domingo, 21 de abril de 2013

De tudo e outros dois poemas - Radovan Ivsic

folha de são paulo

RADOVAN IVSIC
tradução ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO

De tudo que sei
E que sei que sabes
De tudo que vejo
E que sei que tu vês
De tudo que ouço
Quando escuto teu coração
De tudo que me dizes
E que tanto amo
De tudo que se passa
Quando fechas os olhos
De todos os sonhos
De todas as estrelas
De todas as nuvens
De tudo isso sabes
O que me alegra ainda mais?
De tudo isso o que me alegra ainda mais
É que sei que sabes
Porque tu sabes e eu sei também
Tu sabes que me amas
E eu sei que te amo.

BRIONI

Para Annie

Os cervos são borboletas
as borboletas são peixes
os peixes são claridade
a claridade é morte
a morte é laranja
a laranja é vulcão
o vulcão é feno
o feno é elefante
o elefante é afogamento
o afogamento é riso
o riso é montanha
a montanha é anel
o anel é solidão
a solidão é areia
a areia é roda
a roda é terremoto
o terremoto é cílios
os cílios são cascata
a cascata é bigorna
a bigorna é lembranças
as lembranças são vermelho
o vermelho é chicote
o chicote é fim
o fim é mel
o mel é nuvem
a nuvem é o infinito
o infinito é infinito

DE REPENTE

1 e a noite tão veloz
nas ramagens agitadas
e a garotinha
de repente em sonho tão veloz
e os galhos os galhos os galhos

2 ela corre ela corre
mas a sombra não quer em todas as rajadas
nem as folhas
nem suas mãos nem a maravilha
nem seus olhos leves

3 então lentamente
ela andou sobre o riso
sobre a riba
assustou-se diante de suas mãos
e disse para si oh bem baixinho

4 tanto tempo
ela correu sobre as folhagens
que se tornou
turbilhão em torno de seus dedos
e floresta para cada peixe
-

