sábado, 27 de abril de 2013

Darwin e a prática da 'Salami Science'


FERNANDO REINACH - O Estado de S.Paulo
Em 1985, ouvi pela primeira vez no Laboratório de Biologia Molecular a expressão "Salami Science". Um de nós estava com uma pilha de trabalhos científicos quando Max Perutz se aproximou. Um jovem disse que estava lendo trabalhos de um famoso cientista dos EUA. Perutz olhou a pilha e murmurou: "Salami Science, espero que não chegue aqui". Mas a praga se espalhou pelo mundo e agora assola a comunidade científica brasileira.
"Salami Science" é a prática de fatiar uma única descoberta, como um salame, para publicá-la no maior número possível de artigos científicos. O cientista aumenta seu currículo e cria a impressão de que é muito produtivo. O leitor é forçado a juntar as fatias para entender o todo. As revistas ficam abarrotadas. E avaliar um cientista fica mais difícil. Apesar disso, a "Salami Science" se espalhou, induzido pela busca obsessiva de um método quantitativo capaz de avaliar a produção acadêmica.
No Laboratório de Biologia Molecular, nossos ídolos eram os cinco prêmios Nobel do prédio. Publicar muitos artigos indicava falta de rigor intelectual. Eles valorizavam a capacidade de criar uma maneira engenhosa para destrinchar um problema importante. Aprendíamos que o objetivo era desvendar os mistérios da natureza. Publicar um artigo era consequência de um trabalho financiado com dinheiro público, servia para comunicar a nova descoberta. O trabalho deveria ser simples, claro e didático. O exemplo a ser seguido eram as duas páginas em que Watson e Crick descreveram a estrutura do DNA. Você se tornaria um cientista de respeito se o esforço de uma vida pudesse ser resumido em uma frase: Ele descobriu... Os três pontinhos teriam de ser uma ou duas palavras: a estrutura do DNA (Watson e Crick), a estrutura das proteínas (Max Perutz), a teoria da Relatividade (Einstein). Sabíamos que poucos chegariam lá, mas o importante era ter certeza de que havíamos gasto a vida atrás de algo importante.
Hoje, nas melhores universidade do Brasil, a conversa entre pós-graduandos e cientistas é outra. A maioria está preocupada com quantos trabalhos publicou no último ano - e onde. Querem saber como serão classificados. "Fulano agora é pesquisador 1B no CNPq. Com 8 trabalhos em revistas de alto impacto no ano passado, não poderia ser diferente." "O departamento de beltrano foi rebaixado para 4 pela Capes. Também, com poucas teses no ano passado e só duas publicações em revistas de baixo impacto..." Não que os olhos dessas pessoas não brilhem quando discutem suas pesquisas, mas o relato de como alguém emplacou um trabalho na Nature causa mais alvoroço que o de uma nova maneira de abordar um problema dito insolúvel.
Essa mudança de cultura ocorreu porque agora os cientistas e suas instituições são avaliados a partir de fórmulas matemáticas que levam em conta três ingredientes, combinados ao gosto do freguês: número de trabalhos publicados, quantas vezes esses trabalhos foram citados na literatura e qualidade das revistas (medida pela quantidade de citações a trabalhos publicados na revista). Você estranhou a ausência de palavras como qualidade, criatividade e originalidade? Se conversar com um burocrata da ciência, ele tentará te explicar como esses índices englobam de maneira objetiva conceitos tão subjetivos. E não adianta argumentar que Einstein, Crick e Perutz teriam sido excluídos por esses critérios. No fundo, essas pessoas acreditam que cientistas desse calibre não podem surgir no Brasil. O resultado é que em algumas pós-graduações da USP o credenciamento de orientadores depende unicamente do total de trabalhos publicados, em outras o pré-requisito para uma tese ser defendida é que um ou mais trabalhos tenham sido aceitos para publicação.
Não há dúvida de que métodos quantitativos são úteis para avaliar um cientista, mas usá-los de modo exclusivo, abdicando da capacidade subjetiva de identificar pessoas talentosas, criativas ou simplesmente geniais, é caminho seguro para excluir da carreira científica as poucas pessoas que realmente podem fazer descobertas importantes. Essa atitude isenta os responsáveis de tomar e defender decisões. É a covardia intelectual escondida por trás de algoritmos matemáticos.
Mas o que Darwin tem a ver com isso? Foi ele que mostrou que uma das características que facilitam a sobrevivência é a capacidade de se adaptar aos ambientes. E os cientistas são animais como qualquer outro ser humano. Se a regra exige aumentar o número de trabalhos publicados, vou praticar "Salami Science". É necessário ser muito citado? Sem problema, minhas fatias de salame vão citar umas às outras e vou pedir a amigos que me citem. Em troca, garanto que vou citá-los. As revistas precisam de muitas citações? Basta pedir aos autores que citem artigos da própria revista. E, aos poucos, o objetivo da ciência deixa de ser entender a natureza e passa a ser publicar e ser citado. Se o trabalho é medíocre ou genial, pouco importa. Mas a ciência brasileira vai bem, o número de mestres aumenta, o de trabalhos cresce, assim como as citações. E a cada dia ficamos mais longe de ter cientistas que possam ser descritos em uma única frase: Ele descobriu...

Almas brancas - José Castello


Branco, um branco veemente e
trágico, que ilumina todas as
coisas: essa é a imagem insistente
que me vem enquanto leio
“Tangolomango” (Record), o novo
romance de Raimundo Carrero.
O Aurélio me ajuda. “Branco: diz-se da impressão
produzida no órgão visual pelos raios da
luz não descomposta”. O branco fala, portanto,
da mistura intensa, dos mundos inseparáveis,
da coabitação de contrários que designam, em
resumo, a alma humana. A alma humana é branca.
É assim também Tia Guilhermina, a protagonista
de “Tangolomango”: branca, muito branca
(de espírito, não de pele). Viva, muito viva, apesar
da dor feroz que não a abandona.

