quarta-feira, 1 de maio de 2013

Gays no esporte - Raul Juste Lores

folha de são paulo

Será que os torcedores argentinos sairiam ilesos de uma eventual vitória no Maracanã na Copa de 2014? Nossa torcida verde-amarela saberá receber turistas estrangeiros que têm todo o direito a torcer para os seus times? Ou se a Alemanha ou a Espanha nos derrotarem, a gente vai pegar "na saída" os seus torcedores?
O mais importante "imagina na Copa" é esse. Não tem aeroporto novinho e metrô que jamais será construído que possam competir com as imagens de torcedores quebrando tudo que veem pela frente por causa de uma derrota. Ainda há centenas de passos a serem dados no Brasil para um mínimo de civilidade no nosso espírito esportivo.
Por isso, é tão fascinante ver o que está acontecendo no bilionário mundo esportivo dos EUA. O pivô Jason Collins, 34, da NBA, disse que é gay e foi elogiado por Obama, Bill Clinton e por Kobe Bryant, entre dezenas de grandes nomes da política, do esporte e da cultura. Virou ídolo instantâneo, apesar de estar longe de ser um jogador famoso. É o primeiro atleta ainda em atividade a sair do armário em uma das quatro grandes ligas americanas.
Há um mês, o técnico de basquete da universidade Rutgers foi demitido do cargo após uma câmera indiscreta registrar como ele chamava de "viado" os jogadores do seu time que erravam algum passe. "Tem que jogar como homem", gritava. Sua demissão foi exemplar, mas ainda é novidade.
Não são casos isolados. A Liga Nacional de Hóquei lançou uma campanha contra a homofobia entre times e atletas, a Liga Nacional de Futebol Americano prepara a sua própria e dois de seus jogadores mais famosos, os heterossexuais Chris Kluwe e Brendon Ayanbadejo, tornaram-se porta-vozes de campanhas contra a discriminação. Um jogador de futebol, o soccer deles, que já até vestiu a camisa da seleção americana, também se revelou gay. Aos 25 anos, quem sabe ele não jogará no Brasil no ano que vem representando seu país?
As mulheres gays conseguiram lutar --e sair do armário-- muito antes. Como bem disse a tenista Martina Navratilova, "o esporte estava atrasado demais". Pioneira, ela declarou sua atração por mulheres no longínquo 1981 e mulheres fortes como ela se tornaram presença constante em diversos esportes. Jogadoras de basquete e vôlei nos EUA têm saído do armário sem causar tanto barulho --parece que elas já conquistaram a "normalidade".
O esporte parecia ser o último bastião da homofobia, onde homens gays jamais seriam aceitos --acusados de efeminados, eles não seriam fortes o suficiente para jogar ou distrairiam os demais jogadores no vestiário.
Mas tanto o Exército americano, quanto o britânico ou o holandês aceitam gays em suas tropas e nada mudou nos quartéis e nas campanhas militares no exterior, nem houve deserção em massa. Apenas alguns milhares de militares puderam ser o que são, sem constrangimento ou repressão.
Até mesmo na política, diversos gays venceram o desafio das urnas e da aceitação popular, do primeiro-ministro belga aos prefeitos de Paris, Berlim e Portland, a vários deputados americanos e a senadora Tammy Baldwin. No Brasil, Jean Wyllys conseguiu converter a popularidade do BBB em força política, tendo que enfrentar batalhas com alguns dos setores mais atrasados da sociedade brasileira.
Nos EUA, depois de uma fase ultraconservadora nos anos 90 e início dos 2000, o país voltou à vanguarda. Ainda falta saber se a carreira de Collins, já considerado veterano, sofrerá obstáculos por ser gay abertamente --ou se até ganhará alguns vantajosos contratos publicitários. Mas as primeiras reações foram de apoio quase unânime dentro e fora do esporte.
As únicas vozes contra Collins saíram dos grotões americanos. Igualzinho ao que já acontece em escala mundial --aceitação e respeito aos gays nos países escandinavos, na Europa Ocidental, no Canadá, Argentina e Uruguai, mas repressão e violência nos rincões mais miseráveis e atrasados do planeta. A divisão é clara e invariavelmente tem a ver com o nível educativo de simpatizantes ou detratores.
Por isso mesmo, no Brasil, mesmo nos lugares mais desenvolvidos, não consigo imaginar ainda um gay de cabeça erguida jogando numa boa em um estádio de São Paulo ou Rio. Nem entre os colegas, nem com a torcida. Em termos de educação, ainda temos muita bola para jogar.
  • O vídeo abaixo mostra o jogador de futebol americano Chris Kluwe falando sobre sua campanha contra a homofobia
  • video
raul juste lores
O jornalista Raul Juste Lores é correspondente da Folha em Washington,
ex-correspondente em Nova York, Pequim e Buenos Aires e ex-editor
do caderno 'Mercado', e bolsista da fundação Eisenhower Fellowships. Escreve às quartas-feiras no site. Siga: @rauljustelores

Charge e Quadrinhos

folha de são paulo




CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      LÉZIO JUNIOR
LÉZIO JUNIOR

