sábado, 22 de junho de 2013

Grupo em Paris faz almoço-balada para combater desperdício de alimentos - JAKE CIGAINERO

folha de são paulo
JAKE CIGAINERO
DA "SPARKNEWS", EM PARIS

Numa manhã recente de primavera em uma feira livre num subúrbio ao leste de Paris, mais ou menos 70 pessoas, jovens e velhas, estavam diante de fileiras de mesas, cortando e fatiando pilhas de frutas e verduras coloridas, preparando um bufê feito inteiramente de... lixo. Verdade.
A maioria dos ingredientes desse banquete tinha sido resgatada do lixo no dia anterior pelo grupo de voluntários Disco Soupe, que combate o desperdício de alimentos em toda a França.
De acordo com os organizadores, cada evento do Disco Soupe recupera entre 80 e 200 quilos de vegetais em perfeito estado que, de outro modo, acabariam no lixo.
Jake Cigainero/Sparknews
Voluntários transformam restos de alimentos em sopa nas ruas de Paris
Voluntários transformam restos de alimentos em sopa nas ruas de Paris
Um relatório recente do britânico Instituto de Engenheiros Mecânicos estimou que até 50% dos hortifrútis são jogados fora todos os anos. São até 2 bilhões de toneladas de alimentos que nunca chegam a ser consumidos.
Para combater esse desperdício colossal, o Disco Soupe, criado há pouco mais de um ano, inspirou-se num evento alemão promovido uma vez por ano em Berlim. Mas o grupo parisiense multiplicou os eventos em escala menor, primeiro na capital e seus arredores e depois em todo o país.
E seus membros acrescentaram um toque francês que estava em evidência no almoço na feira livre naquele sábado: comida fresca e boa, primorosamente preparada. A refeição --gratuita para qualquer pessoa que aparecesse, tivesse ela contribuído ou não-- consistiu em uma enorme travessa de guacamole, saladas verdes com funcho e vinagrete de tomates, um caldeirão de sopa cremosa de abobrinha e uma sobremesa de bagas e maçãs.
Muitos dos comensais tinham passado horas fatiando os legumes, tudo ao ritmo de uma banda de metais com 15 instrumentistas. Laura Thierry, 28, uma das voluntárias do Disco Soupe, descreve os eventos comunitários como "festas de aproveitamento do desperdício alimentar".
"Para mim, os eventos são um pouco poéticos e absurdos", disse a voluntária, que é consultora empresarial especializada na criação de ambientes de trabalho colaborativos. "Preparamos comida em quantidades enormes, há música e é de graça."
Todos querem participar, segundo ela. "As pessoas querem cortar e descascar muito rápido. Isso realmente gera uma energia coletiva que é sempre bela e poderosa."
O Disco Soupe obtém muito de suas frutas e verduras dos vendedores atacadistas num gigantesco centro de distribuição em Rungis, na zona sul de Paris. Os comerciantes doam os hortifrútis que consideram "invendáveis", por não serem suficientemente perfeitos, estarem próximos da data de vencimento ou serem excedentes que não foram vendidos.
No caso da salada, as folhas usadas eram restos de alfaces compradas por um restaurante parisiense de alta categoria que emprega apenas os corações das alfaces. As folhas externas, comestíveis, geralmente são jogadas no lixo.
Os participantes também são incentivados a esvaziar suas geladeiras, trazendo legumes ou frutas que de outro modo poderiam passar do ponto. Uma mulher viu um cartaz do Disco Soupe na padaria de seu bairro e doou um saco de hortifrútis que teriam estragado enquanto ela tirava férias.
Em 2012, ano em que o Disco Soupe começou, o grupo organizou cerca de 12 eventos na área de Paris em apenas nove meses. Sua meta para 2013 era chegar a 13 cidades. Em junho, mais ou menos 40 eventos do Disco Soupe já tinham sido promovidos em quase 20 cidades, com a ajuda de 200 voluntários.
"Não tivemos a intenção de ganhar adesões e liderar", diz Thierry. "Só queríamos ajudar pessoas a fazerem a mesma coisa que estávamos fazendo em Paris. Isso criou um espírito comunitário real."
A ideia veio do Schnippel Disko, evento promovido anualmente em Berlim para celebrar o movimento do "slow food" e a música e que atrai centenas de pessoas. Segundo Thierry, apenas entre 50 e 75 pessoas vieram para cada um de vários eventos do Disco Soupe promovidos em Paris em abril. Ela prefere o formato menor porque assim os voluntários podem conversar com os participantes sobre a proposta principal do grupo: reduzir o desperdício de alimentos, aproveitando ao máximo o que cada um tem em sua despensa.
Durante o almoço do sábado em Montreuil, Geneviève Aubin, que estava participando pela primeira vez, comentou: "É gostoso preparar a refeição e comê-la juntos. A comida é de alta qualidade, e o evento é bom para a comunidade."
O ambiente dos eventos é sempre animado e cordial, mas muda segundo o local do evento. Em Belleville, bairro da zona nordeste de Paris, o evento do Disco Soupe teve brincadeiras para as crianças, workshops de arte com a utilização de sacos plásticos reciclados, e uma dupla tocando melodias em realejos. Em outro evento no subúrbio de Villejuif, um antigo depósito industrial cheio de trabalhos de arte e objetos diversos atraiu um público mais jovem e descolado.
Cada evento do Disco Soupe custa aos organizadores cerca de cem euros, gastos principalmente em pratos e tigelas ecológicos e outros artigos de cozinha. Os custos maiores incluem o seguro e o treinamento em higiene alimentar. Para financiar os custos administrativos e dar início ao movimento na França, os organizadores lançaram uma campanha no site de financiamento coletivo Kiss Kiss Bank Bank, em dezembro passado. Depois de 45 dias de levantamento de fundos on-line, o grupo tinha ultrapassado em 13% sua meta de angariar US$ 5.000: tinha conseguido US$ 5.660.
A campanha chamou a atenção de pessoas em outras cidades, interessadas em organizar seus próprios grupos. Quando a campanha de levantamento de fundos começou, as festas de aproveitamento de alimentos desperdiçados só existiam em cinco cidades francesas. Ao final, 15 cidades já tinham aderido à proposta.
O grupo de Paris é composto de dez organizadores principais e uma equipe de 30 voluntários. Aqueles que já têm em comum a paixão pela comida e a maximização de recursos usam o Disco Soupe como oportunidade para trabalhar com pessoas que compartilham seus interesses, contribuir para a comunidade e ensinar outros sobre a sustentabilidade alimentar.
Enquanto o movimento ganha força, Thierry diz que quer atrelar a mesma energia de seu "formato inovador e participativo" para criar vínculos com outras iniciativas de reciclagem, visando conscientizar pessoas sobre a sustentabilidade e a redução de desperdício.
"O importante é educar", diz ela. "O melhor não é fazer as pessoas se sentirem culpadas por desperdiçar alimentos. É melhor fazer algo com alegria. A melhor maneira de combater o desperdício de alimentos é conversar com as pessoas e converter o que se faz em um ato positivo para a sociedade."
Tradução CLARA ALLAIN

