domingo, 5 de maio de 2013

Quadrinhos - Charge

folha de são paulo


CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS
HAGAR      DIK BROWNE
DIK BROWNE



CHARGE

A formação da Terra-Névoa

IMAGINAÇÃO
folha de são paulo

cantado por Paulino Joaquim marubo tradução Pedro de Niemeyer Cesarino ilustração manuela eichner

Vento da Terra-Névoa
O vento envolve
A névoa-vento do céu
E no redemoinho
Por si só surge
O chamado Kana Voã
O chamado Koa Voã
E o chamado Koi? Voã
São mesmo eles
Do Céu-Névoa plantado
Caldo de tabaco-névoa
E caldo de lírio-névoa
Os caldos envolvem
Caldo de lírio-névoa
Do caldo bebem
Saliva cospem
E Terra-Névoa formam
Para que ali
Fique de pé
Koi? Voã, mais
O chamado Kana Voã
Formada Terra-Névoa
Ali vão ficar
E juntos pensam
"Num canto do céu
Muitos ainda flutuam
Alguns dali mesmo
Já vêm chegando
Noutro canto do céu
Muitos ainda flutuam
E vêm chegando"
Assim dizem e
Koi? Voã mais
O chamado Kana Voã
Caldo de lírio-névoa
Do caldo bebem
Agarram agarram
Os que ainda flutuam
E na Terra-Névoa
Em seu terreiro
Vão todos viver
Para lá seguem
Céu não havia
Mas eles então
Caldo de lírio-névoa
Do caldo bebem
Caldo de lírio-névoa
O caldo sopram
Caldo de lírio-névoa
Do caldo bebem
Assim mesmo sopram
E anta-névoa surge
Anta-névoa em pé
Com lança matam
E das carnes de anta-névoa
Céu-Névoa fazem
As carnes atam
E tudo esticam
Céu-Névoa plantado
Agora mesmo está
Assim tendo feito
Para tudo olham
Mas flácido o céu
Ainda mesmo está
E com açaí-névoa
O céu seguram
E com babaçu-sol
O céu seguram
Tatu-névoa sentado
Com lança matam
Com osso de tatu-névoa
O céu seguram
Ali ao lado
Do osso de tatu-névoa
Mulheres Tatu-Névoa
Eles deixam sentadas
Ali embaixo
Do osso de tatu-névoa
Óleo de tatu-névoa
Eles deixam
Vento de lírio-névoa
Ao vento juntam
E assim levantam
Vento de lírio-névoa
O vento juntam
Com óleo de tatu-névoa
E ali deixam
Mas céu flácido
Ainda mesmo está
Periquito flecham
E com seu osso
Céu seguram
Taboca-névoa
No céu atravessam
E toco de taboca-névoa
Céu escora
Caldo de lírio-névoa
Do caldo bebem
Pois flácido céu
Ainda assim está
E céu assopram
Para céu firmar
Taboca-névoa
No céu atravessam
Osso de periquito branco
No céu atravessam
Com osso de periquito
Céu cobrem
Mas ainda quer cair
E com pedaços
De taboca-névoa
Céu escoram
Com toco de taboca-névoa
Céu seguram
E caldo de lírio-névoa
Do caldo bebem
Caldo de tabaco-névoa
O caldo misturam
Ao caldo de lírio-névoa
Do caldo bebem
Para céu assoprar
E céu enfim se firma
SOBRE O TEXTO
A série em que a "Ilustríssima" adianta os principais lançamentos editoriais do ano traz trecho da narrativa mítica "A Formação da Terra-Névoa", publicada em "Quando a Terra Deixou de Falar" (ed. 34, 320 págs. R$ 54), coletânea de cantos da mitologia marubo organizada e traduzida por Pedro de Niemeyer Cesarino. O livro será lançado em São Paulo nesta terça (7), a partir das 19h30 no bar Sabiá (rua Purpurina, 370).

    A biblioteca de Derrida - Ris-Orangis, 2007 - Evando Nascimento

    folha de são paulo

    ARQUIVO ABERTO
    O MAPA DA CULTURA
    EVANDO NASCIMENTOMeu primeiro encontro pessoal com Jacques Derrida se deu quando cheguei a Paris nos anos 1990, com uma bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), obtendo uma inscrição na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Tive meu trabalho dirigido por ele e cheguei a fazer uma apresentação em um de seus seminários.
    Derrida encantava pelo sentido da acolhida em relação aos pesquisadores e alunos com projetos relevantes. Lembro-me de indicar uma excelente bibliografia e depois discutir comigo alguns pontos de minha pesquisa. Isso me levou a escrever uma tese de doutorado sobre ele, que se tornaria o livro "Derrida e a Literatura" (EdUFF).
    Num auditório do bulevar Raspail, impressionavam suas densas reflexões a partir de autores complexos como Kant e Heidegger, com citações em alemão e uma capacidade comunicativa rara. A plateia era composta por estudiosos que o acompanhavam havia décadas, por alunos recentes e também por pesquisadores-visitantes, que iam assistir ao último dos grandes da geração de Foucault, Deleuze e Barthes.
    Quando retornei ao Brasil, sempre que ia a Paris em razão de algum trabalho o encontrava em seu escritório na Maison de l'Homme e se reforçava a impressão da hospitalidade, por "amizade de pensamento", como gostava de dizer.
    Antes de Derrida fazer sua segunda visita ao nosso país, em 2001, fui entrevistá-lo no café do hotel Lutetia, em Paris, para a Folha. A transcrição da longuíssima gravação não foi nada fácil, pois não podia imaginar os sons ao redor: conversas, gritos de crianças, ruídos amplificados. Isso me custou algumas noites de sono, a fim de preservar a íntegra de uma fala que parecia previamente escrita, embora Derrida desconhecesse o conteúdo de minhas perguntas.
    Em 2004, reencontrei-o já bastante debilitado no aeroporto do Galeão, na última viagem de sua vida, para realizar a conferência de abertura do colóquio internacional sobre sua obra, que organizei numa parceria entre o Consulado da França no Rio e a Universidade Federal de Juiz de Fora. Ele me abraçou e disse sorrindo: "É a viagem mais improvável que já fiz". Menos de dois meses depois, o pensador da desconstrução partiria em definitivo, legando uma obra de cerca de 80 volumes, um terço da qual já traduzido entre nós.
    Finalmente, em 2007, no meio de um estágio de pós-doutorado na Universidade Livre de Berlim, fui a Paris em busca de um seminário que Derrida desenvolvera sobre "Nacionalidades e Nacionalismos Filosóficos", fundamental para as questões políticas sobre as quais então me debruçava.
    Sua mulher, Marguerite, psicanalista e tradutora do russo, me convidou então a procurar na biblioteca uma cópia do texto que desejava. Seus arquivos estavam sendo organizados a fim de seguirem para o Instituto Memórias da Edição Contemporânea, havia caixas de papelão em toda parte e as pastas no computador não estavam todas devidamente identificadas.
    Resultado: tivemos que procurar em toda a casa uma versão impressa do seminário, finalmente encontrada. Mas naquele momento ocorria uma das inúmeras greves nos transportes franceses, e Derrida, ainda nos anos 60, optara por morar em Ris-Orangis, longe do tumulto parisiense. Assim, por falta de trem e metrô, acabei dormindo num confortável anexo da biblioteca.
    Foi uma noite insone, em que eu abria alguns dos volumes de Freud ou de Nietzsche e encontrava ali sublinhados os trechos que eu bem reconhecia nos textos assinados por Derrida. As estantes contavam com imagens em cartões-postais de escritores e filósofos, para bem identificar o lugar de cada um: Hegel, Marx, Benjamin.
    Será preciso um dia fazer uma abordagem do pensamento do autor a partir de seus rabiscos, anotações e inúmeros rastros que deixou na margem dos livros. Tal estudo deveria, no caso de Derrida, se chamar, com efeito, Marginália, ele que tantas vezes se colocou às margens das instituições e correntes hegemônicas.