    O amigo do bardo - Nelson de Sá

    folha de são paulo

    TEATRO
    Thomas Lodge, um elisabetano em Santos
    NELSON DE SÁ
    RESUMO
    Figura-chave do círculo de intelectuais em que Shakespeare floresceu no século 16, o dramaturgo Thomas Lodge teve uma curiosa passagem por Santos, onde roubou
    um livro na biblioteca dos jesuítas. Vida e obra são examinadas em estudos que mostram inesperado e precoce intercâmbio entre Brasil e Inglaterra.
    -
    "Vale, mi fili, Deus te salvum reducat in domum tuam."
    Adeus, meu filho, que Deus te reconduza salvo à tua casa. Foi o que o londrino Thomas Lodge ouviu de um dos amigos que fez em Santos, José Adorno, ao deixar a cidade em 1592. Em carta que escreveu na década seguinte, em Londres, ele recorda com carinho a maneira como foi tratado pelo rico senhor de engenho nos dois meses que passou no Brasil.
    Poeta, romancista e dramaturgo de grande influência sobre Shakespeare, que era seis anos mais jovem do que ele, Lodge foi um dos "university wits" (sagazes universitários) que tomaram o palco elisabetano no século 16.
    "Em algum momento do fim da década de 1580, Shakespeare entrou num salão --mais provavelmente numa estalagem de Shoreditch, Southwark, ou no Bankside-- e deparou-se com muitos dos principais escritores comendo e bebendo juntos: Christopher Marlowe, Thomas Watson, Thomas Lodge [...]." Assim Stephen Greenblatt, de Harvard, descreve o cotidiano dos autores teatrais ingleses em "Como Shakespeare se Tornou Shakespeare" (Companhia das Letras).
    Em agosto de 1591, Lodge sumiu das estalagens de Londres para reaparecer em dezembro, lendo e furtando livros, na biblioteca do Colégio de Jesus, em Santos. Um desses livros, o manuscrito "Doutrina Cristaa na linguoa Brasilica", foi doado depois por ele à biblioteca Bodleian, a principal de Oxford, onde havia estudado, e está agora sendo preparado para a sua primeira edição, ainda sem previsão de lançamento. Quem está à frente do projeto é Vivien Kogut Lessa de Sá, da Universidade de Essex, também na Inglaterra, que retoma parceria com Sheila Moura Hue, da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
    "Não sabemos por que Lodge teria levado o manuscrito, mas uma possível explicação seria o exotismo que esses objetos carregavam", diz Sá, lembrando que Montaigne, por exemplo, colecionava objetos tupinambás na França. Sá e Hue lançaram há cinco anos "As Incríveis Aventuras e Estranhos Infortúnios de Anthony Knivet" (Zahar), escrito por um companheiro de viagem de Lodge que viveu dez anos no Brasil.
    Lodge e Knivet vieram na frota de cinco navios comandada por Thomas Cavendish, o terceiro europeu a circum-navegar o mundo --façanha que buscava repetir, além de saquear espanhóis pelo caminho, na nova expedição.
    (José Adorno não foi o único amigo que Thomas Lodge fez no Brasil. Também teriam se aproximado do escritor dois mercadores ingleses, John King, que viveu quase duas décadas em Santos, e John Whitehall, genro de Adorno.
    Whitehall conseguira estabelecer uma rota regular de comércio de açúcar entre Santos e Londres, em pleno século 16. Apelidado aqui de João Leitão, ele mostra que a relação com a Inglaterra era maior do que se imagina, segundo Sheila Moura Hue, que prepara antologia de relatos ingleses sobre o Brasil da época, para a editora Zahar, com Vivien Kogut Lessa de Sá.
    "Ele escreve uma carta para a Inglaterra, dizendo ter se casado com a filha de um homem muito rico e que, se trouxessem mercadorias, os ganhos serão de três para um", diz Hue, professora-adjunta de letras da Uni-Rio. Envia até uma lista com os produtos. "É curiosíssima, você vê do que se precisava no Brasil, dúzias de fitas de veludo pretas, tecidos caríssimos, mantas, papel, cordas para violão.")
    A lembrança afetuosa de Adorno e o catecismo bilíngue, tupi-português, não foram as únicas relíquias que Lodge levou. Em versos que publicou depois, ele remete às agruras no mar --e nas mãos do comandante. No ciclo de sonetos "Phillis" (1595), fala da "viagem desolada e infernal" e da sobrevivência "em meio a este mundo de água" e à "luta contra o mar".
    ROMANCE
    Os horrores da expedição, que levaram o próprio Cavendish à morte, também ecoam num romance que Lodge publicou em 1596, considerado sua grande criação, "A Margarite of America" (Barnabe Riche Society, 2005). No prefácio, ele diz ter se baseado numa "história em língua espanhola" que encontrou "por acaso na biblioteca dos jesuítas em Santos". E que reescreveu no navio, em meio à fome e à violência dos próprios colegas de viagem.
    Biógrafos de Lodge e especialistas em literatura elisabetana se dividem sobre a inspiração para "Margarite": alguns apontando outras fontes e lembram que a tal história em espanhol jamais foi encontrada. Outros, porém, sem negar que houve fontes diversas para a obra, veem nela reflexos do que Lodge presenciou na costa da América do Sul sob o cruel Cavendish, inclusive na sanguinária tomada de Santos, em pleno Natal.
    Por exemplo, Philip Edwards, na coletânea de relatos "Last Voyages" (Oxford University Press, 1989), especula se "a brutalidade e o sofrimento na viagem foram em parte responsáveis pela horrível violência" retratada depois no romance. Outros estudos, também recentes, falam de "Margarite" como "uma visão distópica do Novo Mundo" e até como um questionamento à estratégia e à retórica imperialistas que Elizabeth 1ª começava a esboçar na Inglaterra.
    No enredo, Arsachadus, príncipe de Cusco, se casa com Margarita, princesa de Mosco, para evitar uma guerra entre os dois reinos. Mas o início pastoral da obra logo degenera, ao gosto da época, em atrocidades do príncipe.
    Embora em prosa, guarda relação com as tragédias de vingança "Titus Andronicus", de Shakespeare, e "A Spanish Tragedy", de Thomas Kyd, que são anteriores e também carregadas de mutilações e horrores variados. Também se aproxima de "Hamlet" (1600), que é do mesmo gênero. Tanto o romance como a peça trazem cenas de aconselhamento paterno no início e terminam com corpos aos montes, inclusive o do príncipe.
    Mas, no caso, são apenas textos paralelos. A forte influência de Lodge sobre Shakespeare foi por outras obras, como o romance "Rosalynde" (1590), reescrito na comédia pastoral "Como Você Quiser" (1599). Também o poema "Historie of Glaucus and Scilla", publicado em 1589 e que inspirou, principalmente na forma, o poema shakespeariano "Vênus e Adônis" (1593). "Eles circulavam nos mesmos meios, eram ambos dramaturgos e poetas", diz Sá. "Pode ser que houvesse uma certa competição saudável. Não sabemos nada específico, a não ser que Shakespeare era leitor de Lodge."
    HAMLET
    Curiosamente, Lodge cita na sátira "Wit's Misery", que publicou em 1596, a primeira peça "Hamlet". Chamado hoje de "Ur-Hamlet", o texto se perdeu, mas é creditado a Shakespeare por estudiosos como Harold Bloom. Em passagem célebre, o sagaz universitário Lodge ironiza "o fantasma que gritava tão miseravelmente no teatro, como uma vendedora de ostras, Hamlet, vingança!'".
    De sua parte, segundo Greenblatt, Shakespeare satiriza "Wit's Misery" na cômica sensualidade de Falstaff em "As Alegres Comadres de Windsor", que teria sido escrita em 1597.
    Shakespeare e Lodge foram ligados a companhias teatrais rivais, respectivamente Lord Chamberlain's Men, considerada a mais importante, e The Admiral's Men, a segunda. E ambos estão em uma célebre lista de dramaturgos londrinos feita em 1598 por Francis Meres: Shakespeare, "o melhor em comédia e tragédia", e Lodge, um dos "melhores para comédia".
    Mas sobreviveram apenas duas peças de Lodge, "The Wounds of Civil War" e "A Looking Glass for London and England", publicadas em 1594. Ele já havia desistido do teatro e logo abandonaria toda ambição literária. Segundo Alice Walker, autora de "Life of Thomas Lodge", de 1933 (editado em 1974), a grande mudança em sua vida no final dos anos 1590, a conversão ao catolicismo em plena Inglaterra reformista, teria sido acelerada pelas leituras em Santos.
    De volta a Londres, ele passou a ter como referência o dominicano Luís de Granada, espanhol que morou a maior parte de sua vida em Portugal e cujas obras teria conhecido na biblioteca dos jesuítas. Lodge exilou-se e virou médico na França, voltou à Inglaterra, fugiu de novo, até obter proteção contra a perseguição religiosa. Foi o único dos seis "university wits" que sobreviveu aos excessos (boêmios, políticos, intelectuais) do grupo no início dos anos 1590.