Programa internacional une jornais em torno de soluções para problemas locais e globais

folha de são paulo

DE SÃO PAULO

Vinte e dois veículos de comunicação em 20 países, entre eles a Folha, se unem hoje para publicar reportagens que trazem soluções concretas para problemas sociais, ambientais, de saúde e educação, entre outros temas, enfrentados em todas as partes do mundo.
O objetivo do Dia do Jornalismo de Impacto, organizado pelo projeto Sparknews --comunidade internacional de jornalistas e empreendedores sociais-- é difundir informações sobre essas iniciativas criativas em nível local e global e incentivar os leitores a disseminá-las.
A organização estima que 50 milhões de leitores serão atingidos pela iniciativa deste sábado, que inclui reportagens produzidas pela equipe da própria Sparknews e também por todos os veículos parceiros, que incluem o "Le Monde", da França, o "La Stampa", da Itália, e também o "The Nation", da Nigéria, e o "The Times of India". Mais informações sobre o Dia do Jornalismo de Impacto e mais artigos escritas ao redor do mundo estão no site www.sparknews.com.
Leia essas reportagens:

ONG quer fazer perfil de alunos e melhorar notas

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SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO

O sucesso de uma pessoa é, em parte, determinado por características individuais como autoestima e persistência, que podem ser trabalhadas desde a infância. O desafio é saber como desenvolver essas habilidades na escola.
Um grupo do IAS (Instituto Ayrton Senna), ONG que trabalha com 2 milhões de alunos em 1.300 municípios do Brasil, está mapeando características de personalidade em crianças do país para ajudar a desenvolvê-las.
A ideia é que o trabalho ajude a formulação de políticas públicas para o desenvolvimento das chamadas habilidades "não cognitivas" na rede pública.
Em outras palavras, o ensino da tabuada e da gramática --habilidades cognitivas-- andaria de mãos dadas com atividades que promovam o trabalho em grupo, a concentração e a resiliência.
"Isso é importante na escola pública para diminuir a desigualdade social", explica a coordenadora de avaliação e desenvolvimento do IAS, Tatiana Filgueiras.
Ao todo, 55 mil estudantes de escolas públicas do Rio de Janeiro serão avaliados. A identificação é feita por meio de questionários com perguntas simples. Por exemplo, como a criança reage a um obstáculo ou de que forma lida com frustrações.
A fase final da pesquisa deve acontecer em agosto. Os resultados estão previstos para o final deste ano.
FAZENDO AS CONTAS
O desenvolvimento da inteligência emocional é também fundamental para que o aluno desenvolva as atividades cognitivas, como a própria matemática.
"A criança é constituída de muitas habilidades que estão interconectadas com a esfera afetiva, comportamental e relacional", diz o psicólogo Fábio Villela, do Departamento de Educação da Unesp de Presidente Prudente.
Um problema em matemática, por exemplo, pode estar mais ligado a questões como ansiedade ou instabilidade emocional do que ao ensino dos números em si.
Entender essa relação e saber como melhorar é especialmente importante no cenário brasileiro.
O país está em 56º lugar em desempenho de matemática em uma lista de 65 países avaliados no Pisa (Programa de Avaliação Internacional dos Estudantes da OCDE).

Quadrinhos

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CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE
DIK BROWNE