      LA não pode parar - Fernanda Ezabella

      folha de são paulo

      O MAPA DA CULTURA
      DIÁRIO DE LOS ANGELES
      Bilionário quer salvar o pior trânsito dos EUA
      FERNANDA EZABELLAO BILIONÁRIO Elon Musk está revolucionando a indústria de foguetes e finalmente conseguiu neste ano anunciar lucro com sua montadora de carros elétricos Tesla, fundada há dez anos. Mas um desafio, no entanto, ele está longe de resolver: o trânsito de Los Angeles, que pelo segundo ano seguido ficou no topo da lista dos piores dos EUA.
      De acordo com dados da Inrix, os angelenos passaram 59 horas parados no carro em 2012. A cidade tem 3,7 milhões de habitantes e 2,5 milhões de veículos --para comparar, São Paulo tem quase três vez mais: 11 milhões de habitantes e 7 milhões de veículos.
      Para Musk, a situação é inviável. Tanto que o executivo de 41 anos, que fez seu primeiro bilhão ao vender o PayPal para o eBay em 2002, já doou o equivalente a R$ 100 mil para acelerar as obras da via expressa 405, que ele pega diariamente entre sua casa em Bel-Air e sua fábrica de foguetes em Hawthorne. E está disposto a dar muito mais.
      "Seria uma contribuição à cidade e à minha felicidade. Se isso puder fazer a diferença, eu teria o maior prazer em contribuir com dinheiro e com ideias", disse Musk ao jornal "Los Angeles Times". "Parece que a população está sendo torturada com isso. Não entendo como não estão marchando nas ruas [para protestar]."
      A 405 é a autoestrada mais congestionada dos EUA, com 116 km de extensão, atravessando boa parte do sul da Califórnia.
      As obras de alargamento nos trechos de Los Angeles devem demorar mais um ano para terminar, ao custo total de mais de R$ 2 bilhões.
      TOUR RAYMOND CHANDLER
      Uma antiga prisão e um velho hotel de Los Angeles, além de alguns bares, estão na rota do tour Raymond Chandler (1888-1959), que acontece no dia 18/5, organizado pela Esoturic Tour.
      Um dos mais famosos escritores do romance policial, Chandler nasceu em Chicago, cresceu em Londres e veio para a Califórnia em 1912.
      O passeio de ônibus leva até o hotel na região de Skid Row que aparece no romance "A Irmãzinha" (1949), onde um homem careca morre ao ter um furador de gelo fincado no pescoço. Passa também em frente à antiga cadeia na qual Chandler dormiu algumas vezes por embriaguez --e tirou suas inspirações para a solidão de seu detetive Philip Marlowe em "O Longo Adeus" (1953). O prédio em que Marlowe morava em "A Dama do Lago" (1943) está na lista, assim como o Bridge Room, no Los Angeles Athletic Club, um dos lugares favoritos do escritor.
      O tour refaz sua trajetória pela cidade desde a juventude pré-literária, quando trabalhou no escritório de uma refinaria, e segue até os anos dourados em Hollywood. Uma das paradas do passeio de quatro horas acontece na sorveteria Scoops, que cria sabores inusitados em homenagem aos romances noir. Tem sorvete de café com Jack Daniels, Guinness com chocolate e até nicotina (com chiclete Nicorette).
      BRINQUEDOS E HOLOCAUSTO
      Gary Baseman, conhecido pelas ilustrações e pela "toy art", leva sua casa para dentro da primeira retrospectiva de seu trabalho, no Centro Cultural Skirball (skirball.org).
      Móveis, pratos e fotografias de família estão lá, incluindo a mesinha de mármore onde começou a desenhar quando criança. Há um quarto só para os desenhos que fez para publicações como "The New Yorker", "The Atlantic" e "Rolling Stone".
      Em outro, o visitante conhece sua "toy art" e o desenho animado criado para a Disney. Baseman, 53, disse à Folha que já foi ao Carnaval do Rio duas vezes, desfilou na avenida com escolas e tirou fotos até o amanhecer, mas essas imagens eram "um pouco demais" para o Skirball, um centro judaico familiar.
      Gary Baseman nasceu em Los Angeles, filho de sobreviventes do Holocausto. Uma das salas é dedicada a seus estudos sobre o passado dos pais ao escapar do nazismo, com pinturas e fotos para lá de sombrias.
      REI DO PORCO
      O festival culinário Cochon 555 existe há cinco anos e acontece por 14 cidades dos EUA. Hoje é a vez de Los Angeles. Cada um dos cinco chefs convidados terá que fazer um menu completo tirado de um porco de raça de 90 quilos.
      O melhor banquete será votado por 20 juízes e 400 convidados (os ingressos variam de US$ 125 a US$ 250).
      Haverá demonstrações de técnicas de corte, degustação de ostras e dos pratos dos chefs, além de bar de vinhos e queijos. O vencedor segue para a próxima etapa, em Aspen, em junho.
      Fotos e vídeos do festival, além de tutoriais de preparo de pratos com carne suína, estão disponíveis no site amusecochon.com.