Perguntas traiçoeiras lhe perturbam a alma.
“Que é melhor? Chorar no espelho ou por trás
do espelho? Mergulhar na própria imagem e
deixar-se devorar por ela. Decifrar-se. Devorarse.
Vasculhar com os olhos o enigma de si mesma”.
Tia Guilhermina, como todo humano, é um
enigma. Não sabe se faz as escolhas certas. Ninguém
lhe dá garantias — nem ela mesma. Mal,
muito mal, se suporta. Mas vive, e com que entusiasmo!
Tem uma dor que não a deixa: o sobrinho
Matheus, o grande amor (não carnal) de sua
vida, que será julgado por um crime odioso. Em
uma viagem ao Salgueiro, interior de Pernambuco,
estuprou e matou a mãe e a irmã. Como
aceitar este ato de um menino (ela sempre o
chama de menino) tão amado?

Raimundo Carrero relata a vida branca e suja
de Guilhermina com uma escrita, ela também,
entrelaçada. A linguagem do romance imita o
espírito da personagem. É o modo sutil que Carrero
encontra para dialogar com a mulher que
criou. Ao fundo, o velho Recife, atravessado por
épocas distintas, sempre agitadas pela euforia
do carnaval. Os capítulos são curtos e lembram
as crônicas — talvez sejam crônicas, delicadas
crônicas pernambucanas. Mas o compromisso
de Carrero não é com a realidade, seu pacto é
com o diabo da invenção. Tenho certeza, pois o
conheço bem: e, se isso o condena, também o
salva. Não consigo imaginar Carrero sem sua ficção.
Um escritor desprovido de sonho é um homem
amputado.

Bruscos saltos no tempo: a história do Brasil, de
seus miseráveis agrupados em “blocos de sujos”,
de sonâmbulos que vagam pelas ruas, dos cães vadios
que se alimentam do mato dos bueiros, todo
esse Brasil intrincado e excessivo
surge inteiro no romance de
Raimundo Carrero. Mas ele não
faz história — Tia Guilhermina é
um fantasma —, faz ficção. Logo:
imitando sua personagem, enquanto
escreve sobre Guilhermina,
Carrero devora a si mesmo.
Quanto a ela, indiferente à
presença de seu autor, é uma solitária.
Mais que isso: uma mulher
apaixonada pela solidão.
“Não tinha namorados nem
amigos nem amigas, alimentava a solidão abandonada”.
Os vizinhos estranham sua dedicação ao
sobrinho Matheus. “Que fazia uma velha sozinha
com um menino dentro de casa, tocando piano?”
O garoto doce, agora um assassino. O complexo e
indecifrável — branco —, o movimento atordoante
das coisas. A vida, enfim.

Assim é a escrita de Raimundo Carrero: uma escrita
viva que, mais que “fazer estilo”, mais até do
que “contar boas histórias” — como hoje está tão
em moda —, agarra-se ao mundo e, em uma luta
selvagem, tenta arrastá-lo para o interior do livro.
Uma literatura viva, ardente, que queima as mãos
do leitor. Que o acorda. “Este romance foi escrito
para ser lido de um fôlego só, de preferência das
seis horas ao meio-dia, com a
força da luz e do sol”, adverte Carrero,
em breve nota introdutória.
Traindo-o, comecei a ler “Tangolomango”
em um fim de tarde,
sob um abajur de luz fria. Mesmo
assim, com o avançar das páginas,
fui tomado por um intenso
calor. Justifica Carrero em sua
advertência: “Sempre escrevo de
acordo com a passagem da luz
porque assim aprendi a viver
desde minha infância”. Mas a luz
não vem de fora, vem de dentro. Emana do livro,
branca, muito branca, muito suja, e nos engole.

Pelo romance, circulam personagens inesquecíveis,
como o dono do “único, esmolambado, triste,
sujo e belo bloco O Cachorro do Homem do Miúdo”.
Bloco carnavalesco de um folião só, nele um
homem segue um cão vira-latas, enquanto toca
seu pandeiro, ou sopra o clarinete. Desconhece-se
seu nome. Segue o cachorro pelos becos do Recife,
não sabe andar sozinho. Isso, porém, em
vez de sofrimento, lhe traz um sentido. “O que
surpreende é o fato de ele seguir o cachorro.
Sempre. Sem mudar de rua, de beco ou de esgoto.
Seguindo, seguindo. Talvez até de olhos
fechados”. Este homem, que se transformou na
sombra de um cão, é, um pouco, todos nós,
aprisionados que somos aos instintos e aos desmandos
da natureza. Infiéis a nós mesmos porque,
enquanto a mente nos puxa para um lado,
a carne — sempre o inferno da carne, que a ficção
de Carrero nunca abandona — nos arrasta
para outro. Somos assim: bichos. Podemos ter
fé. Alegria. Paixões. Podemos pensar e até escrever
romances, mas continuamos a ser, sempre,
animais.

Também Tia Guilhermina acha que seu sobrinho
Matheus está dominado pelos excessos.
“Ela dizia a ele, mesmo quando era um menino,
você é um homem excessivo”. Ao piano, a tia tocava
Villa-Lobos, Chopin, Debussy, na esperança
de amansá-lo. Mas o bicho que ele carrega
dentro de si só faz explodir e crescer. Somos
assim: feitos de contínuas comoções e de pequenas
explosões. Ela própria, Tia Guilhermina,
há quanto tempo não sonha em viver em
um cabaré? Segue, à risca, as palavras de Fernando
Pessoa: “Não o prazer, não a glória, não o
poder: a liberdade, unicamente a liberdade”.
Para Guilhermina, as moças que vivem nos cabarés
são como santas, “feito quem vive num
monastério, retiro do mundo, coração das alturas”.
Também inveja as prostitutas: “Para ela, a
prostituição tinha alguma coisa de retiro, de
distanciamento do mundo, de ausência”. Queria
ser prostituta, mas uma prostituta sem homens.
“Com homens para sonhar e não para viver”.
Em meio aos solavancos da vida, Tia Guilhermina
— sempre arrastada pelos sons do
carnaval do Recife — procura caminhos para
ser. Enquanto o mundo a atormenta, ela se eleva,
e expõe sua alma branca pelas ruas. Uma alma
que nos envolve e que nos devolve uma
imagem bela, embora cruel, do existir.