Entrevista João Jornada

folha de são paulo
Tecnologia pode formar montadora 100% nacional
Centro administrado pelo Inmetro terá R$ 100 milhões para elevar competitividade e exportações do setor
FELIPE NÓBREGADE SÃO PAULOO Brasil fechou 2012 com o recorde de 3,6 milhões de automóveis emplacados, alta de 3% em relação ao ano anterior. Mas uma questão preocupa o governo: o setor exportou apenas 433 mil unidades em 2012, quase a metade do volume importado.
Para fortalecer a indústria automobilística, o governo irá investir R$ 100 milhões na construção de um centro de tecnologia que dará apoio às empresas do setor, incluindo às de autopeças, para que elas elevem a exportação de veículos em 130% até 2017.
O complexo está sendo construído em Xerém (RJ) e será administrado pelo Inmetro. O presidente do instituto, João Jornada, disse em entrevista à Folha que o centro abrirá portas para a criação de uma montadora genuinamente nacional.
Folha - Carros nacionais com alto volume de vendas foram mal em testes recentes de impacto. Isso acelerou a criação desse complexo?
João Jornada - Não teve absolutamente nenhuma influência, o que não quer dizer que desprezamos esses estudos. Uma decisão dessa [de construir um centro tecnológico] não pode ser tomada da noite para o dia. O projeto já vem sendo costurado há cerca de quatro anos pelo Ministério do Desenvolvimento, pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial e pelo Inmetro, por sugestão e iniciativa da Anfavea [associação das montadoras].
O Centro de Tecnologia Automotiva tem como principal objetivo incrementar a segurança e a qualidade dos carros produzidos no país, beneficiando o consumidor e permitindo que os automóveis possam ser competitivos no mercado internacional, como foi feito na Coreia do Sul [com a Hyundai e a Kia], que apostou em uma política industrial agressiva voltada para exportação de veículos.
Segundo o Inmetro, as montadoras se comprometeram a elevar a produção ao patamar de 5,6 milhões de automóveis em 2017, sendo 1 milhão para exportação, volume 75% maior do que o atual. Como isso será possível se mercados importantes sofrem retração?
Não cabe ao Inmetro avaliar questões de política macroeconômica. Isso é responsabilidade de outros setores do governo. Nosso viés é técnico-científico e iremos apoiar a indústria nacional para que ela seja mais competitiva. Mas é lógico que temos consciência do cenário internacional e temos estratégias a curto, a médio e a longo prazo. Mas se o Brasil consegue exportar avião, que é um produto altamente tecnológico, por que não consegue exportar automóvel? A Embraer, hoje, é a terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo.
Quais serão os principais pontos de atuação desse centro tecnológico e quando ele ficará pronto?
O Inmetro já atende a cadeia produtiva do setor em diferentes áreas, como metrologia científica e industrial, regulamentação e acreditação. O Centro de Tecnologia Automotiva, que também está sendo instalado no complexo em Xerém, terá três pilares de atuação e envolverá serviços, pesquisa, desenvolvimento e inovação.
O primeiro pilar será o laboratório de segurança veicular, para a realização de ensaios de crash test' e homologação de itens de proteção ativa e passiva instalados nos veículos. O segundo será o laboratório de eficiência energética e de emissões. Ele fará ensaios buscando aprimorar o consumo e o nível de emissões de poluentes dos motores. Ambos devem ficar prontos entre o final de 2014 e início de 2015.
O terceiro eixo será o apoio e o desenvolvimento da inovação na indústria de autopeças. Tudo dentro do contexto do Inovar-Auto [programa de incentivo à cadeia produtiva de veículos] e do Plano Brasil Maior de comércio exterior.
Qual o valor do investimento?
Será de R$ 100 milhões. Em princípio, tudo custeado pelo governo, como aconteceu em outros países que decidiram apoiar estrategicamente algum setor potencial de sua economia. A longo prazo, esse investimento deverá ser recompensado pelo favorecimento da balança comercial, por meio de mais dividendos ao país, empregos qualificados e valor agregado aos produtos.
As empresas que se utilizarem dos serviços obviamente vão pagar por eles. Realizando os próprios experimentos aqui, teremos condições de nos antever ainda às necessidades de outros mercados, desenvolvendo produtos já adaptados à realidade deles.
Entre os grandes mercados automotivos, apenas o brasileiro não possui uma marca genuinamente nacional. O conhecimento gerado a partir desse novo complexo tende a mudar esse cenário?
Sem dúvida, pois ficará mais fácil para investidores locais desenvolverem uma linha de carros. Com a criação dos laboratórios, criaremos uma rede de relacionamento com os mais renomados projetistas e cientistas do mundo. Sendo assim, se não tivermos alguém no Brasil especializado para executar alguma tarefa, certamente conseguiremos indicar alguém. Mas é claro que estamos preocupados em melhorar a competitividade de quem já está fabricando carros aqui, independentemente se a empresa é uma multinacional, afinal elas produzem e geram empregos aqui.
O Inmetro tem projetos de desenvolvimento de motores em curso também. Há algum estudo específico para a criação de uma nova geração de motores flex?
Já temos um projeto em curso de um motor flex que prioriza o uso do etanol, pois propulsores bicombustíveis atuais foram, na verdade, concebidos para rodar com gasolina. Temos outro projeto de motor a biodiesel para tratores. Acreditamos que possa ser útil desenvolvermos uma configuração de propulsão específica para cada região.
    RAIO-X JOÃO JORNADA
    NASCIMENTO
    1949, em São Borja (RS)
    CARREIRA
    Presidente do Inmetro, professor titular do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador nas áreas de física da matéria condensada e ciência dos materiais
    FORMAÇÃO
    Doutor em física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com pós-doutorado no Nist (National Institute os Standards and Technology), nos Estados Unidos