        A cidade irregular - A São Paulo ilegal e a lição de Anhaia Melo

        folha de são paulo

        URBANISMO
        JOSÉ LUIZ PORTELLA PEREIRA
        RESUMO
        Colunista do site da Folha, ex-secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo e ex-secretário de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo analisa a histórica cultura paulistana de irregularidades. Para ele, recente prorrogação de prazo para regularização abre oportunidade uma virada estrutural.
        -
        São Paulo é uma cidade irregular. Além do que se pensa. Há mais tempo do que se imagina. Surgiu nova incerteza a alimentar essa saga. A Prefeitura prorrogou, por um ano, o prazo para regularizar imóveis com atividades comerciais, industriais e de prestação de serviço em áreas de até 1.500 m². Segundo os vereadores, 70% do comércio de periferia está fora das normas do Certificado de Conclusão.
        Agora, até 31 de março de 2014 a regularização pode ser solicitada. Fechar tudo provocaria um caos. É verdade. Ocorre que as irregularidades vêm se acumulando há anos, acompanhadas com complacência. Posterga-se, sem encaminhar a solução. O repórter Pedro Tomé apurou que nem a Prefeitura nem a Câmara tinham resposta. Sem saber como lidar com o problema, 48 horas antes do prazo, a Prefeitura postergou-o para 2014.
        Alguém sabe que risco real as irregularidades desses imóveis oferecem? Não se obteve resposta. Não se pune quem merece nem se resolve o problema de quem vive um drama de Kafka. A cidade ilegal representa um microcosmo social como o sanatório de "A Montanha Mágica", de Thomas Mann, onde tudo é relativo, inclusive o tempo. Só quem está lá entende o significado e o peso dos pormenores. Poucos políticos mergulham nesse universo com profundidade.
        Paulo Kawahira tem loja na avenida Mateo Bei, no distrito de São Mateus. Há 20 anos não consegue entrar na legalidade por causa da burocracia, jogo de empurra e leis conflitantes. Patrick, dono de restaurante, obteve o auto de licença em novembro de 2012, com horário ilimitado. Tomou multa doída de R$ 34 mil, via Lei do Psiu, por ter avançado no horário. "Pode ou não pode?", reagiu com ironia.
        Já tivemos 13 anistias. Elas surgem a pretexto de ajudar os que precisam trabalhar, mas, na prática, quem sai ganhando são os loteadores clandestinos e os locadores de imóveis irregulares. Os corretores da ilegalidade. A melhora para o usuário é fugaz.
        Desde 1930 é assim. São Paulo foi cidade pobre e provinciana até 1880. Não gozou o curto ciclo do pau-brasil. Ficou de fora do primeiro ciclo da cana-de-açúcar e não se beneficiou do ciclo do ouro. Os bandeirantes deram nome e fama ao Estado, mas não riqueza à cidade. Foi o café que nos tirou do ostracismo econômico. Imigrantes italianos, logo depois japoneses.
        O crescimento impulsionou a industrialização. Café e indústria iniciaram o salto para a metrópole cosmopolita. Em 1931, no 1º Congresso de Habitação, o prefeito Luiz Ignácio de Anhaia Melo, professor da Poli e fundador da FAU, alertava: "A cidade clandestina que crescia já era maior do que a cidade oficial". Está em "Periferia: Loteamentos Ilegais e Formas de Crescimento Urbano", de Marta Grostein, professora da FAU. Anhaia Melo denunciava a comercialização de empreendimentos produzidos a partir de ilegalidades, resultando em espaços sem qualidade urbanística.
        O estudo de Grostein registra que o padre Lebret, economista, expõe o fio condutor da urbanização: "Convergiam para o dinamismo da cidade os principais interesses financeiros, comerciais e industriais". De 1940 a 1960, a população cresceu 171% na cidade central e 364% na periferia.
        São Paulo é beneficiária e vítima do seu progresso. A origem é o modelo português de urbanizar na base do improviso, diferentemente do planejado e reticulado sistema espanhol, com grandes avenidas centrais. Seguia os interesses econômicos, sempre a reboque do prejuízo causado pelo assentamento de "qualquer jeito" dos que serviam a tais interesses. Era a força da grana que ergue e destrói coisas belas. Isso levou à casa própria autoconstruída, ao "puxadinho", ao churrasco na laje, feitos por conta própria. Com ajuda de vizinhos. Desconhecendo as normas técnicas.
        Hoje, boa parte está fora de ordem: calçadas, o que gera 140 mil acidentes por ano, comércio pirata, pequeno comércio, casas em áreas de risco, ruas fechadas indevidamente, bairros em loteamentos clandestinos, como o Jardim Novo Horizonte, na zona leste, as 900 mil pessoas na região de mananciais, os prédios no centro sem posse legal, impedindo a revitalização.
        CIDADE DESEJADA
        A questão é: temos leis demais ou o descumprimento põe a todos em risco? É um misto. A nova postergação é a oportunidade de arrumar a casa. À cidade irregular se juntam a cidade do medo, a cidade da imobilidade, a cidade descuidada. Elas nos separam da cidade desejada.
        São Paulo tem problemas gigantescos e propostas de solução tímidas. Nada na dimensão do que já fizeram outras metrópoles. Nas campanhas eleitorais, as propostas são idênticas. Sem fonte clara de receita, insistem no viés aritmético: mais x escolas, y creches, n hospitais. Enquanto há 70% de leitos ociosos em hospitais acima de 150 leitos na Grande São Paulo, reclama-se da falta deles. Os planos de metas são pobres em projetos estruturais que realmente transformem o jeito de a cidade funcionar, como levar de fato emprego à periferia com a economia criativa. Ou mudar o transporte de lixo, que desloca 500 caminhões/dia, num "lixotour", em vez de ser escoado por nossos rios e canais.
        São Paulo é quase uma ilha. Mesmo com toda a irregularidade e todo o descuido, a cidade produz 12% do PIB do Brasil. A Grande São Paulo, 20%. Não há mudança sem sonho. Não há transformação urbana sem utopia. Mas mudar requer mais do que planos. Exige atitude. Faltam metas que garantam a manutenção de bens e serviços. A ênfase é sempre na obra e não na permanência do serviço. Manter um hospital tem quase o mesmo custo anual que a construção.
        As 13 anistias da história se preocuparam em perdoar e conceder prazos. Sem criarem uma forma prática para que o cidadão irregular possa sair da contramão. Anistiar é fácil. Sair do desvio é que são elas. Mas não há só gente boa sendo massacrada pelo poder público. Estima-se, nesses casos, que 30% estejam ilegais consciente e deliberadamente; 40% por conta da torturante burocracia ou por falta de recursos financeiros para executar os procedimentos necessários. Em geral, 30% estão legais.
        Não existe um roteiro-padrão para reverter o cenário. Todavia, é indiscutível ser preciso tornar a lei simples de entender, fácil de aplicar e de justa medida. Há modelos de recuperação, cada um com objetivos e meios específicos: a do Harlem, em Nova York, que transformou galpões abandonados em lofts e restaurantes, afastando a criminalidade; a da zona portuária de Barcelona, em 1992, acabando com a prostituição e a terra de ninguém; e a de Stratford, no leste de Londres, em 2012.
        Caio Prado Jr., em "Evolução Política do Brasil", escreveu: "A formação de um grande centro como São Paulo determinou transformações na própria estrutura orgânica do país. Elas trazem tom de vida novo, que o Brasil não conheceu no passado, e desconhece ainda na maior parte do seu território". Quer dizer: exige plano próprio. Mas pode incorporar experiências.
        Sair da ilegalidade requer um plano que elimine as normas inócuas ou criadas para vender facilidades e que corrija, de fato, o imprescindível. Nos moldes dos planos habitacionais, precisa de financiamento, e cabe subsidiar os mais carentes. Como no projeto Casa Paulista, que alinha Estado, autor, com Prefeitura e União, e reformula os conceitos vigentes.
        O projeto elimina os modelos habitacionais do tipo "BNH", mares de prédios e "cidades medievais" escondidos atrás de muros. É mais barato financiar a regularização do que bancar as consequências. Com o compromisso inegociável de, após a regularização, permanecerem dentro da lei. É essencial que haja contrapartidas.
        Esperar o novo Plano Diretor é agravar o problema. Não é legal viver ilegal. Anhaia Melo, o prefeito que questionou o despertar das ilegalidades, em 1975, virou nome de avenida em Vila Prudente. Ela vive inundada, congestionada e abriga o maior centro de venda de carros usados. É quase um caos ao cair da tarde. A ilegalidade em São Paulo só aumentou. Até lojas da Anhaia Melo foram relacionadas a desmanches fora da lei.
        São Paulo tem uma escolha: ou faz do novo adiamento outro empurrão com a barriga ou dá resposta definitiva à velha questão do professor Anhaia Melo.

