece que seu uso exaustivo tem a finalidade de reduzi-lo a algo com valor intrínseco. Quem não possui transparência se sente envergonhado, como se estivesse fora de moda.
        Assim, reduziu-se o sistema de gestão coletiva de direitos autorais a uma única questão: ser ou não ser transparente. Quem não é deve ser punido. Ficará sob a supervisão do Poder Executivo, embora o Executivo nada saiba sobre essa complexa atividade, nem defina o significado de "transparência", nem questione a compreensão e aplicação do termo pelo órgão de supervisão.
        Uma palavra vazia de significado utilizada à exaustão em um discurso também vazio de significado se transforma em dogma. Esse dogma justifica uma lei imposta de cima para baixo para forçar a estrutura existente a se comportar da maneira que uma nova lei determina ser transparente e eficiente. Justifica, mas não explica: por que passaria a ser transparente e eficiente?
        Eis que a Senhora Transparência vai ao encontro da colega Competição e, juntas, decidem submeter os criadores e demais titulares de direitos autorais de música aos seus poderes e desejos. É isso mesmo que os interessados querem?
        Discurso vazio, ou conversa fiada. No regime associativo, é na associação que se define o justo e se produz significado para os termos.
        Há cerca de 150 anos, autores criaram as sociedades que operam no mundo inteiro a gestão coletiva de direitos autorais. Desde então, desenvolveu-se inteligência para organizar os dados relativos às obras e titulares sem os quais não é possível monitorar seu uso.
        As sociedades de gestão coletiva pertencem aos autores e demais titulares de direitos autorais, portanto devem ser supervisionadas por eles. Os titulares devem se organizar de acordo com os estatutos de suas sociedades e formar um corpo de supervisão, eleito, que aponte o corpo operacional. Os titulares podem alterar livremente os estatutos das associações para que reflitam o significado que querem dar ao termo transparência e a outros termos que dão qualidade à gestão.
        Assim se faz no mundo inteiro, na busca de formas para oferecer uma gestão de qualidade por custos menores, conforme definir o dono do negócio, desde que ele esteja disposto a participar da construção dos significados dos termos que guiam o funcionamento da organização.
        Essa possibilidade jamais foi debatida aqui. Não há participação nem espaço para o diálogo. Há apenas um pouco mais do mesmo.
        O Senado Federal, com aprovação da Câmara dos Deputados, enviou para a sanção presidencial um projeto de lei que não tem indícios de que vá entregar aquilo que critica faltar no atual sistema, especialmente a tão famosa "transparência". Mais uma cena do velho jogo político do governo brasileiro, que carece de significado e conteúdo, que se alimenta de si mesmo e vive em função da própria sobrevivência.
        As consequências imediatas da votação sem debate e sem transparência parecem óbvias. O poder passa das mãos dos que hoje dirigem as associações que integram o Ecad para as mãos daqueles que estiveram ao lado dos políticos responsáveis pela votação em tempo recorde e que antecipadamente transferiram para o Executivo os poderes conquistados nesse processo.
        Transferência de poder e autoridade também vazia de conteúdo, uma vez que não dominam, ou nem sequer conhecem, a complexidade da gestão coletiva. Tanto é que proíbem a licença em branco, consagrada no mundo inteiro, e determinam o uso de novos tipos de licenças mais custosas.
        Sociedades de autores se dedicam ao desenvolvimento de ferramentas para diminuir os custos de transação e promover economia de escala. O caminho adotado pelo projeto de lei promove a mudança do controle da estrutura para o Poder Executivo, porém não propõe inovação em benefício dos criadores. Ao contrário, propõe mudanças que tornam a operação mais custosa, restringe os direitos dos titulares e sugerem critérios de licença que resultarão excludentes.