    Minha História Yityish Titi Aynaw

    folha de são paulo
    A nova rainha de Sabá

    Aviv Phayon/Efe
    Yityish Aynaw encontra Barack Obama e Shimon Peres (centro) em março, pouco depois de ser coroada Miss Israel
    Yityish Aynaw encontra Barack Obama e Shimon Peres (centro) em março, pouco depois de ser coroada Miss Israel
    A jovem perdeu os pais ainda criança e migrou da Etiópia para Israel; lá, ganhou o concurso de miss e se tornou ícone da comunidade etíope
    DIOGO BERCITODE JERUSALÉMHá dez anos, eu vivia em uma pequena cidade na Etiópia e corria de pés descalços nas florestas, brincava na lama. Depois que meus pais morreram, vim para Israel com meu irmão mais velho. Vim ficar com meus avós, que nunca tinha visto.
    Era um país estranho para mim, com uma nova língua, uma nova cultura. Estudei em um internato e tive de superar diversos obstáculos.
    Soube desde cedo que eu era sozinha e que, se não tomasse conta de mim mesma, ninguém faria isso por mim.
    Há três meses, minha vida mudou de uma maneira drástica. Frequentemente sinto que estou vivendo em um sonho que eu não ousava sonhar. Estou feliz e nem sempre consigo digerir as experiências que tive em um período de tempo tão curto.
    Quando Shimon Peres, presidente de Israel, me apresentou a Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, disse que eu era a nova rainha de Sabá. Foi algo muito animador.
    AMIGA
    Quando vim a Israel, comecei imediatamente a estudar no internato. Não conhecia a língua. Sentei ao lado de uma estudante israelense. Ela virou minha melhor amiga, e somos melhores amigas até hoje. Ela me recomendou o concurso de beleza, me ensinou a língua.
    Eu era uma estudante teimosa. Se não entendia alguma coisa que a professora havia dito, não deixava ela continuar a ensinar até eu compreender a explicação.
    Meus avós eram adultos e mesmo eles não sabiam a língua hebraica corretamente, então lutei todos os dias para aprender e entender.
    No internato, não havia apenas etíopes. Havia crianças nascidas em Israel e também imigrantes da Rússia. Então eu não me sentia como uma minoria. Sempre fui parte de um ambiente misto.
    A comunidade etíope é muito fechada. Estamos em Israel há 30 anos, não muito tempo. Viver em outro país não é fácil, em especial para pessoas mais velhas. É mais difícil para eles aceitarem a mudança, encontrarem trabalho, aprenderem a língua.
    Acho que minha geração e a geração seguinte terão mais chances de se adaptar confortavelmente a Israel.
    COR
    Percebi que, nos últimos dois meses, depois da minha vitória no concurso, há uma cobertura mais positiva na mídia a respeito dos imigrantes etíopes --e espero que logo as pessoas possam ver através da cor da pele.
    Minha melhor amiga, israelense, sempre me encorajou a ir para a competição. Eu achava que já estava na hora de Israel ter uma rainha da beleza vinda da Etiópia.
    Realmente quero ser uma modelo e quero representar Israel. Acredito que a competição é a maneira mais correta de fazer ambas as coisas.
    Depois da escola, estive no Exército. Fui uma instrutora da Polícia Militar. Instruía soldados. Servi durante três anos. Saí do serviço em setembro, e trabalhei como vendedora em uma loja de sapatos. Então ganhei o concurso e larguei o emprego.
    Estou orgulhosa de representar a comunidade etíope em Israel. Cada um de nós, à sua própria maneira, contribui para a consciência, criando uma ponte entre o povo que vive em Israel.
    MAR
    Este é meu país. Eu me senti em casa imediatamente. Mesmo que não seja fácil, ainda assim essa é a minha casa. Amo o calor humano, as paisagens. Amo o mar.
    Quando estava no internato, participava de corridas, era meu alívio. Corria na praia. Sempre vou à praia para pensar, para relaxar.
    Viajei para a Etiópia em setembro passado, quando saí do Exército. Fiquei um mês lá. Usei minhas economias para construir a lápide do túmulo da minha mãe. Não é muito visitado, porque não há membros da família morando nas redondezas. Quis investir para preservar.
    Visitei também minha família na Etiópia e fechei um círculo importante. Depois de tantos anos de dificuldades, me entreguei ao fato de que não tenho pais. Sabia que tinha de ir, tomar conta do túmulo da minha mãe e começar a viver minha vida.

      Tv Paga


      Estado de Minas: 22/06/2013 


      Merecida homenagem


      Em homenagem ao premiado ator James Gandolfini (1961-2013) – foto –, intérprete do memorável Tony Soprano na série dramática Família soprano, a HBO exibe a partir da 0h programação especial que inclui conteúdos estrelados pelo ator, que morreu na quarta-feira. A maratona incluirá os melhores episódios da série e diversos filmes estrelados pelo ator, como Cinema Verité e In the loop.

      Perseguição alucinante
      no tempo e no espaço


      Homens de preto 3 é a atração das 22h na HBO. O agente J viaja no tempo e chega à década de 1960, para impedir que um poderoso alienígena mate o agente K. Se isso ocorrer, a situação vai mudar o curso da história. O longa, com direção de Barry Sonnenfeld, tem no elenco Will Smith e Thommy Lee Jones.

      O sonho de trabalhar com
      jornalismo investigativo


      A minissérie O campo de sangue, às 15h, na +Globosat, é ambientada na Glasgow, em 1982. O drama policial conta a história de Paddy Meehan, jovem jornalista que vive em um mundo quase exclusivamente masculino, no qual as oportunidades para ela são limitadas. Paddy sonha trabalhar com jornalismo investigativo por acreditar que, quando a Justiça falha, a imprensa é a única esperança para desvendar
      casos misteriosos.

      História dos tempos
      antigos vira série


      A história esquenta em Grandes batalhas da antiguidade, às 22h, no Nat Geo. Enquanto Marco Antônio se apaixona por Cleópatra, o sobrinho de César, Otávio, declara guerra ao Egito. O confronto final entre os dois líderes será na costa de Actium, em batalha naval espetacular. Em seguida, depois da morte de César, seu sobrinho Otávio e Marco Antônio uniram forças para eliminar seus rivais no Império Romano, ação que resultou na Batalha de Phillipe.

      Mulheres optam por
      sair com os mais jovens


      “A idade da loba” é o tema do The Ricki lake show, às 22h, no Fox Life. Na atração, Ricki e sua convidada, a psicoterapeuta Brooke Miller, conversam com mulheresque estão entrando para um crescente grupo de mulheres mais velhas que saem com homens mais novos. Apesar de ser seu estilo de vida, nem todos aprovam esses romances. Em seguida, discutem a difícil vida de celebridades à procura de amor verdadeiro. 

      O filósofo Luc Ferry defende os valores do humanismo e da espiritualidade laica-João Paulo‏

      O filósofo Luc Ferry defende os valores do humanismo e da espiritualidade laica. Ex-ministro da Educação de seu país, ele é otimista em relação à globalização 

      Estado de Minas: 22/06/2013 

      João Paulo

      Autor do best-seller filosófico Aprender a viver, o pensador francês Luc Ferry faz palestra hoje a estética do prazer, em Tiradentes


      O pensador francês Luc Ferry é um homem otimista. Enquanto o cenário intelectual parece se afundar num mar de queixas sobre o esvaziamento dos valores do mundo contemporâneo e acerca da crise europeia, ele prefere celebrar a boa vida. Para o filósofo, autor de obras como A revolução do amor e Aprender a viver, nunca estivemos em melhor situação: a democracia é um valor universal, as mulheres são respeitadas como nunca antes na história e as conquistas das políticas de seguridade dos países desenvolvidos se tornaram modelo para todo o mundo.