          Orestes: pena e tamborim - Há 120 anos nascia o cronista do samba

          folha de são paulo

          MEMÓRIA
          ALVARO COSTA E SILVA
          RESUMO
          Cronista e sambista que cantou tipos populares do Rio do começo do século 20, Orestes Barbosa (1893-66) prefigurou tendências modernas da cultura brasileira, como o trânsito entre o meio letrado e o popular. Aos 120 anos de seu nascimento, dois livros inéditos prometem restituir seu lugar central nas artes do país.
          -
          Quando João do Rio morre em 1921 (dentro de um táxi, de infarto do miocárdio) e Lima Barreto sofre um colapso cardíaco em 1922, os cariocas ficamos momentaneamente sem crônica, a tradição literária de explicar, traduzir e --por que não?-- inventar uma cidade. É quando entra em cena Orestes Barbosa.
          Nesta terça (7), este insuspeitado historiador do Rio --também poeta de linhagem penumbrista e parceiro de Francisco Alves, Silvio Caldas, Custódio Mesquita, Noel Rosa, Wilson Baptista, na época de ouro da música popular-- terá discreta celebração de seus 120 anos de nascimento: um bate-papo no Instituto Cravo Albin, na Urca, às 18h, com a presença do biógrafo de Orestes, o músico e pesquisador Carlos Didier.
          Didier tem na agulha, prontinhos, dois livros em torno do Orestes Barbosa cronista: "Samba & Outras Crônicas", terceira edição do clássico "Samba", de 1933, acrescida de 17 textos publicados na mesma época na imprensa, e "Crônicas da Cidade do Rio de Janeiro: 1921-1927", com 61 peças pescadas em livros e jornais e agrupadas por temas: crime, malandragem, prostituição, sexo, amor, música, tipos e cárcere. Ambos estão à espera de um editor.
          "O Samba' teve uma reedição desastrosa da Funarte em 1978: eliminaram os asteriscos que separavam as microcrônicas, e o livro perdeu seu encanto. Além de reparar o erro, escrevi 132 notas de pé de página, uma espécie de bate-bola entre o autor e seu biógrafo", diz Didier, que escreveu a biografia "Orestes Barbosa: Repórter, Cronista e Poeta" (Agir, 2005), escrita a partir de material organizado em banco de dados, com 1.263 tópicos e 8.833 registros, usado para cruzamento de informações.
          Dito assim, parece um livro frio. Mas é dos mais quentes, como foi a vida do personagem e dos boêmios, sambistas, seresteiros, marginais, cafetões, viciados com quem ele conviveu nas calçadas, nos cafés, nas redações e rádios cariocas.
          Orestes se orgulhava de ter vindo ao mundo na zona norte do Rio, e deixou isso estampado na abertura do seu mais famoso livro, "Bambambã" (que apresenta um insuperável glossário de gírias): "Nasceu na Aldeia Campista, às três da madrugada do dia 7 de maio de 1893". Note-se que é o mesmo território mítico --nas fronteiras das ruas Pereira Nunes, dos Artistas, Ambrosina, Possolo e poucas outras-- onde mais um grande cronista do Rio e de seus subúrbios, Nelson Rodrigues, ambientaria peças e contos da vida como ela é.
          Foi menino de rua. Morou em barracos, com paredes de madeira ou taipa, cobertura de zinco, um ou dois aposentos e cozinha externa. Sem desconfiar, ali estava um tema que exploraria na sua obra-prima, a canção "Chão de Estrelas", feita em parceria com Silvio Caldas, com o verso famoso --"Tu pisavas nos astros distraída"-- que entusiasmou Manuel Bandeira e tantos mais.
          Encontrou uma boa alma, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, que o desasnou e aproximou do violão. Aqui temos mais uma coincidência: Clodoaldo tornou-se o pai de Vinicius de Moraes, e Orestes anteciparia Vinicius, ao trocar, nos anos 1930, a poesia dita séria pela letra de música, o que autor de "Garota de Ipanema" só faria em meados dos anos 1950.
          PRISÃO
          No jornalismo, Orestes começou como revisor e logo passou a repórter de polícia, função na qual se especializou a ponto de, por duas ocasiões, ter estado preso. Daí resultando um de seus primeiros livros, "Na Prisão".
          "Condenado a períodos de férias no presídio da Frei Caneca, foi ali que conquistou seu primeiro tema de impacto. Em vez de reclamar da própria situação, soube aproveitar a oportunidade: escreveu sobre os prisioneiros e a vida na prisão", conta Didier.
          Cobriu o assassinato de Pinheiro Machado e o naufrágio da Barca Sétima. Entrevistou João Cândido, Dilermando de Assis e, em início de carreira, Pixinguinha, Donga, Cartola. Dividiu tiras de papel e tinteiros com Rui Barbosa e Mário Filho. Mas foi, sobretudo, como cronista da cidade que encontrou o seu estilo.
          "De frases e parágrafos curtos, surgiu de modo natural por interferência da língua falada na língua escrita. O leitor sente que o cronista está batendo papo, o que é perfeito quando o assunto é uma história do dia a dia da cidade", explica o biógrafo. "Outra coisa: os parágrafos breves têm a dimensão próxima à de um verso, formato curioso mesmo levando-se em conta que Orestes era um poeta nato".
          O crítico José Lino Grünewald fez a seguinte aproximação: "Concepção de texto absolutamente inédita. Faz lembrar, em várias passagens, as poesias de Oswald de Andrade". E Carlos Heitor Cony, esta, surpreendente: "Excelente cronista, criador de um estilo que lembra, até certo ponto, um Guimarães Rosa urbano, um ancestral de Guimarães Rosa, com as mesmas bossas, com alguma invenção vocabular, coisas que não existiam nos duros tempos de Coelho Neto e Humberto de Campos".
          Quanto à temática, o jornalista contribuiu mostrando a cidade marginal e subterrânea, que ele preferia, e que convivia em oposição à outra, a "da avenida" (referência à avenida Central, atual Rio Branco, aberta com as reformas modernizadoras de Pereira Passos no início do século 20).
          "Ele flagra a cidade no momento em que surgiu a cultura que os jovens hoje buscam reencontrar na Lapa. Aliás, uma de suas crônicas mais conhecidas descreve a cafetina Alice Cavalo de Pau, que atuava na rua Visconde de Maranguape, ali mesmo no bairro. A turma que curte os sambas de Noel Rosa, Ismael Silva, Cartola, que são criações do Estácio e redondezas, sabe que essa cultura brotou daquele meio que o Orestes fixou nas crônicas", explica Didier.
          PERTENCIMENTO
          Ao selecionar e apresentar a antologia "Cocaína: Literatura e Outros Companheiros de Ilusão" (Casa da Palavra, 2006), a pesquisadora Beatriz Resende agrupou Orestes Barbosa (com os textos "O Namoro na Cadeia" e "A Favela") ao lado de Álvaro Moreyra, João de Minas, Ribeiro Couto, José do Patrocínio Filho, Théo-Filho, Benjamin Costallat, Patrícia Galvão, a avançada Chrysanthème (pseudônimo da jornalista Cecília Bandeira de Melo Rebelo de Vasconcelos), ou seja, a geração pré-modernista, desvinculada da Semana da Arte de 1922.
          "Orestes tem o mérito de levar para o espaço das crônicas a vida das favelas e das prisões", avalia Beatriz. "Creio que o olhar dele sobre essa parte da vida de excluídos da grande cidade é, sobretudo, de dentro. Mais do que João do Rio, um observador importante, Orestes Barbosa fala com mais pertencimento."
          Orestes Barbosa e Benjamin Costallat colaboravam na incrível "A Banana", revista de humor e erotismo fundada em 1923 por Théo-Filho. Naquele mesmo ano, Costallat conquistou fama de escritor de escândalo ao publicar "Mademoiselle Cinema". Três meses depois, Orestes seguiu os passos do colega, ao escrever seu primeiro e único romance, "A Fêmea".
          É um banquete apimentado, reunindo episódios em que um industrial frequenta a mulher de um empregado de confiança; um político moralista, após apaixonar-se pelo cunhado, conquista namorados na praça Tiradentes; uma madame é amante de "milionários e cachorros de linguinha afiada". Um dos relatos descreve uma cerimônia de casamento na qual há três defloramentos, menos o da noiva.
          Um personagem aparece com o nome real e como frequentador de prostíbulos: Julio César de Mello e Souza, mais tarde famoso como Malba Tahan, autor de "O Homem que Calculava". Orestes quase apanhou dele e, para fazer uma segunda impressão, pois a primeira se esgotara em três dias, teve de retirar o capítulo em que o professor fazia das suas. Desde então, o livro não voltou a circular.
          Quem não dava um doce para conhecer "A Fêmea"?