      O segredo de Carlos Cachaça [arquivo aberto] - Alvaro Costa e Silva

      folha de são paulo

      ARQUIVO ABERTO
      MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS

      Rio, 1987
      ALVARO COSTA E SILVADa estação de Mangueira, na linha de ferro da Central do Brasil, eram poucos passos até a entrada da viela no fundo da qual morava Carlos Moreira de Castro, o Carlos Cachaça (1902-99). Ainda ao nível do asfalto, mas nas estranhas do Buraco Quente, o mais populoso bairro do morro.
      Apesar da agitação dos sábados no início da tarde, horário dos encontros, a casa estava sempre tranquila como o dono. Ele me recebia de pijamas elegantes e limpos, chinelos Charlot e um sorriso tímido. Na pequena varanda pintada de verde e rosa, repousava um cacho de bananas. Sentávamos no sofá da sala, e eu logo ligava o gravador. Na parede o retrato da primeira formação da ala de compositores da Estação Primeira, Carlos Cachaça ao lado do amigo, parceiro, compadre e concunhado Cartola.
      Um ano antes, 1986, publiquei na revista "Ele&Ela", entre o nu artístico e o fórum com fantasias sexuais dos leitores, um longo perfil do compositor, cuja história, àquela altura de seus 85 anos, confundia-se com a de Mangueira.
      Afilhado do português Tomás Martins, dono de parte daquelas terras, com oito anos Carlinhos cobrava para ele o aluguel dos primeiros barracos construídos no lado do morro que dava para a estrada de ferro. Começou a trabalhar na "soca", que é ajustar os dormentes no canal do trem, e fez carreira na Rede Ferroviária Federal. Para quem carregou nos ombros o peso de um apelido desses --Cachaça, pois podia beber até duas garrafas numa festa--, é paradoxal a carreira exemplar de 40 anos, sem faltar um dia. Aposentou-se em 1965 e a partir de então passou a beber só cerveja.
      Não fundou a Mangueira porque estava trabalhando quando a turma --os arengueiros Satur, Massu, Zé Espinguela, Euclides, Abelardo da Bolinha e poucos outros-- se reuniu para assinar a ata, no dia 28 de abril de 1928. Mas ligou-se unha e carne a outro fundador, Cartola, com quem compôs os mais importantes sambas da primeira fase da escola. Fazia a letra e o parceiro, a melodia.
      Nossos papos destinavam-se a um livro, jamais escrito (as gravações se perderam), e o nome de Cartola, morto em 1980, aparecia a todo momento. "Seu" Carlos contou que volta e meia sonhava com ele e, dormindo, continuava a compor com o amigo.
      Até que perguntei sobre o sumiço de Cartola, episódio ainda hoje não esclarecido. Sabe-se que, no início da década de 50, o compositor afastou-se de Mangueira e largou a música. A cortina de silêncio tinha nome de mulher: Donária. Um período que durou seis anos, no qual ele bebeu muito, lavou e guardou carros na rua, esteve à beira da morte, e teria até se envolvido com drogas, crime e contravenção.
      "Sei de tudo, vi tudo, mas não posso contar. Dos antigos amigos do morro, fui o único a estar com ele nessa época dura. Mas ele me pediu e eu prometi nunca contar nada do que se passou. Se você insistir em saber, acaba aqui nossa conversa", me avisou Carlos Cachaça.
      Ao voltar, Cartola era outro, mais sofrido, mais sofisticado, leitor de poetas parnasianos, pronto para compor, sozinho, as suas obras-primas: "Tive Sim", "Acontece", "As Rosas não Falam", "O Mundo é um Moinho". Carlos Cachaça não era mais o parceiro ideal de antes.
      Deixei passar alguns sábados e refiz a pergunta a respeito daquilo que passou a ser uma obsessão para mim, o "hiato de Cartola", um segredo que busco desvendar até hoje.
      O entrevistado fez uma cara feia. Foi à cozinha, trouxe uma garrafa de cerveja, que bebemos em silêncio. Depois me convidou para sair.
      Andando a seu lado pela rua Visconde de Niterói, ao pé da favela, as pessoas cumprimentavam "seu" Carlos (e a mim também, por educação). Foi o mais perto de me sentir uma bamba na vida.

        Arte no centro de tortura - A Esma faz exibição do 'blasfemo' León Ferrari

        folha de são paulo

        DIÁRIO DE BUENOS AIRES
        O MAPA DA CULTURA
        SYLVIA COLOMBO
        divulgaçãoObra de León Ferrari que esteve na exposição "Pop, Realismos e Política", em Buenos AiresObra de León Ferrari que esteve na exposição "Pop, Realismos e Política", em Buenos Aires

        Caminhar pelo imenso espaço da Esma (Escola Mecânica da Marinha) --composto de casas em meio a jardins numa área equivalente a 17 campos de futebol-- é uma experiência angustiante. O lugar ainda evoca os horrores que lá aconteceram, quando 5.000 pessoas foram torturadas ou mortas durante a ditadura argentina (1976-83).