Laertevisão - Laerte Coutinho

folha de são paulo

Quadrinhos e Laertevisão

folha de são paulo

CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE
dik browne
LAERTEVISÃO      LAERTE
LAERTE

Reduzindo o uso nocivo do álcool

folha de são paulo

PLANTÃO MÉDICO
JULIO ABRAMCZYK - julio@uol.com
No 1º Seminário Brasileiro de Resultados sobre Iniciativas para a Redução do Uso Nocivo de Álcool, o governador Geraldo Alckmin afirmou que a Lei Antiálcool, vigente em São Paulo, pegou.
Giovanni Cerri, diretor da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) e secretário de Estado da Saúde, acrescentou que o índice de adesão à lei é similar ao alcançado pela Lei Antifumo, de 99,7%.
O seminário, realizado na FMUSP na semana passada, foi organizado pelo professor Arthur Guerra de Andrade. É a resposta do Brasil à decisão da OMS (Organização Mundial da Saúde) para que os governos nacionais orientem a população sobre o uso nocivo do álcool.
O major Marco Andrade, do Rio, apresentou os resultados da Operação Lei Seca nos últimos três anos: redução de 32% de vítimas fatais, queda de 13% no atendimento de politraumatizados e redução de 21% de vítimas de acidentes de trânsito.
Julino Rodrigues Soares Neto, da Unifesp, analisou a produção ilícita de bebidas, a venda delas por ambulantes e sua repercussão para a saúde pública.
Edney G. Narchi, vice-presidente-executivo do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), lembrou que há mais de 30 anos o Conar exerce controle ético da propaganda.
O órgão introduziu, em 2008, a obrigatoriedade da inclusão de frases como "beba com moderação" e "se beber, não dirija" na publicidade de bebidas alcoólicas.

    Religião não é fonte da moral, mas eliminá-la é temerário - Frans de Waal

    folha de são paulo

    ENTREVISTA - FRANS DE WAAL
    PRIMATÓLOGO FRANS DE WAAL CRITICA MESSIANISMO ATEU EM LIVRO
    REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAPara alguém que tem se especializado em demonstrar que o ser humano e os demais primatas têm um lado pacífico e bondoso por natureza, Frans de Waal conseguiu comprar briga com muita gente diferente.
    Autor de "The Bonobo and the Atheist" ("O Bonobo e o Ateu"), que acaba de sair nos Estados Unidos, o primatólogo holandês-americano provavelmente não agradará muitos religiosos ao argumentar que ninguém precisa de Deus para ser bom.
    Seu modelo de virtude? O bonobo (Pan paniscus), um primo-irmão dos chimpanzés conhecido pela capacidade de empatia com membros de sua espécie e de outras, pela sociedade tolerante, sem "guerras", e pelo uso do sexo para resolver conflitos.
    Com base nos estudos com grandes macacos e outros mamíferos sociais, como cetáceos e elefantes, De Waal diz que a moralidade não surgiu por meio de argumentos racionais nem graças a leis ditadas por Deus, mas deriva de emoções que compartilhamos com essas espécies.
    Bonobos e chimpanzés sabem que é seu dever cuidar de um amigo doente, retribuir um favor ou pedir desculpas.
    Por outro lado, o livro é uma crítica aos Novos Ateus, grupo capitaneado pelo britânico Richard Dawkins que tem dado novo impulso ao conflito entre ateísmo e religião desde a última década.
    "Eu não consigo entender por que um ateu deveria agir de modo messiânico como eles", diz De Waal, ateu e ex-católico. "O inimigo não é a religião, é o dogmatismo."
    -
    Folha - Quem está mais bravo com o sr. depois da publicação do livro?
    Frans de Waal - Bem, no caso dos ateus, recebi muitas mensagens de gente que me apoia. É claro que, em certo sentido, estou do lado deles, tanto por também ser ateu quanto por acreditar que a fonte da moralidade não é a religião. O que eu digo no livro é que os Novos Ateus estavam gritando alto demais e que precisam se acalmar um pouco, porque a estratégia deles não é a melhor.
    Em seu livro, o sr. faz uma referência ao romance "O Senhor das Moscas", de William Golding, história na qual garotos perdidos numa ilha reinventam vários aspectos da sociedade, inclusive a religião. Mas a religião que eles criam é brutal, com sacrifícios humanos. O sr. acha que a religião nasceu brutal e foi ficando mais humanizada?
    Acho que não. Quando olhamos para as sociedades tradicionais de pequena escala, que foram a regra na pré-história, vemos que esse tipo de coisa não está presente entre elas.
    É claro que elas tinham crenças sobre o mundo sobrenatural e podiam sacrificar um ou outro animal aos deuses, mas, no geral, eram relativamente benignas.
    É só quando as sociedades aumentam de escala que elas começam a se tornar mais agressivas e dogmáticas.
    Quando se enfatiza o lado pacífico e ético das sociedades de primatas não humanos e do próprio homem, não há um perigo de fechar os olhos para a faceta violenta dela?
    Concordo que, nos meus livros mais recentes, essa ênfase existe. Por outro lado, meu primeiro livro, "Chimpanzee Politics" ["Política Chimpanzé", sem tradução no Brasil], era totalmente focado na violência, na manipulação maquiavélica e em outros aspectos pouco agradáveis da sociedade primata. Mas a questão é que surgiu uma ênfase exagerada nesses aspectos negativos, e as pessoas não estavam ouvindo o outro lado da história.
    O sr. acha que encontrar um chimpanzé ou bonobo cara a cara pela primeira vez pode funcionar como uma experiência religiosa ou espiritual?
    Eu não chamaria de experiência religiosa (risos), mas é uma experiência que muda a sua percepção da vida.
    No livro, conto como a chegada dos primeiros grandes macacos vivos à Europa no final do século 19 despertou reações fortes, em vários casos deixando o público revoltado porque havia essa ideia confortável da separação entre seres humanos e animais. Por outro lado, gente como Darwin viu aquela experiência como algo positivo.
    E o sr. sente que essa aversão aos grandes macacos diminuiu hoje?
    Sim, e isso é muito interessante. Eu costumo dar palestras em reuniões de sociedades zoológicas de grandes cidades aqui nos Estados Unidos. Tenho certeza de que muitas pessoas ali são religiosas. E esse público é fascinado pelos paralelos e pelas semelhanças entre seres humanos e grandes macacos ou outros animais.
    Isso não significa que queiram saber mais sobre a teoria da evolução, mas elas acolhem a conexão entre pessoas e animais.
    Na sua nova obra, o sr. defende a ideia de que não se pode simplesmente eliminar a religião da vida humana sem colocar outra coisa no lugar dela. Que outra coisa seria essa?
    É preciso reconhecer que os seres humanos têm forte tendência a acreditar em entidades sobrenaturais e a seguir líderes. E o que nós vimos, em especial no caso do comunismo, no qual houve um esforço para eliminar a religião, é que essa tendência acaba sendo preenchida por outro tipo de fé, que se torna tão dogmática quanto a fé religiosa.
    Então, o temor que eu tenho é que, se a religião for eliminada, ela seja substituída por algo muito pior. Acho preferível que as religiões sejam adaptadas à sociedade moderna.
    Outro argumento do livro é que o menos importante nas religiões é a base factual delas. O mais relevante seria o papel social e emocional dos rituais. Para quem é religioso e se importa com a verdade do que acredita, não é uma visão que pode soar como condescendente ou desonesta?
    Pode ser que, para quem é religioso, essa visão trivialize suas crenças. Mas, como biólogo, quando vejo alguma coisa que parece existir em quase todos os grupos de uma espécie, a minha pergunta é: para que serve? Que benefício as pessoas obtêm com isso? Não tenho a intenção de insultar ninguém com esse enfoque.