            A biblioteca de Francis repousa intacta em NY - Lucas Ferraz

            folha de são paulo

            JORNALISMO
            Na cova da fera
            LUCAS FERRAZ
            RESUMO
            A partir de seu escritório em Nova York, Paulo Francis agitava a cultura brasileira com opiniões controversas, novidades intelectuais e diatribes disparadas para todos os lados. Preservada por sua viúva, a biblioteca nova-iorquina do jornalista aguarda destino no Brasil e oferece uma visão de sua irrequieta cabeça.
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            No 21º andar de um prédio na esquina da rua 47 com a segunda avenida, em Manhattan, há uma biblioteca formada sobretudo por títulos de política e história americanas que, há 16 anos, repousa à espera de um destino no Brasil. Desde a morte do jornalista e escritor Paulo Francis, em 4 de fevereiro de 1997, quase 5.000 livros seguem praticamente intocados em seu escritório. A viúva, a jornalista Sonia Nolasco ainda mora no apartamento, mas se limitou a guardar alguns de seus próprios livros nas estantes e retirou outros, que distribuiu entre amigos dele.
            Após uma tentativa fracassada, Sonia agora quer selar o envio do material para o país. Seu desejo, disse à Folha, é que o destinatário seja o Instituto Moreira Salles (IMS), instituição privada que se especializou na compra e na conservação de acervos literários e é o destino dos sonhos de nove entre dez famílias de escritores brasileiros. Embora se fale em "doações", as negociações para cuidar de tais papeladas quase sempre envolvem somas consideráveis.
            Francis viveu mais da metade de seus 66 anos em Nova York --sua segunda cidade, depois do Rio, onde nasceu em 1930. Na primeira vez, nos anos 1950, ainda era o adolescente Franz Paulo Trannin da Matta Heilborn, que acompanhava o pai, funcionário da Esso em Nova York. Na segunda, em 1971, já era Paulo Francis, o editor da "Senhor", do "Pasquim" e da área cultural do "Correio da Manhã", entre outros feitos. É a essa época que remonta a formação da biblioteca da rua 47.
            DOAÇÃO
            Houve uma tentativa de levar os livros para o Brasil logo após a sua morte, por infarto fulminante. O acervo seria doado ao empresário Ronald Levinsohn, amigo de Francis e então dono da UniverCidade (Centro Universitário da Cidade), no Rio. Sonia e o próprio Francis prometeram a Levinsohn a doação da biblioteca, sobretudo dos livros políticos.
            Algo como uma antiga dívida de gratidão unia o jornalista ao empresário. Em 1983, Levinsohn esteve envolvido num escândalo financeiro conhecido como Delfin, no qual a então maior caderneta de poupança do país sofreu intervenção do Banco Central. À época, Francis o defendeu publicamente --somente 23 anos depois a Justiça inocentaria o empresário.
            Com a morte de Francis, porém, a relação entre Sonia e Levinsohn desandou. A doação melou.
            "Imagino que deve ter muita coisa legal na biblioteca", comentou o empresário, em dezembro passado. Ele estava em sua casa carioca, no Cosme Velho, recém-chegado de Nova York, onde tem um suntuoso apartamento em Park Avenue. "Nova York nunca mais foi a mesma sem o Francis", disse, ao ser informado pelo repórter sobre o teor da conversa. Levinsohn lamentou não ter conseguido levar a biblioteca para o Brasil. Diz, contudo, que "tem amigos que podem alocar os livros em algum lugar, talvez a PUC-Rio".
            Por enquanto, a cidade de Francis só recebeu, na década de 1990, sua coleção de 379 laser discs, espécie de antecessor do DVD que não vingou. O acervo está disponível para consultas na sede carioca do IMS e inclui filmes, concertos, óperas, balés e musicais. Quanto à biblioteca, o instituto informou à Folha que a viúva do jornalista ainda não os procurou oficialmente. E que, antes de tomar qualquer decisão, será necessário avaliar o acervo.
            A biblioteca de Francis revela a peculiar educação sentimental de um comentarista de TV que nasceu e se criou sob a lógica da Guerra Fria. Expõe também laços afetivos e certas engrenagens da mente de um dos mais polêmicos jornalistas brasileiros do século 20.
            O escritório permanece tal e qual estava quando ele morreu: ainda estão lá os quadros e desenhos de amigos da turma do "Pasquim", como Millôr Fernandes. Ainda está lá, na parede em frente à escrivaninha, a foto de um ídolo de juventude, o revolucionário russo Leon Trotsky. Da janela à sua direita, Francis via a fileira de arranha-céus ao longo da segunda avenida, em direção ao sul.
            As estantes são uma amostra da pauta de seu "Diário da Corte", a influente coluna que ele publicava na Folha entre 1975 e 1990: teatro e ópera, romances, poesia, policiais e, sobretudo, ensaios, jornalismo e livros de história e política do século 20. São inúmeras as obras de autores que transitavam entre o ensaísmo e a grande reportagem, e que praticavam uma crítica de cultura tão erudita quanto ferina. Sem Francis, provavelmente seriam menos conhecidos no Brasil nomes como Gore Vidal, Joseph Mitchell e Tom Wolfe. As estantes ainda abrigam os clássicos que ele adorava citar, como Bernard Shaw, Edmund Wilson, Thomas Mann, Aldous Huxley e James Joyce.
            Vai se decepcionar quem esperar encontrar ali um manancial para pesquisar a cultura brasileira dos anos 1950 e 60, quando Francis fazia e acontecia no Rio. As poucas obras em português são de amigos (Millôr, sempre ele, Ivan Lessa, Roberto Campos), um ou outro clássico da literatura brasileira e alguma coisa sobre os tempos de militante político, perseguido pela ditadura militar (1964-85).
            Nenhum volume ali vem de sua fase carioca. "Suspeito que ele deixou no Rio uma grande coleção de literatura e teatro, porque a mudança para Nova York foi muito repentina", especula Ruy Castro, amigo de Francis e pertencente à primeira nova geração de jornalistas formada sob influência direta de Francis. Sonia Nolasco, que foi casada com Francis por mais de duas décadas, diz que nunca teve notícias dos livros daquela época.
            A grande quantidade de volumes denuncia o fraco que Francis tinha por obras sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-45) e sobre todos os presidentes americanos entre os anos 30 e 90, em especial Roosevelt, Kennedy, Lyndon Johnson, Nixon, Carter e Reagan.