"Aliamos vanguarda e tradição", diz Josep Roca, do melhor restaurante do mundo

folha de são paulo


ALEXANDRA FORBES
COLUNISTA DA FOLHA

Três irmãos passaram a infância dentro da cozinha ou atrás do balcão de um modesto bar tocado pelos pais, em uma cidade espanhola de menos de 100 mil habitantes.
Alguns anos depois, abriram um restaurante anexo ao comércio dos pais. O talento dos três impulsionou de tal maneira o negócio que eles se mudaram para uma casa maior, mas ainda próxima ao bar que havia sido fonte de inspiração.
David Ruano/ Divulgação
Os irmãos Jordi, Joan e Josep Roca
Os irmãos Jordi, Joan e Josep Roca
Sempre em torno do fogão e da mesa, a família seguiu unida por décadas.
Seria uma história qualquer não fossem esses os irmãos Joan, Josep e Jordi, à frente do Celler de Can Roca, aberto em 1986 em Girona, na região da Catalunha.
Divulgação
Sorvete de cogumelos "cêpes" com bola de caramelo recheada com vapor
Sorvete de cogumelos "cêpes" com bola de caramelo recheada com vapor
Na última segunda, o Celler foi anunciado como o melhor restaurante do mundo no prestigiado ranking da revista inglesa "Restaurant".
Os irmãos Roca conseguiram a façanha de levar de volta à Espanha a coroa da gastronomia depois de três anos em que o restaurante dinamarquês Noma, de Copenhague, manteve a liderança.
Comandado por Ferran Adrià, o extinto El Bulli, também da Catalunha, havia sido o número um durante cinco anos, em 2002 e entre 2006 e 2009.
Além do Celler, a presença espanhola entre os "top dez" se completa neste ano com o Mugaritz, em quarto lugar, e o Arzak, em oitavo, ambos da região de San Sebastián.
LIVRO E ÓPERA
"Sermos o número um nos ajuda a evoluir ainda mais", disse Josep em entrevista àFolha, concedida pelos irmãos em duas etapas.
Talvez soe como uma frase feita de quem não tem o que dizer ao receber um prêmio. Não é o caso dos Roca, verdadeiramente obcecados por explorar novos caminhos.
Bilderberg /AFP
Compota de maçã, flor de laranjeira, menta e manjericão com sorbet de melão
Compota de maçã, flor de laranjeira, menta e manjericão com sorbet de melão
A ascensão ao pódio coincide com o lançamento de "El Celler de Can Roca, Una Sinfonía Fantástica", um livro ambicioso, com 463 páginas, em que não apenas compartilham receitas como explicam as técnicas e a filosofia de trabalho.
No dia 6 de maio, eles darão um passo ousado, com a apresentação da ópera gastronômica "El Somni" (o sonho), em Barcelona.
Nela, 12 convidados degustarão 12 pratos ao som de 12 peças musicais compostas para a ocasião. Enquanto isso, imagens serão projetadas sobre a mesa ao redor da qual estarão sentados. Pretendem repetir a performance em outras cidades.
"Bebemos de distintas fontes culinárias e agora queremos ser o manancial que flui", escrevem os irmãos Roca no prefácio do novo livro.
Em outras palavras, a hora é dos meninos de Girona.
A ENTREVISTA
A entrevista com Josep, Joan e Jordi foi realizada em dois momentos.
A maior parte dela transcorreu algumas horas antes da divulgação do resultado na última segunda, mas eles voltaram a falar com a Folha após a consagração do Celler como o melhor restaurante do mundo.
Folha - Qual a relevância de ser o primeiro colocado desse ranking?
Joan Roca - É muito importante para nós e para o restaurante. E ainda mais para o nosso entorno. Funciona como propaganda para valorizar a região. Vemos de maneira clara como essa associação da Catalunha com uma gastronomia comprometida com a excelência se irradia para o mundo e se reverte em benefícios tangíveis como restaurantes, hotéis e outros recursos turísticos.
Jordi - Nos sentimos muito contentes e queridos. É um posto que nos enche de alegria, mas também de responsabilidade. Agora, é momento de desfrutar e de cozinhar com alegria, criatividade e liberdade.
Os restaurantes que ocupam o primeiro posto da lista dos 50 melhores têm características em comum: seus chefs-proprietários lançam tendências e lideram movimentos gastronômicos. Por que vocês acham que alcançaram o topo?
Joan - Isso é algo bem difícil de explicar. Muitas coisas nos diferenciam dos outros, eu diria. Temos compromisso com uma criatividade que homenageia a tradição. Nossa busca é por um equilíbrio entre a vanguarda, a ciência, a memória e a tradição. Talvez, de alguma maneira, representemos a continuação do compromisso que a Catalunha tem com a criatividade na gastronomia.
Josep - Acho que chegamos aonde chegamos porque fazemos uma cozinha interdisciplinar, que une o doce, o salgado e o mundo líquido...
Jordi - Sim, uma cozinha que conduz a uma emoção a partir do que se come.
Com a crise financeira na Espanha, muitos restaurantes estão sofrendo com a falta de clientes. Alguns até tiveram de fechar. O Celler de Can Roca, no entanto, tem longa lista de espera e vive cheio. Isso se deve ao 50 Best e às três estrelas no "Michelin"?
Josep - Há muitos fatores que podem explicar isso. Nos últimos cinco anos, em que estivemos entre os cinco primeiros da lista, houve um aumento importante no número de clientes anglo-saxões, que foi consolidado também pelas três estrelas no "Michelin".
Além disso, ganhamos adeptos com nosso projeto, que alia hospitalidade, generosidade, vanguarda e uma cozinha fraternal do mais alto nível.
Vocês trabalham aparentemente em perfeita sintonia: Josep como sommelier, Joan nos salgados e Jordi na confeitaria. Se existisse um quarto irmão, o que ele seria?
Joan - Economista!
Josep - Contador e relações públicas (risos).
Vocês planejam expandir sua ópera gastronômica e fazê-la caminhar pelo mundo. Isso não vai tirar o foco de vocês do restaurante?
Joan - Na noite de estreia, dia 6 de maio, o restaurante estará fechado. A intenção é fazer uma ópera por mês, no máximo, sempre às segundas, para que na terça estejamos de volta ao restaurante. Pretendemos nos revezar, sempre um de nós irá cuidar da ópera, e os outros dois ficarão no Celler. O restaurante é prioritário e seguirá sendo para sempre. O dia em que não estivermos lá será o dia em que o Celler de Can Roca fechará.
A ópera gastronômica representa um passo rumo à união de cozinha e música. Qual música traduz seu estado de espírito neste momento pós-vitória?
Joan - "Born to Run", de Bruce Springsteen.
Jordi conhece bem o Brasil e até já namorou uma chef brasileira (Bel Coelho). Vocês recebem muita gente do Brasil?
Joan - Temos dois brasileiros trabalhando na cozinha e cada vez mais brasileiros vindo comer. É uma comunidade gastronômica inquieta e sensível, que viaja sempre e tem muito critério e conhecimento. Geralmente, fazem do Celler uma parada em sua rota gastronômica pela Europa.
A gastronomia da América Latina está crescendo?
Joan - Os países latinos estão crescendo social, cultural e economicamente e, portanto, estão se expandindo também na gastronomia. Esse boom é midiático, mas também real. Há pontas de lança em certos pontos, amigos nossos. A gastronomia da Europa precisa render tributo e reconhecer as matérias-primas que vêm do outro
lado do oceano.