      RAIO-X - FRANS DE WAAL
      NOME E IDADE
      Franciscus "Frans" Bernardus Maria de Waal, 64
      FORMAÇÃO
      Doutorado em biologia e zoologia na Universidade de Utrecht (Holanda) e pós-doutorado com enfoque no comportamento de chimpanzés
      PRINCIPAIS LIVROS
      "A Era da Empatia" (2010) e "Eu, Primata" (2007). Seu clássico é "Chimpanzee Politics" (1982), ainda inédito no Brasil

      Viúva de Glauco teme liberação de assassino

      folha de são paulo

      Cadu, que matou artista, pode sair de clínica
      REYNALDO TUROLLO JR.DE SÃO PAULOA viúva do cartunista Glauco Vilas Boas, Beatriz Galvão, afirma estar "revoltada e apavorada" com a possível liberação de Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, 27, assassino confesso do artista e do filho dele, Raoni.
      Para a juíza Telma Aparecida Alves, que acompanha o processo em Goiás, a saída da clínica psiquiátrica em que Cadu está internado é "um fato", questão de tempo, como revelou ontem a Folha.
      Considerado inimputável em razão de doença mental, Cadu tem aval médico para continuar o tratamento na casa da família. Ainda não há data para a liberação ocorrer.
      "Acabou minha tranquilidade. Eu me sinto a condenada, porque agora ele vai ficar solto", diz Beatriz. "Se ele não responde por seus atos, como pode andar na rua? Minha família está apavorada, pois ele sabe onde a gente mora."
      Segundo o advogado de Cadu, Sérgio Divino Carvalho Filho, os médicos que cuidam dele afirmam que, com medicação em dia e acompanhamento médico e familiar, o jovem "não oferece risco".
      Cadu, ex-frequentador da igreja Céu de Maria, fundada por Glauco, está internado numa clínica na região metropolitana de Goiânia (GO). O crime ocorreu em Osasco, em março de 2010.

