sexta-feira, 10 de maio de 2013

O clube dos sem-sono: como fazer seu filho dormir

folha de são paulo

SOPHIE HEAWOOD
DO "OBSERVER"

Quando minha amiga Hannah teve filho, alguém lhe deu o livro "Vai Dormir, P*##@", uma história de ninar escrita por um exasperado pai nova-iorquino que estava enlouquecendo todas as noites com seu filho pequeno. É um livro ilustrado para adultos, cheio de palavrões e pensamentos sombriamente cômicos sobre as crianças. E assim Hannah leu diligentemente o livro durante semanas ao seu recém-nascido, até perceber que o presente era para ela. "Realmente deveriam deixar isso mais claro para novos pais privados de sono", suspirou ela. É por isso que o anúncio de abril --de que o livro de sucesso vai virar uma grande produção de Hollywood-- é tão surpreendente. É um ótimo livro, mas certamente só tem uma piada, a qual só pais exaustos vão achar engraçada, isso se estiverem suficientemente acordados para entendê-la.
Acontece que a piada é suficiente para sustentar não só um filme como toda uma indústria, porque os pais cansados estão por toda parte hoje em dia, e nunca estiveram tão ansiosos... nem tão crédulos. Há aparelhos eletrônicos que tocam cantigas de ninar sobre o berço; CDs de ruído branco que acalmam seu filho para adormecer com o suave "brrr" de atrás da geladeira, para que ele se lembre do batimento cardíaco da mãe; DVDs como "O Bebê Mais Feliz do Quarteirão", em que o Dr. Karp, guru californiano da pediatria, sugere que os bebês que choram têm um botão de desligar, se vocês os enfaixar no ângulo correto (por estúpido que pareça, esse realmente me ajudou bastante).
Divulgação
Capa do livro "Go the Fuck to Sleep", de Adam Mansbach; obra servirá de inspiração para filme
Capa do livro "Go the Fuck to Sleep", de Adam Mansbach; obra servirá de inspiração para filme
Há livros para pais que ensinam como fazer à francesa, o que envolve esperar antes de atender aos gritos do bebê --"la pause". Ficamos neuróticos nos perguntando se deveríamos deixar nossos bebês se acabarem de chorar no berço, ou se devemos pegá-los no colo todas as vezes. Dá para ganhar dinheiro com essa conversa que absorve os pais recentes quando se encontram: "O seu dorme? Vocês têm uma rotina? Alguém na casa dorme?".
Avançamos muito desde o simples acalanto. Veja essa palavra, acalanto --tão bonita; onomatopeica, até. Há um acalanto indiano sobe o Tio Lua, que vive distante, comendo doces deliciosos, e oferecendo alguns em uma tigela ao bebê. Há um acalanto iraquiano tão triste que é cantado também em funerais, com versos sugerindo o desejo da mãe de que "seus inimigos fiquem doentes e distantes, na aridez do deserto".
Infelizmente, minha filha de 19 meses não escuta muitos desses acalantos de mim, porque na hora de dormir geralmente sou eu quem está pronta para despencar e ficar doente na aridez de um deserto. A hora de dormir na nossa casa, num dia ruim, tem menos a ver com cantar e mais com eu me esconder no quarto vizinho, me perguntando até que ponto é cruel simplesmente fechar os olhos e esperar a choradeira parar.
E, no entanto, me parece que as coisas costumavam ser simples na época dos meus pais, e que a minha geração as complicou. Será que toda essa informação sobre danos psicológicos não está na realidade causando o dano? Como essa enorme indústria está fazendo com que nos sintamos?
Perguntei a Andrea Grace, especialista em sono de bebês, se ela achava que os novos pais estão ficando excessivamente pendentes disso tudo. Ela disse que não: "Ter um bebê que não dorme pode ter um enorme impacto sobre a saúde, a felicidade e o relacionamento dos pais". Dito isto, "onde as pessoas tendem a errar é em 'superajudar' seu bebê a adormecer no começo da noite, seja alimentando ou embalando.
Então, quando o bebê acorda naturalmente à noite no final de um ciclo de sono, ele não sabe voltar a dormir. Aí precisa ser embalado de novo. E, em minha opinião, nos últimos anos houve uma ênfase excessiva em colocar os bebês sob regimes muito rígidos, embora estes possam ser bem-sucedidos para alguns".
Antes de me tornar mãe, eu ouvia falar dessas rotinas rígidas, como a que foi apresentada por Gina Ford em seu polêmico best-seller "The Contented Little Baby Book" (O livro do bebezinho feliz). Perplexa com o que eu via como barbárie e maluquice controladora, resolvi que colocaria minha bebê junto ao meu seio quando ela estivesse com fome, e lá ela adormeceria profundamente, como uma boa cria de caçadores-coletores.
Como eu me orgulharia de passear por Londres com meu sling, parecendo uma Flintstone. E eu não tinha certeza nem mesmo de que teria um berço. Afinal, você não vê outros mamíferos deixando seus filhotes dormirem sozinhos em outro quarto, certo? Eu cuidaria das suas lágrimas na minha própria cama. Eu cantaria para ela dormir. Ela não iria chorar.
Aí eu pari um ser humano real, e descobri que eu precisava de ajuda. Urgentemente. Chupetas, berços, móbiles. Avós para niná-la. Um iPhone que eu balançava sobre sua cabeça com MP3s calmantes tocando --tudo isso se tornou crucial. O pai da minha filha foi embora quando ela tinha poucos meses, e foi um desafio não ficar estressada. Meu leite secou, então o leite em pó (conhecido na internet como néctar satânico) salvou a pátria. Em homenagem à mãe hippie que eu achava que seria, eu lhe dei uma fórmula à base de leite de cabra. Mas foi só. Todas as minhas demais ideias românticas foram jogadas pela janela. No lugar delas entrou o choro controlado.
E, no entanto, sempre há culpa. Banhada pela luz do laptop no fim de noite, li reportagens dizendo ser nocivo para a psique da criança ser deixada chorando sozinha até adormecer. Fóruns on-line diziam coisas triunfais, como: "Você deixaria seu marido chorar sozinho até dormir? Não? Então não preciso dizer mais nada!", e aí eu pensava: "Ah, meu Deus, elas têm razão".