        Da Esma, principal centro clandestino de detenção, partiam os condenados aos chamados "voos da morte", atirados nas águas do rio da Prata. A Esma hoje abriga um centro cultural e é sede de alguns grupos de militância kirchnerista. Sua utilização se transformou em alvo de uma polêmica na sociedade.
        A oposição a Cristina Kirchner acusa o governo de usar politicamente o lugar, questionando ainda a pertinência de realizar ali shows e exposições, que consideram demasiado festivos. "Não tem nada de festa aqui, veja o que estamos fazendo", disse àFolha Reynaldo Gomez, militante do grupo H.I.J.O.S., que na última quinta-feira participava de uma coleta de roupas e alimentos a serem enviados à La Plata, cidade que sofreu uma grande enchente há duas semanas.
        Enquanto isso, a Justiça argentina prepara-se para emitir uma sentença a repressores envolvidos nos crimes do lugar. Será a terceira e última parte do julgamento da chamada "causa Esma", que está previsto para terminar ainda neste semestre.
        LEÓN FERRARI
        Atualmente, a principal atração na Esma é o "Taller Ferrari", exposição curada por Andrés Duprat que reúne 500 obras, objetos e ambientes de trabalho de León Ferrari, 92, o mais importante artista plástico argentino vivo.
        A mostra ocorre em lugar e momento cheios de significados para o artista. Por um lado, uma das condenações que a "causa Esma" anunciará será a dos responsáveis pelo desaparecimento de seu filho, Ariel, levado ao centro de detenção clandestina. Por outro, a mostra ocorre ao mesmo tempo em que o país ainda se comove com a escolha de um papa argentino.
        Quando era cardeal, Jorge Mario Bergoglio chamou Ferrari de "blasfemo". Uma retrospectiva sua no Centro Cultural Recoleta, em 2004, foi invadida e trabalhos seus foram destruídos por radicais católicos.
        Entre as peças em exposição estão as séries que mostram Cristo montado em tanques de guerra e colagens sobre frases do papa João Paulo 2º.
        ADRIANA VAREJÃO
        O Malba (Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires) continua expondo sua sensibilidade para as obras de artistas brasileiras. Tendo entre seus destaques a célebre "Abaporu", de Tarsila do Amaral, agora o Malba emenda sua segunda exposição de porte de artistas contemporâneas.
        Depois de exibir Beatriz Milhazes, em setembro, agora é a vez de Adriana Varejão. A panorâmica de seu trabalho reúne as peças que estiveram nas mostras do MAM do Rio, mas com novidades.
        Até 10 de junho, podem ser vistas as séries "Pratos", "Mares e Azulejos", "Saunas", "Línguas e Incisões", "Ruínas de Carne Seca" e outras. Divididos em sete salas, as incisões, o sangue e a carne das obras tornam-se mais potentes ao transmitir sua mensagem.
        À Folha Varejão reforçou que seus trabalhos com a carne vêm de Goya, Rembrant, Géricault e Francis Bacon. Disse também que vê a conexão entre seu trabalho e o hispano-americano por meio do barroco. Varejão encantou a mídia local e foi abordada pelo mito das artes argentinas, a artista experimental Marta Minujín.
        BAFICI
        Desde o último fim de semana, os cinéfilos estão em polvorosa. Acaba de começar o Bafici, festival de cinema independente de Buenos Aires, que leva 470 filmes a cinemas do centro, ao Village Recoleta, ao Planetário e ao parque Centenário, onde há exibições ao ar livre. Em sua 15ª edição, houve uma melhor organização da compra de entradas pela internet. Ainda assim, o público se acotovela em filas de que fazem lembrar as da Mostra de São Paulo.
        Há retrospectivas, como a do coreano Hong Sang-soo e a do argentino Adolfo Aristarain. O Brasil está melhor representado do que a própria Argentina. Além de "O Som Ao Redor", "Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios" e outros, há uma retrospectiva da obra de Júlio Bressane, com 17 filmes.
        A ausência de filmes argentinos de relevo tem explicação política. A maioria da produção atual é financiada pelo Estado e tem se dedicado a explorar temas dos anos 70. Já o Bafici é organizado pelo governo da cidade, do opositor à Cristina, Maurício Macri.
        Deixar de lado a produção nacional mais militante tem a ver com a tentativa de escantear o cinema panfletário e destacar a variedade de produções estrangeiras que dificilmente estreiam na Argentina.