          Marina Silva

          folha de são paulo
          Voltas e idas
          Os assuntos são variados, pode ser o aumento do seguro-desemprego ou a convocação de uma constituinte para a reforma política, medidas para diminuir a precariedade na saúde ou a liberação de recursos para a Copa. A manchete é que não muda, só nesta semana há pelo menos dez assim, nos jornais e sites de notícias: governo recua, governo volta atrás, governo suspende decisão, governo não confirma etc.
          Juntem-se a isso as promessas não cumpridas ou os resultados muito aquém do anunciado, como baixar o preço da cesta básica ou da tarifa de energia; as tentativas de enganar a opinião pública, como nas mudanças do Código Florestal, em que atrasos são anunciados como avanços; e os anúncios faz de conta, como a bombástica declaração em rede nacional de que a miséria no Brasil acabou.
          O que temos? Falta de rumo disfarçada com marketing.
          Nos anos 90, os programas de auditório de domingo entregaram seus roteiros à aferição da audiência: "Está caindo, então encerra a entrevista e entra com o show musical, rápido, para aproveitar o intervalo comercial do concorrente". Dava certo na televisão. Dá errado no governo.
          O anúncio de uma decisão não é a decisão. Pode iludir por algum tempo, mas não melhora o transporte, a saúde, a educação, a segurança, e, assim, a insatisfação vai se acumulando. Pior ainda é o recuo, a indefinição, o desmentido, o dito pelo não dito. Não se gerencia um país com balões de ensaio.
          Insisto: o Brasil precisa definir uma agenda estratégica, em que as grandes reformas estejam articuladas com definições sociais e econômicas. É necessário redirecionar o desenvolvimento em parâmetros sustentáveis, colocar a economia na era das grandes mudanças culturais e ambientais, atualizar o sistema político e a gestão pública, ampliar a democracia e a participação cidadã, usar as novas tecnologias para o debate público e as decisões.
          A mudança se faz com uma agenda democraticamente construída, com a participação não só dos que já se acostumaram a assentir, em cujos temas se trabalha buscando consensos públicos (bem diferente dos acordos de bastidores). A outra opção é a estagnação, mal disfarçada pela marquetagem. Infelizmente, esse é o rumo que hoje predomina. Uma governabilidade de coalizão, baseada na distribuição de nacos do Estado, captura as políticas públicas e sequestra as esperanças da sociedade. Para essa estagnação estão sendo arrastadas as instituições e todo o sistema político.
          No sentimento da população, a agenda já está se definindo. Sem mudanças políticas e institucionais, o avanço será mais demorado e com maiores riscos de rupturas e conflitos, mas acontecerá, porque seu tempo chegou. E, nas prioridades anunciadas pelas ruas, não há volta atrás.

            Ruy Castro

            folha de são paulo
            A fila não anda
            RIO DE JANEIRO - Mick Jagger, líder dos Rolling Stones, fez 70 anos. Quando eles surgiram, em 1962 ou 63, o Reino Unido ainda estava na idade do gelo. O romance "O Amante de Lady Chatterley", de D. H. Lawrence, de 1928, continuava proibido. A pílula anticoncepcional já existia, mas ainda não chegara às farmácias. Homossexualismo era crime. E o "hit parade" inglês tocava xaropes como "Oh! Carol", com Neil Sedaka; "What Now My Love", com Gilbert Bécaud; e "I Can't Stop Loving You", com Ray Charles. Os londrinos tropeçavam em mamutes mortos nas calçadas.
            Para os jovens que os ouviam pela primeira vez, os Stones eram um grito de rebeldia contra tudo o que seus pais --os coroas-- representavam. E não era só a música ou o barulho, mas os penteados, as roupas, o comportamento, a "atitude". Comparados aos Stones, os Beatles, que tinham nascido pouco antes, eram rapazes de família, com seus terninhos sem gola, gravatas com prendedor e botinhas engraxadas. Os Stones é que eram o bicho, temi- dos pelos mais velhos.
            Mas a fila anda. Uma fã de primeira hora de Mick Jagger teria, digamos, 20 anos em 1963. Isso foi há 50 anos, com o que, hoje, ela terá 70. A filha dessa mulher, nascida naquele mesmo ano, estará com 50 e já lhe terá dado uma neta. Esta neta, nascida em 1983, acaba de fazer 30 e, por sua vez, também tem uma filha, que está agora com 10 anos. Donde esta última menina é bisneta daquela fã original de Mick Jagger. Para ele, deve ser chocante pensar que suas primeiras fãs, as gostosuras de minissaia e longos cabelos escorridos que se atiravam aos seus pés, transformaram-se em... bisavós.
            Ou não. O próprio Mick, aos 70, também deve usar óculos de leitura, fazer exame de próstata e controlar o ácido úrico. Mas continua a se ver e a ser visto como sinônimo de rebeldia.
            Pensando bem, a fila não anda.