        Walter Ceneviva

        folha de são paulo

        Poder ou não poder, eis a questão
        Se os Poderes da República são independentes e harmônicos, como resolver a discordância entre eles?
        O troféu do poder está em disputa pelo Legislativo (aparentemente vestindo a camiseta do Executivo) contra o Judiciário.
        Para avaliar essa questão, é preciso recordar dois pontos: as regras do jogo não foram escritas por nenhum dos poderes, mas por uma assembleia constituinte. Nem por estar mais próxima do Legislativo, quebrou o equilíbrio entre os poderes.
        Qual equilíbrio? O da própria Constituição, que a douta assembleia constituinte promulgou em 5 de outubro de 1988, presidida por Ulysses Guimarães, em texto assinado pela mesa e por todos os constituintes, de Abigail Feitosa a Ziza Valadares.
        O verbo promulgar foi utilizado pelos ilustres autores da Carta Magna. Significa dizer que foi autenticada por quem a podia validar --ao mesmo tempo, dando-lhe condições de impor seu exato cumprimento.
        O verbo promulgar, usado pelos constituintes, é daqueles que impedem o jogo de palavras. Promulgar corresponde, ao mesmo tempo, a ordenar a publicação do ato e impor o cumprimento a todos. É assim que há de ser respeitado e cumprido. Mais ainda: tem o caráter de verbo que não dá margem, ao intérprete, para grandes variações.
        Neste breve exercício de interpretação do que consta da Carta Magna, é admitida a discussão da eventual dissidência entre os Poderes. Antes, porém, de entrar no mérito, cabe lembrar que a Constituição é "carta" e é "magna" por ser o documento do qual resultam direitos essenciais e de valor superior a qualquer outro, nos quadros de todas as leis vigentes no país.
        Nesse quadro cabe a discussão agora desencadeada?
        Caber, cabe, no uso da liberdade das ideias, mas o resultado é muito óbvio. A resposta começa pelo art. 2º da Constituição, pelo qual os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si. Vale para os três Poderes, cabendo destacar a harmonia em que devem desenvolver o cumprimento das suas funções.
        Mas o leitor proporá uma questão. Se há um parâmetro, indicativo firme do que pode e deve acontecer, o que ocorre se a harmonia for quebrada, por qualquer circunstância? Há, no Brasil, o Poder Executivo, exercido pelo presidente da República --no Brasil, a presidente Dilma Rousseff, auxiliada pelos ministros de Estado que nomeie e, em missões especiais, pelo vice-presidente Michel Temer.
        Como ficam? Se os Poderes são independentes e harmônicos, como resolver a discordância entre eles?
        Se o assunto discutido for a edição de uma nova lei, a primeira verificação leva à leitura do art. 60 da Constituição. Dele decorre que nenhuma deliberação propondo emenda constitucional pode ser discutida se dela resultar a abolição da forma federativa do Estado ou ofender a separação dos Poderes.
        E, por último, a pergunta óbvia: qual a solução, se houver discordância insanável entre os Poderes da República. A resposta está --sem menor dúvida de interpretação-- no art. 102 da Constituição.
        Afirma a competência precípua do STF (Supremo Tribunal Federal) como guarda da Constituição. Cabe-lhe, por isso, julgar as ações diretas de inconstitucionalidade. Em resumo, para terminar: não é possível discutir projeto de lei que altere a definição constitucional sobre a competência dos Poderes. Se houver questão a esse respeito, só o STF resolve. Ninguém mais.


        LIVROS JURÍDICOS
        O PROCESSO DO TRABALHO E O PARADIGMA CONSTITUCIONAL PROCESSUAL BRASILEIRO
        AUTOR Artur Torres
        EDITORA LTr (0/xx/11/2167-1100)
        QUANTO R$ 30 (96 págs.)
        O ensaio sobre o processo do trabalho é dividido em duas partes. Na primeira, há pressupostos do tema e modelo constitucional do processo brasileiro. Na segunda, ditames processuais infraconstitucionais.
        EMPRESAS FAMILIARES
        AUTORES Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede
        EDITORA Atlas (0/xx/11/3357-9144)
        QUANTO R$ 49 (224 págs.)
        Publicado por típica empresa familiar, o livro tem prefácio que merece ser lido mesmo por quem não gosta do tema. Os autores discutem administração, antes de percorrerem os caminhos da sucessão e da prevenção de conflitos entre sócios ao longo de dez capítulos a serem apreciados.
        IMPOSTO SOBRE A RENDA
        AUTORES Paulo Adyr Dias do Amaral e Leonel Martins Bispo
        EDITORA Del Rey (0/xx/31/3284-5845)
        QUANTO R$ 55 (178 págs.)
        Fundamentos e contradições compõem este trabalho com crítica à vigente estrutura de impostos. Tributação da pessoa física e jurídica compõe o rol ilustrativo de questões polêmicas, coroadas pelas reflexões sobre "incentivos" estranhos. É excelente obra de introdução didática, diz Sacha Calmon, no prefácio.
        TUTELA DO DIREITO DE SIGILO DA FONTE JORNALÍSTICA
        AUTOR Pedro Luís Piedade Novaes
        EDITORA Juruá (0/xx/41/4009-3900)
        QUANTO R$ 42,50 (162 págs.)
        Josué Rios diz, no prefácio, que a obra é o "guia de como identificar deslizes". Novaes é juiz e mostra experiência ao decompor o tema do título em seus segredos e hipóteses. Fala sobre o limite da comunicação e sobre direitos da personalidade e liberdade.
        DIREITOS HUMANOS "" PROTEÇÃO E PROMOÇÃO
        AUTOR Obra coletiva
        EDITORA Saraiva (0/xx/11/3613-3344)
        QUANTO R$ 89 (402 págs.)
        Daniela Bucci, José B. Sala e José R. de Campos coordenaram a criação da obra. Maria Garcia, no prefácio, a considera relevante para a defesa dos direitos do homem.
        O PROCESSO ADMINISTRATIVO NA PREVIDÊNCIA SOCIAL
        AUTOR Clóvis Juarez Kemmerich
        EDITORA Atlas (0/xx/11/3357-9144)
        QUANTO R$ 30 (160 págs.)
        Curso e legislação compuseram a preocupação de Kemmerich com as bases e finalidades do processo administrativo em sua visão geral na Previdência.