Após finalmente ter um pouco de sono decente, tendo cedido ao choro controlado a despeito dos alertas, e fazendo-a dormir a noite inteira em duas noites consecutivas, eu pensei: "Espera aí --é claro que meu marido não teria chorado até dormir-- um homem de 40 anos com acesso total à língua inglesa usa as lágrimas para algo significativamente diferente do cansaço" (ele também provavelmente não teria ficado de pé sobre a sua cama e se debatido para demonstrar como estava cansado, nem teria se vomitado todo, como os bebês fazem --bom, pelo menos não sem que um kebab estivesse envolvido).
E eu nem tenho mais marido --sou só eu chorando até dormir, porque estou cansada demais. Em suma, eu percebi que o choro controlado parecia a pior coisa do mundo quando eu mesma estava privada de sono, e uma concessão perfeitamente razoável quando o bebê e eu havíamos passado numa ótima noite nas nossas camas. Roncando.
Apesar disso, os acadêmicos não chegam a um consenso. Como me disse a psicóloga Suky Macpherson: "Este tema é imensamente polêmico, sem respostas claras. Você vai encontrar a maioria dos psicólogos divididos a respeito do tópico, dependendo de se eles vêm de um marco psicanalítico ou de um mais behaviorista. Os analistas são todos voltados para o vínculo, então tendem a achar que o bebê vai crescer como um adulto danificado se for deixado chorando sozinho por longos períodos".
E mesmo assim Macpherson é enormemente solidária com os pais que usam o choro controlado, "já que uma mãe privada de sono frequentemente acha difícil ser mãe adequadamente, ou trabalhar. A privação emocional pode levar a problemas de longo prazo, sim --mas chorar um pouco no seu primeiro ano conta como privação emocional? Depende de até que grau a criança é deixada. Tendo trabalhado no NHS [Serviço Nacional de Saúde britânico] com novas mães que passam por depressão pós-natal, sinto que o choro controlado é bom para as mães e, portanto, provavelmente legal para os bebês".
Toda a minha culpa residual sobre isso se evaporou outro dia, quando minha filha inventou uma brincadeira na qual ela deitava seus bichos de pelúcia na minha cama, dizia "ba-noite" e aí saía do quarto. Por três segundos. Aí ela voltava e repetia o processo antes de gritar "ba-noite!", e sair de novo. Ela achava isso o máximo. Não pude deixar de refletir que ela não parecia terrivelmente marcada por nossa rotina na hora de dormir. Em vez disso, ela considerava divertido.
E há também a necessidade de sono da própria criança. Numa recente série do Channel 4 intitulada "Bedtime Live" (Hora de dormir ao vivo), a professora Tanya Byron aconselhou às famílias: "Os cérebros das crianças liberam os hormônios do crescimento quando elas dormem, então é vital que elas tenham sono suficiente para a sua faixa etária, para lhes dar o melhor começo".
Acadêmicos em Barcelona descobriram que crianças de 6 e 7 anos que dormem oito ou nove horas têm desempenho escolar pior do que as que dormem 10 ou 11 horas. Enquanto isso, pesquisas nos EUA vinculam a epidemia de obesidade infantil não só à alimentação e ao sedentarismo, mas também à falta de sono. Talvez "Vai Dormir, P*##@" não seja só um divertido livro ilustrado --ele tocou um nervo real. Já lemos todas as pesquisas e não queremos rotinas rígidas, mas tampouco queremos ser otários alucinados. Qual é o meio-termo?
Bom, eu sei qual é o meio-termo na minha família. Meus pais têm passado muito tempo na minha casa ultimamente, e meu pai, de 80 anos, é valioso na hora de dormir. Com sua presença mais lenta e constante, ele se senta ao lado da minha bebê à meia-luz, esfregando suas costas e a deitando no berço outra vez, suavemente cantando para ela as duas músicas que ele sabe de cor, "Jerusalem" e "Waltzing Matilda". Ele pode facilmente demorar 45 minutos para fazê-la dormir, ao passo que, deixada por conta dos meus dispositivos mais rudes, eu poderia conseguir isso em 15 minutos. O jeito dele é mais tranquilo.
MAGIA
Gosto bastante quando ela não vai dormir nas noites em que ele está aqui para ajudar. Gosto de pensar neles tendo essa hora adicional juntos, enfiados num quarto só com histórias e músicas. Se eu pudesse me infiltrar lá e filmar na escuridão, eu iria --mas toda a magia da hora de dormir é que não se pode fazer isso. A hora de dormir não vai parar nos álbuns familiares. Não vou sacar o meu iPhone e fazer um Instagram da minha filha embarcando da vigília para a suave inconsciência do sono.
Como às vezes eu gostaria que, em vez de fazer malabarismos entre trabalho, vida social e a fase da minha filha como bebê, vivêssemos como meus pais viviam, com minha mãe se afastando por alguns anos do trabalho para criar seus bebês em uma aldeia agrícola de Yorkshire. Ela amamentou por mais tempo do que eu consegui, e não precisou de analgésicos para o seu parto natural. Pergunto a ela como ela me fazia dormir à noite.
"Bem", admite ela, "você era péssima para dormir. Simplesmente a pior. Até que eu fui ao farmacêutico e ele me deu Fenergan, um anti-histamínico sedativo que derrubava você." Minha cara caiu. "Isso era legal nos anos 70", prossegue ela. "Sem receita na [rede de farmácias] Boots! Todos nós usávamos isso. Mas nem isso era suficiente, então o médico lhe receitou Vallergan, e aí todos nós tivemos paz." Essa é uma informação totalmente nova. Meus pais me drogavam para dormir!
"Eu de fato comecei a temer que tivesse transformado meu bebê em uma verdadeira viciada em drogas", continua minha mãe, "então afinal tirei isso de você". Eu me imagino bebê, presa em um berço e passando por uma síndrome de abstinência como Renton em "Trainspotting". Se minha mãe não tivesse posteriormente trilhado uma carreira tão longa e ilustre na proteção de crianças, eu ficaria tentada a fazer alguns questionamentos. Então lhe pergunto o que aconteceu quando ela tirou as drogas de mim. Ela olha a meia distância.
"O seu pai costumava subir as escadas e ler histórias para você à meia luz", responde ela. "E cantar para você. 'Waltzing Matilda' e 'Jerusalem', eu acho, durante horas e horas, até que você finalmente caía no sono."
Tradução de RODRIGO LEITE.