              Eliane Cantanhêde

              folha de são paulo
              O recuo nosso de cada dia
              BRASÍLIA - Foi um alívio Dilma sancionar sem vetos a lei que ampara a mulher estuprada e pode evitar que a vítima seja vítima para sempre, gerando um feto e criando um filho do estuprador.
              Só nos faltava o governo desistir também disso, depois que a presidente voltou atrás da constituinte exclusiva para a reforma política e os recuos viraram rotina em Brasília.
              O plebiscito é o "Fome Zero" da Dilma: natimorto, só continua existindo no blá-blá-blá oficial. O aumento de dois anos na formação de médicos foi enterrado por Mercadante e Padilha. A redução de um dia de trabalho por semana para enfrentar o corte no Orçamento foi desautorizada pela Defesa, e a Marinha fez meia-volta, volver.
              Mais: a portaria baixando a idade mínima das cirurgias e do tratamento para mudança de sexo só resistiu algumas horas depois de publicada no "Diário Oficial". O Planalto mandou a Saúde passar a borracha. Por fim, o representante do Brasil no FMI votou contra a ajuda à Grécia sem consultar ninguém e Guido Mantega ligou para Christine Lagarde dando o dito pelo não dito.
              Tem alguma coisa errada. Dilma anuncia uma constituinte sem negociar com o Congresso? E insiste num plebiscito que nem juristas aceitam? Como o governo impõe mudanças no curso de medicina e na profissão sem acertar antes com os "adversários"? A Marinha não conversa com a Defesa? A Saúde ignora o Planalto? Representantes decidem sozinhos?
              Se ninguém negocia com ninguém, se subordinados não ouvem os chefes, se cada um faz o que quer, está faltando... comando. O que significa que há uma crise de gestão.
              Somem-se a isso os desacertos na política (o Congresso vem quente, mas o governo não está fervendo) e as más notícias na economia (a última é que a balança comercial é a pior em 20 anos). Tem-se que a presidente da República precisa parar de achar e de dizer que está tudo uma maravilha. Se está, não parece.

                O Uruguai e a maconha - Helio Schwartsman

                folha de são paulo
                O Uruguai e a maconha
                SÃO PAULO - Deputados uruguaios aprovaram o projeto de lei que legaliza a maconha no país. A proposta, que ainda vai ao Senado, é inovadora, pois, diferentemente de outras iniciativas liberalizantes adotadas na Europa, não se limita a tolerar o uso da droga e despenalizar seu consumo, mas torna legal o cultivo e a comercialização da erva, com previsão de venda pelo Estado.
                Em que pese a bem-vinda mudança de paradigma, há que dizer que o projeto é ruim e dificilmente cumprirá seus objetivos. Ele é tímido demais para minar o poder dos narcotraficantes, que continuarão a lucrar com a cocaína e outras drogas que permanecem ilegais, e indiscreto o suficiente para impedir a plena adesão dos consumidores ao programa. Exigir que os usuários se inscrevam num registro nacional de maconheiros para poder comprar o produto nos estabelecimentos oficiais parece-me um convite ao fracasso.
                De todo modo, as autoridades terão a oportunidade de ver o que não funciona e corrigir eventuais falhas. Mas, mesmo nesse formato problemático, penso que a experiência uruguaia já servirá para derrubar o mito frequentemente repetido de que a legalização das drogas não é algo que possa ser feito por um único país.
                É claro que a produção de Cannabis sativa jamais se tornará uma pujante indústria exportadora, se outras nações não adotarem regras semelhantes, mas daí não decorre que o Uruguai não possa definir sua política de forma soberana.
                Os acordos internacionais de que o país é signatário podem ser denunciados. Em princípio, é só avisar com 12 meses de antecedência. Mesmo que outros países não reconheçam de cara esse direito, é altamente improvável que decidam invadir Montevidéu ou deixar de comprar seus produtos por causa disso. Uma coisa é adotar sanções contra um país que pretende construir a bomba atômica, outra muito diferente é fazê-lo contra quem só ampliou direitos individuais.