          Moisés Naím desconstrói fim do poder no mundo em novo livro

          folha de são paulo

          Para colunista da Folha, é mais difícil exercer domínio atualmente
          NELSON DE SÁDE SÃO PAULOEm seu livro recém-lançado "The End of Power", o fim do poder, Moisés Naím não identifica o fim do Estado, o fim das grandes empresas ou igrejas, por exemplo. Cada uma à sua maneira, as elites continuam em pé, até com maior concentração de riqueza, como nos EUA. Mas a sua capacidade de exercer tal poder está em xeque.
          "É mais fácil obter e perder poder e é mais difícil usá-lo", diz Naím, em entrevista por telefone, de Washington. Ex-ministro da Venezuela, ex-diretor do Banco Mundial e ex-editor da revista "Foreign Policy", ele é membro associado do "think tank" Carnegie e colunista dos jornais Folha, "El País" e "La Reppublica", entre vários outros.
          "O escudo que protege os poderosos agora é menos eficiente", prossegue Naím. "Isso é verdadeiro nos negócios, nas questões militares, na política, na religião, no sindicalismo, na mídia. E isso é devido a muitos fatores, uma longa lista de fatores, que eu procuro agrupar em três categorias, três revoluções."
          REVOLUÇÕES
          São três emes, em português ou inglês: mais (more), mobilidade (mobility) e mentalidade (mentality). A primeira categoria "tenta condensar o fato de que vivemos em um mundo de abundância, em que há mais de tudo: há mais pessoas no mundo, as pessoas são mais ricas do que nunca, há mais cidades, mais produtos, mais remédios e mais armas".
          Para resumir como "o mais tem consequências para os poderosos", cita Zbigniew Brzezinski, ex-assessor de Segurança Nacional dos EUA: "Hoje é mais fácil matar centenas de milhões de pessoas do que governar centenas de milhões de pessoas".
          A revolução da mobilidade reflete o fato de que esse "mais" também se movimenta mais. "As pessoas, seus produtos e seu dinheiro, sua ideologia e suas pandemias, tudo se movimenta mais. E o poder requer um público cativo, requer fronteiras muito definidas, dentro das quais você o exerce. A mobilidade dificulta isso."
          A terceira categoria, mentalidade, se refere às "profundas mudanças em expectativas, aspirações, valores". Para Naím, hoje há menos tolerância para situações que antes eram aceitas sem questionamento. "Um dos exemplos mais ilustrativos disso é a explosão nas taxas de divórcio na Índia: as mulheres estão abandonando os seus casamentos arranjados."

            Simpatia não é tudo na vida - Alexandre Vidal Porto

            folha de são paulo

            No afã de sermos cordiais, toleramos o intolerável e aceitamos o inaceitável só para não parecermos chatos
            No Brasil, a simpatia tem valor supremo. Todo mundo quer ser simpático. No afã de sermos cordiais, toleramos o intolerável e aceitamos o inaceitável só para não criarmos caso e parecermos chatos.
            Moro em Tóquio. Na semana passada, fiz uma rápida viagem ao Brasil. Tudo correu bem, mas achei estranho ver amigos em São Paulo jantarem com medo de arrastão e senti raiva ao descobrir que o cartão de débito, que eu usei uma única vez em um caixa eletrônico do Rio, havia sido clonado.
            Ontem, saí com colegas de trabalho. Voltei para casa perto da meia-noite, pedalando minha bicicleta, sozinho. No caminho, atravessei um dos maiores parques da cidade --uma espécie de Ibirapuera local. Vi casais sentados nos bancos, namorando. Passei por vários outros ciclistas e pessoas fazendo cooper. Ninguém teve medo de ninguém.
            Senti-me privilegiado. Um dos poucos brasileiros com a oportunidade de gozar a sensação de liberdade que pedalar despreocupadamente pela madrugada pode evocar. Infelizmente, isso deixou de ser possível para boa parte das pessoas nas cidades brasileiras e foi substituído pelo medo de ameaças reais.
            E acabamos aceitando. Para que protestar? Uma turista foi estuprada numa van? Eliminemos as vans. Tem tiroteio na sua vizinhança? Compre uma apólice de seguro contra balas perdidas. Tem arrastão nos restaurantes da cidade? Jantemos em shopping centers.
            Agora que incendiaram uma dentista em seu consultório em São Bernardo do Campo, o que faremos? Proibiremos tratamentos dentários?
            Achar que esse tipo de ameaça é o preço a pagar pela vida em grandes cidades é equivocado. Nova York e Bogotá são exemplos de que políticas públicas bem implementadas são eficazes na redução radical da criminalidade urbana.
            Nesta semana, a Secretaria de Segurança Pública informou que o número de homicídios na cidade de São Paulo aumentou pelo oitavo mês consecutivo. No entanto, em um país com os recursos do Brasil, ninguém deveria transitar pelas cidades como quem passa por uma selva ou uma zona de guerra, temendo ataques de animais selvagens ou fugindo de balas perdidas.
            O aperfeiçoamento das sociedades democráticas exige a expressão política do povo. Do contrário, degringola. Democracia é bom, mas dá trabalho. Não é algo que se possa abandonar nas mãos de Deus.
            O povo brasileiro tem a obrigação de manifestar à classe política sua indignação e seu inconformismo. Os políticos funcionam sob pressão. A expressão da opinião pública é mais poderosa do que parece.
            Em 1923, Tóquio foi devastada por um terremoto. Voltou a ser destruída na Segunda Guerra Mundial. A cada vez, seus habitantes transformaram suas ruínas em construções. Nós, brasileiros, temos de nos educar e fazer o mesmo.
            Ficar omisso, querendo ser simpático, enquanto a qualidade de vida nas cidades brasileiras se degrada, é inconsequente. É como fechar a porta da cozinha para não ver a louça suja que temos de lavar.
            Parece cordialidade e simpatia, mas é comodismo e preguiça.