Quadrinhos

folha de são paulo

CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      ALVES
ALVES

Estudo acha 'interruptor' ligado a parkinson

folha de são paulo

MARIANA LENHARO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um dos problemas que predispõem à doença de Parkinson é a falha de uma proteína chamada parkin, que atua como uma espécie de faxineira das células. Até hoje, seu funcionamento não era bem conhecido, por isso não serve como base para tratamentos. Agora, cientistas descobriram o mecanismo que leva à inativação dessa molécula e de que maneira ela pode ser reativada.
Os resultados, concluídos por cientistas da Universidade McGill, no Canadá, podem conduzir à descoberta de tratamentos que levem em conta o caráter neuroprotetor da proteína. A pesquisa foi publicada na revista "Science".
A inativação da parkin é um fenômeno comum em pessoas com mutações no gene PRK2. Mas a maioria dos pacientes com parkinson, mesmo os que não têm mutações conhecidas, têm algum grau de mau funcionamento dessa proteína.
Para chegar a esse resultado, cientistas analisaram a molécula parkin em sua forma inativada em tecido de rato. A análise foi feita com a ajuda de um raio-x especial, que além de mostrar quais são as ligações que levam a essa inativação, possibilitou revertê-la, como em um interruptor molecular.
"A estrutura que os pesquisadores conheceram melhor pode explicar por que em alguns momentos a proteína está funcionando e em outros não. E chegar a substâncias capazes de ativar a parkin", diz o neurologista Henrique Ballalai, vice-coordenador do Departamento Científico de Transtornos do Movimento da ABN (Academia Brasileira de Neurologia).
A neurologista Margarete de Jesus Carvalho, coordenadora do Ambulatório de Parkinson da Faculdade de Medicina do ABC, explica que a parkin faz parte de um sistema de limpeza que serve para remover pedaços de proteínas que se acumulam de maneira tóxica no interior das células nervosas. "Se não tem essa faxina, a proteína se acumula no neurônio, levando à sua morte."
Atualmente, o tratamento de parkinson baseia-se em remédios que repõe a dopamina do organismo, de acordo com o neurologista André Felício, da ABN. Essa substância é produzida, em pessoas saudáveis, pelos neurônios que são afetados pela doença.
Trata-se, portanto, de um tratamento paliativo. Segundo ele, cientistas estão explorando cada vez mais esse viés de pesquisa. Outro estudo divulgado esta semana demonstrou que o aumento da expressão da proteína parkin em moscas aumentou a longevidade dos insetos.
+ CANAIS