          Antropologia de Darwin

          folha de são paulo

          ENSAIO
          Os fundamentos materiais da moral
          CARLOS ALBERTO DÓRIA
          RESUMO
          "A Descendência do Homem" (1871), de Charles Darwin, foi praticamente ignorado em nome da ideia liberal de "guerra de todos contra todos". Releituras e pesquisas recentes em torno do livro revelam uma verdadeira teoria antropológica darwiniana que aponta para as raízes biológicas da moral.
          -
          Um dos casos mais intrigantes da epistemologia das ciências biólogicas é a quase absoluta ignorância que se seguiu à publicação de "A Descendência do Homem" (1871), de Charles Darwin.
          Quase ninguém se deu conta de que a obra encerrava uma revolução no conhecimento, tão importante quanto "A Origem das Espécies" (1859).
          Tão certos estavam os seguidores e detratores de Darwin de que se tratava de uma "continuação" ou "aplicação" da "Origem" à espécie humana, contestando a natureza divina do homem, que nem se deram ao trabalho de lê-la. Do mesmo modo, parte do trabalho --sobre o mecanismo da seleção sexual-- foi considerado um ensaio independente, sem conexão com a origem do homem. Passou em brancas nuvens esta que é considerada agora a "segunda revolução darwiniana".
          A obra vale por não repetir argumentos da "Origem", constituindo uma verdadeira antropologia na qual se fundem as dimensões biológica e cultural, como nunca se vira antes e não se viu depois, pois as ciências humanas se desenvolveram de costas para a biologia e a cultura foi considerada algo além do mundo orgânico ("superorgânica") --isto é, a vida simbólica já aparece como plenamente constituída.
          Essa antropologia só é possível porque Darwin não vê diferenças de natureza, e sim de grau, naquilo que une o homem às demais espécies animais. As habilidades, os instintos, a inteligência, a capacidade de comunicação (linguagem), os comportamentos são caracteres animais difundidos por infinitas espécies.
          O impacto político dessa antropologia é enorme. Ao "animalizar" o homem e seus instintos mais "nobres", deixava a igreja falando sozinha, mesmo sem haver pensado a obra como um libelo antideísta. O livro mostra que os homens pertencem a uma espécie polimórfica, na qual todos são iguais, e as diferenças secundárias, como a cor da pele, foram desenvolvidas ao longo de milênios, através de escolhas estéticas de grupos humanos.
          POLÍTICA
          Mas por que Darwin escreveu esse livro, se as ciências humanas não eram seu foco de atenção? A razão foi de ordem política e humanitária, conforme hoje se sabe, graças ao estudo dos biógrafos de Darwin sobre suas anotações e diários (Adrian Desmond e James Moore, "Darwin's Sacred Cause: Race, Slavery and the Quest for Human Origins", Penguin Books, 2009).
          Quando Darwin esteve no Brasil, horrorizou-se com a escravidão e, desde o distante ano de 1837, começou a reunir elementos para provar a origem comum e a igualdade entre os homens no plano biológico, de modo a sepultar as principais teses dos escravistas, com destaque para a tese da poligenia (tomando raças ou variedades como se fossem espécies "criadas" independentemente, segundo sugeria a leitura que faziam da Bíblia) com a qual "justificavam" o direito à escravizar seres aparentemente distintos.
          Do ponto de vista historiográfico, a trajetória intelectual de Darwin também é surpreendente: uma obra sobre o homem, provando sua igualdade (monogenia), foi ideia anterior à concepção da seleção natural. Assim, se o estudo sobre a origem das espécies favoreceu sua compreensão sobre a animalidade do homem, ela contribuiu igualmente para o amadurecimento de sua antropologia.
          A nova leitura esclarecedora de "A Descendência do Homem" deve-se ao trabalho de quase 20 anos do epistemólogo francês Patrick Tort, cujo livro "L'Effet Darwin: Séléction Naturelle et Naissance de la Civilisation" (Seuil, 2008) é síntese dessa trajetória persistente.
          A primeira questão que Tort busca explicar é o desprezo pela antropologia de Darwin. E sua explicação é relativamente simples: a ideia de "luta pela vida" era extremamente conveniente para a economia política liberal; reforçava a noção de luta de "todos contra todos" e triunfo dos mais fortes, e os evolucionistas liberais, como Herbert Spencer, a ela se aferraram.
          "A Descendência do Homem", ao contrário, é a obra na qual Darwin sofistica os mecanismos de seleção --faz até um mea-culpa por haver exagerado o papel da seleção natural-- introduzindo na história natural as noções cruciais da cooperação e "altruísmo".
          Contudo, só nos países sem tradição de economia política liberal esses mecanismos de evolução foram percebidos e valorizados, como na Rússia czarista, resultando em algumas obras discrepantes em relação à interpretação dominante, como a de Peter Kropotkin, "Ajuda mútua: Um Fator de Evolução" (1888).
          Em "A Descendência do Homem", Darwin mostra como esse animal surge da evolução de formas mais simples através da convergência fortuita de vários processos: a pedestrialização (quando o animal desce das árvores), o bipedismo, a encefalização (aumento do cérebro) e o desenvolvimento da linguagem simbólica. Mas não foram só as transformações físicas que Darwin captou. Ele indicou que, ao se desenvolver no plano social, criou-se uma ruptura com o processo anterior, no qual, por força de pressões ambientais, os animais se adaptavam mediante a transformação física milenar.
          O Homo sapiens já não se transforma fisicamente, mas age sobre o ambiente, adaptando-o às suas necessidades (produz vestimentas, habitação etc.). Do mesmo modo, o instinto animal evolui e aprofunda seu caráter social, impondo formas cooperativas, tornando-o um animal social bastante sofisticado, capaz de várias ações altruístas.
          Mas por que o altruísmo? Não se trata da manifestação de uma "essência humana", fruto de um sopro divino, mas de uma necessidade material da vida. O instinto social é característica de várias espécies --como as abelhas, as formigas e vários mamíferos superiores. Através dele, a reprodução do grupo entra em causa, condicionando as ações e escolhas individuais.
          NOVO PERCURSO
          No homem, desde a divisão de trabalho entre macho e fêmea para cuidar da cria (longamente inabilitada para, sozinha, prover a vida) até o desenvolvimento das instituições sociais, como a ciência ou a medicina, um novo percurso evolutivo se instaura quando crianças, velhos e indivíduos menos aptos são protegidos, em vez de eliminados.
          Uma seleção natural de instintos e comportamentos antieliminatórios (ou "antisselecionistas") vai tomando corpo e reprimindo as ações eliminatórias.
          O resultado cego desse longo processo é a civilização, isto é, a repressão sistemática da "lei do mais forte" na medida em que padrões encontram formas de se impor ao grupo e se sobrepor aos do indivíduo. Tort verá nesse mecanismo a "reversão da seleção natural", ou o nascimento da civilização sem ruptura com a dimensão biológica da vida. Em outras palavras, a base material, natural, da moral.
          "A Descendência do Homem" traz uma segunda parte, sobre a "seleção sexual". Nela, o cientista inglês mostra justamente a necessidade do altruísmo --a capacidade de dar a vida por outros membros da espécie-- como fator de evolução. Por que em certas espécies, notadamente de aves, o macho é muito mais belo e exuberante que as fêmeas? Simplesmente porque, ao se desenvolverem dessa forma, eles têm mais chances de serem "escolhidos" pelas fêmeas e criarem descendência. Mas o pavão, por exemplo, ao desenvolver sua beleza perde a capacidade de voar, ficando à mercê dos predadores. Essa inabilitação adquirida só se explica pelo "altruísmo": correr riscos, o autossacrifício em nome do outro, da descendência.
          Por esse mecanismo da seleção sexual, o homem também terá capacidade de alterar seus caracteres secundários. Sendo espécie polimórfica, variará na cor da pele e outros traços físicos exteriores ao perseguir padrões de beleza restritos a cada grupo humano isolado. O "belo ideal" é um conceito social que se materializa nos indivíduos que ocupam a chefia do grupo, nas mulheres que utilizam adornos, nas estátuas que representam os deuses e assim por diante.
          Esses padrões se tornam dominantes na medida em que passam a intervir nas escolhas matrimoniais e, por esse processo, disseminam-se pelo grupo. Nada disso precisa ser consciente para agir sobre o homem, como o instinto não é consciente no animal.
          Caminhos como esse mostram, mais de um século depois, a dimensão insuspeitada de uma obra que parecia "caduca" aos olhos das ciências naturais e ciências humanas. Trata-se de um clássico que, finalmente, impõe sua grandeza intelectual.