              MInha História: Abdul Hoque, 39 - De calça curta

              folha de são paulo

              Após ser aliciado por amigo, costureiro que passou 3 anos em condições análogas à escravidão no Equador vem para o Brasil como imigrante ilegal
              RESUMO - Natural de Bangladesh, o costureiro Abdul Hoque, 39, é um exemplo dos novos imigrantes que têm entrado ilegalmente no Brasil pelo Peru. Antes de chegar, aliciado por um amigo, trabalhou três anos em situação análoga à escravidão no Equador. No abrigo improvisado pelo governo do Acre em Brasileia, foi difícil se relacionar com os imigrantes haitianos. No último dia 18, Hoque partiu de ônibus para SP.
              REYNALDO TUROLLO JR.ENVIADO ESPECIAL A BRASILEIAConfio em todo mundo, e as pessoas sempre me põem para baixo, me arrumam problemas. Como muçulmano, aprendi que você tem de confiar nas pessoas. Se lhe traírem, Deus irá puni-las.
              Vivi em Comilla, Bangladesh, até 1997. No meu país, 10% são hindus, 5% cristãos e o restante é muçulmano. Bangladesh é um país muito pequeno, de população muito grande e muita corrupção.
              Em 1997 fui trabalhar em Durban, na África do Sul, como costureiro. Fazia calças, camisas, estava indo muito bem. Cheguei a ter meu próprio negócio. Penso que nunca deveria ter saído de lá.
              Em 2009, fui ver minha família depois de quase 12 anos na África. Um amigo me convenceu de que poderia fazer no Equador o mesmo trabalho que fazia em Durban, só que ganhando muito mais.
              Antes de ir ao Equador, me casei, porque minha família achava que estava ficando muito velho. Mas fui sozinho, de avião, de Bangladesh a Dubai. Passei por São Paulo, Lima e, por fim, Guayaquil.
              Cheguei em 2 de janeiro de 2010. Quando vi, estava num quartinho com um banheiro e 45 pessoas dentro.
              Fiquei confuso, só chorava, não imaginava aquilo. Tiraram meu passaporte, não podia sair à noite. Recebia US$ 240 por mês para costurar mochilas, bolsas.
              Vivi três anos assim, costurando em Guayaquil. Como não conseguia mandar dinheiro, minha mulher causava problemas para minha família, então me divorciei.
              Outro amigo de Bangladesh, que estava em Guayaquil como eu, veio para o Brasil. Na última vez que falei com ele, já em Brasileia, ele disse que estava em uma granja em São Paulo.
              Ele disse que tenho que esperar, ser paciente, mas nestas condições, com cheiro de cocô e xixi espalhado em todo o abrigo, é difícil.
              Há muitas pessoas de Bangladesh no Brasil, mas a maioria vem com visto. Acho que do Equador, cruzando a fronteira do Peru, vieram mais ou menos 50.
              Vim de ônibus de Guayaquil a Lima e tomei outro ônibus até a fronteira. Entrei por Assis Brasil (AC), às 4h, em 8 de março. Tinha um haitiano no táxi comigo. Paguei quase US$ 1.000 para vir do Equador até aqui. Em Lima, paguei mais US$ 100 à polícia.
              O pior de tudo desde que cheguei foi esperar um mês pelos documentos. Agora tenho CPF. Quero trabalhar na indústria de roupas, tenho experiência de 18 anos. Gosto do trabalho bem-feito, não só fazer por fazer.
              Gosto das pessoas no Brasil, não posso reclamar. Tratam todo mundo bem, cristãos, muçulmanos. Só a convivência com os haitianos no abrigo é difícil. Eles brigam por comida e água e tomam banho sem roupa [camisa].
              Eu não faço isso, porque se você for sete metros para baixo da terra, Deus ainda assim pode ver o que está fazendo. Alguns senegaleses [também muçulmanos] e eu vamos a um hotel. Pagamos apenas pelo banho e o banheiro.
              Durmo só três ou quatro horas por noite, por causa do barulho, da música alta dos haitianos. Quando vou dormir, vejo se não incomodo ninguém com meus passos.
              Eu deveria orar às 5h, às 13h, às 16h, às 17h30 e às 20h30, mas no alojamento não consigo, por causa do cheiro de xixi e da sujeira [causados pela superlotação]. Não dá para abaixar naquele chão para rezar.
              Preciso ser paciente. Amanhã [último dia 18] estou indo para São Paulo de ônibus. Vou encontrar meu amigo. Já comprei passagem. Hoje [17] vou passar minha última noite em Brasileia no hotel.
              Se Deus ajudar, quero ir a Bangladesh só por períodos de três meses, para visitar minha família e voltar para trabalhar no Brasil. Se as coisas correrem bem, posso até conhecer uma mulher aqui e me casar de novo.

                Apesar do casuísmo, regra teria efeito saneador

                folha de são paulo

                ANÁLISE - NOVOS PARTIDOS
                Se aprovada, pela primeira vez sistema tratará com mais rigor siglas que recebem dinheiro público sem ter votos
                FERNANDO RODRIGUESDE BRASÍLIA
                É impossível melhorar a lei dos partidos sem impor perdas para algumas das agremiações. Qualquer mudança também sempre terá um pouco de casuísmo. A depender do ângulo observado, alguém perderá mais ou menos no momento da alteração.
                Esse é o caso do projeto sobre novos partidos. Há casuísmo, mas também eventuais benefícios. Se a regra vier a ser aprovada, inclusive com a emenda apresentada pelo DEM, pela primeira vez desde a redemocratização o sistema tratará com mais rigor as siglas nanicas que se beneficiam de dinheiro público sem ter apoio nas urnas.
                Pelo modelo atual, partidos sem deputado ou com bancadas diminutas acabam tendo espaço suficiente para falar nas campanhas eleitorais no rádio e na TV. É um negócio rentável. O político fica famoso, é cortejado no segundo turno e acaba ganhando cargos no governo seguinte --com pouquíssimo apoio recebido nas urnas.
                Quem paga essa farra é o contribuinte. O horário eleitoral só é gratuito para os políticos. As emissoras recebem um ressarcimento quase integral pelo tempo cedido.
                No projeto em tramitação no Congresso, com a emenda do DEM, o tempo destinado a pequenos partidos é reduzido a uma parcela ínfima. Personagens folclóricos como Enéas Carneiro (1938-2007), do extinto Prona, seriam desestimulados, pois mal conseguiriam gritar seus nomes na propaganda.
                Os partidos de oposição e várias siglas menores enxergam menos liberdade de expressão no projeto sobre novos partidos. "O que está em jogo é a democracia", diz o senador Aécio Neves (PSDB-MG), pré-candidato a presidente em 2014.
                Na realidade, ocorre uma confusão entre democracia e democratismo. Quando o Brasil se preparava para sair da ditadura, voltou a vigorar o sistema pluripartidário. À época, a ideia era oferecer todas as facilidades necessárias para que pudessem prosperar novas legendas.
                Por essa razão houve uma licenciosidade inicial, com amplo acesso a tempo de rádio e de TV. Ocorre que se passaram décadas desde o fim da ditadura. Alguns partidos começaram pequenos e cresceram (o PT, por exemplo). Outros quase não saíram do lugar (caso do PC do B).
                Manter as regras como estão é rejeitar o conceito de meritocracia pelo voto. Nessa hipótese, o custo da sobrevivência de nanicos sem apoio eleitoral será bancado com o dinheiro dos impostos dos contribuintes brasileiros.