Análise de rochas lunares aponta que água da Lua e da Terra têm origem comum

folha de são paulo

SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma nova análise de amostras da Lua aponta que ela e a Terra receberam sua água da mesma fonte original, o que parece sugerir que o planeta já nasceu "molhado".
O resultado também faz os cientistas admitirem que não entendem direito o exato processo de surgimento da Lua, porque a presença de sinais de água de provável origem terrestre lá parecem inconsistentes com os modelos tradicionais de formação lunar.
A teoria prevalente de como surgiu o sistema Terra-Lua é de que 4,5 bilhões de anos atrás, na época em que os planetas ainda estavam em formação, um objeto do tamanho de Marte colidiu com a Terra bebê (veja quadro).
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
O impacto violentíssimo teria derretido a superfície do planeta e ejetado uma grande quantidade de material em órbita. Por colisões e atração gravitacional, esse material voltaria a se reunir no espaço, formando a Lua.
A hipótese é ótima porque explica como a Terra foi parar com um satélite natural tão grande (a Lua tem pouco mais de um quarto do diâmetro terrestre), mas ainda assim pouco denso, com baixa quantidade de ferro (quando da colisão, o ferro terrestre já estava em sua maior parte agregado no núcleo planetário, de forma que não chegou a ser ejetado para a formação lunar).
O que a hipótese não explica é como sobrou água para formar o magma no interior da Lua. Supostamente, no impacto, toda água que pudesse estar no planeta e acabou ejetada para o espaço deveria ter evaporado e sumido.
"Desde as missões Apollo, entre 1969 e 1972, até 2008, acreditava-se que a Lua era completamente seca, o que era consistente com o modelo de sua formação por um impacto gigante", disse à Folha Alberto Saal, pesquisador argentino que trabalha na Universidade Brown, nos EUA, e é o primeiro autor do novo estudo, publicado online pelo periódico americano "Science".
Em 2008, o grupo de Saal apresentou a primeira evidência de hidrogênio dissolvido em vidros vulcânicos lunares --resquício da água que existia no magma do satélite. Faltava explicar como essa água foi parar lá. É justamente nesse ponto que entra o novo trabalho.
DOIS PESOS, UMA MEDIDA
Usando amostras colhidas na própria Lua pelos astronautas das missões Apollo-15 e 17, os pesquisadores liderados por Saal compararam a proporção de dois tipos de átomo, hidrogênio e deutério (que consiste basicamente em um tipo "pesado" de hidrogênio, com um nêutron no núcleo além do tradicional próton).
A proporção entre deutério e hidrogênio é uma forma interessante de rastrear a origem da água, porque ela aparece em diferentes quantidades em vários locais do Sistema Solar.
Os pesquisadores notaram que o valor obtido para a Lua é similar ao observado em amostras vulcânicas da Terra e virtualmente idêntico ao obtido em meteoritos conhecidos como condritos carbonáceos, que por sua vez são resquícios da formação do Sistema Solar.
Moral da história: não foram cometas que trouxeram a água da Terra (e por tabela para a Lua), mas sim asteroides. E isso aconteceu provavelmente ainda durante a formação do planeta.
"O cenário mais provável é de que a Terra se formou com água, e uma das implicações do nosso trabalho é que nenhuma variação significativa ocorreu desde o impacto gigante que formou a Lua", diz Saal.
Agora, de posse dos dados, os cientistas precisam voltar às pranchetas para explicar como o impacto gigante que produziu a Lua não eliminou a água, como era esperado pelos modelos tradicionais.

Zumbis multilaterais - Moisés Naím

folha de são paulo

Se Azevêdo não conseguir destravar o jogo na OMC, a organização sofrerá o mesmo destino zumbi que a OEA
O que é mais importante: ganhar a disputa para ser o país-sede dos Jogos Olímpicos ou indicar o novo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC)?
Os Jogos Olímpicos têm obviamente maior visibilidade mundial ""e o prêmio para o organiza é o privilégio de gastar montanhas de dinheiro e receber um tsunami de turistas.
Indicar o chefe da OMC é um sucesso menos visível para a maioria dos observadores, mas essa é uma organização cuja ação pode influenciar a vida de bilhões de pessoas.
Trata-se do organismo que se ocupa de garantir que os países não trapaceiem no comércio, não impondo obstáculos às importações ou estimulando artificialmente as exportações. Quando a OMC faz bem o seu trabalho, o impacto é imenso.
Por exemplo, a adesão da China à OMC, em 2001, mudou o mundo, já que o gigante acelerou a liberalização de seu comércio internacional.
Lamentavelmente, desde então a OMC perdeu relevância e corre o risco de se tornar só mais um membro do clube dos zumbis multilaterais.
Estou falando de organizações internacionais com missões enaltecedoras, bonitos edifícios em capitais nas quais se vive bem, funcionários poliglotas que trabalham (ou ao menos vão ao escritório) todos os dias, mas não exercem maior impacto.
Muitos organismos multilaterais, ainda que indispensáveis em teoria, se provam irrelevantes na prática.
É o caso da Organização dos Estados Americanos (OEA). Uma instituição multilateral onde estejam representados todos os países do hemisfério, e com a missão de defender a democracia e evitar conflitos, é uma grande ideia.
Hoje em dia, a OEA está muito longe de ser uma organização tão admirável como sua razão de ser indicaria. E como ela, outras organizações se tornaram zumbis: parecem vivas, mas estão mortas. Deixaram de ter relevância mas ninguém tem poder, ou interesse, em fechá-las.
E é esse o difícil desafio que o competente diplomata Roberto Azevêdo enfrenta ao ser eleito. Há muito tempo, a OMC não consegue um sucesso. O sucesso teria sido concluir a rodada Doha de negociações, iniciada em 2001 e que até hoje não produziu resultados concretos, porque é impossível concretizar acordos entre EUA, Europa e Japão e países como Brasil, Índia, China e África do Sul.
E enquanto as organizações mundiais pelas quais a OMC era responsável não se concretizavam, duas coisas importantes ocorreram. A primeira é que, nos dez últimos anos, o crescimento do comércio internacional disparou. Nem mesmo a crise econômica foi capaz de detê-lo.
Quando estourou a crise, muita gente pensou que ela desencadearia uma onda de protecionismo, mas felizmente não foi isso que aconteceu.
A segunda é que, em vez de esperar por um acordo mundial que não parece a ponto de ser obtido, os países começaram a fechar acordos regionais --na prática, complicando as negociações mundiais. Enquanto isso, na OMC o jogo segue travado.
E cabe a Azevêdo destravá-lo. Se ele não for capaz disso, a OMC sofrerá o mesmo destino zumbi que a OEA. E isso seria lamentável. Boa sorte!
@moisesnaim