            3 meses após início de ação para internações cracolândia está cheia

            folha de são paulo

            GIBA BERGAMIM JR.
            DE SÃO PAULO

            O jovem de 16 anos acende o cigarro de maconha no quintal de casa, na frente do pai. "Melhor aqui do que fumando crack na rua", diz o desempregado Samuel de Paula, 45, morador de Itapevi, na Grande São Paulo.
            Com os dedos queimados pelo acender de cachimbos, o filho dele fugiu após 18 dias de internação. O adolescente é um dos 590 internados após o início do plantão judiciário para atendimento a dependentes químicos no Bom Retiro (centro).
            O programa, iniciado há três meses não conseguiu amenizar o fluxo da chamada cracolândia, que segue apinhada de dependentes.
            Com sede no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas) do Estado, a iniciativa sofre com problemas estruturais, segundo juízes que atuam ali desde 21 de janeiro.
            Demora para conseguir vagas, falta de ambulâncias para transportar dependentes e de equipes para lidar com viciados em surto foram algumas das falhas detectadas pelo desembargador Antônio Carlos Malheiros.

            Recuperação de viciados em crack

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            Avener Prado/Folhapress
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            Thomas Watanabe Fantine, 20 anos, e sua mãe Sheilla Watanabe Fantine, 45 anos; dependente de crack, Thomas acaba de sair de internação
            "As vagas faltam, sim. Acabam aparecendo depois que o Judiciário determina o aparecimento", disse Malheiros. "Com essa demanda terrível tem que se reestruturar para ser mais ágil. A falta de estrutura é uma marca da Saúde de forma geral", afirmou.
            A alta demanda gerou casos de falta de vagas, segundo Malheiros. "Teve uma mãe que me procurou e disse que estava havia quatro dias ali esperando que o filho, numa maca, fosse internado. Imediatamente subi e pedi ao juiz que determinasse e a vaga saiu", disse o desembargador, que coordena o plantão.
            O plantão judicial foi criado para agilizar internações. Nos três meses, houve 177 processos para isso -nem toda a internação necessita da intervenção direta da Justiça.
            A presença do juiz serve, por exemplo, para que se determine a internação compulsória, que ocorre contra a vontade do dependente e independe do aval da família.
            Nos três meses, 3.295 pessoas foram atendidas no centro, que se transformou numa espécie de pronto-socorro de dependentes e seus parentes em busca de ajuda.
            A medida foi criada um ano depois da ação policial na cracolândia para coibir o tráfico e incentivar usuários a buscar tratamento. O tráfico persiste e os dependentes estão espalhados pelas ruas.
            Apenas uma pessoa foi internada por medida judicial. Nas demais, ou o dependente aceitou o tratamento ou a internação ocorreu de forma involuntária - quando a família autoriza mediante indicação de um psiquiatra.
            À FORÇA
            No caso do filho de Samuel de Paula, ele mesmo agarrou o jovem de 16 anos pelo braço e o levou à força até o Cratod, no dia 21 de janeiro.
            O desempregado havia acabado de flagrar o rapaz vendendo crack na rua Dino Bueno, região da cracolândia.
            O garoto fugiu pela porta da frente após ficar 19 dias no hospital psiquiátrico Pinel (Pirituba). "Aqui o protejo. Deixo ele fumar para não ser extorquido nem aliciado ou que o matem na rua. Do portão para dentro, eu sou a polícia".
            Depois da fuga, o rapaz voltou para casa. "Me disseram que se quisesse poderia sair. Passei pelo porteiro e vim embora", disse o jovem. "Lá só tomava remédio e ficava trancado. Não tinha atividade quase", disse ele, que parou de estudar na 5ª série e tem passagens pela Fundação Casa.
            Segundo o pai, o garoto voltou para casa sozinho de trem. "Mas e agora? Se o Estado não foi capaz de retê-lo até o fim do tratamento, vou ficar numa loteria, sem saber o que fazer".
            OUTRO CASO
            "Um mês foi muito pouco. Saí e estou me segurando para não usar", diz Thomaz Watanabe Fantine, 20.
            Viciado em crack há cinco anos, ele foi internado [no interior de SP] por 25 dias, após se cortar na frente de funcionários do governo. "Fiquei num lugar para louco. Não quero esse tratamento".
            Após ter alta, foi deixado na Cracolândia. Não voltou ao crack por causa dos remédios. "Peguei carona num ônibus e vim para a casa da minha mãe [na zona norte]".
            Sheilla Watanabe, 45, a mãe, não trabalha mais como pintora de parede para cuidar do filho. "Sem um bom tratamento, voltará às ruas".
            Editoria de Arte/Folhapress

            FOCO
            Após alta, jovem volta para casa, mas 'fissura' continua
            DE SÃO PAULO
            "Um mês foi muito pouco. Saí e estou me segurando para não usar", diz Thomaz Watanabe Fantine, 20.
            Viciado em crack há cinco anos, ele foi internado [no interior de SP] por 25 dias, após se cortar na frente de funcionários do governo. "Fiquei num lugar para louco. Não quero esse tratamento".
            Após ter alta, foi deixado na Cracolândia. Não voltou ao crack por causa dos remédios. "Peguei carona num ônibus e vim para a casa da minha mãe [na zona norte]".
            Sheilla Watanabe, 45, a mãe, não trabalha mais como pintora de parede para cuidar do filho. "Sem um bom tratamento, voltará às ruas".

            Mãe fica 'grudada' 24 horas no filho após internação
            DE SÃO PAULOO sonho de ser modelo virou a meta do estudante Jeferson de Araújo Feitosa, 23, que ficou dois meses internado após ser atendido no plantão do Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas).
            Antes de conseguir a vaga para o tratamento, fugiu do centro e voltou após dois dias fumando pedras na favela de Heliópolis (zona sul).
            "Tinha passado Natal e Ano Novo longe da família. Aí pensei em colocar um rumo na minha vida", disse.
            Em tratamento para curar um câncer, a mãe dele, Janicleide Xavier, 40, passa o dia grudada no filho. "Confio nele só do meu lado. Não posso deixá-lo porque sei que ele pode desviar o caminho".
            Janicleide espera não precisar contar mais com o Cratod. "Foi uma porta aberta e indico que busquem ajuda lá. Mas há desorganização. Sei que ele se tiver uma crise vai ser aquela mesma saga. Vou levá-lo aos lugares, vão dizer que não tem vaga. Não posso mais", afirma.


              OUTRO LADO
              Tratamento é 'sistema em construção', diz governo
              Segundo secretaria de Saúde, pacientes não ficam desassistidos e frota de ambulância está bem dimensionada
              DE SÃO PAULOA coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas da Secretaria de Saúde, Rosângela Elias, disse que o tratamento de dependentes "é um sistema em construção" e que não é possível encontrar algo 100% ideal na rede. Segundo ela, a cracolândia não acaba com mágica.
              "É preciso várias ações e políticas sociais. Não é só tirar as pessoas de lá que vai resolver o problema. A questão do tráfico é séria, é preciso ocupação dos espaços sociais, tudo está envolvido".
              Sobre a falta de vagas em hospitais psiquiátricos, ela diz que, enquanto o paciente aguarda, fica internado no próprio Cratod.
              "Ele não está desassistido. Não existe lugar no mundo em que a vaga saia imediatamente. Não é só porque atrasa dois ou três dias que o sistema é falho. Dizer isso é até uma injustiça", afirmou.
              Ela disse que há uma frota de quatro ambulâncias, que fazem remoções e visitas domiciliares. "Com certeza vai ter ambulância que não chega instantaneamente, pois estamos em São Paulo, onde há trânsito. Não dá para colocar uma frota de ambulâncias na porta do Cratod", disse.
              Segundo a coordenadora, a maioria das famílias quer internações prolongadas.
              "Num projeto terapêutico, a continuidade é o que vai fazer a diferença. As pessoas têm uma visão mágica da internação como se fosse a solução. Se o dependente sai da internação e a família não dá continuidade, a chance de recaída é muito maior", disse.
              A prefeitura informou que que os pedidos de avaliação médica ou visitas domiciliares por meio de medida judicial cresceram. " Os Caps avaliam caso a caso e, quando há indicação da equipe, encaminham para internações", disse por meio de nota.
              A Secretaria Municipal de Saúde informou que tem tanto unidades bem equipadas quanto as que necessitam de adequações e que estão agindo para sanar eventuais problemas de atendimento.