      Ex-ministro da Educação da França, entre 2002 e 2004, o filósofo é um dos mais representativos defensores do que chama de humanismo secular, uma filosofia baseada na razão, na ética e na justiça. Uma das decisões mais comentadas de sua gestão foi a proibição do uso de símbolos religiosos nas escolas francesas pelos alunos. E é com a segurança de quem defende ideias humanistas e se tornou um dos mais lidos filósofos contemporâneos, que Luc Ferry participa hoje, em Tiradentes, do Congresso de Inovação e Design da Amide, onde profere a palestra “A estética do prazer e a questão dos critérios da beleza”.

      “Assim como a consciência infeliz, tão bem descrita por Hegel, nós temos a tendência de somente perceber na história aquilo que desmorona e morre, e quase nunca percebemos aquilo que surge e ganha vida”, aponta Ferry. Para ele, um dos maiores desafios do nosso tempo é perceber os sinais que mostram que atravessamos novos tempos. “Estamos vivendo o nascimento de uma nova significação, que não é mais aquela de Voltaire e de Kant, dos direitos do homem e da razão, destas luzes que certamente foram portadoras de um vasto projeto de emancipação, mas que conduziram também ao imperialismo e à colonização”, explica. Como reafirma Ferry, trata-se de um humanismo pós-colonial, “um humanismo da transcendência do outro”.

      Espiritualidade laica
      Para explicar seu pensamento, o filósofo convida para o diálogo e pergunta: o que, no mundo de hoje, seria capaz de mobilizar as pessoas? Se, nos séculos passados, a religião e a ideologia política estavam no centro das preocupações, na sociedade contemporânea essa posição é ocupada pelo amor individual real e não pelas abstrações. “Quem, nas novas gerações, gostaria de morrer por Deus, pela pátria ou pelas revoluções?. Ninguém ou quase ninguém”, diagnostica. Para ele, só estamos verdadeiramente dispostos a um engajamento tão radical quando está em jogo outro ser humano, aqueles que amamos.

       Luc Ferry também é conhecido por afirmar uma “espiritualidade laica”, uma defesa de grandes valores, mas que não passam necessariamente pelo campo da fé. Para ele, a espiritualidade de nosso tempo deve estar ligada à conquista de uma vida mais plena e realizada entre iguais. “Existem espiritualidades nas quais há deuses, as religiões, e espiritualidade sem Deus, as grandes filosofias. Mas o que nos falta hoje é uma espiritualidade laica, uma concepção da vida boa, uma visão do mundo comum que nós queremos construir juntos”, propõe.

      Para quem se acostumou a ver na filosofia uma disciplina preocupada com discussões eruditas e técnicas, Luc Ferry vem respondendo, ao longo de uma obra que já alcança mais de 30 livros, que a grande questão filosófica está relacionada ao melhor caminho para alcançar o conhecimento, a felicidade e a convivência entre os homens. Para ele, viver bem é a melhor resposta que a filosofia pode dar aos grandes dilemas da existência.

      três perguntas para...

      LUC FERRY
      filósofo e escritor


      A atual crise de emprego, sobretudo entre os jovens, vem gerando um clima de revolta em vários países, inclusive na Europa. Como o senhor avalia a crítica aos modelos recessivos propostos pelos estados liberais?

      A crise não tem nenhuma relação com a falha do modelo econômico liberal. Esse tipo de análise é simplesmente delirante. A crise não vem do liberalismo, mas do fato de que a velha Europa desenvolveu estados-providência, ou seja, sistemas de proteção social magníficos, mas extremamente sofisticados e dispendiosos. O financiamento desses sistemas compromete nossas empresas em relação a países como a China, onde as empresas não têm encargos, onde há salários de miséria e horários de trabalho dignos do século 19! Enquanto a China não tiver um estado-providência tão forte quanto o nosso, a situação dos europeus será difícil. Não queremos que a harmonização seja nivelada por baixo, mas por cima.

      O senhor foi ministro da Educação em seu país. Qual o papel do intelectual na política?

      Na França, vários intelectuais ou escritores célebres se engajaram na política, desde Tocqueville, Victor Hugo, Chateaubriand até André Malraux, entre tantos outros. Creio que o papel deles é o de tentar expor suas ideias de outra maneira que não por meio de seus livros. E mesmo que isso sempre tome mais tempo do que o previsto, acaba funcionando. Eu, por exemplo, consegui transmitir a ideia de que existia uma crise na educação e que era preciso começar pelo ensino fundamental, pela escola para crianças, numa época em que todos queriam começar pela escola para adultos, pelo ensino médio e pela universidade...

      Como o senhor vê a presença e os desafios do Brasil no contexto da sociedade globalizada?

      Primeiramente, devo dizer que adoro seu país, gosto de vir aqui, visitar as regiões, todas tão diferentes e atraentes. Aqui tudo se movimenta muito rápido e caminha, consideravelmente, em direção ao melhor. É claro que o problema da educação é enorme. É preciso formar, recrutar e pagar professores de alto nível, é preciso reduzir ao máximo o número de alunos por salas de aula. É claro que as disparidades entre as classes sociais são imensas e que em um país tão grande quanto o Brasil essa é uma tarefa que demanda tempo e trabalho. Porém, uma vez mais, vocês caminham na direção certa, sem renegar a democracia, com perspectivas que levam ao otimismo. Mas grandes desafios se colocam diante de vocês.