    Religião deve servir à paz, diz historiadora

    folha de são paulo

    Karen Armstrong foi palestrante do ciclo Fronteiras do Pensamento, em São Paulo
    DANIEL MÉDICICOLABORAÇÃO PARA A FOLHAO sentimento de compaixão cultivado pelas diferentes religiões pode ser empregado para auxiliar o entendimento entre as sociedades no mundo globalizado, segundo a historiadora das religiões Karen Armstrong.
    A britânica participou do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, em São Paulo, anteontem.
    No centro de sua fala à plateia paulistana, Armstrong, 68, propôs um novo papel para a religião no mundo contemporâneo, que começa por admitir que ela "não é feita para nos dar respostas, mas para fazer conviver com a nossa própria mortalidade e com o sofrimento da vida".
    A religião, para Armstrong, é uma prática, e só tem sentido se vivenciada pelo indivíduo. "Nós entendemos os mitos religiosos como mentiras, mas os antigos os entendiam como algo que ocorre continuamente", disse, em sua fala durante o evento, uma parceria com a Folha.
    A Santíssima Trindade do catolicismo, por exemplo, deve ser vista como uma forma de o devoto abandonar seu próprio ego.
    "Do contrário, essa história de três pessoas em uma só fica parecendo um jingle publicitário", brincou a autora, que estudou literatura em Oxford e é autora de livros sobre as grandes tradições religiosas, como "Jerusalém".
    Armstrong, que foi noviça durante a juventude, mas abandonou o catolicismo, encontra na compaixão um ponto de inflexão entre as diferentes religiões. Ela a define, no entanto, não como um sentimento de pena que o senso comum lhe atribui, mas como "assumir ativamente a responsabilidade pelo sofrimento do outro" e se empenhar para combatê-lo.
    Questionada sobre o uso da religião como motivo de conflitos sectários, Armstrong argumenta que o Estado laico foi responsável por boa parte da violência cometida desde o século 19, incluindo "as duas Guerras Mundiais, o lançamento de bombas atômicas contra civis e genocídios como o dos judeus pelos nazistas".
    Para a historiadora, colocar um credo acima do outro vai contra o propósito da religião, pois "se a transcendência está além das palavras, ninguém pode ter a última palavra".
    "Quanto mais globais nos tornamos, mais nos sentimos ameaçados pelo diferente, fazendo com que nos refugiemos em nossos próprios credos, em nosso ego. Por outro lado, quanto mais temos contato com as diferentes religiões, mais encontramos riquezas no outro e semelhanças com o outro", resume.
    O ciclo Fronteiras do Pensamento deste ano já teve a participação do escritor peruano Mario Vargas Llosa e ainda terá conferências de António Damásio, neurocientista português, e do teórico cultural ganês Kwame Anthony Appiah, entre outros.

      Senador defende auxiliares de check-in

      folha de são paulo

      Senador defende auxiliares de check-in
      O senador do Jayme Campos (DEM-MT) acusou a imprensa de agir como "chupa-sangue" ao denunciar a manutenção de privilégios de parlamentares.
      Na terça, a Folha revelou que o corte de gastos feito pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), que fez um balanço de sua gestão ontem, preservava privilégios como auxiliares de check-in em aeroportos para parlamentares.
      "Se não estivessem lá no aeroporto, estariam trabalhando aqui. Não é verdade que ganham muito. São bons servidores", disse Campos ontem.