O que mais queremos? - Nina Horta

folha de são paulo

Que os chefs saibam aprender e ensinar. Se além de tudo forem bonitões, ponto pra eles
ACHEI GRAÇA no Facundo Guerra, novo sócio do Alex Atala no bar Riviera, que ficou todo feliz quando ele foi escolhido como um dos cem mais influentes do mundo pela revista "Time". Imagine ficar sócio de alguém e, na semana seguinte, ele emplacar um título desses. Vai ter sorte assim...
Li um livro há alguns dias, "Faça Acontecer", de Sheryl Sandberg, e parece até que é o meu livro preferido na vida. Não é. Coincidência.
Me impressionei com a descrição da "síndrome da farsa" que a autora descreve nas mulheres. Quando se tornam famosas, sofrem de um medo absoluto de que alguém descubra que, na verdade, são farsantes, que não sabem nada daquele assunto que as projetou e querem morrer de vergonha por estarem se prestando àquele papelão. Mulheres.
Os homens já aceitam com naturalidade e seguem em frente. Fazem acontecer, o que seria um bom slogan para o Atala.
Imagino que, se eu fosse o Alex, ao pegar o jornal, tomando café, e desse com a escolha como um dos cem mais influentes do mundo, quando não consigo nem que o cachorro me obedeça, correria para a cama de novo e tamparia a cabeça com o cobertor. Ou me instalaria debaixo da cama. Se, por acaso, saísse do esconderijo um dia, imediatamente faria como o Pelé e começaria a me tratar na terceira pessoa do singular, como um ser diferente.
Diria "o Alex vai hoje ao cinema para arejar a cabeça", "o Alex quer mais galinhada, por favor...!".
Como tive a sorte de elogiar e gostar de verdade do Alex Atala desde que ele era pequeno e fui seguindo a carreira que foi se tornando sólida, coerente, inteligente, gostosa, interessante, tenho autoridade para falar bem dele agora e até talvez ganhe um pouquinho mais de farofa de iogurte na sobremesa.
Não, não foi o lobby do sistema marqueteiro que o levou até lá. Para falar a verdade, acho que esses lobbies nada mais fazem do que descobrir o que é bom e mostrar o achado com mais ou menos exagero. Queria ver qualquer rede de marketing elevar uma péssima cozinheira a melhor do mundo e mantê-la lá.
A única diferença do passado, no caso, foi a inclusão de cozinheiros junto com pintores, atores, atletas, beldades, empresários, papas etc. e tal. Parece que o mundo quer alguém atento, curioso, com o poder de transformar e tenacidade de se mostrar.
(Acho muito simpático o Daniel Redondo, marido da Helena Rizzo, que é uma potência de cozinheiro e que, mesmo depois de descoberto, quando começa a caça para torná-lo celebridade, só geme "déjame tranquilo" e se esconde como um avestruz. Tranquilo, Daniel, isso também é uma técnica!)
O que mais queremos? Uma comida que, pelo menos, mostre nossos ingredientes e o modo como são trabalhados aqui, de preferência, aproveitando as inovações pelas quais passa a cozinha. Queremos beleza na apresentação! Beleza pura!
Que os chefs não só cozinhem, mas atentem para a questão da comida, naturalmente, sem estardalhaço ou didatismo exagerado. Que tenham generosidade para aprender e ensinar. Se além de tudo forem bonitões, ponto pra eles.
Leia o blog da colunista
ninahorta.blogfolha.uol.com.br