      Está apenas começando - João Paulo

      Movimento político que toma conta das ruas traz para a cena pública novos personagens e demandas, com formas de organização que evidenciam o descompasso do discurso político tradicional com a realidade da juventude 


      João Paulo

      Estado de Minas: 22/06/2013 



      Os protestos que varreram o Brasil nas últimas semanas convocaram muitas opiniões, análises e interpretações. Muita gente aponta para a necessidade de entender a voz que vem das ruas, como se tratasse de algo muito novo, portanto ainda fora do hábito mental e político da sociedade. Assim, ao lado de truísmos como a defesa do direito de protestar como exercício legítimo da democracia e da tarefa de separar o que consideram legítimo dos abusos, ficou no ar, com o cheiro de gás lacrimogênio e com a perplexidade da direita e da esquerda convencionais, uma sensação de que há uma nova tarefa delegada ao futuro. Não é verdade. A voz das ruas não foi nem rouca nem inescrutável, mas límpida. É preciso ter ouvidos de ouvir. E honestidade para reconhecer os limites expressos na manutenção de práticas perniciosas do nosso sistema político e da potente estrutura geradora de injustiça social.


      1) Democracia direta não é novidade
      A tradição política ocidental é marcada pela representatividade, a partir de escolhas democráticas de consulta popular. É um bom princípio, mas não basta. A combinação entre democracia representativa e democracia direta precisa ser balanceada a todo momento. A democracia é uma forma de invenção permanente, e não cumprimento de protocolos. A livre manifestação não é democrática, ela é parte integrante do núcleo da democracia. Em alguns momentos, há crises de legitimidade na área da representação. Os eleitores não se sentem contemplados pelas decisões tomadas em seu nome. Nessa hora, é fundamental que a crise se traduza em ações diretas, de ocupação, protesto e constrangimento, como as vaias. O caso da Copa das Confederações e da Copa do Mundo (em 2016 será a vez das Olimpíadas) é exemplar e por isso está tão em evidência. Os cidadãos não concordam com as decisões (investimentos, cerceamentos de liberdade, verticalização das decisões, submissão a uma entidade lucrativa, aprovação de uma espúria Lei Geral da Copa, que conflita com a legislação vigente, superfaturamento de obras, etc.) e, como não podem seguir a regra leniente de forçar seus representantes, já que o rolo compressor foi acionado, cabe a legítima e indispensável ação direta da população. É o mesmo que se viu na tentativa de inviabilizar o funcionamento da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que teve sua presidência entregue a um homofóbico confesso e, portanto, incapacitado de exercer a função. Como o próprio Legislativo foi incompetente para resolver o impasse, mais uma vez a democracia direta é convocada – nesse caso, com ações justas de constrangimento e tentativa de inviabilização do funcionamento do colegiado, que, no entanto, se recompõe ao menor refresco (como se viu com a recente aprovação do projeto da “cura gay” pela comissão). É preciso ainda destacar que o caráter direto da democracia não se liga apenas às manifestações públicas. Há muito o tecido institucional brasileiro vem jogando para escanteio o orçamento participativo, as conferências setoriais e os conselhos populares e paritários, que se perdem entre o aparelhamento e a triste vocação homologatória de políticas de Estado.


      2) Protestos respondem ao seu tempo
      Não adianta comparar o que está ocorrendo no Brasil – e de resto em todo o mundo – com outros momentos históricos, em busca de uma valorização da memória em nome do desprezo à novidade. Felizmente, não vivemos mais uma ditadura. E, em grande parte, devido exatamente à reação social. Se as mobilizações de natureza mais universal, como lutar pela democracia contra a ditadura, tiveram papel importante, nem por isso todo protesto social tem que se basear naquele modelo. Aquela conjuntura histórica unificava diferentes forças sociais em nome de uma conquista comum. Assim, se anulavam divergências ideológicas, fazia-se conviver sindicatos e igrejas, apelava-se para um sentimento maior capaz de atrair grandes multidões. Para a nova conjuntura, novos modelos de participação. A sensação da conquista democrática fez com que certa sensação de consenso tomasse conta de parte da sociedade, que passou a considerar a política algo fora de sua ação, mesmo que muitos movimentos sociais se mantivessem ativos e, exatamente por isso, fossem demonizados pelas forças conservadoras e por parte da imprensa, que sempre preferiu entender política como conchavos de bastidores e não a cena aberta do teatro social. Assim, sobretudo os jovens assumem novo caminho político, que desliza da representação oficial em nome da manifestação em torno de bandeiras específicas, mais próximas de seu cotidiano. Se a motivação é singular, as formas de se manifestar também o serão. É por isso que, em vez de se ocupar em reuniões prévias ou busca de consensos e identificação de lideranças que falem em nome do movimento, eles apostam na espontaneidade e em formas de convocação mais anárquicas e descentradas.


      3) A política é outra nas redes
      As redes sociais são a maior novidade (nem tão nova assim) na política. Elas têm potencial de mobilização nunca visto e são capazes de atrair atores que até então escapavam das questões sociais e econômicas em nome do investimento na individualidade e no consumo. Além da força de convocação, as redes sociais modulam o estilo de política que hoje se estabelece na sociedade. Há aspectos positivos inegáveis, sobretudo pela capacidade de inclusão de sujeitos até então alienados do jogo político global. Outra novidade que precisa ser festejada é a força para descobrir as questões que, a princípio particulares, tornam-se bandeiras capazes de mobilizar grandes grupos de pessoas. Não por acaso o transporte público se tornou a bola da vez. Trata-se de área em que se conjugam problemas graves e sintomáticos com escolhas políticas e econômicas claras e de interesse de grupos bem localizados e com forte trânsito nas estruturas de poder. Se a internet ajudou a criar um novo sujeito político, que deixou o computador de lado e foi para as ruas, ela também carrega problemas que precisam ser enfrentados para que os atores, de fato, conquistem maior significação na arena pública. Entre as barreiras típicas das redes sociais está o desejo de falar muito maior que o de ouvir. A mesma democracia que precisa ouvir os jovens espera que os jovens se abram para ouvir outras vozes sociais. Quem frequenta as redes sabe que se fala muito e se escuta pouco fora do próprio ambiente defeso de “seguidores” ou “amigos”. A democracia é um cenário de conflitos e negociações possíveis, nunca de “inimigos”. Talvez esteja aí o papel dos meios de comunicação, que deveriam funcionar como essa arena de contradições, aberta às várias possibilidades sociais, e não eco de apenas uma visão do mundo.