                  Impasse na saúde;As penas de Manning - Editoriais FolhaSP

                  folha de são paulo
                  Impasse na saúde
                  Governo federal desiste de ampliar duração dos cursos de medicina; nova proposta também tem problemas, mas não deveria ser rejeitada
                  Primeiro foi a constituinte exclusiva para implementar uma reforma política. Sugerida de afogadilho como resposta às manifestações de junho, a ideia foi abandonada em menos de 24 horas.
                  Em seguida, o governo Dilma Rousseff agarrou-se à defesa de um plebiscito para definir a agenda de mudanças na legislação eleitoral do país, no intuito de alterar as regras da disputa de 2014. Sem que fosse factível, a proposta foi enjeitada semanas depois.
                  Agora foi oficializado um terceiro recuo, desta vez na área da saúde. Diante da enorme resistência dos médicos, o governo desistiu de ampliar de seis para oito anos a duração dos cursos de medicina.
                  O plano era polêmico. Nos dois anos adicionais de faculdade, o estudante faria espécie de estágio compulsório na atenção básica do SUS (Sistema Único de Saúde), em local designado pela instituição de ensino. Somente após esse período o aluno poderia obter o registro profissional.
                  Faz sentido cobrar essa contrapartida de quem se beneficia da rede gratuita de universidades públicas. A exigência soa abusiva, contudo, para o aluno que pagou por seus estudos em instituições privadas. É problemático, além disso, obrigar alguém a morar em determinado local, contra sua vontade.
                  Após reunião com uma comissão de especialistas formada para debater o tema, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou anteontem que a nova proposta do governo é tornar obrigatória a residência médica, a ser cumprida inicialmente no SUS, já a partir de 2018 --regra válida, portanto, para quem ingressou na faculdade a partir de 2012.
                  Trata-se de sugestão mais palatável que a primeira, por conservar alguns méritos e livrar-se dos aspectos mais problemáticos.
                  A residência é muito importante na formação e na especialização do profissional. É nesse período, em geral de dois a cinco anos, que o aluno treina na prática a teoria que aprendeu na faculdade. Hoje, porém, dos 388 mil médicos do país, pelo menos 88 mil trabalham sem título de especialista.
                  Decerto menos controversa, a nova proposta nem por isso está livre de críticas. É desaconselhável, por exemplo, mudar as regras de credenciamento de quem já está na faculdade. Mais importante do que isso, será difícil o governo assegurar vagas para todos os residentes e garantir a adequada supervisão do formando nesse período.
                  São pontos que merecem debate, mas não bastam para rejeitar a medida. Representantes de algumas associações médicas, no entanto, já afirmam que a queda de braço não será interrompida. Enquanto o governo se apequena com improvisos e recuos, a intransigência classista se engrandece.

                  As penas de Manning
                  Era difícil ser diferente. Bradley Manning, 25, o soldado que em 2010 entregou mais de 700 mil documentos confidenciais da diplomacia e das Forças Armadas dos EUA ao site WikiLeaks, recebeu de uma corte militar a condenação por crimes de espionagem.
                  Deve-se ao analista de inteligência do Exército o conhecimento de diversos atos ilegais cometidos pelas tropas norte-americanas em guerras no Iraque e no Afeganistão e de detalhes sobre os presos na base de Guantánamo.
                  Ao divulgar essas e outras informações, revelando segredos de Estado, o soldado estava ciente de que cometia crimes militares. Tanto que admitiu ser culpado de dez das 22 acusações imputadas a ele.
                  A juíza que conduziu o caso foi mais rigorosa. Manning foi condenado por 19 delitos. Suas penas, que ainda não foram definidas, podem chegar a 136 anos de prisão.
                  Não deixa de ser significativo, contudo, que o soldado tenha sido absolvido da acusação mais grave: a de colaborar com o inimigo, passível de pena de morte.
                  Eventual condenação por esse crime abriria grave precedente. No limite, qualquer vazamento para organizações jornalísticas poderia receber a mesma punição --já que terroristas podem encontrar as informações e se beneficiar delas.
                  Ainda assim, é negativo o saldo do julgamento --especialmente pelo contexto em que se inscreve.
                  Manning não é um caso isolado. Desde 1917, o governo dos EUA recorreu apenas 11 vezes à Lei de Espionagem, oito das quais na gestão do presidente Barack Obama.
                  Entre os acusados está Edward Snowden, o ex-técnico da CIA que revelou o amplo esquema americano de monitoramento de comunicações pela internet.
                  É evidente que todo governo tem o direito de garantir sua segurança nacional, e motivos não faltam para que esse item seja prioritário na agenda norte-americana. Mas a existência de certos limites deveria ser igualmente óbvia.
                  No caso de Bradley Manning, os EUA decerto se excederam. Antes de ser julgado, o soldado passou três anos em prisão preventiva. Por cerca de dez meses, foi confinado nu em uma cela solitária --no que o comissário da ONU para tortura classificou de punição cruel, desumana e degradante.
                  A definição das penas de Manning mostrará onde o governo dos EUA pretende fixar o ponto de equilíbrio entre a justa proteção nacional e a preservação de liberdades tão caras ao país, como a de expressão e a de imprensa.