            Em 1986, ele afirmou, em sua coluna na Folha, que lia no mínimo três livros por semana. "Leio muito rápido. Mas por prazer, serei franco, leio exclusivamente thrillers." O jornalista Lucas Mendes, seu amigo em Nova York e companheiro de bancada no "Manhattan Connection", hoje da GloboNews, lembra que Francis tinha cada vez menos interesse por autores novos. "Ele relia os favoritos e poucas publicações, a maioria inglesas e conservadoras", conta.
            Em "O Afeto que se Encerra" (Civilização Brasileira, 1980), de memórias, um de seus livros mais bem-sucedidos, Francis conta: "Toda minha formação é europeia, de Dostoiévski a Stendhal, a Sartre (romancista). Ivan [Lessa] me levou aos americanos, me esculachando o conservadorismo, de Hemingway a Fitzgerald, a Norman Mailer, a Capote, a Faulkner etc.".
            Além da infância, suas memórias narram sua carreira jornalística, sua tentativa de viver de literatura e a convivência com os amigos. Ivan Lessa é apresentado como "irmão mais novo", "como Jorge Zahar, Ênio Silveira, Millôr Fernandes e Cláudio Abramo são os mais velhos".
            Assim como Ruy Castro, o jornalista e escritor carioca Sérgio Augusto conheceu Francis nos anos 1960: foi seu colega na redação do "Pasquim". Na biblioteca do amigo em Nova York, conta ele, "encontrei quase os mesmos autores que tinha e guardo na minha. Apesar da diferença de idade [12 anos], pertencíamos praticamente à mesma geração".
            Em 1998, estimulado por Sonia Nolasco, Sérgio Augusto levou, como recorda, "uma meia dúzia de livros" da biblioteca da rua 47. "Descobri um bocado de ensaístas e historiadores por intermédio do Francis", completa. Entre eles estão Gabriel Kolko, Eric Bentley e Geoffrey Barraclough, este último, segundo Sérgio Augusto, publicado no Brasil por Jorge Zahar por indicação de Paulo Francis.
            Francis não era um deles, mas sua biblioteca faria a festa de ratos de sebo com suas coleções de revistas dos anos 70, como os exemplares da "Partisan Review", mitológica publicação de esquerda sobre política e literatura que circulou entre 1934 e 2003.
            "Ele não era um Mindlin", define Ruy Castro, citando o maior bibliófilo brasileiro, cuja biblioteca, doada à USP, acaba de ser aberta à pesquisa. "Francis não tinha um comportamento reverente ao livro. A relação dele com o livro era muito pragmática. Ele pegava, lia, marcava o que queria, podia pular páginas e capítulos. Ele deixava o livro para trás sem problema."
            Ruy conta que, quando o visitava em Nova York, o programa de sempre era flanar pelas livrarias, principalmente a tradicional Brentano's, fundada em 1853 e que fechou as portas em 2011.
            ROMANCE
            Em "Radical Chique e o Novo Jornalismo", Tom Wolfe narra a obsessão de sua geração de jornalistas com "o Romance", que ele escreve assim, com ironia maiúscula: "O Romance parecia um dos últimos desses grandes golpes de sorte, como encontrar ouro ou achar petróleo, com que um americano podia, do dia para a noite, sum relance, transformar inteiramente seu destino."
            "Não havia lugar para jornalistas", recorda Wolfe mais adiante, ao descrever um ponto de encontro de escritores em Nova York. "A menos que ali estivesse no papel de futuro romancista ou simples cortesão dos grandes".
            De certa forma, à sua maneira, a geração de Francis também viveu essa fantasia com "o Romance". Tendo se notabilizado pela opinião desabrida e idiossincrática, ele morreu sem se consagrar na ficção, como almejava. Seus romances --a trilogia formada por "Cabeça de Papel" (1977), "Cabeça de Negro" (1979) e o póstumo "Carne Viva" (2008)-- nunca receberam a mesma atenção de sua produção jornalística.
            Os dois primeiros têm como pano de fundo a ditadura brasileira, a revolução e a oligarquia carioca. Os dois protagonistas, que dialogam freneticamente sobre esses temas, são seus alter egos. Em "O Afeto que se Encerra", Francis diz que "Cabeça de Papel" foi a melhor coisa que já escreveu e relembra o conselho de amigos que leram o livro antes da publicação, como Ênio Silveira e Ivan Lessa, e previram o fracasso.
            Ainda assim, ele se abalou com a má repercussão. Teve depressão e, como contou em suas memórias, chegou a pensar em suicídio. A frustração ainda reverbera em Sonia Nolasco, que rechaça a ideia de publicar mais inéditos: "Só tive aborrecimento com o que saiu depois que ele morreu. Gente dizendo que ele tinha virado de direita ou que ele não sabia escrever ficção. Porque não diziam isso na frente dele, quando estava vivo?"
            O tempo, porém, tem mostrado que o juízo negativo não se deve a questões pessoais ou à costumeira ira de seus contemporâneos com suas controvertidas opiniões.
            "Como jornalista ele é muito mais brilhante do que como romancista, e ele mesmo reconhecia isso", diz Cristiane Costa, que no livro "Pena de Aluguel" (Companhia das Letras) destrinchou a vida anfíbia de escritores-jornalistas no Brasil entre 1904 e 2004. Entre eles, é claro, está Paulo Francis.
            "A literatura do Francis tinha problemas estruturais graves, qualquer leitor, mesmo os mais apaixonados, percebe", diz Cristiane. "As tramas são confusas, a arquitetura narrativa é desleixada. Talvez Francis não tivesse paciência para a carpintaria literária."
            Ruy Castro conta que ele realmente ficava chateado quando alguém falava mal de sua obra ficcional. "Eu e ele, assim como o nosso mestre maior, Bernard Shaw, não somos para a ficção", diz Ruy, que já se aventurou em dois romances. "A literatura dele era de ideias, não de ação, o que é sempre mais difícil." Já Sérgio Augusto o compara a Gore Vidal e Susan Sontag, estrelas da crítica cultural americana: "Bem melhores no ensaio do que na ficção".
            O acervo da rua 47 inclui, além da biblioteca, os manuscritos inéditos de dois projetos: um livro inacabado, "O Homem que Inventou o Brasil", ficção em inglês sobre Getúlio Vargas e o Brasil dos anos 1950, e uma peça de teatro, uma das paixões do jornalista que, jovem, chegou a atuar. Pelo desejo da viúva, o destino desse material também deverá ser o Rio de Janeiro: a Biblioteca Nacional.
            A ideia do livro sobre Getúlio, que seria destinado ao mercado americano, lhe foi sugerida pelo amigo Paulo Bertazzi. Muitos amigos dele não conheciam o projeto. Na década de 1990, um esperançoso Francis enviou trechos a editores americanos. Não houve resposta. E o livro ficou sem ponto final.
            Certa vez, numa coluna, ele comentou sua produção literária: "Dei meu recado. Talvez, com o tempo, receba a resposta. É a consolação do escritor que se sente rejeitado".