      Entrevista Gabriel Chalita - Fernando Rodrigues

      folha de são paulo

      As acusações são todas absurdas
      DEPUTADO DIZ TER RENDA PARA JUSTIFICAR DESPESAS E REJEITA SUSPEITAS SOBRE RELAÇÃO COM FORNECEDORES DA SECRETARIA DA EDUCAÇÃO
      FERNANDO RODRIGUESDE BRASÍLIAO deputado federal Gabriel Chalita (PMDB-SP) afirma ter renda suficiente para pagar suas despesas pessoais e justificar a evolução de seu patrimônio, e nega ter recebido vantagens de empresas que fizeram negócios com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo na época em que ele chefiou a pasta.
      Chalita foi secretário de 2003 a 2006, no segundo mandato do governador Geraldo Alckmin (PSDB). O Ministério Público Estadual e a Procuradoria-Geral da República investigam desde o ano passado suspeitas de que empresas pagaram a reforma de um apartamento de Chalita e outras despesas pessoais.
      Em entrevista à Folha e ao UOL, ele considerou as acusações "absurdas", disse ter entregue ao Ministério Público comprovantes de que pagou suas despesas e prometeu autorizar à Folha acesso aos documentos. A seguir, trechos da sua entrevista.
      -
      Folha/UOL "" Por que o sr. até hoje não deu explicações conclusivas sobre as acusações relacionadas à sua passagem pela Secretaria de Educação?
      Gabriel Chalita - Disseram que eu tinha dinheiro nos Estados Unidos, na China, em Luxemburgo. Nunca tive dinheiro fora do Brasil. As acusações são todas absurdas.
      A compra do seu apartamento é compatível com a sua renda?
      Claro. O que foi entregue agora na Procuradoria-Geral da República tem todas as empresas para as quais eu trabalhei. Mostra o quanto eu vendi de livro ano passado. Quanto eu ganhei a cada ano vendendo palestras ou não.
      Dois empresários que forneceram equipamentos para seu apartamento dizem ter sido pagos por uma empresa chamada Interactive, que fornecia para a secretaria na época em que o sr. era o secretário.
      Nunca existiu. A Interactive nunca forneceu para a Secretaria da Educação. Nunca. Eles misturam dados de outras empresas. Eu sempre tive dinheiro para pagar reformas no apartamento. Contratei dois arquitetos. Uma administradora fez toda a reforma. Tenho recibos dessa época.
      Um empresário chamado Cesar Valverde, dono da empresa que equipou seu apartamento, relatou ao Ministério Público ter recebido o equivalente a US$ 80 mil da Interactive.
      Também nunca forneceu para a Secretaria da Educação. Esse empresário disse que levaria nota fiscal, comprovaria como é que foi, e não levou nada disso. Eu não conheço esse Valverde.
      Mas e o grupo do setor de ensino COC não tinha contratos com a Secretaria de Educação?
      Nenhum contrato com a Secretaria de Educação. O COC vendeu para a FDE [Fundação para o Desenvolvimento da Educação], uma fundação que tem um presidente à parte, que é independente.
      Mas a FDE tem uma relação direta com a secretaria.
      Não. A FDE tem uma parceria com a secretaria.
      No caso de Cesar Valverde, o sr. tem como comprovar que pagou para ele próprio?
      Tenho. Está no processo que a gente está encaminhando ao Ministério Público. Eu guardei alguns recibos. Os recibos dos arquitetos. Os arquitetos vão falar como os pagamentos foram feitos.
      Poderia mostrar esses valores no extrato bancário?
      Não tenho problema em abrir essas coisas. Tudo está dentro da minha evolução patrimonial. Eu vendi em livros no ano passado R$ 1,8 milhão, com editoras que não têm nada a ver com secretaria. Graças a Deus sou um autor muito bem-sucedido. Eu não iria me queimar para ganhar um presentinho de uma automação de uma casa.
      Outro empresário, Chaim Zaher, dono do grupo COC, comprou 34 mil exemplares de um livro seu chamado "Pedagogia do Amor". O sr. intermediou essa venda específica?
      O Chaim é um grande empresário. Ficamos amigos. Dei várias palestras para o grupo dele. O Grupo COC é um grupo muito grande da área privada. Eu nem sabia de fornecimentos para a FDE.
      Ele forneceu softwares?
      Não foi o grupo que mais vendeu para a FDE. Mas ele vendia antes de eu ser secretario, no tempo em que fui secretário, mas para a FDE.
      Se aconteceu algo, o problema seria da FDE?
      Seria da FDE. Mas a FDE era muito zelosa. Houve um funcionário da FDE que deu uma entrevista dizendo que a ele foi oferecido dinheiro para que sustentasse as informações que Roberto Grobman [ex-colaborador do COC e denunciante] estava prestando [ao Ministério Público]. Diz que se encontrou com [o deputado] Walter Feldman e que foi oferecido R$ 500 mil para que ele confirmasse aquelas afirmações.
      Eu saí do PSDB brigado com o [ex-governador José] Serra. O Serra passou o governo dele virando a secretaria [de Educação] de ponta cabeça para ver que tipo de irregularidades havia contra mim. Se houvesse irregularidades, ele teria mostrado isso.
      O sr. cita as acusações como parte de um dossiê. A quem o sr. atribui essas acusações?
      O Ivo Patarra [que trabalhou na campanha de Serra] chama de dossiê, porque ele encaminha ao Ministério Público o e-mail do dossiê que ele montou, dizendo "aí vai o dossiê Chalita". Isso está dentro do processo no Ministério Público. Ele é um marqueteiro que estava trabalhando na campanha do Serra, recebendo pelo Feldman também.
      Foi na campanha de Serra a prefeito de São Paulo em 2012?
      Exatamente, em 2012. Ali que as coisas começaram.
      Qual a responsabilidade de Serra sobre essa ação?
      O Serra disse que não conhecia essas pessoas, que ele não sabe de nada disso. O Roberto [Grobman] disse que esteve com o Serra, o Milton [Leme, ex-funcionário da FDE], que é uma das pessoas que falou que teria sido oferecido a ele R$ 500 mil, diz que esteve com o Serra.
      Como foi a oferta do dinheiro?
      Milton Leme foi um diretor da FDE. Esteve com Feldman. Esteve com Patarra. E Roberto disse a ele que os problemas financeiros dele estariam resolvidos. Ele tinha uma proposta para fazer para ele de R$ 500 mil. Se Serra não teve responsabilidade, não sei. Pode ser que ele não soubesse.
      O sr. está eximindo José Serra?
      Não quero ser irresponsável e dizer: foi Serra que mandou fazer. Não tenho provas e não farei uma acusação leviana. Agora, que foi da campanha dele, foi.