Mais um artigo de cientista da USP é cancelado - Fernando Tadeu Moraes

folha de são paulo

É o segundo caso de 'despublicação' de pesquisa assinada pelo bioquímico Rui Curi
FERNANDO TADEU MORAESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAUm artigo de autoria do diretor do ICB (Instituto de Ciências Biomédicas) da USP, Rui Curi, foi "despublicado" nesta semana, deixando de ter validade como parte da literatura científica.
Esse é o segundo artigo de Curi retirado de uma publicação. No começo de janeiro, um trabalho assinado por ele e por ex-alunos seus sofreu o mesmo processo após denúncias do blog especializado "Science Fraud".
O artigo agora retratado foi publicado no periódico "Journal of Endocrinology" em 2007 e já havia sido alvo de uma errata publicada no começo do ano, por conter imagem "substancialmente similar" a outra de um trabalho do próprio Curi publicado na revista "Clinical Science".
Os editores do periódico revisaram a justificativa dos autores que baseou a errata e concluíram que, tendo em vista os princípios éticos da revista, o artigo deveria sofrer uma retratação e não apenas uma correção.
A autora principal do artigo foi aluna de doutorado de Rui Curi.
Após a "despublicação" do primeiro artigo, em janeiro, a reitoria da USP constituiu uma comissão de especialistas para analisar a conduta do diretor do ICB.
O prazo inicial de 60 dias para a apresentação do relatório foi prorrogado por mais 30 dias. Depois disso, foi pedido um parecer externo sobre o caso e o prazo foi novamente estendido, agora para o começo de maio.
Rui Curi foi procurado ontem para comentar o caso, mas não atendeu às ligações.

    MARTHA MEDEIROS - O crime que eu cometeria

    Zero Hora - 01/05/2013

    Durante minhas aulas particulares de inglês, a professora de vez em quando usa um baralho especial para estimular a conversação, o Conversation Starter. Cada carta traz uma pergunta inusitada, algo para estimular uma resposta que obrigue o aluno a buscar um vocabulário que normalmente não usa. Na última aula, usamos o baralho e caiu para mim o seguinte: qual o crime que você cometeria, caso tivesse certeza absoluta que jamais seria pego?

    Como tudo não passa de uma brincadeira, minha professora disse que há quem mate a sogra e relate o assassinato em minúcias. Esses alunos inspirados rendem aulas mais produtivas e divertidas do que os certinhos que respondem: “None”. Pô, crime nenhum? Como é que vai desenvolver o vocabulário com essa honestidade toda?

    Eu não inventei um crime estapafúrdio para divertir a professora, mas tampouco fiz o papel de lady tomada pela virtude. Pensei, pensei, e respondi que sonegaria imposto. Não daria um tostão para o governo. Não enquanto os benefícios em troca fossem essa vergonha nacional.

    Todos os meses, assim como você, pago uma fortuna aos cofres públicos. E pago também previdência privada, seguro-saúde, seguro do carro, escola particular para os filhos e um condomínio alto por mês por causa das grades, da guarita blindada, do vigia 24 horas.

    Para onde vai o dinheiro que deveria custear nossa segurança e bem-estar? Para o bolso de algum empreiteiro, para o bolso de algum político, para a conta particular de alguma Rosemary. Recentemente conversei com um estrangeiro que está no Brasil fazendo parte de uma comitiva ligada à gestão da Copa do Mundo: confirmou que a roubalheira é a coisa mais escandalosa que já testemunhou.

    Não sou contra a Copa aqui no Brasil porque sei que esse dinheiro não está sendo desviado da saúde e da educação. É um dinheiro que surge milagrosamente sempre que há um megaevento de visibilidade mundial. Não houvesse Copa no Brasil (como não houve em 2010, 2006, 2002...), o dinheiro continuaria parado no bolso de alguns, como sempre ficou. Ao menos, com Copa, algumas obras estão sendo feitas, menos mal.

    De qualquer forma, é um fiasco. Com a dinheirama que se arrecada cada vez que abastecemos o carro, cada vez que compramos feijão, cada vez que ligamos o abajur, e mais ainda com o que tiram do nosso salário, jamais deveríamos ver doentes sendo recusados em portas de hospitais, nunca um aluno poderia estudar sem material e merenda e era para ter um policial em cada esquina.

    Sempre me dei bem com minhas sogras, estão todas a salvo da minha sanha assassina. E nunca soneguei imposto, pois cumpro as leis, mas está na hora de o país retribuir à altura e parar, ele sim, de sonegar dignidade ao povo, até porque a tal “certeza absoluta de não ser pego” começa, lentamente, a deixar de ser tão absoluta. Ora, malha fina para eles também.