                Escola particular oferece até iatismo para 'ocupar' aluno

                folha de são paulo

                SABINE RIGHETTI
                DE SÃO PAULO

                As escolas particulares de São Paulo estão cada vez mais criativas na oferta de cursos extracurriculares --a maioria pagos-- para seus alunos.
                Entre as tendências do modismo estudantil estão robótica e esgrima. Mas há quem vá além e ofereça até iatismo.
                Esse é o caso, por exemplo, do Colégio Humboldt, que trouxe a modalidade no começo deste ano. "A demanda por novidades veio dos próprios alunos", diz Everton Augustin, diretor-geral da escola.
                O curso de iatismo, oferecido nas tardes de terças e quintas-feiras, tem 47 alunos de 7 a 18 anos. "Ficamos surpresos com a demanda", diz o coordenador Marcos Biekarck.
                Para quem quer fazer universidade na Alemanha e cursa um ano adicional no ensino médio, o iatismo é a atividade esportiva regular.
                O equipamento fica por conta da escola. Se o aluno quisesse comprar a própria vela, teria de desembolsar algo entre R$ 4.000 e R$ 6.000.
                A maioria das modalidades extras funciona como um "plus" para segurar os alunos por mais tempo na escola.
                Das seis escolas ouvidas pela Folha, apenas o Colégio Bandeirantes, que está entre as cinco melhores escolas paulistas de acordo com o último Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), não cobra por nenhum curso a mais.

                Aulas de esgrima

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                Jorge Araujo/Folhapress
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                Escolas particulares de SP têm aulas inusitadas como golfe, esgrima e iatismo; na escola Internacional de Alphaville crianças de várias idades participam
                ESPECIFICIDADE
                A oferta de cursos como iatismo, diz o diretor do Humboldt, não significa que esportes tradicionais como o futebol, perderam espaço. A ideia é "atender especificidades dos alunos".
                É o caso de Yuliette Medina Maldonado, 14. A garota mexicana recém-chegada ao Brasil pinta quadros e gosta de música, como conta o pai. A dedicação aos esportes surgiu nas aulas de esgrima, curso extra da Escola Internacional de Alphaville.
                "Ela conseguiu encontrar um esporte que tem afinidade com atividades artísticas", afirma o engenheiro químico Enrique Medina, pai da garota. Ele desembolsa cerca de 10% a mais na mensalidade da filha para o esporte.
                Mas não são apenas os esportes que estão na lista das atividades fora do currículo.
                No Porto Seguro, uma modalidade que faz sucesso é o curso de análise de notícias."Analisamos textos sob o ponto de vista da história, da geografia e da biologia", diz o professor Rafael Covre.
                A maioria dos alunos é composta por estudantes que pretendem fazer curso universitário em humanas.
                No São Luís, quem vai prestar exatas tem aprendido robótica com peças de Lego. Segundo a escola, 80% dos estudantes são meninos.

                Aulas inusitadas

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                Fabio Braga/Folhapress
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                Escolas particulares de São Paulo apostam em aulas inusitadas em sua grade escolar; atividades incluem curso de iatismo
                Editoria de Arte/Folhapress


                ANÁLISE
                Atividade deve dialogar com projeto pedagógico
                Discutido com os pais, programa delineia objetivos da escola e precisa estar presente também em aulas extracurriculares
                ELISABETE MONTEIRO DE AGUIAR PEREIRAESPECIAL PARA A FOLHAToda escola tem um projeto pedagógico em que estão delineados a filosofia da escola, os objetivos e o perfil de egresso que a instituição deseja formar. Isso é apresentado aos pais, que discutem com a equipe pedagógica da escola sobre a sua concordância em relação ao projeto.
                Ultimamente a participação dos pais na vida escolar dos filhos está cada vez maior e as escolas também têm se aberto mais a essa participação. Não é uma regra geral, mas há um aumento significativo do entendimento mútuo a respeito da importância dessa participação.
                A introdução de aulas extracurriculares tem, necessariamente, de fazer parte desse projeto apresentado e discutido pelas escolas com os pais e pelos pais.
                Por outro lado, as escolas têm entendido a importância de formar alunos com entendimentos sobre as mais amplas questões do conhecimento. As instituições têm buscado favorecer o desenvolvimento do aluno em todas as áreas, para além das tradicionalmente trabalhadas na escola.
                Se as atividades respondem ao que foi intencionado no projeto pedagógico, elas podem ser consideradas pedagogicamente válidas.
                O xadrez, por exemplo, tem sido uma atividade desenvolvida, inclusive, em escolas públicas, pelo potencial de desenvolvimento intelectual, da capacidade de concentração, análise e tomada de decisão. O jogo de xadrez entra em uma nomenclatura atual que é o "esporte-ciência".
                O que não pode acontecer é a atividade escolar não estar inserida no contexto do projeto pedagógico.
                Há cursos extras que fazem parte das atividades complementares do currículo. Nesses casos, as escolas desenvolvem projetos que integram questões de várias áreas do conhecimento, permitindo às crianças entenderem sua interdisciplinaridade.
                Alguns desses projetos podem integrar física, matemática, química, história, cultura, valores sociais, as relações com o cotidiano, com o mundo físico etc. Isso amplia a percepção dos alunos sobre a complementaridade entre as áreas do conhecimento.
                Espera-se que outros cursos extras, como iatismo, também estejam estruturados dentro de objetivos educacionais explicitados no projeto pedagógica da escola.