        OUTRO LADO
        Integrantes da campanha de Serra em 2012 negam oferta de dinheiro
        DE SÃO PAULOO deputado federal Walter Feldman (PSDB-SP) e o jornalista Ivo Patarra, que trabalharam na campanha do tucano José Serra à Prefeitura de São Paulo em 2012, negam que tenha havido oferta de dinheiro para que Roberto Grobman ou Milton Leme sustentassem acusações contra Gabriel Chalita, adversário de Serra na disputa eleitoral.
        Feldman diz que foi procurado por Grobman, que trazia acusações sobre Chalita. Segundo o deputado, ele respondeu que não usaria as denúncias na campanha e recomendou a Grobman que procurasse o Ministério Público.
        "Tanto é verdade que na campanha eleitoral nada apareceu [contra Chalita]", disse.
        Segundo o tucano, Grobman lhe apresentou Milton Leme para mostrar que as denúncias não eram uma questão pessoal. Feldman afirma que a versão de que houve oferta de dinheiro a Milton Leme é uma "armação".
        "Esse moço, depois nós soubemos, foi procurado pelo [Gabriel] Chalita para armar uma informação de que nós teríamos oferecido dinheiro", diz o tucano.
        O jornalista Ivo Patarra, que diz ter acompanhando o depoimento de Grobman ao Ministério Público, afirma que a versão de que houve oferta de dinheiro é uma "invenção".
        Patarra também nega que tenha construído um dossiê contra Chalita. "Não tem dossiê nenhum", afirma.
        O advogado de Milton Leme, Paulo Morais, diz que seu cliente sustenta que recebeu uma ligação de Grobman, que teria oferecido R$ 500 mil para depor contra Chalita e indicado que o dinheiro viria das pessoas com quem haviam se encontrado --Feldman e Patarra. Leme afirma que recusou a proposta.
        O ex-governador José Serra não respondeu até a conclusão desta edição. Em fevereiro, o tucano disse que não conhecia os fatos nem as pessoas citadas --Roberto Grobman e Milton Leme.

          Tendências/debates

          folha de são paulo

          MORTON SCHEINBERG
          TENDÊNCIAS/DEBATES
          A conquista do lúpus
          Hoje, Dia de Atenção ao Paciente Portador de Lúpus, há que se comemorar. Não estamos mais diante de uma doença devastadora
          Lúpus é uma doença que afeta diversos órgãos do corpo humano. Ocorre quando anticorpos dos pacientes produzidos pelas células conhecidas como B do sangue periférico e dos tecidos passam a atacar o seu próprio organismo, caracterizando o que se conhece como doença autoimune.
          Trata-se de uma doença que acomete principalmente mulheres jovens no período mais produtivo da vida. As manifestações clínicas são variadas, dificultando o diagnóstico em certas circunstâncias.
          Os sintomas mais frequentes são dores nas articulações, febre, inchaço por todo o corpo (devido ao acometimento do rim) e queda dos glóbulos brancos e às vezes das plaquetas, que fazem parte dos mecanismos de coagulação.
          Podem também aparecer manchas no rosto conhecidas como "asa de borboleta"--se agravam com a exposição ao sol.
          A frequência é aproximada de 50 pacientes por 100 mil habitantes. Estima-se que aproximadamente 5 milhões de pessoas sofram dessa enfermidade no mundo.
          Nem todos os pacientes com lúpus apresentam as mesmas reações. O reumatologista irá basear seu diagnóstico no conjunto de sintomas. A presença de alterações laboratoriais presentes no lúpus podem ajudar a compor o diagnóstico, mas sozinhas não bastam para tanto.
          O tratamento do lúpus varia conforme a gravidade das manifestações clínicas. Nos casos mais severos, utiliza-se anti-inflamatórios hormonais (cortisona) e drogas conhecidas como imunessupressoras (controlam a excessiva produção de autoanticorpos).
          Nos últimos anos, o tratamento apresentou grandes avanços. Mas, nos 50 anos anteriores, não houve introdução de medicamentos.
          Uma medicação aprovada para uso em transplantes conhecida como micofenolato mostrou ser capaz de controlar o acometimento do rim na doença.
          Mais recentemente, dois novos grupos de medicamentos dirigidos contra a célula B produtora de anticorpos mostrou-se eficaz em controlar a progressão da doença.
          O primeiro deles passará a ser usado no Brasil a partir de junho. O segundo foi divulgado no Congresso Mundial de Lúpus, há duas semanas, por investigadores do Hospital Abreu Sodré.
          Esse hospital, parte do complexo da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente em São Paulo), por meio de pesquisas clínicas, tem sido um dos principais centros no mundo a colaborar na obtenção de conhecimentos para o alívio dos pacientes portadores da doença.
          Hoje, Dia Internacional de Atenção ao Paciente Portador de Lúpus, há muito para se comemorar. Não estamos mais diante de uma doença devastadora. O fardo físico, emocional e financeiro está diminuindo. Estamos próximos da conquista da doença.