    Encarte - Antonio Prata

    folha de são paulo

    Curiosos são os caminhos do devaneio: é por ir longe demais na minha cabeça que ele volta ao ponto de partida
    Vez por outra, com o jornal nas mãos, à mesa do café, percebo que meus olhos escaparam da alta da inflação e foram parar num Jogo de Panelas Firenze ("0+5 X de R$ 29,99, sem juros"), correram da refrega entre o Congresso e o STF e refugiaram-se numa costelinha suína ("só R$ 7,90 o quilo!"), atravessaram os assentamentos israelenses e descansam numa posta de bacalhau da Noruega ("na compra de 5 kg, grátis uma garrafa de azeite Minhoto, 275 ml").
    Ao acusar o deslize, censuro-me, como quem, durante uma aula, se distrai com as pombas do lado de lá da janela. No ato, volto para a inflação, para as brigas milenares ou a picuinha semanal: afinal, como todo leitor de jornal, sinto que estou resolvendo, entre a torrada e o mamão, os grandes problemas da humanidade.
    Há dias em que, sem dificuldade, o pendor cívico ignora as piscadelas da costelinha. Em pouco mais de meia hora, derrubo Kim Jong-un e suas obscenas bochechas, digo aos republicanos algumas verdades sobre a venda de armas, escalo o time do Corinthians e vou escovar os dentes com a sensação de dever cumprido: se este mundo vai mal, não é por minha culpa; fosse ele governado a partir desta cozinha, pros lados de Cotia, estaríamos todos salvos.
    Há dias, contudo, em que os apelos da janela superam a gravidade da lousa e perco boa parte da manhã flanando por mortadelas e limões, peças de acém e filés de tilápia. Ignoro carros e televisões, laptops e geladeiras: prefiro os encartes chinfrins, de supermercado. Talvez, a impossibilidade de comprar um Tucson, assim, no início de uma quarta-feira, impeça o devaneio, tão mais fácil entre as prosaicas coxas de frango, que descansam sobre uma tábua de madeira, tendo como adorno um único ramo de salsinha.
    Das coxas de frango passo para as linguiças, das linguiças para a fraldinha e, quando dou por mim, já estou organizando um churrasco no playground de meu córtex. Valem mais a pena essas cervejas de litro ou as latinhas? As de litro estão baratas, tão baratas que, sem perceber, não é mais um churrasco que planejo, mas as compras de uma viagem de fim do ano. Vejo-me pegando dez engradados, oito pacotes de pão integral, três quilos de peito de peru e, embora jamais tenha feito moela, seis bandejas dos miúdos de frango --o Paulinho ou o Fabrício saberão como preparar.
    Curiosos são os caminhos de um devaneio: é por ir longe demais na esfera de minha cabeça que ele volta ao ponto de partida; a quantidade de comida e bebida me faz vislumbrar a casa imunda, a casa imunda me leva pro Pinho Sol, pra cândida, pro Veja, e, depois de longos segundos decidindo-me entre as vassouras de piaçava e as de plástico, sinto saudades da inflação, do rame-rame institucional, do murundu na Palestina. Afinal, se é para resolver os problemas do mundo, mesmo que só neste estreito território entre minhas orelhas, melhor salvar vidas no Oriente Médio do que limpar o chão de uma varanda inexistente, no dia seguinte a um churrasco que nunca aconteceu. Além do que, dezembro está longe, hoje à noite o Corinthians pega o Boca e ainda não decidi se começamos o jogo com o Pato ou o guardamos para o segundo tempo. Não são poucas as decisões tomadas nesta cozinha.

    Tv Paga



    Estado de Minas: 01/05/2013 

    BOM CINEMA



    Como é feriado, hoje são muitas as opções de filmes na telinha. Um dos destaques é Vitus (foto), do suíço Fredi M. Murer, em cartaz na Mostra Internacional de Cinema da Cultura, às 23h. Mais cedo, às 20h35, Os delinquentes abre a seleção de filmes dirigidos por Robert Altman, na sessão Drive-in do Telecine Cult. E o Megapix exibe Tudo por uma esmeralda na sessão Retrô, à meia-noite.


    Muitas alternativas na  programação de filmes
    Na faixa das 22h, o assinante tem mais 10 opções: E aí, comeu?, no Telecine Premium; A fera, no Telecine Touch; Quero matar meu chefe, na HBO; Contágio, na HBO HD; Gente grande, no Max; Rios vermelhos, no Max Prime; Carga explosiva 3, no Space; Hancock, no FX; Quero ser John Malkovich, na MGM; e Um amor verdadeiro, no Glitz. Outras atrações da programação: A mexicana, às 21h, no Studio Universal; Honeydripper – Do blues ao rock, às 21h40, no Arte 1; Orgulho e preconceito, às 22h45, no Universal; O vizinho, às 22h30, no AXN; e Controle absoluto, também às 22h30, na Fox.

    Mulher adulta parece  um bebê de dois anos
     Um garoto do Rio de Janeiro que joga futebol sem ter os pés e um mexicano com um aumento enorme do pescoço estão entre os casos apresentados na série Meu corpo, meu desafio, que estreia hoje, às 23h10, no Discovery. Os personagens apresentados no programa sofrem de anomalias médicas tão raras e misteriosas que têm intrigado até mesmo os melhores médicos e especialistas do mundo. Maria Audenete, a brasileira cuja história é contada no primeiro episódio, mora no Ceará, tem 31 anos e todas as características de um bebê de dois anos.

    Médium ganha a vida  falando com os mortos
    Theresa Caputo é uma moradora típica de Long Island: uma mulher vaidosa, extrovertida, que vive em uma casa confortável com o marido, Larry, e os dois filhos, Victoria e Larry Jr. Ela passaria despercebida não fosse uma característica peculiar: Theresa se comunica com os mortos e fez da atividade mediúnica a sua profissão. Ficou curioso? Então confira a série A médium, que estreia às 20h, no canal TLC.