                  Pais ocupados alavancam procura por curso extra
                  Medo de violência é outro fator que leva a busca por atividades para os filhos
                  Para especialista em psicologia da educação, cursos demais podem resultar em sobrecarga dos alunos desde cedo
                  DE SÃO PAULOAs famílias estão mais ocupadas e as cidades são ambientes violentos. De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, os dois fatores, juntos, têm motivado a procura dos pais por atividades extracurriculares para seus filhos.
                  Não há dados sobre quantas escolas paulistas oferecem as atividades extras. Cada instituição tem autonomia para oferecer os cursos e até para terceirizar as atividades.
                  O que se sabe é que a demanda é grande.
                  No Colégio Humboldt, em Interlagos, pelo menos dois terços dos 1.243 alunos permanecem na escola à tarde para fazer cursos adicionais como circo, economia, mandarim e até iatismo --que é feito no Yatch Clube, perto da escola, na represa de Gurapiranga.
                  A questão é que com pai e mãe trabalhando fora, quanto mais tempo a criança passar na escola, melhor para a organização da família.
                  "As atividades extras são uma tendência cada vez mais comum no ensino particular, inclusive em escolas privadas da periferia", explica Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo).
                  De acordo com ele, a moda começou em meados de 1990 e ganhou mais intensidade na última década.
                  Agora, afirma, com as novas regras trabalhistas para as empregadas domésticas, a procura pelas atividades extras deve crescer ainda mais.
                  Além da organização familiar, há a questão da falta de segurança nas cidades.
                  "Hoje em dias as crianças não podem mais andar livremente e brincar na rua. As cidades estão violentas e os pais se preocupam com isso", explica Everton Augustin, diretor geral do Humboldt.
                  De acordo com ele, atividades extras são comuns também na Europa. "Na escola, o estudante está em um ambiente organizado, controlado. Os pais se sentem mais tranquilos", diz Augustin.
                  SOBRECARGA
                  O problema é que, se excessivas, as atividades extras podem sobrecarregar os pequenos e os adolescentes.
                  "Ficar mais tempo na escola pode ser positivo. Mas o aluno também precisa de tempo livre para brincar e escolher o que quer fazer", analisa a psicóloga da PUC-SP Mariangela Barbato Carneiro, especialista em educação.
                  De acordo com ela, a preocupação dos pais com a inserção rápida dos filhos no mercado de trabalho também tem estimulado a procura por cursos extras desde cedo.
                  "Isso pode trazer muita pressão para as crianças. Elas podem ficar sobrecarregadas e deixarão de aproveitar a infância, que só acontece uma vez na vida", diz Carneiro.
                  Mas, afinal, é possível ter uma infância saudável em um ambiente urbano com os dois pais trabalhando fora? A resposta, segundo a psicóloga, é positiva.
                  "As escolas podem manter os alunos à tarde, permitindo que eles escolham se querem estudar, fazer tarefa, brincar ou fazer esportes."
                  Para Silva, do Sieeesp, o ensino integral é uma tendência mundial e deve chegar inclusive ao ensino público. "No Brasil, o ensino particular sempre sai na frente."

                    Qual é a inflação corrente? - Samuel Pessoa

                    folha de são paulo

                    O espalhamento atual da inflação é compatível com uma taxa de 7,5% ao ano; as desonerações são artificiais
                    Talvez a maior dificuldade na condução da política monetária corrente seja saber exatamente qual é a inflação de fundo da economia. Isto é, qual a inflação gerada pela pressão da demanda.
                    Geralmente o índice de inflação --o IBGE mede mensalmente a inflação do consumidor dada pela evolução do índice de preço ao consumidor amplo (IPCA)-- fica "contaminado" por elevações de preços que representam choques de oferta da economia que no futuro serão revertidos.
                    Por exemplo, sabe-se que os preços das principais commodities agrícolas --soja, milho e trigo-- elevaram-se muito no segundo semestre do ano passado em razão de secas nos EUA, na Argentina e no Brasil.
                    Como os problemas climáticos vêm e vão, não faz sentido a política monetária combater choques dessa natureza.
                    Evidentemente, se os choques gerarem pressão sobre o mercado de trabalho e induzirem barganhas salariais que elevem a taxa de crescimento dos salários além da produtividade, de sorte que os aumentos salariais serão repassados aos preços dos produtos, deve-se elevar a taxa de juros para combater o fenômeno inflacionário.
                    Além do choque das commodities agrícolas, houve no primeiro trimestre deste ano e no quarto do ano passado um choque de produtos hortifrutigranjeiros. Esse choque também reverterá. No fim do ano, a inflação em 12 meses provavelmente estará na casa de 5,6%.
                    Por que motivo toda a preocupação e a grita do "mercado" financeiro? Ocorre que houve inúmeros choques de oferta de sinal contrário. As inúmeras desonerações --energia elétrica, cesta básica, IPI de automóveis, entre outras-- têm efeito transitório e funcionam exatamente como um choque de oferta, só que com sinal contrário.
                    Qual seria a inflação hoje medida pelo IPCA se não houvesse as desonerações? Uma maneira é recalcular o índice de inflação desconsiderando os itens do IPCA que foram desonerados. Esse cálculo sugere que a inflação estaria entre 7% e 7,5%.
                    Outra forma de avaliar qual seria a inflação corrente se não existisse as desonerações é procurar alguma variável ligada à inflação, mas que não seja afetada pela desoneração. Um exemplo é a taxa de difusão. A taxa de difusão é a proporção dos preços que se elevam no mês.
                    Cada ponto do gráfico nesta página apresenta para cada mês entre julho de 2005 e junho de 2012 a inflação acumulada em 12 meses no eixo horizontal e a difusão média nos 12 meses anteriores no eixo vertical.
                    Nota-se que há uma clara relação positiva entre ambas: quando o nível de inflação acumulada em 12 meses eleva-se, a difusão acompanha.
                    As cruzes no gráfico representam as mesmas variáveis para o período de julho de 2012 até março de 2013. Nota-se um claro deslocamento da relação entre a inflação em 12 meses e a difusão. Nos últimos nove meses, a relação entre inflação e difusão deslocou-se para cima e para a esquerda no gráfico.
                    O descolamento recente entre inflação e difusão da inflação é consequência das desonerações. As desonerações reduzem artificialmente a inflação, mas têm impacto bem menor sobre a difusão. Como as flechas indicam, a elevadíssima difusão média em 12 meses observada em março é compatível com uma inflação de 7,5% ao ano! De fato, o Comitê de Política Monetária do Banco Central deve estar bem preocupado com a inflação.