      O ônibus, o jovem e o policial
      João Paulo

      Se tudo começou com o preço da passagem de ônibus em São Paulo e mobilizou sobretudo jovens, a continuidade do movimento vem afirmando uma ampliação desses parâmetros, tanto geográficos como geracionais, em direção a demandas mais universais. A questão da segurança pública, em sua manifesta incapacidade de dar conta do novo cenário, em razão de sua origem institucional e de sua prática histórica, é elemento que provoca o desafio de se constituir, pela primeira vez na trajetória da civilização brasileira, uma polícia democrática.


      4) A juventude não mudou o comportamento
      O protagonismo dos jovens nas manifestações de rua é evidente, no entanto não é novo. O que cria a perspectiva de que existe uma nova ação da juventude é a soma de dois fenômenos distintos: em primeiro lugar, o desprestígio histórico com os movimentos vindos da periferia do sistema; em seguida, a pluralidade na composição dos novos manifestantes, com a incorporação de atores que estavam fora do jogo político tradicional. O primeiro aspecto é evidente. Em todos os movimentos sociais em atuação no país a presença de jovens é expressiva e, muitas vezes, definidora de pautas, seja em ações como a ocupação de propriedades improdutivas, na luta por moradia, emprego e transporte (a causa está longe de ser novidade para a periferia das grandes cidades), seja, enfim, na busca de nova política cultural, como ocorre com grande força em Belo Horizonte com movimentos como o Praia da Estação (composto basicamente por demandas da classe média) e o Duelo de MCs. No entanto, sempre que se tornavam públicas, era patente o interesse em desvalorizar as manifestações ou circunscrevê-las no seu domínio marginal. O outro aspecto, que aponta para a integração de nova faixa de manifestantes, ao lado da saudável variedade e ampliação do movimento, deixa também patente certa dificuldade de diálogo com expressões políticas, como os partidos e outras organizações. É exatamente pelo fato de não se sentirem representados nessas instâncias que os jovens foram às ruas, mas o repúdio à política como um todo, mesmo em seu enérgico espontaneísmo, não garante a mobilização ou o avanço de consciência possível. A ação gerada pelo ceticismo com a política não ultrapassa a política e pode se mostrar regressiva. O alerta não é apenas para os manifestantes, mas para certa parcela da esquerda que julgava dominar os instrumentos de luta de massas e não compreende a disposição dos novos agentes em aprender com a prática. A indignação da juventude é o motor permanente de transformações, mas é preciso ficar atento para o retorno a formas pré-políticas, que podem alimentar o conservadorismo em momentos eleitorais, como se observou na Espanha em 2011. A voz das ruas está gritando também para o ouvido esquerdo.


      5) Pessoas são tratadas como gado
      “Mobilidade urbana é o cacete.” O fato que disparou as manifestações em todo o país, o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo, não deve ser visto como menor. Ele expressa a baixa qualidade da atenção pública com aspecto fundamental da vida do cidadão; o alto preço do serviço num contexto de risco de inflação; a falta de transparência e participação na definição dos reajustes, como se tratasse de uma questão meramente técnica; o equívoco do investimento no setor, com o privilégio histórico do incentivo ao transporte individual; o baixo subsídio no preço da passagem reforçando a lógica comercial na consideração de um bem de interesse público; desprezo com o cidadão-consumidor, tratado como gado, em transporte quente, sucateado, que não cumpre horários e circula superlotado. O Brasil é um dos países que menos subsidiam as passagens de transporte coletivo (em torno de 10% contra 60% em Amsterdã e Buenos Aires); que tem uma das piores relações do mundo entre gasto em transporte coletivo e investimento para facilitar transporte individual (segundo o Ipea, para cada R$ 1 investido em transporte público são destinados R$ 12 para incentivar o transporte individual); em que o preço do transporte coletivo mais impacta a estrutura de gastos do trabalhador. Além disso, vem procrastinando a construção e ampliação das linhas de metrô e transporte ferroviário (para o qual existem recursos e tecnologia há décadas) pela manutenção dos setores que lucram com o modelo incentivado: indústria automobilística, construtoras e empresários do setor de ônibus e transporte rodoviário. O descalabro do sistema, ainda que atinja a sociedade como um todo, é também um signo poderoso de injustiça social, atiçador inclusive do preconceito, quando se deposita a responsabilidade do caos nos novos compradores de automóveis. Ninguém pensa que a classe média alta vai deixar seu carro em casa ou mudar o padrão de consumo (um automóvel por motorista, muitas vezes carros enormes e disfuncionais) em nome do interesse coletivo. Quando se fala em transporte coletivo, o alvo é sempre o trabalhador pobre. Os últimos muros da falta de transparência em relação às tarifas começam a cair com as medidas de redução de preço das passagens que vêm sendo anunciadas em várias cidades do país e com a inclusão de lideranças dos manifestantes nas mais recentes reuniões para enfrentar a situação. Entre outras coisas, é para isso que serve o povo nas ruas, para forçar os limites da institucionalidade.