    A&E reconstitui o caso  do Maníaco do Parque
    Outra produção realizada no Brasil é o episódio que vai ao ar às 21h no canal A&E, na série Investigação criminal. Ele reconstitui o caso do Maníaco do Parque, que aterrorizou a cidade de São Paulo na década de 1990. Passando-se por produtor de comerciais, o motoboy Francisco de Assis abordava e seduzia mulheres. Ele as convencia a posar para fotos de publicidade, as levava até o Parque do Estado e ali as estuprava e matava. Preso e processado, acabou condenado a 271 anos de prisão.

    Nat Geo também vai na onda do Dia do Trabalho
    Também por causa do Dia do Trabalho, além de dois episódios regulares da série Tabu, exibidos a partir das 21h25, o Nat Geo vai emendar dois especiais, às 23h: “Trabalho sujo” e “Trabalhos extremos”. Mais cedo, às 22h, o Aninmal Planet exibe o documentário Whale wars – Defensores de baleias:
    jogos de azar. 

    Frei Betto - O trabalho dá trabalho

    "Agora vou ter que pagar, além dos salários, impostos para manter a Das Dores e a Fátima. Pra que, se elas estão felizes?" 


    Estado de Minas: 01/05/2013 


    E disse a madame: “Imagina, agora minha empregada é administrada pelo governo, com essas leis absurdas! Como se nós, patrões, não tratássemos bem essas coitadas, que nascem na favela, em meio à pobreza, e têm a sorte de arranjarem um emprego em nossas famílias”.

    A Maria das Dores, por exemplo, não tinha onde cair morta. Pai bebum, mãe lavadeira, uma penca de irmãos. A menina começou aqui em casa como babá de meu filho caçula, o George. Ensinei a ela hábitos de higiene, dei uniforme branco, deixo que leve para casa o que sobra dos jantares que meu marido oferece aos clientes.

    Pagava a ela meio salário mínimo mais o transporte. No aniversário dela e no Natal eu dou presentes. A pobre da menina se dobra em agradecimentos, tão generosa sou com ela. Ela cuida bem do George: limpa o cocô dele, dá banho, lava e passa as roupinhas dele, jamais esquece a hora das mamadeiras. Leva-o todas as manhãs para tomar sol na pracinha. E nunca se queixou de, se preciso, ficar aqui em casa além da hora combinada.

    Às vezes eu e meu marido temos de jantar fora e a Das Dores fica com a criança, põe para dormir, e depois assiste à TV, até retornarmos. Nunca reclamou de sair mais tarde um pouquinho. Agora vem o governo com essa história de 44 horas semanais, carteira assinada, pagamento de horas extras, Fundo de Garantia, multa de 40% para demissão sem causa justa etc. Ora, isso é coisa para trabalhador, como faz meu marido lá na empresa dele. A Das Dores não é trabalhadora, é empregada. Como a Fátima, nossa cozinheira. Trabalha há nove anos conosco. É separada do marido, os dois filhos são adultos, ela dorme aqui no quartinho de empregada e só volta para a família aos domingos.

    Nunca reclamou dessa boa vida que damos a ela. Pelo contrário, fica agradecida por dormir em um lugar seguro, confortável, com lençóis limpos, banheiro próprio, nada daquela promiscuidade da casinha em que a família dela habita na periferia, onde moram o irmão, a cunhada e quatro filhos. Pra que isso de direitos trabalhistas para quem está feliz da vida? Negra retinta, se tivesse nascido há dois séculos, teria com certeza sido escrava. Agora, tem seu quartinho arrumado, TV, acesso livre à geladeira da família. E come da mesma comida que prepara para nós. Quando é que aí fora ela comeria camarões flambados, suflê de frutos do mar, codornas recheadas?

    Não sei por que o governo se mete tanto em nossas vidas! Pensa que somos um bando de escravocratas que trata mal as empregadas? Chega de burocracia. Agora vou ter que pagar, além dos salários, impostos para manter aqui a Das Dores e a Fátima. Como se na velhice elas não fossem ter aposentadoria! Ora, a mãe da Fátima, que trabalhou 20 anos na casa do meu sogro, ao se aposentar foi morar lá na roça onde nasceu e obteve aposentadoria rural. Precisa o governo criar ainda mais burocracia para nós, patrões, que damos emprego a quem não tem instrução, casa própria, nem onde cair morto?

    Outro dia eu e meu marido entramos no avião e, no assento do corredor, ao nosso lado, tinha um homem mal vestido, cara de peão de fazenda, que na hora de servirem o lanchinho perguntou se era de graça. Era. Nas viagens de avião em rotas nacionais não há mais aquele glamour de outrora, as comissárias de bordo servindo uísque, vinhos, pratos quentes. Hoje misturam alhos com bugalhos, e insistem em mesclar gente de classes sociais diferentes, como se todos tivessem tido os mesmos berços. Meu Deus, onde o Brasil vai parar desse jeito?”

    FERNANDO BRANT » Quase não houve show‏

    Aí é que entra a falta de organização e previsão das autoridades responsáveis


    Estado de Minas: 01/05/2013 


    Eu tinha um show com o Geraldo Vianna e o Trio Amaranto, no Sesc Palladium, às 20h do último domingo. Depois de uma tarde calma e alegre com filhos e netos, saí de casa com uma hora e meia de antecedência. Com o trânsito normal não demoraria 15 minutos para chegar ao destino. Aí é que entra a falta de organização e previsão das autoridades responsáveis pela circulação de veículos e pessoas em nossa cidade. Em qualquer capital, quando uma aglomeração pública é autorizada, é primário que se anuncie e se ponha avisos, eletrônicos ou por meio de guardas, para que o motorista faça a escolha correta de seu itinerário.