              Memórias do diplomata João Guimarães Rosa - Luiz Felipe de Macedo Soares

              folha de são paulo

              DIPLOMACIA
              Derradeiras estórias
              LUIZ FILIPE DE MACEDO SOARES
              RESUMO
              Em 1956, em busca de paz para escrever e após servir longamente no exterior, Guimarães Rosa refugiou-se no Rio, na Divisão de Fronteiras do Itamaraty, que chefiaria até morrer, em 1967. Demonstrou tarimba ao debelar crise diplomática com o Paraguai, aqui rememorada por um colega de carreira mais novo.
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              "Afinal o esperado romance de Guimarães Rosa". Esse era o chamariz do anúncio da editora José Olympio no "Correio da Manhã" de 17 de julho de 1956. O anúncio ainda advertia: "Quando V. ler esse livro, não passe adiante o seu enredo. Deixe aos outros o prazer de descobrir o GRANDE SERTÃO:VEREDAS". Dias depois, em 5/8, no mesmo jornal, o cronista Carlos Drummond de Andrade versejava: "Uma semana igual às outras: prosa,/ entretanto (não vamos rasgar sedas),/ tal como outra não há, Guimarães Rosa/ em seu Grande Sertão', traça veredas//Riobaldo e Diadorim bebem na flor/ de gravatá e vão vivendo estórias/em que a morte redoura, duro amor,/a perfeição de uma arte sem escórias".
              O primeiro dos anos JK, já em fevereiro, começara animado com o lançamento de "Corpo de Baile". No final do ano, o "Diário de Notícias" dava o "Grande Sertão" como "o maior sucesso literário de 1956". Dos meus 15 anos, foi certamente o único presente que guardo até hoje.
              Não podia imaginar que, passados sete anos, diplomata recém-nomeado, estaria eu com o próprio autor daquele livro, também ele diplomata e já embaixador mais de 30 anos mais velho do que eu, no automóvel de um de meus colegas de turma, que, de segunda a sexta, nos levava de Copacabana ao Itamaraty, na rua Larga. Tinha assim direito a uma boa meia hora diária de "estórias", em geral sobre a vida literária do Rio. Os três ainda nos encontrávamos volta e meia para almoçar nas cercanias do Itamaraty, onde se comia bem em botequins de nomes brejeiros, como Dois Amiguinhos. O embaixador tratava-nos como colegas, sem distâncias hierárquicas nem proximidades demagógicas.
              FRONTEIRAS
              Desde 1956, Rosa chefiava a Divisão de Fronteiras no Ministério das Relações Exteriores, cargo que ocupou por 11 anos até morrer, em 1967. Não é comum, no Itamaraty, tão longa permanência em uma função. Não voltou a servir no exterior desde que regressou de seu último posto, na Embaixada em Paris, em 1951. Desejava certamente concentrar-se em sua obra, embora a parte principal já estivesse feita. Em princípio, em 1956 restariam-lhe 17 anos de carreira até a aposentadoria compulsória, aos 65, e bem mais de vida, em vez de meros 11 anos.
              Que fazia o diplomata Guimarães Rosa?
              A Divisão que ele chefiava tem a função de coordenar os trabalhos para manter e melhorar a identificação dos 15.000 km de fronteiras com nossos dez vizinhos. Essa identificação faz-se tanto por mapas quanto por marcos dispostos na linha de limites. As duas Comissões Brasileiras Demarcadoras de Limites, a primeira com sede em Belém e a segunda no Rio, executam os trabalhos de campo, em conjunto com os países vizinhos. Como as fronteiras estão definidas desde os tempos do Barão do Rio Branco, não há em princípio problemas políticos. Apesar disso, o oásis que Rosa buscava para escrever mostrou-se um tanto ilusório.
              Em 1965, o Paraguai, com grande estridência, pretendeu abrir uma questão de fronteira em torno do salto de Sete Quedas ou salto de Guairá. A questão era séria, não só por se tratar de limites, mas também pela natural sensibilidade das relações com o Paraguai.
              O governo paraguaio apresentava suas pretensões e os argumentos para sustentá-las em notas de grande extensão, com mais de 50 páginas. Com dois anos de carreira, eu tinha entre minhas atribuições os assuntos relativos ao Paraguai e era obrigado a ler as tais notas, que me induziam irresistivelmente ao sono. Quem escrevia as respostas, bem mais curtas, era o Chefe da Divisão de Fronteiras.
              O exercício da diplomacia faz-se primordialmente pela escrita. Em seu "Guimarães Rosa: Diplomata", (Fundação Alexandre de Gusmão, 1987), Heloisa Vilhena de Araújo reproduz uma nota redigida por Rosa e outros exemplos de sua prosa burocrática. O adjetivo é exato. A pena do diplomata não absorve o estilo do escritor. Contudo, pela clareza, objetividade e concisão, revela um profissional excelente.
              No Itamaraty, como em qualquer chancelaria que se preze, as boas reputações provêm da capacidade de observação, mas dependem de escrever bem. No mesmo volume, por exemplo, lê-se um relatório de 1941 em que o jovem Rosa, então lotado no consulado em Hamburgo e emprestado à Embaixada em Berlim, relata uma curta viagem como correio diplomático a Lisboa via Madri. Em plena Guerra, em países sob estrito controle de ditaduras, a quantidade das informações e a clareza das análises no relatório eram de grande valor para o governo brasileiro avaliar a situação. O texto inclui informações sobre concentração de tropas alemãs na fronteira da URSS, colhidas em 3 de junho, quase três semanas antes do ataque alemão.
              Também chama a atenção a clareza da posição do autor quanto às ditaduras europeias, sob um Estado Novo que só dois anos depois tomaria a decisão de romper com o Eixo. Vale transcrever um parágrafo, pela análise e pelo estilo:
              "A circunstância de estarem os dois países mais ou menos comprometidos, quando mais não seja teoricamente --Portugal pela sua plurissecular aliança com a Inglaterra, a Espanha pelos vínculos com as Potências do Eixo-- ajuda-nos a compreender o inteligente afã com que os seus governantes se apertam as destras, uma vez que cada um deles dá a mão esquerda a um dos dois grupos beligerantes.
              "Praticam uma política de recíproca ajuda, e cultivam uma amizade compensadora, realizando, sem atritos, a osmose adaptativa, entre dois regimes, autoritários mas de diferente colorido totalitário conforme a pitoresca disposição, no mapa, das ditaduras europeias, que se escalonam, de leste para oeste, numa seriação decrescente de radicalismo."