      6) A segurança pública está despreparada
      A incapacidade da polícia em lidar com o movimento nas ruas ficou patente em todo o país. Há mesmo um consenso que aponta para o crescimento das manifestações em razão do comportamento violento e desproporcional das forças repressivas nos primeiros embates. A reversão do discurso, inclusive nos meios de comunicação, se deveu aos abusos, que, é bom frisar, fizeram com que as pessoas nas áreas nobres da cidade fossem tratadas como se estivessem na periferia. A polícia brasileira não tem tradição de manifestações democráticas e vê no outro sempre o inimigo a ser combatido. Os manifestantes, por sua vez, não enxergam os policiais como servidores públicos encarregados da ordem, mas como agentes de força, marcados por uma visão estrita de legalidade e democracia. A demonização dos movimentos sociais sempre bateu na tecla do direito à propriedade. A decisão recente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, provocada por ação da prefeitura da capital, ao tentar impor limites às manifestações em nome do livre fluxo de veículos nas ruas, é tributária dessa visão patrimonialista do espaço público. A política de segurança não é uma coleção de táticas e estratégias de enfrentamento, mas uma definição de parâmetros de comportamento social que permitam a liberdade. Nesse sentido, trata-se, em primeiro lugar, de uma ação política, não técnica. Entre os aspectos a serem observados está a integridade das pessoas (acima da defesa do patrimônio) e a capacidade racional do uso da força, discriminando manifestantes de bandidos. Estabelecer uma prática para o todo a partir da exceção é um equívoco ético de consequências desastrosas. A polícia não é monopólio dos governos ou partidos instalados no poder, mas corporação de defesa da sociedade. A lógica de buscar culpados (vigente em outros movimentos sociais há décadas) mostra seu limite nas recentes manifestações. A forma brutal como agiu a polícia no primeiro momento e a tentativa de espelhar as ações futuras nos parâmetros do Exército são equívocos a serem evitados urgentemente, sob risco de agravamento das tensões e do incentivo ao aparecimento de grupos que se dão bem nesse contexto. A agir assim, as badernas não serão subproduto dos protestos, mas monstros gerados pelas forças repressivas, que escolhem assim seus “melhores” inimigos. Para uma prática democrática de protesto é preciso uma polícia igualmente democrática.


      7) As pessoas sabem o que não querem
      Talvez a maior de todas as constatações seja exatamente o esgotamento das opções disponíveis de exercício da cidadania. Se a sociedade brasileira, nos últimos anos, vive uma polarização entre PT e PSDB, entre um projeto neodesenvolvimentista e um programa de aprofundamento das reformas liberais (em termos dos próprios partidos), muitos cidadãos não se sentem representados. Menos pelas diferenças do que pelas semelhanças na forma de exercer aqueles propósitos, a partir de jogos considerados de cartas marcadas pela prática real da corrupção. Nesse conjunto de autoexcluídos, os jovens são expressivos. Sabem o que não querem e começam a articular, em passos objetivos e práticos, uma agenda própria, com novos modelos de organização e vocalização. A expulsão das bandeiras partidárias em manifestações é um dos sintomas dessa recusa dos caminhos habituais. E é bom lembrar que o espectro partidário não se limita ao par PT/PSDB e que a possibilidade de organização política não passa necessariamente por essa via. Além disso, o modelo de instant mob, ainda que singular, não garante mudanças estruturais, ainda que se mostre eficiente para conquistas específicas. Mas há outros movimentos em ação. O campo da chamada esquerda popular, por exemplo, ligado aos movimentos sociais, para se diferenciar das disputas partidárias que perderam o horizonte das transformações mais profundas, tem investido num caminho mais consistente, que envolve inclusive as tarefas de formação política e ações de base. O que vemos hoje nas ruas, no entanto, parece partir de um ponto de ruptura. Começar pela negação – o que não queremos – é também uma maneira de se afirmar. Como no poema do português José Régio (1901-1969): “Não sei por onde vou,/ Não sei para onde vou/ Sei que não vou por aí!”. Ser apartidário não é ser apolítico. A lição fundamental é clara: não há saída fora da política.

      O PT é situação para os eleitores menores de vinte anos

      folha de são paulo
      ANÁLISE
      OS JOVENS DE 16 ANOS TINHAM APENAS SEIS ANOS QUANDO OS PETISTAS ASSUMIRAM O PLANALTO, EM 2003.
      CATIA SEABRADE BRASÍLIANascido sob o signo da mudança, o PT perdeu o frescor da juventude, segundo pesquisas internas do partido, e tenta se repaginar para reconquistar o eleitorado jovem.
      Só um problema: no comando do país há dez anos, o PT é "situação" para os menores de 20 anos.
      Dizendo-se"perplexo" com a onda de manifestações nas ruas, um ministro do governo Dilma Rousseff faz as contas. Um jovem de 16 anos tinha apenas 6 quando os petistas assumiram o Planalto.
      "Na memória desses jovens, somos situação", exclama o ministro.
      Os petistas costumam ironizar os esforços do PSDB para associar o partido à criação do Real, há 19 anos, sob o argumento de que boa fatia do eleitorado nem sequer se lembra da inflação galopante. Mas o tempo passou também para o PT.
      "Eles não se lembram mais do bolsa-família", afirma um outro petista.
      Esse distanciamento é objeto de preocupação desde outubro 2011. Naquele ano, uma pesquisa encomendada pelo partido revelou que petistas e jovens não falavam a mesma língua.
      Naquele ano, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, fez um apelo pela construção de uma ponte com os jovens durante encontro da juventude petista, toda ela absorta na disputa interna pelo comando da sigla.
      A indicação de Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo fez parte dessa tentativa de rejuvenescimento.
      As manifestações dos últimos dias na cidade de São Paulo, que acabaram se espalhando pelo país, mostram que não funcionou.
      E, num gesto audacioso, a cúpula petista convoca militantes e simpatizantes a vestir vermelho durante o protesto da última quinta-feira.
      Preocupado com o risco da operação, um petista lembra: a última vez que alguém pediu que usassem uma cor, o povo vestiu negro.
      + aqui se quiserem algum em especial é só pedir. :)