    Vindo pela Avenida Antônio Carlos, dois são os caminhos para se chegar ao Centro. Um pelo viaduto que leva à Avenida Afonso Pena e outro pelo viaduto que leva à Rua da Bahia. No ponto em que o cidadão tem de se decidir não havia nada. O taxista que me conduzia optou pela segunda via. Depois de percorrer alguns metros, vimos a desordem à nossa frente. Com o agravante que não há, escolhida a direção, possibilidade nenhuma de alterar o rumo. Um longo e sufocante andar de tartaruga nos foi imposto. Gastamos cerca de 50 minutos para percorrer menos de 500 metros. Era uma balbúrdia de carros buzinando, um desentendimento total. Sinais se abriam e fechavam sem que ninguém andasse um metro.


    Era uma concentração na Praça da Estação e, nessa altura, eu que me encaminhava para participar do Três estações – Caymmi já estava temendo não chegar a tempo à minha obrigação e prazer. O tempo corria e nada me aliviava. Depois de muita paciência e espera, chegamos à boca da Rua da Bahia. Os da frente se movimentaram e o táxi, enfim, viu espaços se abrirem. Quando íamos atravessar a esquina, um veículo à nossa frente bobeou e quando íamos passar, um policial fechou nossa passagem para que uma multidão atravessasse. Inquieto, virei para o motorista e disse algo como “puta merda, que azar”.


    Eis que o PM contorna o táxi e me pergunta: “O que o senhor disse?”. Nada, estou conversando com o taxista. “Nada disso”, ele retrucou, “o senhor me mandou tomar naquele lugar. Saia do carro, o senhor está preso. Me dê seu documento”. Surrealismo total. Entreguei o documento, mas não saí do táxi que, agora, no meio da rua, passava a atravancar os que vinham atrás. Mais uns 15 minutos se passaram e disse aos colegas dele que não falara com a “autoridade”. Quando já me conformara em não chegar a tempo ao meu compromisso, desci, conversei com ele, que parece que consultou seus superiores. Disse-me que como eu tinha bons antecedentes não me prenderia.


    Entendi, por sua fala, que estava muito chateado por gastar o seu domingo trabalhando. Ministrou uma pequena lição de urbanidade mas, antes de nos liberar, ameaçou o taxista por ter dito que eu não dissera nada para ele, que estávamos falando entre nós. “Nunca mais fique a favor do cliente.” Seguimos nosso caminho, agora aberto, e cheguei em cima da hora ao teatro. Mas não posso me esquecer de como é desagradável conviver com a prepotência dos que se sentem donos da verdade. 

    Exposição em Ouro Preto revela os primórdios da fotografia de trabalhadores em Minas-Walter Sebastião‏


    A cara do Brasil 

    Exposição em Ouro Preto revela os primórdios da fotografia de trabalhadores em Minas. Mostra reúne imagens feitas por Assis Horta para documentos e retratos de famílias
     

    Walter Sebastião

    Estado de Minas: 01/05/2013 



    Devido à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que começou a vigorar em 1º de maio de 1943, milhares de trabalhadores brasileiros se sentaram diante de uma câmara fotográfica – provavelmente pela primeira vez. Aquelas fotos tinham um objetivo: identificá-los na carteira de trabalho e junto à Previdência Social. Mas os famosos 3 x 4 permitiram à classe operária acesso a algo até então identificado apenas com autoridades, celebridades e abastados: o retrato. Foi assim que a fotografia começou a se popularizar no Brasil.

    Apresentada pelo pesquisador Guilherme Horta, essa tese fundamenta a exposição Assis Horta: a democratização do retrato fotográfico, que entra em cartaz hoje no Centro Cultural e Turístico do Sistema Fiemg, em Ouro Preto. O projeto sobre o trabalho do diamantinense rendeu a Guilherme o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia 2012, concedido pela Funarte, na categoria reflexão crítica.


    A exposição se divide em três blocos. Um deles traz fotos 3 x 4 ampliadas, feitas para carteiras de trabalho na década de 1940. O outro investiga o retrato fotográfico como gênero. O terceiro reúne imagens de famílias ou grupos de operários. Guilherme Horta explica que o conjunto documenta o contato desse segmento da população com a fotografia sob o prisma da representação digna. Isso fez com que o trabalhador passasse também a consumir o produto.
    A partir dali, o brasileiro humilde adotou o hábito de frequentar estúdios. Levava esposa, filhos e amigos para se colocarem diante da câmara “com olhar de poder”, observa Guilherme Horta. As poses se inspiram em fotos de diretores de empresas, monarcas e autoridades.


    A exposição é um recorte sociológico de acervo muito maior, movida pela paixão de Guilherme pelo retrato. O pesquisador lembra que o material exposto difere das atuais fotos 3 x 4, massificadas e impessoais. Ele reuniu imagens feitas por profissionais qualificados, revelando traços da estética de retratos franceses, sejam eles de identificação (jurídica, antropométrica ou étnica) ou de celebridades.