                Painel - Vera Magalhães

                folha de são paulo

                Risco de contágio
                Com Aloizio Mercadante declarando-se fora do páreo pelo governo paulista, o PT terá de lidar com dilema que aflige sua cúpula: o risco de a candidatura do agora favorito Alexandre Padilha levar para o palanque o desempenho do governo Dilma Rousseff na Saúde, área mal avaliada nas pesquisas. Petistas temem desgaste à reeleição da presidente em São Paulo, maior colégio eleitoral do país e onde o partido acredita ter chances de inédita vitória na corrida pelo Planalto.
                -
                Geopolítica O desempenho de Dilma no Estado é considerado decisivo, uma vez que o PT trabalha com expressiva perda de vantagem em Minas Gerais, de Aécio Neves (PSDB), e no Nordeste, de Eduardo Campos (PSB).
                Sem sinal Padilha estará hoje em uma aldeia indígena a 1.500 km de Manaus (AM), incomunicável. A ordem no QG do ministro é que nada muda na rotina por ora.
                Chapão Sem o recall de Mercadante, o PT vê como prioridade tentar uma aliança com PMDB e PSD já no primeiro turno. Nunca testados nas urnas, Padilha ou Guido Mantega (Fazenda), também lembrado como opção, precisarão de mais tempo de TV para serem competitivos.
                Bumbo Auxiliares de Dilma afirmam que o foco do governo para o 1º de Maio será o trabalhador doméstico. A presidente queria o projeto que regulamenta a PEC das Domésticas pronto para divulgação da data, mas falta ajustar detalhes com o relator Romero Jucá (PMDB-RR).
                Ampulheta Setores do governo não apostam na conclusão do estudo de impacto financeiro do projeto antes do Dia do Trabalho. Na terça, Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Jucá devem se reunir.
                Brecha 1 Contrários à decisão de Renan Calheiros (PMDB-AL) de segurar a criação de quatro novos tribunais regionais federais, deputados petistas incentivam André Vargas (PT-PR) a promulgar o projeto na ausência do presidente do Congresso.
                Brecha 2 Existe previsão de que Renan viaje em maio, o que levaria o vice-presidente da Câmara a assumir o Congresso. "Ainda não tenho decisão, mas é uma possibilidade", diz Vargas.
                Endereço A ênfase dada por Eduardo Campos ao desequilíbrio entre União, Estados e municípios na propaganda do PSB se deve a uma aposta do governador de Pernambuco. Ele acha que líderes políticos locais podem ajudá-lo a compensar a falta de palanques fortes em algumas regiões do país em 2014.
                Costura Acompanhada de deputados e senadores, Marina Silva fará visita ao gabinete de Joaquim Barbosa na próxima semana. A ex-ministra pretende levar ao presidente do STF seus argumentos contrários ao projeto que restringe os direitos dos novos partidos políticos.
                Arena Em conversa com Gilmar Mendes ontem para agendar encontro na segunda-feira, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), brincou: "Ministro, vamos conversar antes que nos coloquem como guerreiros em guerra".
                Visitas à Folha Augusto Nardes, presidente do Tribunal de Contas da União, visitou ontem a Folha. Estava com Artur Cotias e Silva, chefe de Gabinete, Hamilton Delfino Silva, secretário de Controle Externo, Cláudia Jordão, secretária de Comunicação, e Simone Barbosa, assessora do cerimonial.
                Ricardo Young (MD), vereador em São Paulo, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Ana Carolina do Amaral Silva, assessora de imprensa, e Felipe Neves, assessor de comunicação.
                com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
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                TIROTEIO
                "Não estou cogitando deixar o partido, mas, se estivesse, não me filiaria a nenhuma legenda. Afinal, não sou candidato a nada em 2014."
                DO GOVERNADOR CID GOMES (CEARÁ), sobre as especulações de que deixará o PSB por discordar da candidatura de aliado Eduardo Campos ao Planalto.
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                CONTRAPONTO
                Memória seletiva
                Em reunião na quarta-feira, vereadores de São Paulo discutiam a pauta de projetos na Comissão de Constituição de Justiça. Como é praxe, alguns pediam vistas ou adiamento de votação para averiguar o conteúdo das proposituras ou obstruir os trabalhos.
                Em dado momento, o presidente da CCJ, Antonio Goulart (PSD), anunciou texto de Arselino Tatto (PT).
                Para surpresa geral, o líder governista solicitou a retirada da pauta de votações. E explicou, arrancando risos:
                --Presidente, por favor. É que eu já não faço a menor ideia do que se trata esse projeto.