                  Ex-escrava sexual combate a prostituição infantil com distribuição de sabonetes

                  folha de são paulo
                  MINHA HISTÓRIA - THERESA FLORES, 48
                  Banho de dignidade
                  DEPOIMENTO A...
                  JOANA CUNHA
                  DE NOVA YORK
                  Ouvir o texto

                  Theresa Flores, 48, tinha pouco mais de 15 anos quando foi capturada por traficantes sexuais nos Estados Unidos. Ela foi enganada, chantageada e forçada à prostituição. Atualmente, lidera uma instituição que fundou para combater o problema. Com a ajuda de voluntários, distribui em motéis sabonetes com um número de telefone para denúncias na embalagem. Em 2014, quer trazer a experiência para o Brasil.
                  *
                  Eu fui uma adolescente de família de classe média alta em Detroit, uma família normal. Era ingênua, como toda menina, e acabei me apaixonando por um garoto um pouco mais velho que frequentava a minha escola.
                  Por mais de seis meses, ele foi simpático comigo, sempre dizendo que eu estava bonita. Qualquer garota gosta desse tipo de atenção.
                  E assim ele foi me conquistando, até o dia em que se ofereceu para me levar em casa. No meio do caminho, porém, mudou a rota e foi para a casa dele. Disse que gostava de mim, me convenceu a entrar e me deu uma bebida, que devia conter alguma droga.
                  Então eu fui estuprada. Foi o início de dois anos em que me tornei uma escrava sexual. Ele não estava sozinho e fotografava a cena.
                  Dias depois, ele me contou o que tinha acontecido e me mostrou as fotos, dizendo que as levaria para o meu pai, para o chefe do meu pai e que as espalharia pela escola se eu não os obedecesse.
                  A partir daí, começou a ir me buscar algumas vezes por semana, depois que meus pais iam dormir. Eu tinha de sair escondida e era levada a porões da região, onde ficava até as 4h da manhã sendo estuprada por cerca de dez homens por noite.
                  Arquivo Pessoal
                  Theresa Flores
                  Theresa Flores
                  Às vezes era um por vez, outras vezes apareciam juntos e usavam objetos.
                  Ele era um menino atuando como recrutador para pessoas mais velhas, que fizeram muito dinheiro com isso.
                  Depois me deixava em casa e eu tinha de acordar cedo para ir à escola. Sem entender por que eu me deprimi, meus pais me mandaram para a terapia, mas eu não consegui contar nada.
                  Além das chantagens, eles me batiam, me drogavam, diziam que matariam minha família, mataram meu cachorro com um tiro e deixavam pássaros mortos na minha caixa de correio.
                  Não me sequestrar e permitir que eu continuasse vivendo com os meus pais foi um meio de me manter sob controle.
                  Na pior noite, depois de me leiloarem para mais de 20 homens e me largarem em um motel imundo, eu consegui sair andando pela rua. Foi quando uma garçonete de um restaurante próximo me percebeu, ofereceu ajuda e chamou a polícia.
                  Hoje eu tenho um projeto chamado SOAP (Save Our Adolescents from Prostitution [a sigla, que significa sabonete em inglês, é um apelo ao combate à prostituição de crianças e adolescentes]).
                  O nome do projeto faz referência à única coisa que me dava algum conforto depois de horas de estupro: uma barra de sabão com que eu pudesse me lavar.
                  Levamos voluntários aos pequenos hotéis e motéis onde essa exploração pode acontecer e fornecemos milhares de sabonetes com um número de telefone para denúncias nas embalagens, na esperança de que uma dessas meninas tenha acesso.
                  Também divulgamos fotos de crianças desaparecidas e treinamos funcionários dos estabelecimentos para que identifiquem comportamento suspeito entre os hóspedes.
                  No ano que vem, levarei esse trabalho ao Brasil, na Copa do Mundo. Segundo o FBI [polícia federal americana], que realizou uma grande operação contra a prostituição infantil nesta semana, um dos principais ambientes para esse tipo de crime são os grandes eventos esportivos, que atraem um volume maior de turistas homens.
                  Durante o Super Bowl [final do torneio de futebol americano], o esforço de 300 voluntários costuma resgatar até oito meninas. Para a Copa, estimamos 14.
                  Minha recuperação foi difícil até eu descobrir que a minha história não é única. Quando comecei a estudar sobre tráfico humano, aprendi que esse é um dos crimes mais recorrentes nos Estados Unidos e que precisa ser combatido.