    O autor das imagens expostas em Ouro Preto é um grande fotógrafo, ressalta o curador. Inclusive, Assis Horta terá seu estúdio remontado no centro cultural ouro-pretano. “Ele é um exímio retratista. Percebem-se nessas fotos aspectos artísticos como poses mais soltas, luz elaborada e a busca da essência humana”, aponta Guilherme.
    O projeto surgiu a partir de convite do fotógrafo Eustáquio Neves e de Liliam Oliveira, diretora do Museu do Diamante, para que o especialista organizasse o acervo de Assis Horta. “Cerca de 500 imagens já foram escaneadas, mas a pesquisa precisa continuar”, defende.


    Disposição para enfrentar obstáculos não faltava aos fotógrafos antigos, sobretudo das cidades do interior. Eles eram obrigados a importar material de trabalho, especialmente negativos (como chapas de vidro emulsionadas), além de papéis fotográficos e equipamentos. “Isso não foi nada simples na época da guerra”, lembra Guilherme Horta.
    Outro atributo exigido do profissional: o conhecimento de estética, do manuseio de materiais e sobre processamentos químicos. Vários daqueles homens eram autodidatas. Adquiriram know how por meio de manuais técnicos escritos em outras línguas ou com colegas.


    Diamantina Assis Horta é um personagem ilustre, prova de que Diamantina tem papel fundamental na fotografia feita em Minas Gerais. Dono de extensa obra, ele permanece pouco conhecido em seu estado. O diamantinense de 95 anos mora em Belo Horizonte desde 1967. Casado com Maria da Conceição Monteiro Horta, tem 10 filhos. Estudou até o 3º ano primário. Menino, engraxava sapatos de hóspedes do hotel da mãe e trabalhava como contínuo em repartição pública. “Gostava de ter dinheiro para comprar picolés. Quando eles surgiram, eu achava aquilo uma delícia”, relembra.


    Assis Horta aprendeu a fotografar com Celso Werneck de Castro, do estúdio Foto Werneck. Ele e Chichico Alkmim, cunhado de Horta, ficaram famosos como os dois fotógrafos de Diamantina. “Certo dia, Celso me chamou para fazer uma foto dele. Ensinou-me a usar o aparelho, fiz a fotografia. Só que ela saiu com defeito. Ele riu e se divertiu, mas a mandou para os amigos. Foi por causa dele que vi a máquina fotográfica pela primeira vez”, recorda o veterano, que se tornou auxiliar de Werneck. Nos anos 1930, comprou loja do patrão. Assim surgiu a Foto Assis, que funcionou em Diamantina até 1967.


    “Fazer fotografia dava muito dinheiro”, relembra Assis Horta. O estúdio dele ficava no Centro de Diamantina numa época em que a próspera cidade era referência para toda a região. Fotografou pessoas que o conheceram menino, quando era o Assisinho. O convite para registrar operários de acordo com as regras da CLT veio do cunhado Pedro Duarte, dono da fábrica de tecidos de Biribiri, distrito de Diamantina. A missão foi cumprida em apenas um dia: 400 trabalhadores, com um único clique per capita para economizar material.

    Capricho A elegância dos modelos nas fotos de Assis Horta tem motivo. Os trabalhadores caprichavam ao posar pela primeira vez. “Eles faziam a barba e penteavam o cabelo, as mulheres se maquiavam”, conta o veterano. A maioria se vestia com apuro para ficar bem na foto. Amante declarado da beleza, o retratista emprestava chapéus, paletós e gravatas a seus clientes, além de incentivar poses. “Uma boa roupa transforma a pessoa, melhora inclusive o rosto”, garante ele, mostrando a foto em que o cidadão, com sorriso discreto, saboreia o momento em que faz pose grã-fino. Ver-se pela primeira vez numa foto gerava surpresa. “Eles diziam: ‘Sou eu mesmo. Fiquei lindo!”, conta Assis.


    A convite do pesquisador Rodrigo Melo Franco de Andrade, criador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Assis Horta fez uma série de fotos da paisagem histórica de Diamantina. Essas imagens contribuíram para o tombamento da cidade.


    Isnard Horta, que está identificando o acervo do pai, já classificou cerca de 5 mil fotografias. A maior parte reúne retratos e registra aspectos da arquitetura, mas o extenso conjunto abarca vários temas – de prostitutas do Beco do Mota a festas cívicas, passando por tipos populares diamantinenses.



    palavra de especialista

    Eugênio Sávio
    presidente da Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil


    Memória do Brasil

    “É importante conservar, pesquisar e apresentar acervos de fotógrafos mineiros. Trata-se de um trabalho de construção da memória do Brasil e de cidadania. Ainda não conhecemos a nossa história fotográfica. Há pouca pesquisa, poucas publicações. Faltam projetos de incentivo a trabalhos nessa área. Assis Horta teve o cuidado de organizar e guardar seu material. Outras vezes, o acervo fica nas mãos de famílias que não têm interesse por ele. É assim que material relevante acaba indo para o lixo”. 

    ASSIS HORTA: A DEMOCRATIZAÇÃO DO RETRATO FOTOGRÁFICO
    Fotografia. Curadoria e pesquisa: Guilherme Horta. Abre hoje, às 10h. Centro Cultural e Turístico do Sistema Fiemg, Praça Tiradentes, 4, Ouro Preto, (31) 3551-3637. Diariamente, das 9h às 19h. Até 2 de junho.