            FERNANDO PIMENTEL
            TENDÊNCIAS/DEBATES
            O Brasil faz história
            Engana-se quem pensa que a vitória de Azevêdo facilitará a vida do Brasil. É preciso resgatar a importância do comércio multilateral
            A vitória maiúscula de Roberto Azevêdo na disputa pelo cargo de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) diz muito sobre sua capacidade para o diálogo e construção do consenso.
            Essas qualidades, aliadas à competência técnica, foram essenciais para a decisão do governo brasileiro de afiançar sua candidatura.
            Campanha encerrada, ganharam todos: o embaixador, a OMC e o Brasil. Em setembro, Azevêdo passa a ocupar um dos cargos mais cobiçados pela burocracia global.
            É bom lembrar que algumas das mais importantes decisões da governança global no pós-guerra foram tomadas na OMC, no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI).
            A OMC terá à sua frente um negociador hábil, com prestígio e influência entre seus pares --requisitos fundamentais para o fortalecimento da entidade.
            O Brasil, por sua vez, reafirma a importância comercial e geopolítica que conquistou nos últimos anos.
            Engana-se, porém, quem imagina que a eleição de Azevêdo facilitará a vida do Brasil no intrincado cenário do comércio internacional. Apesar de ser mais um brasileiro a nos orgulhar, não foi para defender o nosso país que o diplomata se candidatou ao cargo mais alto da OMC.
            Sua eleição é antes reveladora da transformação em que o mundo está mergulhado.
            Os que desconfiavam da capacidade de o Brasil se posicionar mundialmente não perceberam a força conquistada não apenas pelo país, mas pelos ditos emergentes.
            Decepcionaram-se aqueles que até então não tinham enxergado o potencial da parceria entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Os Brics tornaram-se aliados importantes no processo que resultou na vitória de Azevêdo.
            A política de aproximação da África, um acerto do governo Lula, mostrou excelentes resultados além do já conhecido salto registrado no fluxo comercial entre o Brasil e o continente. Do mesmo modo, o estreitamento de relações com a América Latina foi fundamental para o resultado positivo de uma corrida que teve como outro finalista um mexicano.
            Essa rede que trabalhou em favor da candidatura de Azevêdo foi possível em razão da forma como o Brasil tem se posicionado no tabuleiro global, respeitando valores e costumes de nossos parceiros.
            Também deve ser levado em conta o respeito do Brasil às regras da OMC. Como pleitear o comando de uma entidade da qual não se segue as normas? A despeito das acusações de protecionismo, o Brasil não teve de rever decisões de regramento do seu comércio exterior. O contrário já ocorreu.
            Fomos vitoriosos em pleitos que contestavam o interesse de grandes economias mundiais--processos em que, saudável coincidência, a atuação do embaixador Roberto Azevêdo foi decisiva para o resultado favorável ao Brasil.
            No mais, a vitória de Azevêdo, da Organização Mundial do Comércio e do Brasil foi resultado de muito trabalho.
            Já é história a volta ao mundo por 86 países que o embaixador empreendeu nos últimos quatro meses. Também é história a conversa preliminar que tivemos, eu, ele e o chanceler Antônio Patriota, em dezembro de 2011, em Genebra, na primeira vez em que sua candidatura foi aventada.
            É história o empenho pessoal da presidenta Dilma Rousseff, que colocou à disposição de Azevêdo um avião e uma equipe para lhe assessorar na campanha. É história o empenho da presidenta e de todos nós, seus ministros, numa campanha em que em todas as audiências com chefes de Estado e ministros estrangeiros pedíamos votos, na abertura ou no encerramento.
            Que entre para a história pelas razões mais nobres uma gestão que resgate a importância do multilaterismo e devolva à OMC sua função de reguladora das relações comerciais globais.

              Cabloco-d'água vira onça-parda - Tiago de Holanda e Luana Cruz‏


              Estado de Minas: 10/05/2013 

              Algumas pessoas acharam que o caboclo-d’água tinha feito mais uma vítima quando um pequeno veado apareceu morto na fazenda de um produtor rural de Glaura, distrito de Ouro Preto, na Região Central de Minas. Houve quem imaginasse que era obra daquele monstro horrendo, que dizem andar sobre as patas traseiras, com olhos esbugalhados, pelos desgrenhados e boca grande. Mas o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) descobriu que o ataque foi de outro bicho, nada lendário: a onça-parda.

              A investigação do Ibama foi motivada por uma das 15 denúncias recebidas este ano sobre mortes misteriosas de gatos, cachorros, veados, cabritos e carneiros em áreas rurais de Ouro Preto, Belo Vale e de seis municípios da região metropolitana (Nova Lima, Betim, Contagem, Brumadinho, Esmeraldas e Ribeirão das Neves). Apenas o caso de Glaura foi solucionado até agora, mas o analista ambiental do setor de fauna da seção mineira do instituto Júnio Silva, acredita que todos têm o mesmo algoz: a onça-parda, espécie em extinção.

              “As outras denúncias estão sendo apuradas, mas, pelas características, é bem provável que se trate de onça parda”, afirma Silva. Após a denúncia pelo número 0800-618080, um representante do órgão vai à área onde foi encontrado o animal morto buscar pistas como como pegadas e rastros. Se a vítima tiver sido abatida recentemente, é possível analisar o padrão de ataque, que inclui marcas de mordidas. O passo seguinte é instalar câmeras fotográficas e filmadoras para tentar flagrar o animal.

              Um fazendeiro mostrou para os especialistas a carcaça de um pequeno veado. As características da mordida e as pegadas apontavam para uma onça-parda. Durante a madrugada, câmeras instaladas em uma árvore filmaram um felino jovem de 30 a 35 quilos. A espécie ataca por reação natural de sobrevivência, ressalta Silva: “Às vezes, a fazenda está no território dela”. A onça deve continuar solta na região. Para evitar sustos ou prejuízos, recomenda-se que a população ponha cerca elétricas e corte árvores que facilitam o bote do animal.

              Apesar da presença da onça, há quem continue responsabilizando o folclórico caboclo-d’água em Glaura. A aposentada Maria Helena Cortes, de 80 anos, mora há 36 na comunidade Engenho d’Água, onde foi achado o veado morto. “Esses ataques deixam o pessoal amedrontado. Tem gente que diz que já viu o caboclo. Contam muitos casos. Não acredito muito, não, mas tenho medo”, diz. Na dúvida, ela não sai de casa após as 22h. “Aqui falam muito em assombração, mula-sem-cabeça.” E como é esse caboclo? “Falam que tem o tipo de homem, com olho fundo, cabelo esgadanhado, narina e boca muitos abertas.”