              Mas voltemos ao Paraguai.
              Em janeiro de 1966, diante da grave crise, o Itamaraty organizou reuniões para compartilhar o problema com outros setores do governo. A primeira, na Sala dos Índios do velho Itamaraty, constou de uma exposição de Rosa sobre a formação da fronteira com o Paraguai, de Tordesilhas às mais recentes campanhas de demarcação. Foram três horas de uma descrição que mostrava seu conhecimento metro a metro da fronteira e sua intimidade com os negociadores e demarcadores desde os tempos do Tratado de Madri (1750).
              Ele se dedicava ao assunto fazia meses. As notas de resposta ao Paraguai que preparava mostravam seu conhecimento minucioso da linha de limite e a riqueza de seu preparo técnico em geografia, toponímia, geodésia, topografia, cartografia, história, geologia. A argúcia e a lógica da argumentação desfizeram a tentativa de reabrir uma questão de fronteira cuja demarcação tinha sido correta e cabalmente concluída ao longo de mais de 60 anos até última campanha demarcatória, em 1934.
              Rosa, entretanto, não se limitava a rebater os argumentos do país vizinho. Naquela nota de 25 de março de 1966, passando do técnico ao político, ele inclui no final a proposta de negociar o aproveitamento conjunto do potencial energético da região. Sem tocar na linha de limite, reconhecemos ao Paraguai o direito à metade das águas do rio Paraná.
              "O Brasil está, como sempre esteve, disposto a encetar negociações em torno de tão importante questão, e a promover, em conjunto com o Paraguai, os planos necessários à utilização prática, não só do enorme potencial energético decorrente do salto das Sete Quedas, como de todas as possibilidades que oferecem, à agricultura e à navegação, as águas do Paraná; de tal sorte que esse grande rio, ao invés de oferecer aos dois países razões de litígio ou desavença, seja entre eles um elo de união, como sempre desejaram os anteriores governos do Brasil, e firmemente deseja o atual."
              Naquela crise, eu ia com frequência à vasta sala de Rosa, no terceiro andar da ala leste do ministério. Numa segunda-feira, diz-me ele que, lendo no domingo a última nota paraguaia pela terceira vez, havia percebido uma falha fundamental na argumentação deles. Fiquei pasmo. Ler uma vez era para mim uma tortura. Ainda mais num domingo... Em outra ocasião, contou-me que fazia um ano não escrevia uma linha de literatura.
              A negociação aventada por Rosa foi aceita. Em 1966 foi assinada em Foz do Iguaçu a Ata das Cataratas, que tornou possível mais tarde, vencidas dificuldades de outra natureza com a Argentina, iniciar-se a construção de Itaipu.
              AMAZÔNIA
              A Amazônia figurou desde o começo entre as preocupações nacionalistas do regime militar (1964-85), que instalou como governador em Manaus o historiador Arthur César Ferreira Reis, autor do livro "A Amazônia e a Cobiça Internacional". Nesse contexto, o Itamaraty procurava dar realidade mais concreta às relações com os demais países da bacia Amazônica. Naquele tempo, uma ligação telefônica entre Brasília e Bogotá só se fazia via Nova York. A Venezuela, seguindo a Doutrina Betancourt, suspendera as relações com o Brasil desde o golpe de 64.
              A fim de examinar como intensificar as relações, o Itamaraty decidiu realizar em Manaus, no começo de 1967, uma reunião dos embaixadores do Brasil nos países amazônicos. Coube-me a tarefa de cuidar da logística. O formato era complicado. Nos três primeiros dias, a reunião incluía todos os ministérios e os governos estaduais, umas 200 pessoas. Seguiam-se outros três dias de reunião interna do Itamaraty. Manaus pré-Zona Franca só tinha dois hotéis habilitados para essa clientela e muitas outras carências. Em compensação, apesar de mal conservada, ainda era a Manaus da era da borracha.
              O Chefe da Divisão de Fronteiras participou ativamente da reunião. À noite, passada a chuva vespertina diária, ele me levava para jantar, junto com seu amigo e colaborador o general Bandeira Coelho, chefe da Primeira Comissão Demarcadora, a de Belém.
              Sempre havia visto Rosa de terno azul-marinho risca de giz, camisa branca, suspensório e gravata-borboleta. Nas sortidas noturnas em Manaus, ele se apresentava de "traje esporte": sem o paletó e a gravatinha. E lá íamos comer tucunaré em botecos na beira do rio.
              Uma noite, após o jantar, visitamos um terreiro onde Rosa foi homenageado pelo pai de santo. Era um candomblé que parecia seguir o ritual da Bahia ou do Rio, mas em que a aparência dos participantes e dos adereços era indígena em vez de africana. Noutra noite fomos a um "baile", um cabaré, nas cercanias da cidade, a pouca distância, mas já em plena floresta.
              Um grande galpão aberto, um som de bolero, poucos clientes, muitas meninas que logo vieram rodear aquela mesa com três cavalheiros tão bizarros. As mais afoitas sentaram-se e a conversa começou. Eu olhava Rosa, que ia entretendo a garrulice das meninas e anotava em seu caderninho as expressões, os termos locais. Onde andará aquela caderneta?
              Encerrada a reunião, a Marinha proporcionou-nos o passeio de praxe ao encontro das águas e à ilha do Careiro. Na volta, à tarde, na lenta embarcação, sentíamos a monotonia e a solidão da imensidade fluvial, o peso do calor antes da chuva. Havia espreguiçadeiras no convés. Não demorou a formar-se ampla roda em torno de Rosa.
              Ele descreveu em minúcias sua viagem acompanhando uma boiada pelo sertão: as opções de roteiro e de dimensão, as razões de sua escolha, o caminho, os vaqueiros e a organização da boiada. Sim, as reses não andam a esmo. Certa ordem é sempre mantida. Uma vaca da frente, se levada ao meio, logo estará à frente de novo.
              No dia seguinte, um avião da FAB trouxe-nos de volta ao Rio, inclusive os bichos que compramos na feira de Manaus, em tempos pré-ecológicos. Eu trazia um tucano, o Chefe do Cerimonial, duas onças para seu zoo em Itaipava.
              Rosa trazia um jabuti.