                  Gente "diferenciada" de Portugal - Patrícia Campos Mello

                  folha de são paulo

                  Gente "diferenciada" de Portugal


                   
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                  DE LISBOA - Cristina Espirito Santo, herdeira de uma das famílias mais ricas de Portugal, deveria ter investido parte de sua fortuna em "media training".
                  Em entrevista à revista do semanário Expresso, Cristina afirmou que gostava de ir a Comporta, uma das praias frequentadas pela alta sociedade lisboeta, para "brincar aos pobrezinhos" --em tradução livre, fingir-se de pobre.
                  Na reportagem, intitulada 'Como se vive no refúgio das elites', Cristina queria dizer que podia ficar relaxada, andando de chinelos, na praia onde sua família tem várias propriedades e que pode ser comparada a Trancoso e seu apelo "hippie chique".
                  Mas a declaração desastrada ficou "viral" na internet. Nas redes sociais, rodinhas e nos jornais, só se falava disso.
                  Dizer que vai se "fingir de pobre" na praia dos ricos, em um país com desemprego na faixa dos 17% e PIB encolhendo é, no mínimo, de extremo mau gosto. Em Portugal, tem muita gente "brincando de pobrezinho", mas não por vontade própria
                  Lembrou muito o pessoal da "gente diferenciada" de Higienópolis.
                  Em 2010, uma moradora do bairro que se opunha à construção de metrô em Higienópolis disse à Folha: "Eu não uso metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição do bairro. Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada..."
                  Pouco depois, foi organizado o "churrascão da gente diferenciada", para protestar contra o cancelamento da estação de metrô na avenida Angélica.
                  Portugal vai na mesma linha. Após convocação pelo Facebook, os "pobrezinhos" prometem invadir a praia de Comporta no dia 10 de agosto. Na versão lisboeta dos farofeiros, vão munidos de "geleira" (isopor) e "alheiras" (linguiças).
                  patrícia campos mello
                  Patrícia Campos Mello é repórter especial da Folha e escreve para o site, às sextas, sobre política e economia internacional. Foi correspondente em Washington durante quatro anos, onde cobriu a eleição do presidente Barack Obama, a crise financeira e a guerra do Afeganistão, acompanhando as tropas americanas. Em Nova York, cobriu os atentados de 11 de Setembro. Formou-se em Jornalismo na Universidade de São Paulo e tem mestrado em Economia e Jornalismo pela New York University. É autora dos livros "O Mundo Tem Medo da China" (Mostarda, 2005) e "Índia - da Miséria à Potência" (Planeta, 2008).

                  Mônica Bergamo

                  folha de são paulo

                  Gestora da TV Alesp entra com recurso para suspender nova licitação do canal

                  Gestora da TV Alesp há cinco anos, a Fundac entrou com recurso pedindo a suspensão da licitação para escolher a nova administradora do canal da Assembleia Legislativa de SP. Inabilitada para a concorrência, a fundação aponta "equívoco quanto à formação de preços" e "direcionamento da licitação". O valor estimado do edital é de R$ 22 milhões.
                  CANAL
                  "Questionamos a inabilitação da Fundac e os critérios de formação do preço", explica o advogado da fundação, Matheus Gregorini. A Fundac apresentou uma certidão errada. Entre as sete das 14 propostas inabilitadas estão a da Fundação Renato Azeredo (TV Justiça), a da TVT (ligada à CUT) e a da Funcomarte. A comissão de licitação deve julgar os recursos até terça.
                  CANAL 2
                  Em nota, a Alesp diz que "a licitação segue rigorosamente as determinações da lei". Quanto à formação de preço, afirma que "os envelopes ainda não foram abertos e, portanto, não se sabe quais valores serão apresentados".
                  INTIMIDADE
                  Daniel Klajmic/Divulgação
                  Alice Braga reafirma seu jeito reservado em entrevista à "GQ": "A Lili é para os amigos, a Alice é a dos filmes", diz a atriz, prestes a estrear o longa "Elysium".
                  SOB MEDIDA
                  Cem crianças e adultos com deficiência vão receber cadeiras de rodas personalizadas amanhã na Faculdade de Medicina da USP. A instituição gastou R$ 40 mil na compra dos equipamentos, e o Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas investiu R$ 70 mil na customização, com verba do SUS. As cadeiras são adaptadas para atender a necessidades individuais.
                  COMPAÑEROS
                  O livro "Dez Anos de Governos Pós-Neoliberais: Lula e Dilma", baixado mais de 400 mil vezes desde o lançamento, em maio, será publicado em espanhol. A iniciativa é da editora do Instituto do Equador, responsável pela distribuição do título no México e na Argentina. Organizada pelo sociólogo Emir Sader, a obra está disponível de graça na internet.
                  AUTORAMA
                  O Pavilhão da Bienal foi escolhido pela Ford para o lançamento do novo Focus no Brasil. Entre 29 de agosto e 1º de setembro, vai funcionar no parque Ibirapuera a Focus Pop-up Gallery. "É uma forma de o consumidor brasileiro ter proximidade com o produto em um contexto da cidade", explica Rogelio Golfarb, vice-presidente da montadora.
                  *
                  Nos 5.000 m² do pavilhão, 20 veículos da marca serão apresentados ao público, em meio a shows e exposições.
                  IDEIA QUENTE
                  Gal Costa fez na quarta-feira (31) o show de encerramento do prêmio HotSpot, idealizado por Paulo Borges, que recebeu inscrições nas categorias música, design, arquitetura, moda e foto, entre outras. Estiveram no Memorial da América Latina o estilista Ronaldo Fraga, a atriz Heloisa Jorge, o arquiteto Marcelo Rosenbaum e Manuela Yamada, ganhadora do principal prêmio da noite.

                  Gal Costa e Ronaldo Fraga vão a premiação

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                  Zanone Fraissat/Folhapress
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                  A cantora Gal Costa fez o show de encerramento do prêmio HotSpot, no Memorial da América Latina, na quarta (31)
                  BRANQUINHO
                  Celso Kamura aprova a ideia de Dilma Rousseff de usar a cabeleira grisalha quando deixar a Presidência. "Sempre falo que com o cabelo branco a mulher precisa estar bem maquiada e bronzeada, o que dá jovialidade e elegância", diz o cabeleireiro da presidente desde a campanha em 2010.
                  LISTA VIP
                  Kamura inaugura seu salão no Rio, em sociedade com Angélica e Luciano Huck, em setembro. Diante do carinho da presidente com "Kamurete", como ela o chamou em entrevista à Folha, o apresentador quis saber se Dilma iria à inauguração. "Acho difícil, ela não gosta de festa", respondeu.
                  PONTE AÉREA
                  Nove meses depois de abrir as portas nos Jardins, em São Paulo, o Bagatelle, misto de restaurante e balada que é sucesso em Nova York, vai ter um segundo endereço no Brasil. "Estamos procurando ponto no Rio de Janeiro para inaugurar até o fim do ano uma unidade entre Ipanema e Leblon", diz Guilherme Chueire, um dos sócios do empreendimento.
                  SOPA DE LETRAS
                  O livro "Lotte & Zweig", de Deonísio da Silva, será lançado na Itália com o título "Stefan Zweig Deve Morire" (Stefan Sweig deve morrer, em tradução livre). A obra foi adaptada por Giovanni Ricciardi, italiano estudioso da literatura brasileira.
                  CURTO-CIRCUITO
                  O grupo Nenhum de Nós faz show de lançamento de DVD nesta sexta (2), no Cine Joia, à meia-noite. 18 anos.
                  O Bazar Vintage Huis Clos ocorre sexta e sábado (2 e 3) na rua do Bosque, 185, Barra Funda. Das 10h às 18h.
                  A festa paulistana Javali estreia no Rio nesta sexta-feira, às 23h, no Cais da Imperatriz, na Gamboa. 18 anos.
                  A top Fernanda Motta irá ao Premiere Gramado, evento gaúcho de música eletrônica e gastronomia, a partir da próxima quinta.
                  Com ELIANE TRINDADE (interina), JOELMIR TAVARES e ANA KREPP
                  Mônica Bergamo
                  Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.